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Filosofia, Ética profissional e Cidadania _texto_[1]

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Faculdade Unisaber 
IBES - Instituto Brasileiro de Educação e Saúde 
Curso de Graduação em Serviço Social 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Brasília – DF 
2013 
 
 
 
1. FILOSOFIA 
1.1. As Origens 
1.1.1. O surgimento da filosofia na Grécia Antiga 
 
A passagem do pensamento mítico para o filosófico-científico 
 
Um dos modos talvez mais simples e menos polêmicos de se caracterizar a filosofia é através de 
sua história: forma de pensamento que nasce na Grécia antiga, por volta do séc. VI a.C. De fato, podemos 
considerar tal caracterização praticamente como uma unanimidade, o que costuma ser raro entre os 
historiadores da filosofia e os especialistas na área. Aristóteles, no livro I da Metafisica, talvez tenha sido o 
ponto de partida dessa concepção, chegando mesmo a definir Tales de Mileto como o primeiro filósofo. 
Veremos em seguida em que sentidos podem dizer isso, e o que nos leva a afirmar que a filosofia 
nasce em um momento e um lugar tão definidos, ou até mesmo o que nos permite considerar determinado 
pensador como o "prime ira filósofo". Não teria havido pensamento antes de Tales e desse período de 
surgimento da filosofia? É claro que sim. Neste caso, o que tomaria o tipo de pensamento que afirmamos ter 
surgido com Tales e seus discípulos tão especial a ponto de ser considerado como inaugurando algo de 
novo, a "filosofia"? Procuraremos, portanto, explicitar as razões pelas quais tradicionalmente se tem feito esta 
caracterização do surgimento do pensamento filosófico. 
Os diferentes povos da Antiguidade assírios e babilônios, chineses e indianos, egípcios, persas e 
hebreus, todos tiveram visões próprias da natureza e maneiras diversas de explicar os fenômenos e 
processos naturais. Só os gregos, entretanto, fizeram ciência, e é na cultura grega que podemos identificar o 
princípio deste tipo de pensamento que podemos denominar, nesta sua fase inicial, de filosófico-científico. 
Afirmou-se que o conhecimento científico, de cuja tradição é herdeiros, surge na Grécia por volta do 
Séc. VI a.C., nosso primeiro passo deverá ser procurar entender por que se considera que esse novo tipo de 
pensamento aparece aí pela primeira vez e o que significa essa "ciência" cujo surgimento coincide com a 
emergência do pensamento filosófico. 
Quando dizemos que o pensamento filosófico-científico surge na Grécia no séc. VI a.C., 
caracterizando-o como uma forma específica de o homem tentar entender o mundo que o cerca, isto não quer 
dizer que anteriormente não houvesse também outras formas de se entender essa realidade. É precisamente 
a especificidade do pensamento filosófico-científico que tentaremos explicitar aqui, contrastando-o com o 
pensamento mítico que lhe antecede na cultura grega. Procuraremos destacar as características básicas de 
uma e de outra forma de explicação do real. 
O pensamento mítico consiste em uma forma pela qual um povo explica aspectos essenciais da 
realidade em que vive: a origem do mundo, o funcionamento da natureza e dos processos naturais e as 
origens deste povo, bem como seus valores básicos. O mito caracteriza-se, sobretudo pelo modo como estas 
explicações são dadas, ou seja, pelo tipo de discurso que constitui. O próprio termo grego mythos significa 
um tipo bastante especial de discurso, O discurso fictício ou imaginário, sendo por vezes até mesmo sinônimo 
de "mentira". 
As lendas e narrativas míticas não são produto de um autor ou autores, mas parte da tradição 
cultural e folclórica de um povo. Sua origem cronológica é indeterminada, e sua forma de transmissão é 
basicamente oral. O mito é, portanto, essencialmente fruto de uma tradição cultural e não da elaboração de 
um determinado indivíduo. Mesmo poetas como Homero, com a Ilíada e a Odisseia (Séc. IX a. C.), e Hesíodo 
(Séc. VIII a. C.), com a Teogonia, que são as principais fontes de nosso conhecimento dos mitos gregos, na 
verdade não são autores desses mitos, mas indivíduos no caso de Homero cuja existência é talvez lendári 
que registraram poeticamente lendas recolhidas das tradições dos diversos povos que sucessivamente 
ocuparam a Grécia desde o período arcaico (c. 1500 a. C.). 
Por ser parte de urna tradição cultural, o mito configura assim a própria visão de mundo dos 
indivíduos, a sua maneira mesmo de vivenciar esta realidade. Nesse sentido, o pensamento mítico pressupõe 
a adesão, a aceitação dos indivíduos, na medida em que constitui as formas de sua experiência do real. 
O mito não se justifica não se fundamenta, portanto, nem se presta ao questionamento, à crítica ou 
à correção. Não há discussão do mito porque ele constitui a própria visão de mundo dos indivíduos 
pertencentes a uma determinada sociedade, tendo, portanto um caráter global que exclui outras perspectivas 
a partir das quais ele poderia ser discutido. Ou o indivíduo é parte dessa cultura e aceita o mito como visão de 
mundo, ou não pertence a ela e, nesse caso, o mito não faz sentido para ele, não lhe diz nada. A 
possibilidade de discussão do mito, de distanciamento em relação à visão de mundo que apresenta, supõe já 
uma transformação da própria sociedade e, portanto, do mito como forma reconhecida de se ver o mundo 
nessa sociedade. Voltaremos a este ponto mais adiante. 
Um dos elementos centrais do pensamento mítico e de sua forma de explicar a realidade é o apelo 
ao sobrenatural, ao mistério, ao sagrado, à magia. As causas dos fenômenos naturais, aquilo que acontece 
aos homens, tudo é governado por uma realidade exterior ao mundo humano e natural, superior, misteriosa, 
divina, a qual só os sacerdotes, os magos, os iniciados, são capazes de interpretar, ainda que apenas 
parcialmente. São os deuses, os espíritos, o destino que governam a natureza, o homem, a própria 
sociedade. 
Os sacerdotes, os rituais religiosos, os oráculos servem como intermediárias pontes entre o mundo 
humano e o mundo divino. Os cultos e sacrifícios religiosos encontrados nessas sociedades são, assim, 
formas de se tentar alcançar os favores divinos, de se agradecer esses favores ou de se aplacar a ira dos 
deuses. Na Grécia pode-se dar como exemplo a religião do orfismo e os mistérios de Elêusis, cujas 
influências se estendem à escola de Pitágoras e ao pitagorismo. 
É Aristóteles, como dissemos acima, que afirma ser Tales de Mileto, no Séc. VI a. C., o iniciador do 
pensamento filosófico-científico. Podemos considerar que este pensamento nasce basicamente de uma 
insatisfação com o tipo de explicação do real que encontramos no pensamento mítico. De fato, desse ponto 
de vista, o pensamento mítico tem uma característica até certo ponto paradoxal. Se, por um lado, pretende 
fornecer uma explicação da realidade, por outro lado, recorre nessa explicação ao mistério e ao sobrenatural, 
ou seja, exatamente àquilo que não se pode explicar que não se pode compreender por estar fora do plano 
da compreensão humana. A explicação dada pelo pensamento mítico esbarra assim no inexplicável, na 
impossibilidade do conhecimento. 
É nesse sentido que a tentativa dos primeiros filósofos da escola jônica será buscar uma explicação 
do mundo natural (a physis, daí o nosso termo “físico”) baseada essencialmente em causas naturais, o que 
consistirá no assim chamado naturalismo da escola. A chave da explicação do mundo de nossa experiência 
estaria então, para esses pensadores, no próprio mundo, e não fora dele, em alguma realidade misteriosa e 
inacessível. O mundo se abre, assim, ao conhecimento, à possibilidade total de explicação ao menos em 
princípio à ciência. 
O pensamento filosófico-científico representa assim uma ruptura bastante radical com o 
pensamento mítico, enquanto forma de explicar a realidade. 
Entretanto, se o pensamento filosófico-científico surge por volta do Séc. VI a.C., essa ruptura com o 
pensamento mítico não se dá de forma completa e imediata. Ou seja, o surgimento desse novo tipo de 
explicação não significa o desaparecimento por completo do mito,do qual, aliás, sobrevivem muitos 
elementos mesmo em nossa sociedade contemporânea, em nossas crenças, superstições, fantasias etc., isto 
é, em nosso imaginário. O mito sobrevive ainda que vá progressivamente mudando de função, passando a 
ser antes parte da tradição cultural do povo grego do que a forma básica de explicação da realidade. 
Contudo, sua influência permanece mesmo em escolas de pensamento filosófico como o pitagorismo e na 
obra de Platão. É nesse sentido que devemos entender a permanência da referência aos deuses nos filósofos 
gregos daquele período. 
É claro que essa mudança de papel do pensamento mítico bem como a perda de seu poder 
explicativo resulta de um longo período de transição e de transformação da própria sociedade grega, que 
tornam possível o surgimento do pensamento filosófico-científico no séc. VI a. C. Basicamente isso 
corresponde ao período de decadência da civilização micênico-cretense na Grécia, por volta do séc. XII a .C., 
e de sua estrutura baseada em uma monarquia divina em que a classe sacerdotal tinha grande influência e o 
poder político era hereditário, e em uma aristocracia militar e em uma economia agrária. 
A partir da invasão da Grécia pelas tribos dóricas vindas provavelmente da Ásia central em tomo de 
900 a 750 a.C., começam a surgir as cidades-Estado, nas quais haverá uma participação política mais ativa 
dos cidadãos, e uma progressiva secularização da sociedade. A religião vai tendo seu papel reduzido, 
paralelamente ao surgimento de uma nova ordem econômica baseada agora em atividades comerciais e 
mercantis. O pensamento mítico, com seu apelo ao sobrenatural e aos mistérios, vai assim deixando de 
satisfazer às necessidades da nova organização social, mais preocupada com a realidade concreta, com a 
atividade política mais intensa e com as trocas comerciais. E nesse contexto que o pensamento filosófico-
científico encontrará as condições favoráveis para o seu nascimento. 
