Buscar

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 30 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 30 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 30 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - ADIN 
A Ação Direta de Inconstitucionalidade genérica, conhecida como ADIN advém do 
controle concentrado de constitucionalidade e é promovida mediante ação judicial, e 
está prevista nos artigos 102 I, “a” e 103 da CF/88. 
Objeto 
O que se busca neste tipo de ação é a lei ou ato normativo que se mostrarem 
incompatíveis com o sistema, ou seja, a invalidação da lei ou ato normativo pelo Poder 
Judiciário. 
Entende-se por leis todas as espécies normativas definidas na Constituição Federal de 
1988 no artigo 59, sendo: emendas constitucionais, leis complementares, leis ordinárias, 
leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos e resoluções, bem como os 
tratados internacionais. 
Os tratados internacionais incorporados no ordenamento jurídico são celebrados pelo 
Presidente da República. 
Para serem incorporados ao ordenamento jurídico nacional, dependem de referendo do 
Congresso Nacional, via decreto-legislativo aprovado por maioria simples e promulgado 
pelo presidente do Senado (art. 49, I, da CF), e, por fim, de promulgação e publicação 
por decreto do Presidente da República (é o decreto presidencial que dá força executiva 
ao tratado). O tratado internacional incorporado no ordenamento jurídico tem força de 
lei ordinária. 
Os atos normativos compreende-se em resoluções administrativas dos Tribunais, atos 
estatais de conteúdo derrogatório, as resoluções administrativas, desde que incidam 
sobre atos de caráter normativo. 
Cumpre ressaltar que segundo o Supremo Tribunal Federal em sede de julgamento na 
Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADI n.º 594-DF, que só podem ser objeto de 
controle perante o Excelso Pretório (STF) leis e atos normativos federais ou estaduais. 
Se as medidas provisórias forem convertidas em lei, ou perderem a sua eficácia, a ADIN 
será prejudicada pela perda do objeto. 
É relevante lembrar que os tratados e convenções internacionais sobre direitos 
humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, 
por 3/5 dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes ás emendas 
constitucionais (art. 5º, §3º da CF). 
Os Regimentos Internos dos Tribunais podem ser objeto de Ação Direta de 
Inconstitucionalidade (ADIN), pois são normas estaduais, genéricas e autônomas, 
inclusive as Resoluções administrativas dos Tribunais, inclusive dos Tribunais Regionais 
do Trabalho, salvo as convenções coletivas de Trabalho. 
Cumpre Esclarecer que o Distrito Federal acumula a competência dos Estados e 
Municípios, assim se tratar de matéria estadual será objeto de Ação Direta de 
Inconstitucionalidade (ADIN), mas se tratar de matéria municipal, não será objeto de 
ADIN. 
O debate sobre a constitucionalidade da Lei 15.299/2013 do estado do Ceará, que 
regulamenta a atividade de vaquejada, dividiu o Supremo Tribunal Federal. Estavam em 
conflito dois dispositivos da Constituição sobre direitos fundamentais. O primeiro diz 
respeito à proteção da fauna e da flora que assegure o direito ao meio ambiente sadio 
e equilibrado (art. 225). O outro trata da garantia ao pleno exercício dos direitos 
culturais (art. 215). Por 6 a 5, um placar apertado, portanto, o Plenário do STF decidiu 
que o dever de proteção ao meio ambiente se sobrepõe à proteção aos valores culturais 
representados pela vaquejada. 
 
A Ação Direta de inconstitucionalidade (ADI) 4.983 foi apresentada pela Procuradoria-
Geral da República em maio de 2013, com a argumentação principal de que a crueldade 
com os animais envolvidos é intrínseca à prática da vaquejada e que não seria possível 
uma regulamentação que eliminasse a violência sem descaracterizar por completo a 
modalidade. 
 
O ministro Marco Aurélio, relator da ADI, considerou que os laudos constantes no 
processo demonstraram consequências nocivas à saúde dos animais como fraturas, 
ruptura de ligamentos, traumatismos e deslocamento da articulação do rabo e até o 
arrancamento dessa parte do corpo e outros danos causadores de dores físicas e 
sofrimento mental. Para o magistrado, a tortura e outros tipos de maus-tratos impostos 
aos bois na vaquejada são indiscutíveis e se enquadram no conceito de crueldade com 
animais, tal como expresso no artigo 225 da Constituição. 
 
Entre os que divergiram do relator, o ministro Edson Fachin ressaltou que era preciso 
considerar a realidade do meio rural e evitar uma visão unilateral de uma sociedade 
predominantemente urbana. Destacando o sentido de manifestação cultural da 
vaquejada, Fachin disse não haver motivo para se proibir a competição, que reproduziria 
e avaliaria tecnicamente a tarefa da captura própria do trabalho de vaqueiros e peões 
na zona rural do país. O ministro Gilmar Mendes alertou seus pares para o fato de que 
a declaração de inconstitucionalidade levaria o costume à clandestinidade. Para ele, a 
lei cearense precisaria ser aperfeiçoada com medidas que pudessem reduzir as 
possibilidades de lesão aos animais. No entanto, considerou que o propósito da 
vaquejada seria desportivo, diferentemente da “farra do boi”, cujo objetivo seria matar 
o animal. 
 
Entretenimento 
Também entre os contrários à proibição da vaquejada, o então ministro Teori Zavascki 
alegou que a ADI não dizia respeito à prática, e sim à lei regulamentadora cearense. Para 
ele, a vaquejada poderia ser cruel ou não dependendo da forma como fosse praticada. 
E, se não fosse cruel, não poderia ser proibida. Além disso, a lei em questionamento, 
ponderou Zavascki, procurava evitar as formas cruéis da atividade. Na falta de uma lei 
reguladora, a vaquejada recairia inevitavelmente em crueldade com os animais. 
Raciocínio semelhante foi apresentado pelo ministro Luiz Fux. Ele acrescentou que a 
carne vermelha é produzida de forma cruel no Brasil e que a Constituição, mesmo assim, 
garante o direito à alimentação, um direito social. 
 
Entre os favoráveis ao pedido, o ministro Roberto Barroso argumentou que a proteção 
aos animais deve ser considerada norma autônoma, que não se justifica apenas do 
ponto de vista ecológico ou preservacionista. Para ele, a proteção possui valor moral, ou 
seja, o sofrimento animal importa por si só, independentemente do equilíbrio 
ambiental. Acrescentou ainda que a vaquejada usa os animais apenas para fins de 
entretenimento, e não é uma questão complexa de direito dos animais, como o uso para 
alimentação ou em práticas religiosas. 
 
A ministra Rosa Weber frisou que, apesar de o Estado garantir e incentivar 
manifestações culturais, não tolera do mesmo modo a crueldade contra animais. O 
ministro Celso de Mello enfatizou que a crueldade é inerente à vaquejada. Não se pode 
qualificá-la como atividade desportiva, prática cultural ou expressão folclórica. Seria 
crime ambiental definido na Lei 9.605/1998. Para a presidente do STF, ministra Cármen 
Lúcia, a cultura, ainda que enraizada, também se transforma quando há outro modo de 
ver a vida, em uma perspectiva mais global, e não apenas relativa ao ser humano. 
 
A vaquejada já havia sido questionada em ações civis públicas propostas pelo Ministério 
Público em diversos lugares do país, principalmente na Região Nordeste. Na maior parte 
dessas ações, liminares concedidas para suspender a realização de eventos foram 
rapidamente cassadas pelos tribunais de Justiça. 
 