É significativo, portanto, que Tales de Mileto seja considerado o primeiro filósofo e que o 
pensamento filosófico tenha surgido não nas cidades do continente grego como Atenas que terá seu período 
áureo posteriormente, Esparta, Tebas ou Micenas, mas nas colônias gregas do Mediterrâneo oriental, no mar 
Jônico, no que é hoje a península da Anatólia na Turquia. 
Essas colônias, dentre as quais se destacaram Mileto e Éfeso, foram importantes portos e 
entrepostos comerciais, ponto de encontro das caravanas provenientes do Oriente Mesopotâmia, Pérsia, 
talvez mesmo Índia e China, que para lá levavam suas mercadorias que eram embarcadas e transportadas 
para outros pontos do Mediterrâneo que os gregos cruzavam com suas embarcações. Ora, por esse motivo 
mesmo, nessas cidades conviviam diferentes culturas, e de forma harmoniosa, pois o interesse comercial 
fazia com que os povos que aí se encontravam, os gregos fundadores das cidades, fossem bastante 
tolerantes. 
As colônias gregas do mar Jônico eram então cidades cosmopolitas onde reinava certo pluralismo 
cultural, com a presença de diversas línguas, tradições, culto e mitos. É possível, assim, que a influência de 
diferentes tradições míticas tenha levado à relativização dos mitos. O caráter global, absoluto, da explicação 
mítica teria se enfraquecido no confronto entre os diferentes mitos e tradições, revelando-se assim sua 
origem cultural: o fato de que cada povo tem sua forma de ver o mundo, suas tradições e seus valores. 
Ao mesmo tempo, em uma sociedade dedicada às práticas comerciais e aos interesses 
pragmáticos, as tradições míticas e religiosas vão perdendo progressivamente sua importância. Esta é uma 
hipótese que parece razoável; de um ponto de vista histórico e sociológico, e mesmo geográfico e econômico, 
para a explicação do surgimento do tipo de pensamento inaugurado por Tales e pela chamada Escola de 
Mileto, naquele momento e naquele contexto. 
Passemos agora a examinar algumas das características centrais desse tipo de pensamento, 
encontradas não só na Escola de Mileto, mas praticamente, embora com diferenças, em quase todos os 
pensadores daquele período (sécs. VI ao V a. C.), os assim chamados filósofos pré-socráticos, por terem 
vivido antes de Sócrates. 
1.1.2. Noções fundamentais do pensamento filosófico-científico 
A principal contribuição desses primeiros pensadores ao desenvolvimento do pensamento filosófico, 
e podemos dizer também científico, encontra-se em um conjunto de noções que tentam explicar a realidade e 
que constituirão em grande parte, como veremos alguns dos conceitos básicos das teorias sobre a natureza 
que se desenvolverão a partir de então. 
Embora essas noções sejam ainda um tanto imprecisas, já que se trata do momento mesmo de seu 
surgimento, podemos dizer que a filosofia e a ciência têm aí o seu início em nossa tradição cultural. Veremos 
como, de certa forma, essas noções constituem o ponto de partida de uma visão de mundo que, apesar das 
profundas transformações ocorridas, permanece parte de nossa maneira de compreender a realidade ainda 
hoje. Isso quer dizer que podemos reconhecer nesses pensadores as raízes de conceitos constitutivos de 
nossa tradição filosófico-científica. 
1.1.2.1. A Physis 
Aristóteles (Metafísica I, 2) chama os primeiros filósofos de physiólogos, ou seja, estudiosos ou 
teóricos da natureza (physis). Assim, o objeto de investigação dos primeiros filósofos-cientistas é o mundo 
natural; sendo que suas teorias buscam dar uma explicação causal dos processos e dos fenômenos naturais 
a partir de causas puramente naturais, isto é, encontráveis na natureza, no mundo natural, concreto, e não 
fora deste, em um mundo sobrenatural, divino, como nas explicações míticas. Segundo esse tipo de visão, 
portanto, a chave da compreensão da realidade natural encontra-se nesta própria realidade e não fora dela. 
1.1.2.2. A Causalidade 
A característica central da explicação da natureza pelos primeiros filósofos é, portanto o apelo à 
noção de causalidade, interpretada em termos puramente naturais. O estabelecimento de uma conexão 
causal entre determinados fenômenos naturais constitui assim a forma básica da explicação científica e é, em 
grande parte, por esse motivo que consideramos as primeiras tentativas de elaboração de teorias sobre o real 
como o início do pensamento científico. Explicar e relacionar um efeito a uma causa que o antecede e o 
determina. Explicar é, portanto, reconstruir o nexo causal existente entre os fenômenos da natureza, é tomar 
um fenômeno como efeito de uma causa. E a existência desse nexo que toma a realidade inteligível e nos 
permite considerá-la como tal. 
É importante, entretanto, que o nexo causal se dê entre fenômenos naturais. Isto porque podemos 
considerar que o pensamento mítico também estabelece explicações causais. Assim, na narrativa da guerra 
de Tróia na Ilíada de Homero vemos os deuses tomar o partido dos gregos e dos troianos e influenciar os 
acontecimentos em favor destes ou daqueles. Portanto, fenômenos humanos e naturais têm nesse caso 
causas sobrenaturais. Trata-se de uma explicação causal, porém dada através da referência a causas 
sobrenaturais. É por isso que o que distingue a explicação filosófico-científica da mítica é a referência apenas 
a causas naturais. 
A explicação causal possui, entretanto, um caráter regressivo. Ou seja, explicamos sempre uma 
coisa por outra e há assim a possibilidade de se ir buscando uma causa anterior, mais básica, até o infinito. 
Cada fenômeno poderia ser tomado como efeito de uma nova causa, que por sua vez seria efeito de uma 
causa anterior, e assim sucessivamente, em um processo sem fim. Isso, contudo, invalidaria o próprio sentido 
da explicação, pois, mais uma vez a explicação levaria ao inexplicável, a um mistério, portanto, tal como no 
pensamento mítico. 
 fenômeno 1 → fenômeno 2 
causa → efeito 
 (causa) → (efeito) 
 ...(causa) → (efeito) 
 
Para evitar queisso aconteça,surge a necessidade de se estabelecer uma causa primeira, um 
primeiro princípio, ou conjunto de princípios, que sirva de ponto de partida para todo o processo racional. E ai 
que encontramos a noção de arque. 
1.1.2.3. A Arque (Elemento Primordial) 
A fim de evitar a regressão ao infinito da explicação causal, o que a tornaria insatisfatória, esses 
filósofos vão postular a existência de um elemento primordial que serviria de ponto de partida para todo o 
processo. O primeiro a formular essa noção é exatamente Tales de Mileto, que afirma ser a água (hydor) o 
elemento primordial. 
Não sabemos por que Tales teria escolhido a água: talvez por ser o único elemento que se encontra 
na natureza nos três estados, sólido, líquido e gasoso; talvez influenciado por antigos mitos do Egito e da 
Mesopotâmia, civilizações de regiões áridas e que se desenvolveram em deltas de rios e onde por isso 
mesmo a água aparece como fonte da vida. Porém, o importante na contribuição de Tales não é tanto a 
escolha da água, mas a própria ideia de elemento primordial, que dá unidade à natureza. 
É claro que a água tomada como primeiro princípio é muito diferente da água de nossa experiência 
comum, que bebemos ou que encontramos em rios, mares, e lagos. Trata-se realmente de um princípio, 
tomado aqui como simbolizando o elemento líquido ou fluido no real como o mais básico, mais primordial; ou 
ainda a água como o elemento presente em todas as coisas em maior ou menor grau. 
Diferentes pensadores buscaram eventualmente diferentes princípios explicativos, assim, por 
exemplo, os sucessores de Tales na Escola de Mileto, Anaxímenes e Anaximandro, adotaram 
respectivamente o ar e o apeiro (um princípio abstrato significando algo de ilimitado, indefinido, subjacente à 
própria natureza); Heráclito dizia ser o fogo o princípio explicativo, Demócrito o átomo e assim 
sucessivamente. 
Empédocles, com sua doutrina dos quatro elementos como que sintetiza as diferentes posições, 
afirmando a existência de quatro elementos primordiais terra, água, ar e fogo, tese retomada por Platão no 
Timeu e bastante difundida em toda a Antiguidade, chegando mesmo ao período moderno, presente nas 
especulações da alquimia no Renascimento até o surgimento da moderna química. Pode-se considerar 
inclusive que, de certa forma, a química ainda hoje supõe que certos elementos básicos, como o hidrogênio, 
estejam presentes em todo o universo. 
A importância da noção de arque está exatamente na tentativa por parte desses filósofos de 
apresentar uma explicação da realidade em um sentido mais profundo, estabelecendo um princípio básico 
que permeie toda a realidade, que de certa forma a unifique, e que ao mesmo tempo seja um elemento 
natural. Tal princípio daria precisamente, o caráter geral a esse tipo de explicação, permitindo considerá-la 
como inaugurando a ciência. 
1.1.2.4. O Cosmos 
O significado do termo cosmos para os gregos desse período liga-se diretamente às ideias de 
ordem, harmonia e mesmo beleza (já que a beleza resulta da harmonia das formas; daí, aliás, o nosso termo 
"cosmético"). O cosmo é assim o mundo natural, bem como o espaço celeste, enquanto realidade ordenada 
de acordo com certos princípios racionais. A idéia básica de cosmo é, portanto, a de uma ordenação racional, 
uma ordem hierárquica, em que certos elementos são mais básicos, e que se constitui de forma determinada, 
tendo a causalidade como lei principal. 
O cosmo, entendido assim como ordem, opõe-se ao caos (Kaos), que seria precisamente a falta de 
ordem, o estado da matéria anterior à sua organização. É importante notar que a ordem do cosmo é uma 
ordem racional, "razão" significando aí exatamente a existência de princípios e leis que regem, organizam 
essa realidade. É a racionalidade deste mundo que o toma compreensível, por sua vez, ao entendimento 
humano. É porque há na concepção grega o pressuposto de uma correspondência entre a razão humana e a 
racionalidade do real o cosmo que este real pode ser compreendido, pode-se fazer ciência, isto é, pode-se 
tentar explicá-lo teoricamente. Daí se origina o termo "cosmologia", como explicação dos processos e 
fenômenos naturais e como teoria geral sobre a natureza e o funcionamento do universo. 