A ADI 4.983 foi a primeira ação apreciada pelo STF sobre a questão. Ao estabelecer, de 
forma definitiva, que a derrubada dos bois não é uma prática esportiva com amparo 
constitucional, o Supremo dá condições para encerrar os questionamentos judiciais 
locais ainda sem resolução final em todo o país. 
DIREITO AMBIENTALREVISTA 189 
Vaquejada: A Contradição da Constituição em Relação à Proibição Desta Prática 
Em 2 de outubro de 2019 - às 15:05 
 0 
 Compartilhar 
Você quer atrair muitos clientes para o seu escritório e ganhar mais dinheiro? 
Clique AQUI e participe gratuitamente da Semana do Marketing Jurídico! 
[1]Resumo: A vaquejada é uma prática esportiva, cultural, inertemente cruel, dependendo 
do ponto de vista e de quem está a conceituando, em que dois vaqueiros trabalham em 
sincronia para derrubar o boi dentro de uma marca específica num campo de areia. 
Ocorre que, nem sempre foi assim, pois antigamente era tida como essencial à atividade 
dos fazendeiros de gados, porquanto para levá-los aos fazendeiros, para, então, 
receberem os tratamentos adequados. Diante disso, a Constituição trouxe duas 
disposições que são, como se mostrará a seguir, evidentemente contrárias entre si. 
Partindo disto, o presente estudo teve como problemática a seguinte pergunta: existe 
contradição da constituição em relação à proibição da prática da vaquejada? Para tanto, 
buscou-se descrever o que estabelece a doutrina, legislação e jurisprudência sobre a 
vaquejada, além de tecer considerações sócio-histórico-econômico-culturais sobre ela. 
Por isso, foi necessário estabelecer a relação da vaquejada e seu conteúdo conforme lei 
e jurisprudência, analisar as ADIs 4.983, 5.728 e 5.772, finalizando com os direitos dos 
animais e o que diz a própria Magna Carta sobre o assunto. Por isso foi utilizada a 
pesquisa qualitativa, com objetivo descritivo de análise documental. Ante o que será 
exposto, foi possível compreender a contradição dentro da constituição. 
 
 
 
Palavras-chaves: VAQUEJADA. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO 
DOS ANIMAIS. CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 
 
PUBLICIDADE 
 
 
 
 
Abstract: Vaquejada is a sporting, cultural, inertly cruel practice, depending on the point 
of view and who’s defining, in which two cowboys work synchronously to bring down 
the ox within a specific mark on a sand field. However that it was not always so, as it was 
once considered essential to the activity of cattle ranchers, as to bring them to the 
ranchers, and then to receive the proper treatments. Against this, the Constitution has 
two provisions which are, as will be shown below, evidently contrary to each other. From 
this, the present study had as its problematic the following question: is there a 
contradiction of the constitution regarding the prohibition of the practice of the 
vaquejada? To this end, we described what establishes the doctrine, legislation and 
jurisprudence about the vaquejada, as well as making socio-historical-economic-cultural 
considerations about her. Therefore, it required to establish the relationship of the 
vaquejada and its content according to law and jurisprudence, to analyze ADIs 4.983, 
5.728 and 5.772, ending with animal rights and what the constitution itself says about 
it. Therefore, the qualitative research was used, with descriptive objective of document 
analysis. This way i’ll can be understood the contradiction within the constitution. 
 
Keywords: VAQUEJADA. DIRECT ACTION OF UNCONSTITUTIONALITY. RIGHT OF 
ANIMALS. FEDERAL CONSTITUTION. 
 
 
 
Sumário: Introdução. 1. Considerações sócio-histórico-econômico-culturais da 
vaquejada. 2. Vaquejada: a lei e a jurisprudência. 3. Vaquejada atual: entre a cultura, o 
negócio e a crueldade. 4. Vaquejada: o direito dos animais e a Constituição Federal. 
Conclusão. Referências bibliográficas. 
 
 
 
INTRODUÇÃO 
 
 
A vaquejada consiste em uma prática aparentemente esportiva, na qual dois vaqueiros 
tentam derrubar o touro puxando-o pelo rabo, o que, muitas das vezes, leva-o ao 
desenluvamento – nome técnico dado ao arrancamento do rabo pela retirada violenta 
da pele e tecidos da cauda. 
 
 
 
Mesmo considerando o exposto, há ainda quem defende tamanho maus tratos. 
 
Diante dessa divergência de opiniões, foi proposta a ADI n. 4.983, cujo objeto é a Lei n. 
15.299/2013, a qual regulamenta a prática da vaquejada como atividade desportiva e 
cultural no Estado do Ceará. Nesse mesmo lapso, foi promulgada a EC 96/2017, que 
acrescentou o §7º ao mesmo dispositivo da CF, considerando não cruéis as práticas 
desportivas que utilizem animais, desde que sejam manifestações culturais, as quais 
deverão ser regulamentadas por lei específica que deverá assegurar o bem-estar dos 
animais envolvidos. 
 
Em reflexo, houve a proposição das ADIs n. 5728 e 5772, cujo objeto de ambas é a EC 
96/2017. 
 
 
Ainda frente a este alvoroço, foi sancionada a Lei n. 13.364, a qual, dentre outras 
providências, elevou a vaquejada à condição de manifestação cultural nacional e de 
patrimônio cultural imaterial. 
 
Diante deste contexto, pode-se inferir a existência de uma dissonância no ordenamento 
jurídico quanto à proibição ou não da prática, o que acarretou numa contradição dentro 
da própria CF, dado que o mesmo dispositivo permite e proíbe a prática. 
 
Ademais, assim como a briga de galo, sabe-se que a prática desportiva da vaquejada é 
extremamente lucrativa. Aliás, tudo aponta que escolheram os animais para ganharem 
dinheiro e se divertirem. 
 
 
É justamente nesta acepção, que surge o interesse no estudo do tema “Vaquejada: a 
contradição da Constituição em relação à proibição desta prática”, com relevância 
social, econômica e jurídica. Primeiramente, as relevâncias social e econômica serão 
demonstradas ao passo que o reconhecimento da prática como ato de extrema 
crueldade e negócio pode causar uma grande alteração na economia de milhares de 
pessoas que sobrevivem desta, principalmente no Nordeste. 
 
Em seguida, a relevância jurídica será demonstrada à medida que a será constatada uma 
contradição dentro do próprio texto constitucional. É nesta ótica que surge o seguinte 
questionamento: existe contradição na Constituição em relação à proibição da prática 
da vaquejada? 
 
 
Para responder a indagação, o presente trabalho tem como objetivo debater sobre a 
existência da contradição na Constituição em relação à proibição da prática da 
vaquejada, tendo como objetivos específicos: 1) conceituar sócio-histórico-econômico-
culturalmente a vaquejada, 2) descrever o que estabelece a doutrina, legislação e 
jurisprudência sobre a vaquejada. 
 
 
Para tanto, como tópicos orientadores do estudo, temos: 1) considerações sócio-
histórico-econômico-culturais sobre a vaquejada; 2) vaquejada: a lei e a jurisprudência; 
3) vaquejada atual: entre a cultura, negócio e crueldade; e, finalizando, 4) vaquejada: 
direitos dos animais e a Constituição Federal. Vejamos adiante. 
 
 
 
CONSIDERAÇÕES SÓCIO-HISTÓRICO-ECONÔMICO-CULTURAIS DA VAQUEJADA 
A origem da vaquejada nos remonta ao sertão nordestino, por volta dos séculos XVII e 
XVIII (CASCUDO, 1976), quando o gado era criado, marcado e solto na mata, ou seja, sua 
origem encontra-se ligada às festas de apartação. Bezerra bem explica: 
 
 
“Na verdade, tudo começou aqui pelo Nordeste com o Ciclo dos Currais. É onde entram 
as apartações. Os campos de criar não eram cercados. O gado, criado em vastos campos 
abertos, distanciava-se em busca de alimentação mais abundante nos fundos dos pastos 
(BEZERRA, 1978, p. 7)”. 
 
Passados alguns meses, geralmente no mês de junho, época em que finda o período 
chuvoso, os coronéis contratavam peões para entrar na mata e buscar o gado marcado, 
para fazer a separação do gado. É o que Bezerra explica: 
 
“Para juntar gado disperso pelas serras, caatingas e tabuleiros, foi que surgiu a 
apartação. Escolhia-se antecipadamente uma determinada fazenda e, no dia marcado 
para o início da apartação, numerosos fazendeiros e vaqueiros devidamente encourados 
partiam para o campo, guiados pelo fazendeiro anfitrião, divididos em grupos 
espalhados em todas as direções à procura da gadaria (BEZERRA, 1978, p. 7)”. 
 