1.1.2.5. O Logos 
O termo grego logos significa literalmente discurso, e é com tal acepção que o encontramos, por 
exemplo, em Heráclito de Éfeso. O logos enquanto discurso, entretanto, difere fundamentalmente do mythos, 
a narrativa de caráter poético que recorre aos deuses e ao mistério na descrição do real. O logos é 
fundamentalmente uma explicação, em que razões são dadas. 
É nesse sentido que o discurso dos primeiros filósofos, que explica o real por meio de causas 
naturais, é um logos. Essas razões são fruto não de uma inspiração ou de uma revelação, mas simplesmente 
do pensamento humano aplicado ao entendimento da natureza. O logos é, portanto, o discurso racional, 
argumentativo, em que as explicações são justificadas e estão sujeitas à crítica e à discussão (ver tópico 
seguinte), Daí deriva, por exemplo, o nosso termo “lógico”. 
Porém, o próprio Heráclito caracteriza a realidade como tendo um logos, ou seja, uma racionalidade 
(ver o conceito de cosmo acima) que seria captada pela razão humana. Portanto, um dos pressupostos 
básicos da visão dos primeiros filósofos é a correspondência entre a razão humana e a racionalidade do real, 
o que tomaria possível um discurso racional sobre o real. 
1.1.2.5. O Caráter Crítico 
Um dos aspectos mais fundamentais do saber que se constitui nessas primeiras escolas de 
pensamento, sobretudo na escola jônica, é seu caráter crítico. Isto é, as teorias aí formuladas não o eram de 
forma dogmática, não eram apresentadas como verdades absolutas e definitivas, mas como passíveis de 
serem discutidas, de suscitarem divergências e discordâncias, de permitirem formulações e propostas 
alternativas. 
Como se trata de construções do pensamento humano, de ideias de um filósofo e não de verdades 
reveladas, de caráter divino ou sobrenatural, estão sempre abertas à discussão, à reformulação, a correções. 
O que pode ser ilustrado pelo fato de que, na escola de Mileto, os dois principais seguidores de Tales, 
Anaxímenes e Anaximandro, não aceitaram a ideia do mestre de que a água seria o elemento primordial, 
postulando outros elementos, respectivamente o ar e o apeiron, como tendo esta função. 
Isso pode ser tomado como sinal de que nessa escola filosófica o debate, a divergência e a 
formulação de novas hipóteses eram estimulados. A única exigência era que as propostas divergentes 
pudessem ser justificadas, explicadas e fundamentadas por seus autores, e que pudessem, por sua vez, ser 
submetidas à crítica. 
1.2. Segundo o Importante Filósofo da Ciência Contemporâneo Karl Popper 
O que é novo na filosofia grega, o que é acrescentado de novo a tudo isso, parece-me consistir não 
tanto na substituição dos mitos por algo de mais "científico", mas sim em uma nova atitude em relação aos 
mitos. Parece-me ser meramente uma consequência dessa nova atitude o fato de que seu caráter começa 
então a mudar. 
A nova atitude que tenho em mente é a atitude crítica. Em lugar de uma transmissão dogmática da 
doutrina (na qual todo o interesse consiste em preservar a tradição autêntica) encontramos uma tradição 
crítica da doutrina. Algumas pessoas começam a fazer perguntas a respeito da doutrina, duvidam de sua 
veracidade, de sua verdade. 
A dúvida e a crítica existiram certamente antes disso. O que é novo, porém, é que a dúvida e a 
crítica tomam-se agora, por sua vez, parte da tradição da escola. Uma tradição de caráter superior substitui a 
preservação tradicional do dogma. Em lugar da teoria tradicional, do mito, encontramos a tradição das teorias 
que criticam, que, em si mesmas, de início,
discussão crítica que a observação é adotada como uma testemunha. 
Não pode ser por mero acidente que Anaximandro, discípulo de Tales, desenvolveu uma teoriaque 
diverge explícita e conscientemente d
divergido de modo igualmente consciente da doutrina de seu mestre. A única explicação parece ser a de que 
o próprio fundador da escola tenha desafiado seus discípulos a criticarem sua teori
transformado esta nova atitude crítica de seu mestre em uma nova tradição
1.2.1. Quadro sinóptico 
 Passagem do pensamento mítico
surgimento da filosofia na Grécia antiga (Séc
 Ruptura entre essas duas formas de pensamento como resultante de transformações na 
sociedade grega da época, que se seculariza, tomando
 O surgimento do pensamento filosófico
uma vez que ali se dava um maior contato com outras culturas, levando a uma relativização do mito 
e das práticas religiosas. 
 O mito, como explicação do real através do elemento sobrenatural e misterioso, é considerado 
insatisfatório; os primeiros filósofos procuram explicar a realidade natural a partir dela própria: 
naturalismo da escola jônica. 
 O novo pensamento filosófico possui características centrais que rompem com a narrativa mítica: 
� A noção de physis
� A causalidade interpr
� O conceito de arqué ou elemento primordial. 
� A concepção de cosmo (o universo racionalmente ordenado). 
� O logos como racionalidade deste cosmo e como explicação racional. 
� O caráter crítico dessas novas teorias que e
dogmatismo e fazendo com que se desenvolvessem, transformando
 
2. ÉTICA 
 
Ética e moral ao longo dos tempos não foi uniforme o uso dos termos: umas vezes empregues 
como sinônimos, outras com diferente significado, que varia segundo os autores.
Moral vem do latim mos ou 
julgou traduzir ethos, esquecendo-se da diferença que o grego apresenta entre:
 ἤθος– êthos (com eta 
caráter enquanto lugar de onde brota o ato, a interioridade do ato, o que há de mais interior no 
homem, como se tratasse do centro do qual o agir emana. 
 'ε´θος – éthos( com épsilon i
O primeiro sentido de ethos foi revelado por Heráclito em seu aforismo N° 119, onde diz:
morada da consciência ( Divino/ser) 
Na ética aristotélica não apenas ocorre o êthos como também éthos e é para esse segundo sentido, 
hábito, que se serve a tradução latina.
Moral diz respeito às ações praticadas por hábitos e aos costumes em geral, o que privilegia o lado 
pelo qual a ação é ainda exterior ao sujeito; esta exterioridade reenvia então para a lei e a regra.
A dúvida e a crítica existiram certamente antes disso. O que é novo, porém, é que a dúvida e a 
se agora, por sua vez, parte da tradição da escola. Uma tradição de caráter superior substitui a 
preservação tradicional do dogma. Em lugar da teoria tradicional, do mito, encontramos a tradição das teorias 
que criticam, que, em si mesmas, de início, pouco mais são do que mitos. E apenas no decorrer dessa 
discussão crítica que a observação é adotada como uma testemunha. 
Não pode ser por mero acidente que Anaximandro, discípulo de Tales, desenvolveu uma teoria que 
diverge explícita e conscientemente da de seu mestre, e que Anaxímenes, discípulo de Anaximandro, tenha 
divergido de modo igualmente consciente da doutrina de seu mestre. A única explicação parece ser a de que 
o próprio fundador da escola tenha desafiado seus discípulos a criticarem sua teori
transformado esta nova atitude crítica de seu mestre em uma nova tradição. 
Passagem do pensamento mítico-religioso ao pensamento filosófico, representando o 
filosofia na Grécia antiga (Séc. VI a.C.). 
Ruptura entre essas duas formas de pensamento como resultante de transformações na 
sociedade grega da época, que se seculariza, tomando-se importante a atividade comercial. 
O surgimento do pensamento filosófico-científico nas colônias gregas da Jônia é si
uma vez que ali se dava um maior contato com outras culturas, levando a uma relativização do mito 
 
O mito, como explicação do real através do elemento sobrenatural e misterioso, é considerado 
iros filósofos procuram explicar a realidade natural a partir dela própria: 
naturalismo da escola jônica. 
O novo pensamento filosófico possui características centrais que rompem com a narrativa mítica: 
physis (natureza). 
A causalidade interpretada em termos estritamente naturais. 
O conceito de arqué ou elemento primordial. 
A concepção de cosmo (o universo racionalmente ordenado). 
como racionalidade deste cosmo e como explicação racional. 
O caráter crítico dessas novas teorias que eram sujeitas à discussão evitando o 
dogmatismo e fazendo com que se desenvolvessem, transformando-se e reformulando
ao longo dos tempos não foi uniforme o uso dos termos: umas vezes empregues 
como sinônimos, outras com diferente significado, que varia segundo os autores. 
ou mores, que significa hábito ou hábitos. É com este termo que o latim 
se da diferença que o grego apresenta entre: 
 inicial) morada, caracteriza o lugar onde o animal habita, a caverna; o 
caráter enquanto lugar de onde brota o ato, a interioridade do ato, o que há de mais interior no 
homem, como se tratasse do centro do qual o agir emana. 
( com épsilon inicial) significa hábito. 
O primeiro sentido de ethos foi revelado por Heráclito em seu aforismo N° 119, onde diz:
“ Ethos anthrôpodaímon”, que pode ser traduzido como 
morada da consciência ( Divino/ser) ou a consciência (divino/ser) mora no homem. 
Na ética aristotélica não apenas ocorre o êthos como também éthos e é para esse segundo sentido, 
hábito, que se serve a tradução latina. 
Moral diz respeito às ações praticadas por hábitos e aos costumes em geral, o que privilegia o lado 
ação é ainda exterior ao sujeito; esta exterioridade reenvia então para a lei e a regra.
A dúvida e a crítica existiram certamente antes disso. O que é novo, porém, é que a dúvida e a 
se agora, por sua vez, parte da tradição da escola. Uma tradição de caráter superior substitui a 
preservação tradicional do dogma. Em lugar da teoria tradicional, do mito, encontramos a tradição das teorias 
pouco mais são do que mitos. E apenas no decorrer dessa 
Não pode ser por mero acidente que Anaximandro, discípulo de Tales, desenvolveu uma teoria que 
a de seu mestre, e que Anaxímenes, discípulo de Anaximandro, tenha 
divergido de modo igualmente consciente da doutrina de seu mestre. A única explicação parece ser a de que 
o próprio fundador da escola tenha desafiado seus discípulos a criticarem sua teoria e que eles tenham 
religioso ao pensamento filosófico, representando o 
Ruptura entre essas duas formas de pensamento como resultante de transformações na 
se importante a atividade comercial. 
científico nas colônias gregas da Jônia é significativo, 
uma vez que ali se dava um maior contato com outras culturas, levando a uma relativização do mito 
O mito, como explicação do real através do elemento sobrenatural e misterioso, é considerado 
iros filósofos procuram explicar a realidade natural a partir dela própria: 
O novo pensamento filosófico possui características centrais que rompem com a narrativa mítica: 
como racionalidade deste cosmo e como explicação racional. 
ram sujeitas à discussão evitando o 
se e reformulando-se. 
ao longo dos tempos não foi uniforme o uso dos termos: umas vezes empregues 
, que significa hábito ou hábitos. É com este termo que o latim 
inicial) morada, caracteriza o lugar onde o animal habita, a caverna; o 
caráter enquanto lugar de onde brota o ato, a interioridade do ato, o que há de mais interior no 
O primeiro sentido de ethos foi revelado por Heráclito em seu aforismo N° 119, onde diz: 
“ Ethos anthrôpodaímon”, que pode ser traduzido como o homem é a 
Na ética aristotélica não apenas ocorre o êthos como também éthos e é para esse segundo sentido, 
Moral diz respeito às ações praticadas por hábitos e aos costumes em geral, o que privilegia o lado 
ação é ainda exterior ao sujeito; esta exterioridade reenvia então para a lei e a regra. 
 
2.1. Segundo Adolfo Sanchez Vasquez 
A ética é a teoria ou ciência do comportamento moral dos homens em sociedade (...). A ética 
depara com uma experiência histórico-social no terreno damoral, ou seja, com uma série de práticas morais 
já em vigor e, partindo delas, procura determinar a essência da moral, sua origem, as condições objetivas e 
subjetivas do ato moral, as fontes da avaliação moral, a natureza e a função dos juízos morais, os critérios de 
justificação destes juízos e o princípio que rege a mudança e a sucessão de diferentes sistemas morais". 
(VASQUEZ, 1975, p. 12) 
Podem-se classificar as teorias éticas de acordo com o seu fundamento em: 
 Teorias teleológicas ou da responsabilidade decidem o que é moralmente justo ou injusto, pela 
comparação das consequências e dos riscos. 
Ex.: Utilitarismo os atos devem produzir o máximo de bens para o maior número. 
 Teorias deontológicas ou da convicção há considerações de ordem superior, imperativos da 
consciência, mandamentos divinos. 
Ex.: Kant 
2 .2. Teorias Deontológicas e Utilitarista 
Pode-se dizer que os utilitaristas diferem dos deontologistas por causa do modo como respondem a 
estas duas perguntas: 
1. O que torna as nossas ações certas ou erradas? 
2. Quando é que nossas ações são certas ou erradas? 
 Utilitarismo: Apenas as consequências das nossas ações as tornam certas ou erradas. As 
nossas ações são certas ou erradas apenas em virtude de promoverem imparcialmente o bem-
estar. 
 Deontologia: Nem só as consequências das nossas ações as tornam certas ou erradas. Muitas 
ações são intrinsecamente erradas, ou seja, erradas independentemente das suas consequências. 
Podemos dizer, aliás, que todos temos de respeitar certos deveres que proíbem a realização dessas 
ações. 
Quando é que uma ação é certa ou errada? Aqui as respostas em disputa são as seguintes: 
 Utilitarismo (contemporâneo): Uma ação é certa apenas quando maximiza o bem-estar, ou seja, 
quando promove tanto quanto possível o bem-estar. Qualquer ação que não maximize o bem-estar 
é errada. 
 Deontologia: Uma ação é errada quando com ela infringimos intencionalmente algum dos nossos 
deveres. Qualquer ação que não seja contrária a esses deveres não tem nada de errado. 
Um grupo de terroristas viaja num barco com dezenas de pessoas inocentes. Os terroristas levam 
consigo uma nova arma biológica que poderá provocar a morte de muitos milhões de pessoas. Infelizmente; a 
única maneira segura de impedir que os terroristas venham a usar essa arma é afundar o barco antes que 
este chegue ao seu destino. Mas será eticamente aceitável afundar o barco? 
2.3. Intenção Ética e Norma Moral 
Neste capítulo vamos examinar criticamente o utilitarismo e confrontá-lo com alternativas 
apresentadas por aqueles que, como o filósofo do século XVIII Immanuel Kant, defende uma perspectiva 
deontológica da ética. Quem aceita esta perspectiva pensa que para fazermos o que está certo devemos 
respeitar certas normas ou regras morais, mesmo nos casos em que desrespeitá-las produziria melhores 
consequências. Muitos deontologistas pensam também que, para sabermos se uma pessoa agiu bem, temos 
de saber com que intenção ela agiu os efeitos ou consequências da sua ação não são tudo o que é preciso 
levar em conta. 
2.3.1. O Utilitarismo na Prática 
É o utilitarismo uma boa teoria moral? Ou será que há razões suficientemente fortes para o rejeitar? 
A melhor maneira de tentar responder a esta questão difícil consiste em descobrir o que o utilitarismo implica 
na prática. Se não estivermos dispostos a aceitar as suas implicações, teremos de procurar uma perspectiva 
mais satisfatória. Mas, como veremos, nem sempre é fácil determinar as consequências práticas do 
utilitarismo, isto é, que tipo de vida e que tipo de ações estão em conformidade com este teoria. Para 
começar, consideremos um diálogo em que um dos interlocutores apresenta argumentos aparentemente 
demolidores contra o utilitarismo: 
O utilitarismo tem certa simplicidade que me cativa. No fundo, diz-nos o seguinte: aprecia as 
situações com total imparcialidade e, para fazeres o que é melhor, escolhe a opção que mais vai beneficiar os 
que serão afetados pelas tuas ações. 
Parece-me que estás muito enganado quanto à simplicidade do utilitarismo. Já pensaste como, na 
prática, seria insuportavelmente complicado viver como um utilitarista? 
Complicado? 
Sim, o utilitarismo exige que te tornes uma espécie de máquina calculadora ambulante, sempre a 
tentar prever os custos e os benefícios prováveis das diversas opções que tens diante de ti. Ninguém 
conseguiria viver assim! 
Não sei se o utilitarismo exige esse tipo de vida ... Tenho de pensar melhor no assunto. 
Aliás, mesmo que pudesse haver uma sociedade utilitarista, eu não gostaria de fazer parte dela... 
Porquê? 
Porque nunca me sentiria seguro nessa sociedade. Um utilitarista genuíno não hesitaria em mentir-
me, roubar-me ou mesmo matar-me quando descobrisse que fazer isso teria melhores consequências numa 
perspectiva imparcial. Como estaria sempre empenhado em produzir o maior bem para o maior número, seria 
indiferente às normas morais que qualquer pessoa decente aceita. Para ele uma regra como não deves matar 
pessoas inocentes não tem a menor importância. 
Uma vez mais, só te posso dizer que tenho de pensar melhor no assunto. Sinceramente, não sei se 
na ética utilitarista não há qualquer lugar para as normas morais comuns. 
2.3.1.1. Duas Objeções ao Utilitarismo 
Antes de vermos como pode o utilitarista responder às críticas apresentadas neste diálogo, 
esclareçamos um pouco o seu conteúdo. Temos então duas críticas que, como se tornará óbvio, estão 
bastante ligadas entre si: 
 O utilitarismo não funciona na prática, pois exige que estejamos sempre a calcular as 
consequências das nossas ações. 
Se isto for verdade, aliás, então o utilitarismo derrota-se a si próprio, pois quem perde demasiado 
tempo a fazer cálculos acaba por não contribuir tanto como podia para a felicidade geral. Isto se torna 
particularmente claro se imaginarmos situações que exigem uma decisão urgente. Supõe, por exemplo, que o 
João está num barco e vê a Maria e o José a afogarem-se. Dadas as circunstâncias, é muito improvável que 
ele tenha tempo para salvar os dois. Quem deverá então salvar em primeiro lugar? O João fica quieto no 
barco a tentar determinar se, numa perspectiva imparcial, será melhor salvar primeiro a Maria ou salvar 
primeiro o José. Antes de chegar a qualquer conclusão, a Maria e o José morrem afogados. 
 O utilitarismo, como não leva em conta as normas ou regras morais comuns, predispõe-nos 
frequentemente a fazer coisas erradas como mentir, roubar ou matar. 
Para esclarecer esta objeção, tomemos como exemplo a regra «Não deves quebrar promessas» e 
imaginemos que o Pedro prometeu à Inês que pagaria o dinheiro que lhe estava a dever quando recebesse 
uma herança. Depois de receber a herança, no entanto, o Pedro pensa o seguinte: «Se eu pagar o que lhe 
estou a dever, ela vai gastar tudo na compra de um carro novo só para se exibir. O carro que ela tem, aliás, 
ainda está muito bom. 
Por isso, vou antes dar o dinheiro a uma organização de defesa do ambiente afinal, fazer isso 
produzirá melhores consequências. Parece assim que o Pedro, raciocinando de uma maneira utilitarista, se 
está a colocar acima das regras morais comuns, o que o leva a proceder de uma maneira errada, quebrando 
a promessa que fez à Inês. Na verdade, parece que o Pedro, se for um utilitarista genuíno, será capaz de 
cometer qualquer atrocidade em nome do «maior bem para o maior número. 
2.3.1.2. Uma Resposta às Objeções 
Como responde o defensor do utilitarismo a estas objecções? Ambas se baseiam no pressuposto 
de que um utilitarista tem de tomar as suas decisões aplicando diretamente o seu princípio ético em todas as 
situações em que se encontra. Este pressuposto, no entanto, é falso: o utilitarismo é primariamente uma 
teoria sobre o que torna as ações certas ou erradas não é uma teoria sobre como devemos tomar as nossas 
decisões. 