 
 
Isso permite entender que era algo bem elaborado, com estratégias bem definidas para 
garantir o sucesso da empreitada: 
 
“O gado encontrado era cercado em uma malhada ou rodeador, lugar mais ou menos 
aberto, comumente sombreado por algumas árvores, onde as reses costumavam 
proteger-se do sol, e nesse caso o grupo devaqueiros se dividia. Habitualmente ficava 
um vaqueiro aboiador para dar o sinal do local aos companheiros ausentes. Um certo 
número de vaqueiros ficava dando o cerco, enquanto os outros continuavam a campear. 
Ao fim da tarde, cada grupo encaminhava o gado através de um vaquejador, estrada ou 
caminho aberto por onde conduzir o gado para os currais da fazenda. O gado era tangido 
na base do traquejo, como era chamada a prática ou jeito de conduzi-lo para os currais 
(BEZERRA, 1978, p. 7-8)”. 
 
Às vezes, encontravam-se os barbatões, aqueles bovinos mais bravos, os quais tinham 
um sistema de captura ainda mais trabalhoso: 
 
 
“Quando era encontrado um barbatão da conta do vaqueiro da fazenda-sede, ou da 
conta de vaqueiro de outra fazenda, era necessário pegá-lo de carreira. Barbatão era o 
touro ou novilho que, por ter sido criado nos matos, se tornara bravio. Depois de 
derrubado, o animal era peado e enchocalhado. Quando a rés não era peada, era 
algemada com uma algema de madeira, pequena forquilha colocada em uma de suas 
patas dianteiras para não deixa-la correr. Se o vaqueiro que corria mais próximo do boi 
não conseguia pega-lo pela bassoura, o mesmo que rabo ou cauda do animal, e derrubá-
lo, os companheiros lhe gritavam: 
 
– Você botou o boi no mato! (BEZERRA, 1978, p. 8)” 
 
Ademais, o objetivo era a manutenção do gado do fazendeiro, a exemplo do 
beneficiamento, castração, ferra, tratamento das eventuais feridas, dentre outros. 
 
 
Dentro deste contexto surge a figura do vaqueiro, tido como herói, pois enfrentava a 
mata fechada na procura dos bovinos, fazendo verdadeiras acrobacias com seus equinos 
para escaparem das eventuais lesões causadas pela mata cerrada, a exemplo das 
arranhaduras de espinhos e pontas de galhos secos (OLIVEIRA, 2016). Por conseguinte, 
sua raiz encontra-se diretamente ligada à procura dos animais na caatinga nordestina 
para a reagrupação do rebanho. Andrade explica: 
 
 
“[…] o animal bravio selvagem, o ‘barbatão’ que logo ganhava fama, atrain­do os 
vaqueiros mais em sua perseguição. Para a sua captura convo-cavam-se vaqueiros das 
várias ribeiras que em verdadeira festa iam perseguir o animal bravio (ANDRADE, 1986, 
p. 122)”. 
 
Mais do que o festejo “mais tradicional do ciclo do gado nordestino” (CASCUDO, 1976, 
p. 783), a vaquejada consiste em uma forma de viver de uma comunidade específica. 
Aires e Assunção asseveram: 
 
 
“Há estilos de ser e de viver que se conectam à sociedade, bem como há particularidades 
que são executadas cotidianamente em seus eventos. Na vaquejada promove-se estilos 
de vida que se configuram pela maneira como atuam e representam o mundo no 
evento, a saber: o tipo de vestimenta, o cavalo, as brincadeiras e as festas (AIRES; 
ASSUNÇÃO, 2018, p. 6)”. 
 
Então, verifica-se que as vestimentas também são partes importantes para a figura do 
vaqueiro, pois se diferem das roupas comuns. Aires e Assunção explicam: 
 
“As vestimentas nas vaquejadas são compostas de acessórios que diferem desta 
paisagística comum, embora seja comum às pessoas usarem bonés, calças jeans e 
camisetas em seu cotidiano. As botas de couro, as perneiras, os chicotes dos vaqueiros 
e dos patrões são instrumentos que demarcam referências para dizer quem é quem na 
vaquejada (AIRES; ASSUNÇÃO, 2018, p. 6)”. 
 
 
Em verdade, a gênese da vestimenta encontra-se ligada à gênese da prática. O traje era 
uma forma de proteger-se das espécies espinhentas da caatinga (FELIX; ALENCAR, 2011). 
 
Além disso, há ainda o aspecto da performance. O ato performático, nas palavras de 
Paul Zumthor (2010, p. 166), “[…] implica competência. Além de um saber-fazer e de um 
saber dizer, a performance manifesta um saber no espaço e tempo […] que é emanada 
no corpo”. Para Aires e Assunção (2018), esse é o ato pelo qual fazem o próprio 
marketing, usando de quaisquer meios disponíveis, a exemplo: a tradição familiar, na 
qual demonstram a continuidade de campeões que sua família pode oferecer, a posição 
social, na qual o locutor do evento realça sua participação em determinado grupo 
empresarial, e a derrubada do boi, apresentando uma habilidade diferencial ao derrubar 
o boi. 
 
 
A performance é tão importante, que caso o vaqueiro não faça um show apropriado, a 
plateia e os patrões começam a vaiar, como formar de demonstrar a falta de confiança 
e insatisfação em relação ao competidor (AIRES; ASSUNÇÃO, 2018). 
 
 
Não obstante, os cowboys dessa comunidade conseguem, através da vaquejada, 
demonstrar que são verdadeiramente machos. O objetivo disto é demonstrar não 
somente ao patrão, como ao público em geral, inclusive as mulheres, que o vaqueiro é 
mais apto, tenaz que os demais (AIRES; ASSUNÇÃO, 2018, p. 9) 
 
Portanto, vê-se a vaquejada como uma festa organizada pela população rural, de forma 
a contribuir economicamente para a comunidade, formando uma tradição cultural. 
Giddens (2000) assevera que as tradições consistem na repetição de rituais, os quais 
evoluem ao longo do tempo. Isto é o que ocorre com a vaquejada, ano após anos a 
prática vem sendo reiterada e torna-se parte da identidade daquele povo. Cascudo 
assim descreveu: 
 
“Os touros e novilhos se agitavam inquietos e famintos, tangiam, com grandes brados, 
um animal para fora da porteira. Arrancava este como um foguetão. Um par de 
vaqueiros corria lado a lado. Um seria o ‘esteira’ para manter o bicho numa determinada 
direção. O outro derrubaria. Ao pôr-do-sol acabava-se (CASCUDO, 1976, p. 34)” 
 
 
Já por volta da metade do século XX, alguns destes vaqueiros iniciaram a exposição de 
suas habilidades ao público, através da Corrida do Mourão, em Rio Grande do Norte 
(OLIVEIRA, 2016). Com a repercussão desse “grande espetáculo”, a organização destes 
eventos passou a ser organizada pelos senhores de engenho, os quais ofereciam aos 
vaqueiros apenas um agrado (OLIVEIRA, 2016), pois à época o espetáculo ainda não 
almejava o lucro. 
 
Porém, como é natural do ser humano almejar o lucro, o tempo foi passando e parte 
dos fazendeiros começou a transformar a prática em um verdadeiro show, na qual 
cobravam uma taxa de participação, com a reversão do monte em prêmio aos 
vencedores, retirada a parte da organização do evento (OLIVEIRA, 2016). 
 
Atualmente, a vaquejada é completamente diferente do que fora outrora. O show 
consiste em uma competição, com a figura de dois vaqueiros. Um deles, denominado 
batedor de esteira, irá levar o boi para o outro, denominado puxador. Quando os 
cowboys se aproximam um do outro, o boi ficará emparelhado até que seja derrubado, 
puxando-o pelo rabo, dentro das duas últimas faixas de cal. Ao final, a dupla, agora 
montada em cavalos de linhagem, que conseguir a maior quantidade de pontos recebe 
o prêmio (OLIVEIRA, 2016). De forma mais técnica, Silva Júnior define: 
 
 
 
“Os cavaleiros competem em duplas, montados seus cavalos belos e com arreios 
caprichados e bem cuidados, e disputam correndo em raia de aproximadamente 50,00 
m a 80,00 m de comprimento, com terreno limpo e macio, onde procuram derrubar o 
garrote ou touro que parte celeremente da porteira de saída buscando escapar da 
perseguição dos cavalos. A derribada do boi é feita mediante puxada pelo rabo, a ser 
realizada até o limite final da pista. Ao lado da pista, acomodam-se os expectadores 
sentados em camarotes e nas bancos sobrepostas(sic), onde ficam torcendo por seus 
cavaleiros favoritos (SILVA JÚNIOR, 2016).” 
 
Ademais, a festa que outrora somente acontecia no fim da época chuvosa, agora possui 
um calendário bem organizado, com os eventos marcados durante todo o ano, e, às 
vezes, até mais de um por local e/ou dia. 
 
Outrossim, encontra-se dividida entre duas classificações, quais sejam: profissional e 
amador. São tidos como profissionais os contratados pelos parques dos respectivos 
eventos ou por algum fazendeiro de bois ou dono de haras (FELIX; ALENCAR, 2011).Em 
seu turno, são amadores aqueles que praticam apenas para matar o tempo livre, ou 
apenas por gostar, como bem define o próprio significado da palavra. 
 
 
Após essa restruturação, a vaquejada foi ganhando mais e mais repercussão, sendo que, 
hodiernamente é considerada um esporte e prática cultural, nos termos da lei, conforme 
veremos a seguir. 
 
 
 
VAQUEJADA: A LEI E A JURISPRUDÊNCIA 
Ao longo da evolução da sociedade humana, em geral, esta optou por regulamentar o 
uso dos animais. Para Lourenço: 
 
 
“O prin­cipal fator que motivou o surgimento de normas especificamente voltadas à 
tutela e proteção dos animais reside na percepção, per-tencente tanto à comunidade 
científica como ao senso comum, a respeito da analogia dos processos anatômico-
fisiológicos relacio-nados à manutenção da vida e do bem-estar experimental existen-te 
entre animais e homens (LOURENÇO, 2017, p. 4).” 
 
 
No Brasil, a legislação somente se direcionou aos animais pela primeira vez em 10 de 
setembro de 1924, através do Decreto Federal n. 16.590, o qual vedava concessão de 
licenças para corridas de touros, garraios, novilhos, brigas de galo e canários e quaisquer 
outras diversões desse gênero que causassem sofrimento aos animais. 
 
Feitas as considerações iniciais, a legislação e jurisprudência mais atuais serão analisadas 
de acordo com a ordem cronológica, como se segue. 
 
 
Primeiramente, registre-se a Declaração Universal dos Direitos dos Animais, de 27 de 
janeiro de 1978, a qual já parte da premissa de que todo animal possui direitos e que o 
respeito aos animais deve ser ensinado desde a infância. Logo em seu primeiro artigo já 
prega que todo animal nasce igual “diante da vida” e tem “o mesmo direito à existência” 
(ONU, 1978). 
 
A declaração prossegue proibindo os maus-tratos e atos cruéis, conforme art. 3, alínea 
“a”(ONU, 1978), asseverando, em seu artigo 2, que o homem não deve explorar os 
animais, tendo “o dever de colocar a sua consciência a serviço dos outros animais” 
(ONU, 1978). Inclusive, se for necessário matar um animal, o ato deve ser imediato, 
“sem dor ou angústia” (ONU, 1978). 
 
Máxime, em seu art. 10 estipula que, em hipótese alguma, qualquer que seja o animal, 
o homem poderá submetê-lo para o próprio entretenimento, pois tais atos não são 
compatíveis com a dignidade do animal (ONU, 1978). 
 
 
Por fim, as cenas em que haja a violência contra os animais estão proibidas em qualquer 
meio audiovisual, salvo se o objetivo for expor uma afronta aos direitos dos animais, nos 
termos de seu art. 13, alínea “b” (ONU, 1978). 
 
Ora, vê-se a vaquejada como um completo desrespeito à convenção em tela, ao qual o 
Brasil é signatário. 
 
Mais adiante, a Lei n. 9.605, de 12 de fevereiro de 1998 (Lei de Crimes Ambientais – LCA) 
considera crime a prática de maus tratos contra “animais silvestres, domésticos ou 
domesticados, nativos ou exóticos”, conforme se extrai de seu art. 32 (BRASIL, 1998), 
cominando a pena de “detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa” (BRASIL, 
1998). 
 
 
 
Ademais, pelo texto da lei, nem mesmo os fins didáticos ou científicos extinguem a 
tipicidade, desde que haja recursos alternativos, nos termos do §1º deste mesmo artigo 
(BRASIL, 1998). Outrossim, aumenta-se a pena de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um terço) se o 
animal vier a falecer, nos termos do §2º (BRASIL, 1998). 
 
Vale ressaltar que a pena é muito branda e a efetividade acaba não sendo alcançada, 
tendo em vista que nas penas privativas de liberdade de até 4 (quatro) anos, pode haver 
a substituição pelas penas restritivas de direito, o que acaba não inibindo a prática da 
conduta. 
 
Quanto aos maus tratos, o Decreto Federal n. 24.645, de 10 de julho de 1934, trazia um 
rol exemplificativo de maus-tratos, a exemplo: atos de abuso ou crueldade em qualquer 
animal; manutenção de animais em locais anti-higiênicos ou que impossibilite a 
respiração, movimento ou descanso, ou os privem de ar ou luz, dente outras, vejamos: 
 
“Art. 3º Consideram-se maus tratos: 
 
I – praticar ato de abuso ou crueldade em qualquer animal; 
 
II – manter animais em lugares anti-higiênicos ou que lhes impeçam a respiração, o 
movimento ou o descanso, ou os privem de ar ou luz; 
 
III – obrigar animais a trabalhos excessívos ou superiores ás suas fôrças e a todo ato que 
resulte em sofrimento para deles obter esforços que, razoavelmente, não se lhes 
possam exigir senão com castigo; 
 
IV – golpear, ferir ou mutilar, voluntariamente, qualquer órgão ou tecido de economia, 
exceto a castração, só para animais domésticos, ou operações outras praticadas em 
beneficio exclusivo do animal e as exigidas para defesa do homem, ou no interêsse da 
ciência […] (BRASIL, 1934).” 
 
Todavia, o que mais interessa é o inciso XXIX, do art. 3º, do decreto retro, o qual delineia 
a realização ou promoção de “touradas e simulacro de touradas, ainda mesmo em lugar 
privado” como maus-tratos (BRASIL, 1934). 
 
 
Já em 3 de junho de 1997, demonstrando uma linha condizente com o ordenamento 
jurídico brasileiro, o STF julgou como inconstitucional a farra do boi: 
 
“COSTUME – MANIFESTAÇÃO CULTURAL – ESTÍMULO – RAZOA-BILIDADE – 
PRESERVAÇÃO DA FAUNA E DA FLORA – ANIMAIS – CRUELDADE. A obrigação de o 
Estado garantir a todos o pleno exercício de direitos culturais, incentivando a valorização 
e a difusão das manifestações, não prescinde da observância da norma do inciso VII do 
artigo 225 da Constituição Federal, no que veda prática que acabe por submeter os 
animais à crueldade. Procedimento discrepante da norma constitucio-nal denominado 
‘farra do boi’ (STF – RE: 153531 SC, Relator: FRANCISCO REZEK, j. 03/06/1997, 2ª Turma, 
DJe 13-03-1998 PP-00013 EMENT VOL-01902-02 PP-00388).” 
 
A primeira desvirtuação ocorre com a Lei n. 10.220, de 11 de abril de 2001, a qual 
estipula que os vaqueiros são atletas profissionais: 
 
“Art. 1o Considera-se atleta profissional o peão de rodeio cuja atividade consiste na 
participação, mediante remuneração pactuada em contrato próprio, em provas de 
destreza no dorso de animais equinos ou bovinos, em torneios patrocinados por 
entidades públicas ou privadas (BRASIL, 2001).” 
 
Além disso, as entidades promotoras devem contratar um “seguro de vida e de 
acidentes em favor do peão de rodeio”: 
 
“Art. 2º […] 
 
1oÉ obrigatória a contratação, pelas entidades promotoras, de seguro de vida e de 
acidentes em favor do peão de rodeio, compreendendo indenizações por morte ou 
invalidez permanente no valor mínimo de cem mil reais, devendo este valor ser 
atualizado a cada período de doze meses contados da publicação desta Lei, com base na 
Taxa Referencial de Juros – TR (BRASIL, 2001). (grifei)” 
Também estipula atualização anual do seguro, penalidades à entidade promotora que 
não o fizer, especificações sobre a apólice, 8 (oito) horas diárias de jornada de trabalho, 
“conforme os usos e costumes de cada região” (BRASIL, 2001). Igualmente, traz 
disposições quanto ao contrato com menor entre 16 e 21 anos, o qual deverá conter o 
consentimento de seu responsável legal (BRASIL, 2001). 
 