O utilitarista pensa: fazer o que está certo é apenas uma questão de promover imparcialmenteo 
bem-estar. Ele aceita assim o princípio «Devemos promover imparcialmente o bem-estar». Mas aceitar este 
princípio não implica pensar que devemos tê-lo sempre em mente quando agimos. Não implica que devemos 
estar sempre a tentar fazer as nossas escolhas em função do bem-estar produzido. Por isso, um utilitarista 
não tem de estar constantemente a tentar decidir o que fazer calculando as consequências das suas ações, 
até porque esse tipo de atitude como vem no exemplo do afogamento, certamente não favorece a promoção 
da felicidade geral. 
Deste modo, a primeira objecção acima apresentada é muito fraca, pois parte da ideia falsa de que 
o utilitarismo exige que estejamos sempre a calcular as consequências das nossas ações. 
E a segunda objecção? Também ela se baseia numa premissa falsa não é verdade que o 
utilitarismo não leva em conta as normas ou regras morais comuns. E certo que para umas utilitaristas regras 
como «Não deves roubar» ou «Não deves matar pessoas inocentes» não são princípios morais básicos, pois 
para ele só há um princípio moral básico «Deves promover imparcialmente o bem-estar». No entanto, os 
utilitaristas salientam que, dadas as circunstâncias em que vivemos, as regras morais comuns são 
indispensáveis. No texto que se segue, Peter Singer, explicando a perspectiva de R. M. Hare, que ele próprio 
aceita, mostra por que razão o utilitarismo não dispensa tais regras: 
Na vida real não podemos normalmente prever todas as complexidades das nossas escolhas. Não 
é pura e simplesmente prático tentar calcular antecipadamente as consequências de todas as escolhas que 
fazemos. Mesmo que nos limitássemos às escolhas mais significativas, haveria o perigo de, em muitos casos, 
estarmos a calcular em circunstâncias longe das ideais. Poderíamos estar com pressa ou confusos. 
Poderíamos sentir-nos furiosos, magoados ou em competição. 
Os nossos pensamentos poderiam estar toldados pela ganância, pelo desejo sexual ou por ideias 
de vingança. Os nossos interesses pessoais ou das pessoas que amamos poderiam estar em jogo. Ou 
poderia acontecer que não fôssemos muito bons a avaliar questões tão complicadas como as consequências 
prováveis de uma escolha importante. Por todas estas razões, Hare pensa que seria melhor adoptarmos 
alguns princípios éticos gerais para a vida ética quotidiana, e não nos desviarmos deles. 
Esses princípios deveriam incluir aqueles que a experiência mostrou ao longo dos séculos que 
conduzem geralmente às melhores consequências e, na perspectiva de Hare, incluiriam muitos dos princípios 
morais canónicos, como, por exemplo, dizer a verdade, respeitar as promessas, não prejudicar os outros, e 
assim por diante. [ ... ] Mesmo que, ao nível crítico, possamos conceber circunstâncias nas quais melhores 
consequências resultariam de agir contra um ou mais destes princípios, as pessoas procederiam melhor, no 
seu todo, atendo-se a estes princípios do que não o fazendo. [ ... ] É possível que, uma vez por outra, nos 
encontremos em circunstâncias nas quais seja absolutamente claro que afastarmo-nos dos princípios dará 
melhores resultados que os que obteríamos se nos ativéssemos a esses princípios, caso em que temos uma 
justificação para esse afastamento. Mas, para a maioria das pessoas, na maior parte do tempo, essas 
circunstâncias não surgirão e podem ser excluídas do nosso pensamento. (Peter Singer, Ética Prática, 1993, 
pp. 113-4) 
Regressemos ao exemplo do Pedro e da Inês. Será que, afinal, o utilitarismo implica que o Pedro 
deve quebrar a promessa que fez à Inês? Não, diria o utilitarista, pois está longe de ser óbvio que quebrar a 
promessa irá produzir melhores consequências. Como sabe o Pedro que a organização ambiental irá usar 
bem o dinheiro? E como sabe ele que a Inês irá gastá-lo em algo supérfluo? Não estará a ser motivado por 
algum sentimento de vingança em relação à Inês e, consequentemente, a ter uma visão distorcida da 
situação? Além disso, se o Pedro quebrar a promessa, provavelmente os que souberem disso deixarão de 
confiar nele, e assim ele talvez venha a perder oportunidades de cooperar com os outros no sentido de 
promover o bem. Perante todas estas incertezas, concluiria o utilitarista, o Pedro deverá manter-se fiel à regra 
«Não deves quebrar promessas». Como mostra a experiência, esta é uma regra importante para assegurar a 
convivência harmoniosa entre os seres humanos. Por isso, devemos ter uma forte disposição para respeitá-la 
e só em casos invulgares será sensato considerar a possibilidade de quebrar uma promessa. 
2.3.1.3. Dois Níveis de Pensamento Moral 
O utilitarista pensa então que, para promovermos o bem-estar, na grande maioria dos casos o 
nosso pensamento moral deve permanecer a um nível intuitivo: devemos tomar as nossas decisões de 
acordo com as regras simples da moral, seguindo as nossas intuições sobre o que está certo e errado e sem 
entrarmos em cálculos elaborados a propósito das consequências prováveis dos nossos atos. 
No entanto, há casos em que temos de ir mais longe. Por vezes, o nosso pensamento moral deve 
situar-se a um nível crítico, e a este nível devemos aplicar o próprio princípio utilitarista para tomar a decisão 
correta. Imagina, por exemplo, que fizeste uma promessa, mas que, entretanto as coisas se complicaram de 
tal maneira que só podes cumprir a tua promessa roubando certo objeto. O que deves fazer? Numa situação 
deste tipo, diria o utilitarista, não podes encontrar uma resposta clara nas regras morais comuns, pois 
segundo estas não devem roubar nem quebrar promessas. Só que agora te vês forçado a fazer uma destas 
coisas. Tens então de recorrer ao princípio utilitarista para determinar se, na situação em que estás, será 
melhor quebrar a promessa ou roubar o objeto. Aplicar este princípio, obviamente, é tentar determinar qual 
dessas opções terá melhores consequências numa perspectiva imparcial. 
O princípio utilitarista não serve apenas para decidir o que fazer quando as regras morais comuns 
estão em conflito também serve para avaliar criticamente essas mesmas regras. É claro que uma regra como 
«Não deves roubar» merece a aprovação do utilitarista, pois, como mostra a experiência, seguir essa regra, 
incorporá-la no nosso carácter, censurar quem a desrespeita e ensiná-la às crianças é algo que contribui 
indiscutivelmente para o bem-estar. Mas nem todas as regras morais são assim tão incontroversas. 
Considera, por exemplo, a seguinte regra, que ainda hoje é aceite por muita gente em muitos 
lugares do mundo: Uma mulher deve obedecer ao seu marido. Será que devemos seguir esta regra, 
incorporá-la no nosso carácter, censurar quem a desrespeita e ensiná-la às crianças? O utilitarista, depois de 
avaliá-la criticamente, dirá que não. Embora a aceitação dessa regra produza algumas boas consequências 
para os homens, também leva a uma enorme opressão das mulheres. Assim, considerando imparcialmente 
os diversos interesses em jogo, temos de concluir que adoptar tal regra não promove a felicidade geral. 
Portanto, deve ser rejeitada. 
A teoria apresentada nos últimos parágrafos evita as objecções com que iniciámos este capítulo e é 
conhecida por utilitarismo dos dois níveis. Foi desenvolvida, sobretudo por Hare, embora já Mill a tivesse 
esboçado no seu Utilitarismo. Podemos resumi-Ia indicando o que caracteriza cada um dos níveis do 
pensamento moral: 
Nível intuitivo: Como o nosso conhecimento é muito limitado, tomamos as nossas decisões 
quotidianas segundo as regras morais simples que aceitamos, obedecendo às inclinações do nosso carácter, 
sem aplicar o princípio utilitarista. 
 Nível crítico: Aplicamos o princípio utilitarista para tomar decisões em situações em que as 
regras morais comuns não nos permitem saber o que fazer avaliar criticamente essas regras de 
modo a determinar se elas promovem ou não o bem-estar. 
Em rigor, os filósofos utilitaristas não examinam só regras. Eles ocupam-se, sobretudo, aliás, da 
avaliação crítica de práticas controversas.No século XIX, Mill insurgiu-se contra a escravatura e defendeu o 
sufrágio feminino; hoje, Singer discute práticas como o aborto, a eutanásia ou mesmo a criação de animais 
para alimentação. O utilitarismo é uma das teorias morais mais influentes, sendo indiscutível a sua relevância 
prática. Mas muitos filósofos pensam que não é uma boa teoria e que devemos adoptar antes uma 
perspectiva deontológica da ética. 
2.4. Teorias Deontológicas 
Neste momento, a diferença fundamental entre uma ética utilitarista e uma ética deontológica já 
deve estar clara, Mas como até ao final do capítulo vamos ocupar-nos da polemica que divide os defensores 
destas perspectivas, vale a pena precisar essa diferença, Podemos dizer que os utilitaristas diferem dos 
deontologistas por causa do modo como respondem a estas duas perguntas: 
1. O que torna as nossas ações certas ou erradas? 
2. Quando é que nossas ações são certas ou erradas? 
Podemos dizer, aliás, que todos temos de respeitar certos deveres que proíbem a realização dessas 
ações. Para um deontologista, como Kant ou David Ross, mesmo quando é absolutamente óbvio que agir de 
certa maneira produzirá as melhores consequências, poderá ser errado agir dessa maneira caso isso 
implique infringir algum dos nossos deveres. Mas quais são exatamente os nossos deveres? Ross tenta 
responder a esta questão apresentando a seguinte lista de deveres: 
 Fidelidade: Mantém as tuas promessas. 
 Reparação: Compensam os outros por qualquer mal que Ihes tenhas feito. 
 Gratidão: Retribui fazendo bem àqueles que te fizeram bem., 
 Justiça: Opõe-te às distribuições de felicidade que não estejam de acordo com o mérito. 
 Desenvolvimento pessoal: Desenvolve a tua virtude e o teu conhecimento. 