 
Nesse intervalo, em 29 de junho de 2005, novamente o STF vem e declara 
inconstitucional outra forma de maus tratos aos animais: 
 
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N. 11.366/00 DO ESTADO DE SANTA 
CATARINA. ATO NORMATIVO QUE AU-TORIZA E REGULAMENTA A CRIAÇÃO E A 
EXPOSIÇÃO DE AVES DE RAÇA E A REALIZAÇÃO DE ‘BRIGAS DE GALO’. A sujeição da vida 
animal a experiências de crueldade não é compa-tível com a Constituição do Brasil. 
Precedentes da Corte. Pedido de declaração de inconstitucionalidade julgado 
procedente (STF – ADI: 2514 SC, Relator: Min. EROS GRAU, j. 29/06/2005, Tribunal 
Pleno, DJe 09-12-2005 PP-00004 EMENT VOL-02217-01 PP-00163 LEXSTF v. 27, n. 324, 
2005, 42-47).” 
 
Em seguida, em 14 de junho de 2007, reitera o mesmo posicionamento ao declarar 
inconstitucionalas rinhas: 
 
“INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Lei nº 7.380/98, do Esta-do do Rio Grande do 
Norte. Atividades esportivas com aves das raças combatentes. ‘Rinhas’ ou ‘Brigas de 
galo’. Regulamentação. Inadmis­sibilidade. Meio Ambiente. Animais. Submissão a 
tratamento cruel. Ofensa ao art. 225, § 1º, VII, da CF. Ação julgada procedente. 
Prece-dentes. É inconstitucional a lei estadual que autorize e regulamente, sob título de 
práticas ou atividades esportivas com aves de raças ditas combatentes, as chamadas 
‘rinhas’ ou ‘brigas de galo’ (STF – ADI: 3776 RN, Relator: CEZAR PELUSO, j. 14/06/2007, 
Tribunal Pleno, DJe DIVULG 28-06-2007 PUBLIC 29-06-2007 DJ 29-06-2007 PP-00022 
EMENT VOL-02282-04 PP-00716 LEXSTF v. 29, n. 343, 2007, p. 104-109 RT v. 96, n. 865, 
2007, p. 118-121).” 
 
Notadamente, a Corte tem entendido que tais práticas são incompatíveis com o ideal 
adotado pelo ordenamento jurídico. É a mesma linha de pensamento de Steinmetz 
(2009), segundo o qual os maus tratos estão para os animais como a tortura está para 
os seres humanos, salientando que esta não pode ser ponderada e afastada por outro 
princípio. Em suma, o objetivo é garantir o bem-estar animal, entendido como: 
 
“[…] a garantia de atendimento às necessidades físicas, mentais e naturais do animal, a 
isenção de lesões, doenças, fome, sede, desconforto, dor, medo e estresse, a 
possibilidade de expressar seu comportamento natural, bem como a promoção e 
preservação da sua saúde […] (BRASIL, 2007).” 
 
 
Dentro deste contexto, encontra-se em fase de aprovação o Projeto de Lei n. 215 de 
2007, o qual iria instituir o Código Federal de Bem-Estar Animal, de iniciativa do 
Deputado Federal Ricardo Tripoli. É nesse mesmo sentido que tramita o Projeto de Lei 
n. 3.676 de 2012, de iniciativa do ex-Ministro Eliseu Padilha, apensado ao projeto de lei 
retro, cominando penas e estipulando que: 
 
“Art. 4º. O valor de cada ser deve ser reconhecido pelo Estado como reflexo da ética, do 
respeito e da moral universal, da responsabilidade, do comprometimento e da 
valorização da dignidade e diversidade da vida, contribuindo para livra-los de ações 
violentas e cruéis (BRASIL, 2012).” 
 
Em continuação, o Deputado Federal deu iniciativa ao Projeto de Lei n. 6.799 de 2013, 
aguardando apreciação pelo Senado Federal, o qual dispõe que: 
 
“Art. 3º – Os animais domésticos e silvestres possuem natureza jurídica sui generis, 
sendo sujeitos de direitos despersonificados, dos quais podem gozar e obter a tutela 
jurisdicional em caso de violação, sendo vedado o seu tratamento como coisa (BRASIL, 
2013).” 
 
Novamente em âmbito internacional, o Código Civil francês, em 1º de janeiro de 2013, 
incluiu o art. 515-14 com a seguinte redação: “Os animais são seres vivos dotados de 
sensibilidade. Sob a reserva das leis que os protegem, os animais estão submetidos ao 
regime de bens” (FRANÇA, 2013). Entretanto, o que se vê à frente é um verdadeiro 
retrocesso legislativo. 
 
O movimento retrógrado ganha força em 8 de janeiro de 2013, com a Lei n. 15.299 de 8 
de janeiro de 2013, a qual regulamentou a vaquejada como “atividade desportiva e 
cultural do Estado do Ceará” (CEARÁ, 2013). Outrossim, conceituou a vaquejada como 
uma competição na qual “uma dupla de vaqueiro a cavalo persegue o animal bovino, 
objetivando dominá-lo” (grifei). Os critérios de avaliação são a destreza e perícia, in 
verbis: 
 
“Art. 2º. Para efeitos desta Lei, considera-se vaquejada todo evento de natureza 
competitiva, no qual uma dupla de vaqueiro a cavalo persegue animal bovino, 
objetivando dominá-lo. 
 
1º Os competidores são julgados na competição pela destreza e perícia, denominados 
vaqueiros ou peões de vaquejada, no dominar animal […] (CEARÁ, 2013).” 
Dentre suas medidas, estabelece que os apetrechos necessários à prática do esporte 
devem ser adequados para não prejudicar a saúde dos animais, excluindo, ainda, o 
vaqueiro que ferir o animal de maneira injustificada e intencional. Já quanto ao local, ela 
estabelece os seguintes requisitos: 
 
 
dimensões e formatos apropriados à segurança de todos os envolvidos; 
isolamento da pista por alambrado (não farpado); e 
sinalização indicando o local adequado para o público acomodar-se. 
Ainda dentro da ótica desta lei, a vaquejada qualificar-se-á em amadora e profissional, 
através da inscrição patrocinada dos vaqueiros. Continuando, estabelece que os 
organizadores do evento deverão adotaras medidas necessárias para proteger a saúde 
e integridade física de todos os envolvidos. Inclusive, é obrigatória a presença de uma 
equipe de paramédicos de plantão durante a realização das provas, mas nada diz sobre 
veterinários de plantão. 
 
Em reflexo, em 17 de junho de 2013, o Ministério Público Federal (MPF) entrou com a 
Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.983, cujo objeto é a Lei n. 15.299/13. Aliás, seu 
julgamento ocorreu em 6 de outubro de 2016. No acórdão, o relator Min. Marco Aurélio 
ressaltou os precedentes supracitados, aduzindo que no Supremo Tribunal Federal 
(2016) vem “predominando o entendimento a favor de afastar as práticas de tratamento 
inadequado a animais, mesmo dentro de contexto culturais e esportivos”. 
 
Ocorre que, mesmo tendo em vista os precedentes do tribunal, houve divergência entre 
os votos, estando no palco o direito à manifestação cultural contra a o direito à proteção 
ao meio ambiente. Em suma, 5 (cinco) votos foram favoráveis à vaquejada e 6 (seis) 
votos foram contra. Segue a ementa: 
 
“VAQUEJADA – MANIFESTAÇÃO CULTURAL – ANIMAIS – CRUELDADE MANIFESTA – 
PRESERVAÇÃO DA FAUNA E DA FLORA – INCONSTITUCIONALIDADE. A obrigação de o 
Estado garantir a todos o pleno exercício de direitos culturais, incentivando a valorização 
e a difusão das manifestações, não prescinde da observância do disposto no inciso VII 
do artigo 225 da Carta Federal, o qual veda prática que acabe por submeter os animais 
à crueldade. Discrepa da norma constitucional a denominada vaquejada (ADI 153531, 
Relator(a): Min. FRANCISCO REZEK, Relator(a) p/ Acórdão: Min. MARCO AURÉLIO, 
Segunda Turma, julgado em 03/06/1997, DJ 13-03-1998 PP-00013 EMENT VOL-01902-
02 PP-00388).” 
 