 Beneficência: Faz bem aos outros. 
 Não-maleficência: Não prejudiquem os outros. 
Uma lista como esta suscita problemas difíceis. Como sabemos que são estes os nossos deveres? 
E o que fazer quando os nossos deveres entram em conflito? Os deontologistas não respondem todos da 
mesma maneira a estas perguntas. Kant, que certamente aceitaria uma lista semelhante à de Ross, defende 
que os nossos deveres resultam de um princípio moral fundamental o imperativo categórico, que 
examinaremos mais à frente. 
Ross, pelo contrário, afirma que não há qualquer princípio moral mais básico e que sabemos por 
simples intuição quais são os nossos deveres. Qualquer pessoa eticamente lúcida consegue ver que os 
deveres indicados na lista são os nossos deveres morais básicos. Ross, aliás, também defende que só a 
nossa intuição moral pode guiar nos quando há um conflito de deveres, indicando-nos o dever que tem de 
prevalecer na ocasião do conflito. Isto significa que nenhum dos deveres acima mencionado é absoluto por 
vezes justifica-se quebrar uma promessa, por exemplo, para beneficiar os outros. 
Já Kant entende que certos deveres, como o de não mentir, são absolutos, de tal maneira que 
alguns tipos de atos nunca podem ser realizados, sejam quais forem as consequências. Há regras morais que 
devem ser respeitadas em todas as circunstâncias possíveis. 
Mas, passemos à segunda questão. Quando é que uma ação é certa ou errada? Aqui as respostas 
em disputa são as seguintes: 
 Utilitarismo (contemporâneo): Uma ação é certa apenas quando maximiza o bem-estar, ou 
seja, quando promove tanto quanto possível o bem-estar. Qualquer ação que não maximize o bem-
estar é errada. 
 Deontologia: Uma ação é errada quando com ela infringimos intencionalmente algum dos 
nossos deveres. Qualquer ação que não seja contrária a esses deveres não tem nada de errado. 
Para o deontologista, a ética exige primariamente que evitemos realizar certos tipos de atos, 
considerados intrinsecamente errados. É certo que, entre os nossos deveres, ele costuma incluir o dever de 
beneficiar os outros promovendo de alguma maneira o seu bem-estar. Tal dever, no entanto, é apenas um 
aspecto da nossa vida moral e não tem de se apresentar como a nossa preocupação fundamental. O 
deontologista não vê nada de errado em dedicarmos grande parte do nosso tempo a atividades e projetos 
que, muito provavelmente, não contribuirão para a felicidade geral. 
Já os utilitaristas contemporâneos, como Hare e Singer, costumam insistir na ideia de que fazer o 
que está certo é maximizar o bem-estar. Isto significa que, perante várias opções, temos a obrigação de 
escolher aquela que apresenta à maior utilidade esperada todas as outras são erradas. Os utilitaristas 
clássicos, Bentham e Mill, não vão tão longe neste aspecto. Afirmam que a nossa única obrigação moral 
básica é promover o bem-estar, sem dúvida, mas nunca acrescentam que temos de promovê-lo tanto quanto 
possível. 
Na verdade, pressupõem que o certo e o errado admitem graus: as nossas ações são certas na 
medida em que promovem o bem-estar; erradas na medida em que não promovem o bem-estar. Como ficará 
claro na próxima seção, esta perspectiva mais moderada torna-os imunes a uma das críticas que os 
deontologistas fazem ao utilitarismo. 
Ainda no que diz respeito ao problema de saber quando é que as nossas ações são certas ou 
erradas, importa sublinhar que enquanto os deontologistas consideram importante a intenção subjacente às 
ações, os utilitaristas concentram-se exclusivamente nos efeitos das mesmas. Muitos deontologistas 
sustentam que em algumas circunstâncias podemos provocar maus efeitos, como a morte de uma pessoa, 
desde que não o façamos intencionalmente. 
Um utilitarista, como só leva em conta as consequências das ações, não aceita esta ideia. Para ele 
a única coisa que justifica provocarmos um mau efeito é isso servir para dar origem a algo melhor ou evitar 
algo ainda pior. Nesta perspectiva, para sabermos se alguém procedeu erradamente ao provocar a morte de 
uma pessoa, não interessa saber se essa morte foi provocada intencionalmente ou não só interessa saber se 
provocar essa morte serviu para alguma coisa boa, como, por exemplo, evitar a morte de várias pessoas. 
(Recorda o exemplo do capítulo anterior em que o Pedro propõe ao João que este mate um índio.) 
Aprofundaremos um pouco este aspecto da polémica no final do capítulo. Nas próximas páginas, 
vamos considerar alguns dos argumentos mais fortes dos deontologistas. Quando argumentam contra o 
utilitarismo alegando que este tem consequências inaceitáveis, defendem o seguinte: 
 Que o utilitarismo nos obriga a realizar certos atos que não são moralmente obrigatórios. É por 
isso, em certos aspectos, uma teoria moral demasiado exigente. 
 Que o utilitarismo permite ou consente certos atos que não são moralmente permissíveis. É por 
isso, noutros aspectos, uma teoria moral demasiado permissiva. 
Veremos, em primeiro lugar, por que razões pensam os deontologistas que o utilitarismo é 
demasiado exigente e depois por que acreditam que este é também demasiado permissivo. 
2.5. Integridade 
Os utilitaristas contemporâneos pensam que estamos sob a obrigação de maximizar imparcialmente 
o bem-estar. Isto quer dizer que devemos fazer tudo o que está ao nosso alcance para contribuir tanto quanto 
possível para a felicidade geral. Não será esta, no entanto, uma perspectiva que exige demasiado de nós? 
Como seria a nossa vida se a aceitássemos coerentemente? O texto que se segue permite-nos discernir a 
resposta para estas perguntas. 
 
Diz-se que a moral, tal como é entendida em algumas teorias morais, faz exigências 
excessivas às pessoas - exige que abandonemos os nossos projetos preferidos e possivelmente até 
aquilo que dá sentido à nossa vida. Este problema, na medida em que tem fundamento, é um 
problema para as teorias que, como sucede frequentemente nas teorias consequencialistas, nos 
exigem que maximizemos o bem. Se o bem a maximizar for um bem geral, como a felicidade 
humana, e não um bem pessoal, como a nossa própria felicidade, a obrigação de maximizar a 
felicidade pode deixar pouco espaço para desenvolvermos os nossos próprios projetos. Uma 
entomologista que estáfascinada pelos hábitos de certo tipo de inseto e que dedica muito do seu 
tempo a estudá-la provavelmente não está a maximizar a felicidade geral. Os seus talentos de 
investigadora poderiam ser usados para fins mais humanitários. Mas estaremos dispostos a dizer que 
ela está a agir imoralmente ao desenvolver a sua pesquisa em entomologia? Presumivelmente não, e 
isto sugere que a concepção da moral das teorias que exigem que maximizemos a felicidade humana 
pode estar errada. (Márcia Baron, «Ética kantiana», 1997, p. 20) 
O argumento subjacente a este texto é muito simples. Ele diz-nos que, se o utilitarismo for 
verdadeiro, então as nossas ações que não maximizam o bem-estar são erradas. Mas muitas das 
coisas que fazemos, embora não maximizem o bem-estar, não têm nada de errado. Logo, o 
utilitarismo é falso. É claro que a versão clássica do utilitarismo, como não inclui a ideia de que 
devemos promover tanto quanto possível o bem-estar, está fora do alcance deste argumento. 
Imagina, por exemplo, que estás a fazer um curso de literatura, que fazes parte de uma 
equipe de futebol, que gostas imenso de ir ao cinema e que colecionas soldadinhos de chumbo. Há 
algo de errado nisto? Parece suficientemente óbvio que não. No entanto, se o utilitarista tivesse razão, 
alegam os seus críticos, terias de sair do curso e da equipe de futebol, terias de deixar de gastar 
dinheiro em bilhetes de cinema e soldadinhos de chumbo, pois certamente poderias dedicar-te a 
atividades que contribuiriam muito mais para a felicidade geral. 
Se utilitarista tivesse razão, teríamos de redefinir radicalmente as nossas vidas, prescindindo 
de quase tudo o que apreciamos para benefício dos outros. Teríamos de sacrificar o nosso bem-estar 
até àquele ponto em que sacrificá-la ainda mais não resultaria na maximização da felicidade geral. 
Nas circunstâncias atuais, isto nos levaria a viver no limiar da pobreza, dedicando a maior parte do 
nosso tempo a lutar contra a miséria. Apenas alguns luxos seriam aceitáveis, de modo a conservar a 
nossa sanidade mental, sem a qual não poderíamos continuar a contribuir para a felicidade geral. 
Podemos pensar que é louvável viver assim. Para o utilitarista, no entanto, adoptar este estilo de vida 
seria apenas cumprir a nossa obrigação. 
Os críticos do utilitarismo acrescentam que, como este nos impõe um tipo de vida em que 
não há espaço para nada que seja alheio à maximização do bem, a nossa integridade pessoal fica 
assim seriamente ameaçada. O que quer isto dizer? A nossa vida caracteriza-se por diversos 
compromissos e projetos pessoais estão fortemente ligados a certas pessoas ou organizações e 
queremos realizar-nos desenvolvendo certas atividades. Mas, paro fazermos tudo aquilo que o 
utilitarismo exige, teríamos de pôr de parte quase todos esses compromissos e projetos em nome da 
felicidade geral, teríamos de aniquilar aquilo que nos identifica enquanto pessoas e que dá sentido à 
nossa vida. 
Se, como parece ser o caso, a perspectiva dos utilitaristas contemporâneos exige tanto de 
nós que ameaça a nossa integridade pessoa, então esta tem de ser revista Afinal, se agir 
normalmente implicasse destruir o que nos identifica enquanto pessoas, tornando-nos miseráveis, por 
que razão haveríamos de sermorais? 