Em seu voto, o Relator Ministro Marco Aurélio conclui que: 
 
 
“[…] a crueldade intrínseca à vaquejada não permite a prevalência do valor cultural 
como resultado desejado pelo sistema de direitos fundamentais da Carta de 1988. O 
sentido da expressão “crueldade” constante da parte final do inciso VII do § 1º do artigo 
225 do Diploma Maior alcança, sem sombra de dúvida, a tortura e os maus-tratos 
infringidos aos bovinos durante a prática impugnada, revelando-se intolerável, a mais 
não poder, a conduta humana autorizada pela norma estadual atacada. No âmbito de 
composição dos interesses fundamentais envolvidos neste processo, há de sobressair a 
pretensão de proteção ao meio ambiente. (ADI 153531, Relator(a): Min. FRANCISCO 
REZEK, Relator(a) p/ Acórdão: Min. MARCO AURÉLIO, Segunda Turma, julgado em 
03/06/1997, DJ 13-03-1998 PP-00013 EMENT VOL-01902-02 PP-00388). (grifei)” 
 
Contudo, mesmo diante da reiteração do entendimento firmado pelo Supremo Tribunal 
Federal, o Congresso Nacional aprovou a Lei n. 13.364, de 29 de novembro de 2016, a 
qual “eleva o Rodeio, a Vaquejada, bem como as respectivas expressões artístico-
culturais, à condição de manifestações da cultura nacional e de patrimônio cultural 
imaterial” (BRASIL, 2016). 
 
A lei, como reflexo dos princípios basilares do nosso Estado Democrático de Direito não 
deveria ir contra os direitos dos animais, reconhecidos até universalmente. 
 
 
 
VAQUEJADA ATUAL: ENTRE A CULTURA, NEGÓCIO E CRUELDADE 
Como alhures apontado, a vaquejada não é mais o que fora outrora. 
 
De prática necessária à manutenção do gado, passou a um espetáculo cujo escopo é a 
exaltação do falso-herói vaqueiro, desprezando o sofrimento do bovino. 
 
Hodiernamente, a vaquejadaé vista como um grande empreendimento. O pesquisador 
Cascudo (1976) aponta que a vaquejada deixou de ser uma prática cultural, para ser um 
verdadeiro esporte da aristocracia rural, uma “festa pública, nas cidades com 
publicidade e alto-falante, fotografias e aplausos citadinos” (CASCUDO, 1976, p. 29). 
 
 
Ademais, segundo qualquer site especializado em vaquejadas, a exemplo do Portal 
Vaquejada (c2014), a vaquejada é um evento milionário, atraindo grandes empresários. 
Assim, levando em consideração o montante movimentado por ano, ou mesmo por 
evento, é inegável a quantidade inumerável de pessoas que sobrevivem deste esporte. 
A parte mais absurda é ver esses mesmos sujeitos ganhando dinheiro à custa do 
sofrimento alheio. 
 
Portanto, de tradição só resta a atrocidade cometida contra o gado, qual seja: puxá-lo 
pelo rabo para que caia no chão. Conforme Figueireiro e Gordilho (2016, p. 6), “os 
animais são açoitados e violentados físico-psicologicamente, objetivando-se – 
deliberadamente – alcançar seu desequilíbrio emocional e consequente arremesso 
desabalado no palco em que sofrerá a inevitável queda”. Os autores asseveram que, 
embora não exposto ao público, durante o confinamento, os bois são açoitados e 
insultados, levando choque e até mesmo sofrendo a humilhação da inserção de pimenta 
e mostarda pelo ânus, dentre outras formas de maus tratos. 
 
Mais uma prova da lucratividade da prática é demonstrada após a impetração da Ação 
Direta de Inconstitucionalidade 4.983, pelo Ministério Público Federal (MPF) em 17 de 
junho de 2013, o qual almejava a inconstitucionalidade da Lei n. 15.299/2013, quando 
o Governo do Ceará salientou os proveitos econômicos que dela viriam. 
 
É sabido que os animais possuem sensibilidade e, por isso, devem ter sua integridade 
física resguardada. Mesmo com isso, Dias afirma: 
 
“Os animais usados em vaquejadas sofrem luxações e hemorragias internas, devido ao 
tombo. E não é só o sertanejo que participa da derrubada do boi. Hoje em dia, já vêm 
entrando em cena empresários, profissionais liberais e outras categorias profissionais, 
como se essa prática fosse um esporte. Todo esse tormento que sofrem os animais é 
para ganhar prêmios oriundos de rateio das inscrições pagas pelo vaqueiro (DIAS, 2000, 
p. 201).” 
 
Machado vai mais longe, enfatizando que tais atos devem ser punidos, inclusive em 
coautoria: 
 
“Atos praticados ainda que com caráter folclórico ou até histórico, como a ‘farra do boi’ 
estão abrangidos pelo art. 32 da Lei 9.605/98, e devem ser punidos não só quem os 
praticam, mas também, em co-autoria [sic.], os que os incitam, de qualquer forma. A 
utilização de instrumentos nos animais, quando da realização de festas ou dos chamados 
‘rodeios’ ou ‘vaquejadas’, tipifica o crime comentado, pois concretiza maus-tratos 
contra os animais (MACHADO, 2011, p. 885).” 
 
 
Trata-se de crueldade. A crueldade é sempre crueldade e isso independe da forma pela 
qual é praticada, ou de quem é a vítima. O seu sujeito ativo poderá praticá-la de maneira 
sádica, brutal, ou mesmo de forma passiva. Porém, independe disto, o sujeito ativado 
sempre interpretará a situação diferente de quem a sofre. Isto quer dizer que o sujeito 
passivo definitivamente irá fazer um juízo de valor completamente diferente de quem 
pratica. Por isso, o próprio ato de perseguir o animal para derrubá-lo a fim de satisfazer 
o público já é, por si, um ato extremamente cruel com o bovino. 
 
Nesse ínterim, é oportuno esclarecer que a vítima não é somente o bovino, entrando 
nessa posição também os cavalos utilizados pelos vaqueiros. Assim, não somente o boi 
poderá sofrer uma lesão irreversível, o que acarreta no seu sacrifício, como também o 
cavalo está sujeito a lesões como tendinites, miopatias focal, fratura e outras. 
 
Não obstante, segundo o estudo publicado na Brazilian Journal of Veterinary Research 
and Animal Science (2004), os equinos podem sofrer úlcera gástrica, refluxo 
gastresofágico e desordens no intestino. Ademais, “a presença de gastrite quase sempre 
reflete um desajuste no equilíbrio da fisiologia gástrica em decorrência de alguma 
inconveniência ligada às práticas de manejo” (BUONORA, et al., 2004). 
 
Nesse sentido, segundo uma pesquisa realizada por pós-graduados da Universidade 
Federal Rural do Semi-Árido (LOPES, BATISTA, et al., 2009), as condições dos parques de 
vaquejada são horríveis, e isso leva os equinos a apresentarem diversas alterações nos 
exames físicos, bioquímicos e hematológicos. 
 
Isto posto, Lourenço (2017) aponta em seu estudo que o objetivo deste esporte consiste 
na submissão dos animais envolvidos a um estresse intenso, tanto em relação ao 
ambiente de confinamento, quanto da angustiosa perseguição, finalizando com a brutal 
derrubada puxando um de seus membros mais sensíveis. 
 
Nesse seguimento, vale destacar o parecer da Professora Irvênia Prada: 
 
“[…] a cauda dos animais é composta, em sua estrutura óssea, por uma sequência de 
vértebras, chamadas coccígenas ou cau-dais, que se articulam umas com as outras. 
Nesse gesto brusco de tracionar violentamente o animal pelo rabo, é muito prová-vel 
que disto resulte luxação das vértebras, ou seja, perda da condição anatômica de 
contato de uma com a outra. Com essa ocorrência existe a ruptura de ligamentos e de 
vasos sanguí-neos, portanto, estabelecendo-se lesões traumáticas. Não deve ser rara a 
desinserção (arrancamento) da cauda, de sua conexão com o tronco (LEITÃO, 2002, p. 
23).” 
 