Para além de ser uma teoria moral demasiado exigente, alegam os deontologistas, o 
utilitarismo é também demasiado permissivo: se o aceitássemos, teríamos também de aceitar que em 
certas circunstâncias seria permissível ou mesmo obrigatório, realizar atos claramente errados. Para 
vermos claramente como istosucede, imaginemos a seguinte situação: 
A Sara é uma cirurgiã especializada na realização de transplantes. No hospital em que trabalha 
enfrenta uma terrível escassez de órgãos cinco dos seus pacientes estão prestes a morrer devido a essa 
escassez. Onde poderá ela encontrar os órgãos necessários para salvá-los? O Jorge está no hospital a 
recuperar de uma operação. A Sara sabe que o Jorge é uma pessoa solitária - ninguém vai sentir a sua falta. 
Tem então a ideia de matar o Jorge e usar os seus órgãos para realizar os transplantes, sem os quais os 
seus pacientes morrerão. 
Não hesitamos em considerar a ideia da Sara abominável. Mas o que pensa um utilitarista sobre 
essa ideia? Parece que, para permanecer coerente, o utilitarista tem de pensar que não há nada de errado 
em matar o Jorge. Afinal, a opção de matá-lo permitirá salvar cinco pessoas que de outro modo morreriam 
vistas as coisas numa perspectiva imparcial, mata-lo e usar os seus órgãos promoverá mais o bem-estar do 
que não o matar e deixar os cinco pacientes morrer. Uma vez mais, o argumento é muito simples: se o 
utilitarismo fosse verdadeiro, seria permissível (ou mesmo obrigatório) a Sara matar o Jorge, mas fazer tal 
coisa não é permissível. Logo, o utilitarismo é falso. Assim, uma situação como a que descrevemos parece 
mostrar que há algo de profundamente errado no utilitarismo. 
Um deontologista, pelo contrário, não tem qualquer dificuldade em condenar coerentemente a 
opção de matar o Jorge. Para ele, como vimos, há coisas que não se podem fazer, mesmo que fazê-las 
promova o bem-estar. Assassinar uma pessoa para lhe tirar os órgãos é seguramente uma dessas coisas. 
Mas por que razão seria errado matar o Jorge? Aqui a resposta depende, obviamente, da teoria que o 
deontologista subscreve. Se ele for um defensor da teoria de Kant que examinaremos no próximo capítulo 
recorrerá ao imperativo categórico, que é o princípio ético fundamental da ética kantiana. Kant formulou esse 
princípio de várias maneiras. Uma delas, conhecida por fórmula do fim em si, é a seguinte: Age de tal maneira 
que uses a tua humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e 
simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio. 
O que quer isto dizer? Kant está a afirmar que é errado instrumentalizar as pessoas, ou seja, usá-
las como simples meios para atingir fins. Assim, o imperativo categórico implica que é errado matar o Jorge 
na situação acima descrita assassinar uma pessoa para benefício de outras é fazer dessa pessoa um simples 
meio para um fim. A ética kantiana exige que respeitemos as pessoas. Isto significa que devemos tratar as 
pessoas como fins em si mesmos, ajudando-as a desenvolver os seus projetos, mas sem interferir 
indevidamente na sua vida. 
Muitos deontologistas entendem que desrespeitar uma pessoa é violar os seus direitos. 
Segundo esta perspectiva, as pessoas têm certos direitos que limitam aquilo que podemos fazer em 
nome da felicidade geral matar o Jorge para retirar os seus órgãos é errado porque fazer isso é violar o seu 
direito à vida. Mas o que é ao certo um direito? O texto que se segue é uma boa maneira de começar a 
responder esta questão. 
Em geral, um direito é algo que podemos exigir justificadamente dos outros. Tem-se um direito, 
então podes exigir que os outros te tratem de certas maneiras. Tradicionalmente, distinguem-se os direitos 
legais dos direitos humanos. Um direito legal é um direito reconhecido pela estrutura que governa a nossa 
sociedade. Por exemplo, numa dada sociedade podemos ter o direito legal de vender os nossos escravos. 
Um direito humano, por outro lado, é um direito que temos (ou que devemos ter) simplesmente por sermos 
seres humanos, e não por pertencermos a uma sociedade específica. Por exemplo, todas as pessoas têm o 
direito humano de não ser escravizadas. 
Os direitos humanos dividem-se tradicionalmente em direitos negativos e direitos positivos. Um 
direito negativo é um direito a não sofrer a interferência dos outros de certas maneiras. A Declaração da 
Independência falava do nosso direito à vida, à liberdade e à procura da felicidade. Estas são áreas em que 
os outros não devem interferir. É errado tirar a vida, a liberdade ou a felicidade de uma pessoa, mesmo que 
fazer isso maximize o bem social. Um direito positivo, pelo contrário, é um direito a certos bens que os outros 
podem proporcionar.Quando as pessoas falam do direito a uma habitação adequada, está a pensar que a 
sociedade deve de alguma maneira assegurar que as pessoas tenham uma habitação adequada. (Harry 
Gensler, Ética, 1998, p.171) 
A introdução de direitos na ética suscita muitas questões difíceis. Afinal, como podemos saber que 
direitos temos? Temos só direitos negativos ou temos também direitos positivos? De onde surgem os 
direitos? Podemos de alguma maneira perder certos direitos? Há direitos absolutos? E os animais, também 
têm direitos? 
Não é fácil desenvolver uma teoria ética baseada em direitos, pois para fazê-lo temo de responder 
satisfatoriamente a estas questões. E qualquer teoria deontológica, mesmo que não se baseie em direitos, 
enfrenta problemas delicados. Mas se o utilitarismo tiver realmente consequências inaceitáveis e isto 
permanece hoje uma questão em aberto temos de adotar uma perspectiva deontológica da ética. 
Em qualquer sociedade que se observe, será sempre notada a existência de dilemas morais em seu 
interior. Os dilemas morais são um reflexo das ações das pessoas, e surgem a partir do momento em que, 
diante de uma situação qualquer, a ação de um indivíduo ou de um grupo de indivíduos, contraria aquilo que 
genericamente a sociedade estabeleceu como padrão de comportamento para aquela situação. 
Aspectos distintos de um comportamento moral: 
 Prático, relacionado à ação propriamente dita; 
 Teórico, vinculado à justificação dos valores que dão suporte à ação. 
Por exemplo, a clássica história de Hobbin Hood. 
A existência de um dilema moral implica que a ação de determinado indivíduo, ou mesmo de um 
grupo de indivíduos, contrariou aquilo que genericamente a maioria da sociedade acredita ser o 
comportamento adequado para aquela situação. 
Para Walter Sinnott-Armstrong Dilema moral seria: Qualquer problema em que a moralidade seja 
relevante. 
Este uso lato inclui não apenas conflitos entre razões morais, mas também conflitos entre razões 
morais e razões legais, religiosas ou relacionadas com o interesse próprio. (...) encontro-me num dilema 
moral se não puder ajudar um amigo que esteja com problemas sem renunciar a uma lucrativa, mas 
moralmente neutra oportunidade de negócio. (Extraído de Dicionário de Filosofia de Cambridge, org. por 
Robert Audi (Paulus, 2006) 
A história da humanidade pode ser entendida como o retrato das ações das pessoas através do 
tempo. A história sempre teve e, certamente, terá seu rumo alterado através dos tempos. 
Quando nos referirmos aos problemas de comportamento humano, estamos falando de moral, de 
valores morais e, obrigatoriamente, adentrando o campo da ética, ou seja, estamos discutindo problemas 
éticos. 
Nesse contexto, a Ética, enquanto ramo do conhecimento humano, tem como função essencial a 
tarefa de investigar a realidade dentro da qual cada momento da história foi vivido e explicar os valores que 
conduziram a determinado tipo de comportamento, isto é, a determinado tipo de moral que naquele momento 
foi aceito. 
O comportamento das pessoas, enquanto fruto dos valores nos quais cada um acredita, sofre 
alterações ao longo da história. Tal fato significa que aquilo que sempre foi considerado como um 
comportamento amoral pode, a partir de determinado momento, passar a ser visto como um comportamento 
adequado à luz da moral. 
Os problemas relacionados com o comportamento do ser humano encontram-se inseridos no 
campo de preocupações da Ética. Ainda que não torne os indivíduos "moralmente perfeitos", a Ética tem por 
função investigar e explicar o comportamento das pessoas ao longo das várias fases da história. 
2.6. Explicação Versus Prescrição de Formas de Conduta 
Conflito de interesses as pessoas são obrigadas a decidir sobre aquilo que lhes é moralmente mais 
aceitável ou condenável. Em qualquer que seja a situação, essa decisão deverá levar em conta, sempre, os 
valores individuais de cada um, valores que traduzem a verdade individual de cada pessoa. 
Quando uma decisão precisa ser tomada em face de um conflito de interesses, algum interesse 
estará sendo contrariado, fato este que pode trazer como consequência prejuízos morais e talvez também 
financeiros, de natureza tanto individual quanto coletiva. 
Investigar e explicar o comportamento das pessoas ao longo das várias fases da história é de 
grande relevância, tanto no sentido de se entender o passado, quanto de servir como parâmetro para a 
fixação de comportamentos "padrões", aceitos pela maioria, visando diminuir o nível de conflitos de interesses 
dentro da sociedade. 
Lembrem-se: A reflexão ética não pode pretender converter os agentes sociais em “indivíduos 
éticos”, mas pode instrumentalizá-los para que decidam consequentemente, de acordo com o que a 
coletividade espera deles. 
A imposição de regras de comportamento não objetiva tomar as pessoas "moralmente perfeitas", 
mas propiciar uma convivência pacífica entre elas, reduzindo a um nível mínimo possível os conflitos de 
interesses. 
Como se percebe, dentro de seu campo de atuação, a ética pode ser vista através de duas óticas 
distintas: (a) enquanto explicação do comportamento humano, em um período qualquer, justificando, desse 
modo, as ações advindas daquele comportamento; e (b) enquanto fonte para o estabelecimento de regras de 
comportamento diante de situações concretas, caso em que a ética se presta para, senão eliminar, pelo 
menos atenuar os conflitos de interesses no seio de qualquer sociedade. 