 
A pesquisadora continua explicando que as lesões na cauda podem repercutir em lesões 
ao longo da coluna: 
 
“Como a porção caudal da coluna vertebral re-presenta a continuação dos outros 
segmentos da coluna ver-tebral, particularmente da região sacral, afecções que ocorrem 
primeiramente nas vértebras caudais podem repercutir mais para frente, 
comprometendo inclusive a medula espinhal que se acha contida dentro do canal 
vertebral. Esses processos pa-tológicos são muito dolorosos, dada a conexão da medula 
es-pinhal com as raízes dos nervos espinhais, por onde trafegam inclusive os estímulos 
nociceptivos (causadores de dor). Volto a repetir que além de dor física, os animais 
submetidos a esses procedimentos vivenciam sofrimento mental (LEITÃO, 2002, p. 23).” 
 
Todavia, engana-se quem acha que o problema está só na puxada. Dependendo do jeito 
que um animal de grande porte cair ao chão, em alta velocidade, suas patas e pescoço 
podem ser seriamente comprometidos, isso sem levar em consideração as feridas 
externas e outras sérias lesões de ordem ortopédicas (LOURENÇO, 2017). 
 
Em continuação, Lourenço (2017) afirma que existe uma regra de ouro para curar essa 
hipermetropia existente nessa multidão que defende. Para o autor, basta trocar a figura 
do boi por um humano e toda crueldade seria revelada. Ele assevera que a repugnância 
moral equivalente que passará a existir após a substituição é a mesma que deve ser 
aplicada quando é o animal que está sofrendo. 
 
Voltando-se aos cavalos, também vítimas, um estudo realizado pela Universidade 
Federal de Campina Grande concluiu que: 
 
“[…] nas condições da pesquisa, tendinite, tenossinovite, exostose, miopatias focal e por 
esforço, fraturas, osteoartrite társica são afecções locomotoras traumáticas prevalentes 
em equinos de vaquejadas; tendinite e tenossinovite são afecções locomotoras 
traumáticas de maior ocorrência em equinos de vaquejadas; osteoratrite társica 
primárias e secundárias, são mais ocorrentes em equinos adultos de maior idade, 
explorados em vaquejadas e, conforme as evidências referenciadas; o percentual das 
ocorrências de afecções locomotoras traumáticas em equinos de vaquejada constitui-se 
um dano de conotação clínica relevante (OLIVEIRA, 2008, p. 51).” 
 
Nesse diapasão, fica nítido os maus-tratos praticados contra os animais envolvidos tão 
somente para o movimento deste negócio. 
 
 
Alémda questão da crueldade, propriamente dita, há também a questão ética, 
indagando-se sobre a moralidade de divertir-se com o sofrimento alheio, o que, 
inevitavelmente, leva ao questionamento do valor inserido na culturalidade da prática. 
A esse passo, certo é o posicionamento de Cunha Filho: 
 
“Deste modo, as coisas do passado jamais podem ser consideradas como integrantes do 
patrimônio cultural, apenas pelo critério de se-rem antigas; por tal razão isolada, não 
adquirirem o direito serem reproduzidas como um encargo da tradição, sem que sejam 
conside-rados os impactos que provocam nos projetos desenhados para o futu-ro, 
previsto na Constituição Federal, esta que nos determina construir uma sociedade livre, 
justa e solidária, em que se respeite a dignidade humana, dos outros seres e da própria 
natureza (CUNHA FILHO, 2013).” 
 
Alfim, a vaquejada ser ou não uma manifestação cultural, não impede seu julgamento 
pelo viés ético, ou mesmo a responsabilização de quem a financia, inclusive de quem 
compra os ingressos. Sua qualificação como manifestação cultural não a impede de ser 
caracterizada como algo bom à sociedade, não garante sua preservação, ou mesmo a 
imunidade moral ou legal. 
 
 
 
VAQUEJADA: O DIREITO DOS ANIMAIS E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL 
Atualmente, após as diversas evoluções do direito, os animais possuem dignidade, 
sendo seres secientes dotados de sensibilidade. Entretanto, nem sempre foi assim. 
 
Na antiguidade clássica grega, a dignidade era algo intrínseco do ser humano, o que o 
distinguia dos demais seres (SOUZA; SOUZA, 2018). Sabe-se que haviam várias escolas 
da filosofia à época, contudo, todas elas são uníssonas ao afirmar que os animais são 
desprovidos de valores, sendo meros meios para os homens (SOUZA; SOUZA, 2018). 
 
Na idade média, surgiu meio avanço. Havia duas linhas de pensamento. Para Santo 
Agostinho, os animais não possuíam alma racional, o que os impediam de fazer parte de 
acordos políticos, refutando a ideia de que seria pecado matar animais (GORDILHO, 
2008). 
 
 
Por outro lado, Tomás de Aquino dividia os pecados em: contra Deus ou contra si e seus 
semelhantes (SINGER, 2010). O filósofo entendia que “não havia espaço para coisas 
desse tipo” (SOUZA; SOUZA, 2018). 
 
Já na idade moderna, René Descartes, filósofo e matemático francês, mais uma vez 
trouxe a humilhação aos animais em sua obra Discurso do método: 
 
“[…] O que não parecerá de modo algum estranho aos que, sabendo quantos 
“autômatos”, ou máquinas moventes, a indústria dos homens pode criar, utilizando 
poucas peças em comparação com a grande quantidade de ossos, músculos, nervos, 
artérias, veias e todas as outras partes existentes no corpo de cada animal, hão de 
considerar esse corpo como uma máquina, a qual, tendo sido feita pelas mãos de Deus, 
é incomparavelmente melhor ordenada do que nenhuma das que podem ser inventadas 
pelos homens (DESCARTES, 2006 (1637), p. 95)” 
 
Um pouco mais a frente, Kant defendia uma pequena proteção aos animais, mas não 
porque se preocupava com os mesmos, e, sim, porque deveríamos nos preocupar 
conosco (SOUZA e SOUZA, 2018), pois “aquele que é cruel para com os animais, também 
se torna insensível no seu trato com os homens” (RACHELS e RACHELS, 2013, p. 146). 
Ademais, o pensamento de que o animal seria um mero instrumento do homem 
permanece. 
 
Hodiernamente, existem várias legislações a respeito que desconstroem esse conceito 
ultrapassado e antiquado, conforme visto anteriormente. 
 
Cabe aqui destacar o posicionamento da Carta Constitucional, do art. 215 ao 216-A, 
tecendo disposições referentes à Cultura. Importante salientar o art. 215, pelo qual o 
Estado deve garantir “a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes 
da cultura nacional” (BRASIL, 1998), apoiando e incentivando “a valorização e a difusão 
das manifestações culturais” (BRASIL, 1998). 
 
Fica evidente a proteção que a Lei Maior oferece à cultura, inclusive no que tange ao 
seu fomento. Para José Afonso (2001, p. 48), o direito à cultura constitui-se de duas 
faces: porquanto garante seu pleno exercício de um lado, e, de outro, garante o direito 
de reivindica-lo. 
 
 
Avançando ao capítulo VI, no inciso VII, §1º, do art. 225, a Constituição Federal dispõe: 
 
“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso 
comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à 
coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. 
 
1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: 
[…] 
 
VII – proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em 
risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais 
a crueldade (BRASIL, 1988).” 
 
Ora, vê-se que a Lei Básica encontra-se alinhada ao movimento do constitucionalismo 
verde, elencando a proteção da fauna como um princípio, de modo a tolher a crueldade 
contra os animais. Assim asseveram Krell e Lima: 
 
“Na verdade, houve uma prévia ponderação do legislador cons­tituinte, que optou por 
privilegiar um determinado comporta-mento em razão da necessidade de assegurar a 
efetividade do direito previsto no caput do art. 225 e de sua relevância, ante uma 
possível colisão com outros princípios constitucionais […]. Ao contrário dos princípios, 
as regras não permitem uma ponderação com princípios ou valores consti-tucionais. A 
Constituição de 1988 podia ter estabelecido a pro-teção animal em forma de princípio 
ou “norma fim de Estado” […]. Não o fez, mas escolheu a forma mais direta e protetiva, 
instituindo uma regra proibitiva no próprio texto do art. 225 da Constitui-ção Federal 
(KRELL e LIMA, 2015, p. 19). (grifei)” 
 
Com isso, verificando-se a crueldade, não há que se falar em ponderação com os demais 
princípios constitucionais, pois a ponderação já está definida na própria Magna Carta, a 
qual não relativizou o conteúdo do princípio (LOURENÇO, 2017). Inclusive, neste 
seguimento foi o entendimento do Supremo Tribunal Federal por anos, através do 
julgamento do Recurso Extraordinário 153.531/SC, Ação Direta de Inconstitucionalidade 
n. 2.514/SC e Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.776/RN, supracitadas. 
 