2.7. Fontes das regras Éticas 
 A natureza humana "verdadeira"; 
 Forma ideal universal do comportamento humano, expressa em princípios válidos para todo 
pensamento sadio; 
 A busca refletida dos princípios do comportamento humano; 
 A legislação de cada país, ou de foros internacionais, ou mesmo o código de ética profissional de 
cada corpo social organizado; 
 E os costumes (éthos). 
É quase certo que uma norma legal que dispusesse sobre generosidade, bondade, delicadeza e 
altruísmo para com o semelhante seria de fácil aceitação. Por que, então, os governos desejosos de 
popularidade não emitem dispositivos legais que versem sobre tais qualidades morais? A resposta pode ser 
encontrada em Maquiavel. 
Em O príncipe, Maquiavel prega a completa separação entre a política e a ética. Bignotto escreve: 
"Ao afirmar, por exemplo, que 'a um príncipe não é necessário possuir todas as qualidades, mas é necessário 
parecer tê-las' ( ... ), Maquiavel parece sugerir que a boa ação política não deve levar em conta valores que 
sejam incapazes de garantir seu sucesso, mas apenas o que conduz à meta desejada ... " 
Não seria o Estado suspeito para legislar sobre ética, pelo fato de ele ser o próprio legislador? 
Ora, a lei deve sempre ser obedecida? 
Para se evitar o subjetivismo e a injustiça, os julgamentos éticos devem ficar a cargo dos foros 
específicos que detêm a competência, credibilidade e experiência para julgar tais questões. 
3. RESPONSABILIDADE SOCIAL 
A responsabilidade social sempre foi preocupação de partidos políticos e de governos, mas nas 
últimas décadas tem recebido crescente atenção por parte das empresas. Num primeiro momento, elas 
tomaram consciência de que deviam prestar atenção não só aos seus sócios ou acionistas (stockholders), 
mas também a todas as pessoas que se relacionavam com ela (stakeholders), fornecedores, clientes e 
empregados; num segundo momento, conscientizaram-se de sua responsabilidade para com a sociedade em 
geral. 
Nas décadas de 60 e 70 do século XX, em parte esc1arecidas por amplos estudos científicos sobre 
os limites dos recursos terrestres, em parte pelos visíveis estragos causados ao meio físico pelas crescentes 
concentrações urbanas, a opinião pública e as empresas desenvolveram uma nova sensibilidade 
ambientalista ou ecológica. Desde então, a liberdade, a amplitude e a velocidade da informação têm posto à 
mostra certas condutas flagrantemente antiéticas, como o trabalho infantil e a propaganda de produtos 
prejudiciais àsaúde (fumo e álcool). Dentre outros, um famoso escândalo envolveu a Nike, fabricante mundial 
de artigos esportivos, por aceitar fornecedores que empregavam crianças do Terceiro Mundo. 
Tudo isso levou a reflexões nas empresas, terminando em iniciativas como a da criação, em 1992, 
da Organização Não Governamental Business for. Social Responsability (BSR) <http://www.bsr.org>; 
recursos oferecidos por seus sócios destinam-se a ações justificadas por responsabilidade social. 
Como se tem repetido, a ética é, em primeiro lugar, pessoal. A fonte dela é só a pessoa e sua 
inteligência prática. Isso exige que, para a empresa exercer sua ,responsabilidade social, a ética seja posta 
em prática dentro da administração, e mais, no interior de cada uma das pessoas. 
Hoje é consenso de que existe também um efeito em sentido inverso, isto é, de que a 
responsabilidade da empresa pelo atendimento às necessidades sociais retoma para todas as pessoas da 
empresa, porque aguça a sua sensibilidade ética; o resultado final é maior satisfação no emprego, que se 
reflete beneficamente em todas as atividades da empresa. 
Assim, pode-se concluir que o exercício da responsabilidade social pela empresa e a ética pessoal 
de seus dirigentes e funcionários estão intrinsecamente ligados. 
A responsabilidade social "é vista como um compromisso da empresa com relação à humanidade 
em geral, e uma forma de prestação de contas do seu desempenho baseado na apropriação e uso de 
recursos que originalmente não lhe pertencem [ ... ]." 
A empresa consome recursos naturais, renováveis ou não, direta ou indiretamente, que são enorme 
patrimônio gratuito da humanidade; utiliza capitais financeiros e tecnológicos que, no fim da cadeia, 
pertencem a pessoas físicas e consequentemente à sociedade; também utiliza a capacidade de trabalho da 
sociedade; finalmente, subsiste em função da sociedade e do que a ela pertence, devendo, em troca, no 
mínimo prestar-lhe contas da eficiência com que usa todos esses recursos (MELO, 1999, p. 83-84). 
Neste início do novo milênio, entende-se que o mencionado "compromisso com a humanidade em 
geral" deva traduzir-se pela destinação não só de recursos, mas também da atenção dos seus funcionários a 
atividades com fins sociais, por exemplo, em favor da infância abandonada, da alfabetização, da saúde, 
escola, assistência aos necessitados etc. 
Mas não é unânime a opinião dos economistas sobre a responsabilidade social da empresa. 
A denominada visão clássica ou econômica acha que a única responsabilidade social da empresa e 
de seus executivos é a de maximizar o lucro para seus acionistas. Seus defensores mais destacados são 
economistas apologistas do livre-mercado, como Milton Friedman. Eles argumentam assim: 
 Quando os administradores decidem destinar recursos da empresa a causas sociais, de onde 
provêm esses recursos? Provêm ou do lucro dos acionistas, ou da remuneração dos empregados, 
ou dos preços pagos pelos consumidores. Este último caso é o pior, porque preços altos podem ser 
rejeitados pelos consumidores, reduzir vendas e prejudicar seriamente o negócio; aí perdem todos 
os envolvidos na empresa; 
 A solução dos problemas sociais é de competência dos representantes da sociedade, escolhidos 
pelo povo, do poder público, e não das empresas; 
 A prática da responsabilidade social aumentaria excessiva e perigosamente o poder que as 
empresas já possuem naturalmente, podendo ser considerada uma verdadeira intromissão política, 
sem mandato público; 
 Por último, os homens de negócios estão habituados em suas empresas a um estilo 
"monárquico" de liderança que não combina com a liderança verdadeiramente democrática exercida 
nas organizações sociais; eles não estão preparados para comandar essas organizações. 
A outra visão é a denominada visão socioeconômica. De acordo com seus defensores, dentre eles o 
economista Paul Samuelson, as empresas não somente devem buscar o lucro, mas também a proteção e a 
melhoria da qualidade de vida das comunidades em que elas operam, e da sociedade em geral. Dentre os 
argumentos dos defensores da Responsabilidade Social Empresarial, podem ser citados os seguintes: 
 Existe uma expectativa do público quanto ao apoio das empresas aos projetos sociais de toda 
natureza, comprovada pela experiência das organizações sociais; 
 Estudos e pesquisas de escolas de administração, como os da Universidade de Harvard, 
mostram que o comportamento socialmente responsável das empresas e as boas relações com a 
comunidade propiciam, com mais segurança, lucros no longo prazo; 
 Os objetivos sociais da empresa contribuem para a sua boa imagem pública; 
 A melhoria do ambiente interno é outro resultado do bom desempenho social da empresa, ao 
gerar um clima de idealismo e de solidariedade entre os empregados, com a valorização dos 
empregos e da própria empresa; 
 Existe interesse dos acionistas, mostrado pela crescente procura de investidores por ações de 
empresas consideradas socialmente responsáveis; 
 Com o atendimento a problemas e carências sociais, as empresas evitam mais regulamentos do 
governo; 
 A responsabilidade social promove o equilíbrio entre responsabilidade e poder das empresas; o 
poder sem a responsabilidade social pode estimular comportamentos irresponsáveis contra o bem 
comum; 
 A empresa conta com disponibilidade de recursos financeiros, de especialistas e de talento 
gerencial, de que necessitam as organizações sociais; 
 A responsabilidade social serve de ação preventiva, pois o adiamento na solução de problemas 
da sociedade pode torná-los mais agudos e sua solução mais cara, com risco para a própria 
empresa; 
 Por último, é considerada uma obrigação ética, pois a responsabilidade social, além de ser 
eticamente boa correta em si mesma, é um dever da empresa para com a sociedade, graças à qual 
a empresa vive e da qual obtém seu retomo. 
Faz-se mister distinguir responsabilidade social dos cumprimentos das obrigações sociais e das 
obrigações emergenciais. A responsabilidade social é uma tomada de consciência da empresa que a leva a 
assumir livremente atividades e encargos em prol da sociedade em que está inserida. 
Toda empresa tem obrigações sociais que devem ser satisfeitas: pagamento de salários, de 
contribuições à Previdência Social, de impostos e taxas etc. São de caráter legal, contratual e, por isso, não 
se consideram como parte da denominada responsabilidade social, que é por princípio voluntário e livre. 
As obrigações emergenciais, de igual forma, não se incluem na responsabilidade social. Ditas 
obrigações surgem perante situações calamitosas, como inundações, terremotos, incêndios etc. Nessas 
emergências, imprevisíveis, a sociedade é chamada a colaborar, para amenizar ou aliviar a situação dos mais 
atingidos; as empresas são mo\idas a contribuir. Trata-se, porém, de uma resposta de solidariedade com a 
situação, chamada de reatividade social. É diferente da responsabilidade social, pois esta é proativa, não 
depende de situações emergenciais, decorre de princípios e políticas da empresa e está prevista na sua 
estratégia de negócios e no seu orçamento anual, visando à solução programada de problemas sociais 
específicos. 
No Brasil, desde a década de 80, vem-se desenvolvendo a prática da responsabilidade social por 
parte de empresas: de doações e ajudas eventuais a entidades sociais ou filantrópicas até a sofisticação de 
ajudas incluídas no planejamento estratégico para grandes projetos sociais e a constituição de fundações 
voltadas para as carências significativas da comunidade. 
Na década de 80, constituiu-se em São Paulo o Instituto Ethos, com 11 empresas pioneiras na 
prática da responsabilidade social; em 2003, o Ethos já contava com um milhar de associados. 
Pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA), em 2003, mostrou 
que 60% das empresas do país desenvolviam ou apoiavam ações sociais, investindo anualmente dois bilhões 
e

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