 
Portanto, “Qualquer tentativa legislativa que vise regulamentar um uso que é 
inerentemente cruel incorre no vício, pois, de inconstitucionalidade” (LOURENÇO, 2017, 
p. 95). O autor continua explicando que “Não há possibilidade de transigirmos ou 
consentirmos com a norma constitucional. Ela não parte de um ponto de vista 
relativista” (LOURENÇO, 2017, p. 95). 
 
Neste aspecto, fica clara a obrigação do Poder Público de velar pela não sujeição dos 
animais à crueldade. Contrapondo o pensamento antigo, avulte-se o pensamento de 
Regan: 
 
“E é realmente crucial, a similaridade básica é simplesmente esta: cada um de nós é um 
sujeito da experiência da vida, uma criatura consciente com um bem-estar individual 
que tem importância para nós, qualquer que seja a nossa utilidade para os outros […]. E 
todas essas dimensões de nossa vida, incluindo nosso prazer e dor, nossa diversão e 
sofrimento, nossa satisfação e frustação, a continuação de nossa existência ou nossa 
inesperada morte – tudo faz diferença para a qualidade da vida que vivemos, como 
experiência, para nós enquanto indivíduos. E o mesmo é verdade para esses animais 
com os quais nos preocupamos… eles também devem ser vistos como sujeitos da 
experiência da vida, com valor inerente por si próprio (REGAN, 2013, p. 31).” 
 
Ademais, conforme Tribe (2009, p.57), não é de hoje que se estende os direitos e 
obrigações próprios dos seres humanos aos entes não-humanos, como as pessoas 
jurídicas, o espólio, a massa falida, entre outros. Nesta sendo, não há que se questionar 
que os animais podem ser sujeitos de direitos e obrigações, desde quedevidamente 
representado, seja pelo seu responsável, seja pelo Ministério Público, quando silvestre 
(FIGUEIREIRO e GORDILHO, 2016). 
 
Deveria estar claro. Mas não está. 
 
Em 6 de junho de 2017 foi promulgada a Emenda Constitucional n. 96, a qual 
acrescentou um parágrafo a mais no art. 225 da Carta Política. Sua redação é a seguinte: 
 
“§ 7º Para fins do disposto na parte final do inciso VII do § 1º deste artigo, não se 
consideram cruéis as práticas desportivas que utilizem animais, desde que sejam 
manifestações culturais, conforme o § 1º do art. 215 desta Constituição Federal, 
registradas como bem de natureza imaterial integrante do patrimônio cultural 
brasileiro, devendo ser regulamentadas por lei específica que assegure o bem-estar dos 
animais envolvidos (BRASIL, 1988).” 
 
 
Ora, certamente é maior das afrontas ao constitucionalismo no Brasil, bem como ao 
entendimento do Supremo Tribunal Federal, que, aliás, menos de 2 (dois) meses antes 
julgou a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4.983, declarando inerentemente cruel 
a prática da vaquejada. 
 
Ocorre que, a bancada ruralista, favorecida pelos proveitos econômicos que a vaquejada 
pode oferecer, fez tanta pressão no parlamento que foi inserido um texto 
inconstitucional dentro da própria Constituição Federal. É inconcebível acreditar que é 
possível puxar o animal pelo rabo, derrubá-lo no chão, por vezes de costas ao chão, sem 
causar ferimento ao bovino. 
 
Mais inconcebível ainda é acreditar que o argumento de defesa de um dos votantes a 
favor da prática foi de que com a regulamentação o emprego de 700 mil empregos no 
Nordeste estaria garantido. Afirmar isso é a mesma coisa que defender o caso de 
arremesso de anões. Cite-se a explicação de Tripoli e Ministra Carmen Lúcia no 
julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.983/CE: 
 
“Em defesa da legislação questionada, também não prospera o argumento de que as 
vaquejadas são práticas de relevância econômica, pois a Constituição da República 
condicionou a geração do lucro e de empregos à preservação do meio ambiente, cuja 
defesa foi elevada à categoria de princípio da ordem econômica, possibilitando ao Poder 
Público interceder para que a exploração econômica não se sobreponha à tutela 
ambiental. Sempre haverão os que defendem o que vem de longo tempo e se encravou 
na cultura do nosso povo. Mas cultura se muda e muitas foram levadas nessa condição 
até que houvesse outro modo de ver a vida, não somente a do ser humano (ADI 4983 
ED-AgR, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 15/12/2016, 
PROCESSO ELETRÔNICO DJe-037 DIVULG 23-02-2017 PUBLIC 24-02-2017).” 
 
Notadamente, nítida fica a contradição do texto constitucional. 
 
 
 
CONCLUSÃO 
 
Como já exposto no decorrer do texto em epígrafe, a pesquisa realizada buscou debater 
sobre o problema ventilado, utilizando como base para a elaboração do referencial 
teórico a legislação, doutrina e jurisprudência que tratam do conteúdo. Além do mais, 
procuramos tecer considerações acerca do conceito da vaquejada, sob o ponto de vista 
da cultura, economia e história num aspecto mais social. 
 
 
Conforme apontado, a vaquejada passou de uma técnica inerente à atividade 
agropecuária, no sertão nordestino, para uma atividade essencialmente lucrativa, 
principalmente aos grandes magnatas do ramo, donos de haras e fazendeiros de gado. 
Inclusive, verificou-se que atualmente a prática é tida como um esporte, sendo um 
verdadeiro espetáculo, o qual acarreta no emprego de vários. 
 
Todavia, tanto quanto esporte e prática cultural, a vaquejada constitui-se uma prática 
inerentemente cruel, dado ao abalo físico e psicológico sofrido não somente pelos 
bovinos, como também aos equinos, em decorrência da prática, dado os estudos 
apontados por outras áreas do saber. 
 
Aliás, esse é o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal ao ser provocado 
a julgar as demandas pertinentes ao tema, como a briga de galo, farra do boi, e mesmo 
a vaquejada, através da ADI 4.983/CE, cujo objeto é a constitucionalidade da Lei 
cearense n. 15.299/13, a qual elevou a vaquejada à prática à qualidade de atividade 
desportiva e cultural do Estado do Ceará. 
 
Ora, a vaquejada trata-se especificamente de maus-tratos aos animais envolvidos. 
Mesmo que as leis que a disciplinam tragam garantias aos participantes envolvidos, 
incluindo os vaqueiros, gados e equinos, não há como prosperar a ideia de que isso seja 
sequer possível na prática. A vaquejada é inerentemente cruel, decidiu o STF e os 
próprios estudos das áreas pertinentes demonstram isso. 
 
Portanto, a Magna Carta não pode trazer uma proibição a qualquer prática que 
prejudique a fauna, e, logo em seguida, permitir tamanha crueldade só por ser algo 
cultural. Não é razoável decidir que a farra do boi e a briga de galo, por exemplo, são 
proibidas e, logo após, promulgar uma Emenda à Constituição Federal permitindo a 
selvageria contra os animais indefesos. 
 
Onde ficam os direitos dos animais? Onde fica o bom senso? A lucratividade proveniente 
da vaquejada é suficiente para sobrepor a moral do homem moderno civilizado? Esse é 
um entendimento que não merece prosperar. As coisas do passado não merecem 
permanecer na reiteração simplesmente por serem culturais, pois, se fosse assim, a 
escravidão ainda seria permitida no Estado Democrático pátrio. 
 
 
Ante todo o dito e demais exposto, partindo da premissa de que o Estado e a 
coletividade devem promover a proteção da fauna, vedando-se as práticas que 
submetam os animais à crueldade (BRASIL, 1988) e não são tidas como cruéis as práticas 
desportivas, entendidas como manifestações culturais, com a utilização de animais 
(BRASIL, 1988), incluindo a vaquejada, conforme já visto, é possível entender que existe, 
sim, uma dissonância dentro do texto constitucional da Lei Maior.

Continue navegando