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Copyright © 20210 by Rafael Fernandes Titan Categoria: Bioética e Biodireito Produção Editorial Livraria e Editora Lumen Juris Ltda. Conversão Epub: Rosane Abel A LIVRARIA E EDITORA LUMEN JURIS LTDA. não se responsabiliza pelas opiniões emitidas nesta obra por seu Autor. É proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, inclusive quanto às características gráficas e/ou editoriais. A violação de direitos autorais constitui crime (Código Penal, art. 184 e §§, e Lei nº 6.895, de 17/12/1980), sujeitando-se a busca e apreensão e indenizações diversas (Lei nº 9.610/98). Todos os direitos desta edição reservados à Livraria e Editora Lumen Juris Ltda. CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE T617d Titan, Rafael Fernandes Direito animal : o direito do animal não-humano no cenário processual penal e ambiental / Rafael Fernandes Titan. – Rio de Janeiro : Lumen Juris, 2021. Inclui bibliografia. Inclui anexos. Epub 1331kb ISBN 978-65-5510-406-6 1.Direito do animal. 2. Direito ambiental. 3. Processo penal - Brasil. 4. Crimes contra o meio ambiente - Brasil. 5. Procedimento especial. I. Título. CDD 344Ficha catalográfica elaborada por Ellen Tuzi CRB-7: 6927 Ao Ayron, Ayla, Anakin e todos os seres vivos que merecem justiça. Agradecimentos A Deus. À minha família, que me incentivou e ajudou a chegar até aqui. Pai, mãe e irmãos e irmãs: Amo vocês! À minha esposa, quem sempre foi incansável e a responsável, diretamente, por esse projeto acontecer. Te amo, por toda eternidade. À minha amada avó “Manina” que me guiou pelos bons caminhos e hoje guia o meu maior tesouro: minha filha. Minha amada avó, aqui te torno imortal. À minha amada madrinha “Tia Marlene”, pela assistência e amor incondicional. Te amo! Aos meus amigos não humanos Ayron, Ayla e Anakin, que me ensinaram um pouco sobre o amor incondicional. Ao meu grande amigo / irmão Gabriel Sombra, que assim como eu, nutre um profundo amor e respeito pelos animais não humanos, te amo! In memoriam Rafael Sombra. Ao meu grande amigo / irmão Leandro Lobo Leite, que se empenhou para que, mais uma vez, esse sonho se transformasse em realidade. Te amo! Ao meu grande amigo / irmão Igor Magalhães, que sempre me incentivou no caminho do saber. Que essa obra possa, de alguma forma, te trazer paz e felicidade. Te amo! Aos meus amigos e familiares. À minha querida ex aluna e ex orientanda, atualmente Advogada, Maria Cristina Krause Ramos, que contribuiu para a produção dessa obra com seu conhecimento sobre o tema. Por fim e o mais importante: Ao GRANDE AMOR DA MINHA VIDA, Saori Pereira Fernandes Titan. Nosso amor, sem dúvida, é além da vida. Talvez chegue o dia em que o restante da criação animal venha a adquirir os direitos que jamais poderiam ter-lhe sido negados, a não ser pela mão da tirania. Jeremy Bentham Nota do autor Nada, absolutamente nada, é mais gratificante pra um autor, para um escritor, do que ver sua obra alcançar uma enorme parcela dos seus leitores. Tivemos todas as obras de A Desproporcionalidade, graças a Deus, adquiridas e isso é motivo de orgulho e comemoração. Esse fato me faz recordar dessa mesma sensação de orgulho e comemoração, quando finalizei meu Trabalho de Conclusão de Curso, há cinco anos atrás. Para quem não sabe a minha pesquisa sobre o tema de direito animal existe há exatos sete anos e ocorreu de uma maneira singular. Conto para vocês. Eu tinha o companheirismo e amizade de um labrador chamado Ayron e como todo bom canino – deveria ser - era brincalhão, dengoso, alegre, feliz e saudável. Fazia lá suas traquinagens, também como todo bom cachorro, mas nunca algo preocupante a ponto de me fazer ter a necessidade de contratar um adestrador para lidar com o problema. Conseguíamos nos entender muito bem. Infelizmente, uma doença o acometeu. Câncer, linfoma. Neoplasia maligna é uma das doenças mais frustrantes e angustiantes que existem, pois quando o tratamento é iniciado você tem a esperança e acredita firmemente que o paciente sairá ileso daquela situação, pois o mesmo apresenta uma melhora considerável. Entretanto, em alguns casos, essa mesma melhora transforma-se em uma piora também considerável e, fatalmente, depois o óbito. Meu assecla (em tantas situações) não resistiu e foi morar nos campos do Criador. Fiquei de luto, tentei entender e aceitar o que aconteceu. Voltei mais forte e prometi ao meu melhor amigo que faria algo que o orgulhasse, algo de positivo para todos os seres vivos como ele (e os diferentes também). Honrei minha promessa quando iniciei, desenvolvi e concluí meu primeiro estudo sobre o direito do ser não humano. Depois desses fatos, eu decidi não parar pois entendi que ainda havia muito trabalho a ser desenvolvido, muita pesquisa a ser feita e muitas transformações necessitavam ser iniciadas. Era necessário tentar colocar em prática as pesquisas que estavam sendo desenvolvidas, entretanto fazer isso no cenário jurídico não é tão simples como devem pensar algumas pessoas. Você precisa de um caso concreto, precisa apresentar uma solução nova para esse caso e diligenciar (de todas as maneiras possíveis) para que a solução da demanda, embasada de uma tese nova e atual, seja aceita para, enfim, produzir os efeitos da teoria. E isso, pra quem é da ciência jurídica, é extremamente moroso e doloroso. Após muitas atividades práticas, em conjunto com a Comissão de Defesa dos Direitos dos Animais da OAB/PA, lutando pela tutela dos seres não humanos, percebi que eu poderia fazer mais. Eu poderia minimizar o problema, talvez, na “raíz” e tentar sensibilizar e desmistificar costumes e conceitos ambientais, instaurados no âmago das pessoas. Foi, então, que comecei a palestrar sobre o tema. Minhas palestras me levaram a muitas faculdades, a escolas e o que eu considero o mais importante: ao doutorado em direito. Estudo de excelência esse que me possibilitou desenvolver uma tese para proporcionar, ainda mais, garantias de direitos aos animais não humanos. Pensando nas adversidades encontradas por colegas de profissão, alunos, protetores e entusiastas do assunto, decidi lançar, em 2016, a primeira edição do livro A Desproporcionalidade. Essas primeiras notas, esses primeiros pensamentos, foram de grande valia para estudos e fundamentações de peças processuais em defesa do direito animal. Percebi, nesse momento, que eu deveria ir além. Então, ao concluir as aulas do doutorado, me senti extremamente confiante para continuar minhas pesquisas na área e proporcionar a todos – seres humanos e não humanos – uma outra concepção do assunto (direito animal), a fim de que ambos caminhassem lado a lado, de mãos e patas dadas. Esses acontecimentos me levaram a uma cadeira de professor em duas faculdades de direito, as quais, não estava mais como palestrante e sim como docente. Eu pude demonstrar e ensinar sobre o direito dos animais, bem como explicar meus pontos de vista, minhas compreensões e posicionamento sobre diversos assuntos nessa área, o que, por sinal, foi extremamente relevante para o projeto dessa nova literatura. Com a soma de todos esses feitos, o direito animal ganhou mais um aliado à sua tutela. Me transformou em um pesquisador específico dessa área e tais pesquisas deram origens a artigos, premiações e reconhecimento, mas não o reconhecimento pessoal e sim o reconhecimento científico, fazendo com que a procura pelos livros A Desproporcionalidade aumentassem admiravelmente. Eu não poderia deixar que o conhecimento contido em nossa obra primeva ficasse estagnado. Assim, comecei a desenhar em meus pensamentos a sua atualização e a inclusão de pontos extremamente relevantes e atuais em um possível novo exemplar. Assuntos como a perspectiva teórica como base da evolução histórica da lei de crimes ambientais, a “nova” regra de competência para crimes contra a fauna e a flora brasileira, a necessidade de um procedimento penal especial para crimes contra o meio ambiente e o direito animal como direito humano e fundamental, eram exemplos de discussõesimportantes que gostaria de trazer a baila. Foi então que com a infeliz chegada do Covid-19 ao Brasil, fazendo com que alguns serviços fossem suspensos, me dediquei quase que exclusivamente a produção desse novo título. Uma literatura mais robusta, mais atual e com temas interessantes que não havíamos incluído no primeiro livro. Outras questões como: tutela animal e orientação alimentar, animal como sujeito de direito, natureza jurídica do animal não humano e tantos outros, ainda não fazem parte dessa edição. Pelo menos não de maneira tão profunda. Explico: Estou preparando uma doutrina sobre direito animal que versará sobre o resultado de todas as minhas pesquisas na área. Será algo grandioso e completo, de maneira que uma obra nessa proporção requer mais tempo de organização e atenção. Para quem está impaciente por essa obra, eu peço um pouco de calma, pois prometo que suas expectativas serão atendidas e quem sabe até extrapolada. Por derradeiro, agradeço você: leitor, aluno, professor, protetor, entusiasta do assunto, por estar comigo nesse momento sorvendo cada gota do conhecimento aqui gravado, fruto de muita pesquisa, muito amor e muita vontade de fazer a diferença - positiva - para aqueles que não conseguem fazer sozinhos. Que todos nós possamos aplicar praticamente a teoria contida nessa nova obra. Rafael Fernandes Titan Belém, 13 de abril de 2020. Apresentação O professor e advogado Rafael Fernandes Titan, se lançou a mais um desafio na sua vida acadêmica, que foi o de escrever a presente obra intitulada “Direito Animal – o direito do animal não humano no cenário processual penal e ambiental”. Trata-se de obra desafiadora, que cuida de tema inovador, complexo e rodeado de pré-julgamentos. Titan, no entanto, o enfrenta com competência, coragem e, sobretudo, compromisso com a natureza e com a construção de uma sociedade, presente e futura, mais tolerante, solidária e pacífica, na qual a dignidade, enquanto princípio, não seja uma exclusividade da espécie humana. O tema é instigante porque remove o véu do preconceito a respeito da natureza jurídica dos seres não humanos e das consequências sobre as ações que contra eles os humanos empreendem. Defendem alguns que estaria surgindo um novo ramo do Direito, de terceira geração, que reconhece os Animais como sujeitos de direitos, afastando a concepção de que seriam eles coisa ou recurso natural. Seria o chamado Direito dos Animais, baseado no paradigma da senciência, ou seja, no entendimento de que os animais não humanos devem ter sua natureza jurídica modificada, tonando-se titulares de direitos fundamentais. A Constituição Federal, em seu artigo 225, dispõe ser o meio ambiente ecologicamente equilibrado um direito fundamental, e, em seu parágrafo 1º, inciso VII, refere que isso implica, também, no cuidado e proteção aos animais. Se lhes confere “natureza difusa e coletiva; um verdadeiro bem sócio-ambiental de toda a humanidade, com imperativo moral que demonstra preocupação ética de vedar práticas cruéis contra os animais, e não apenas com o equilíbrio ecológico.”1 O Supremo Tribunal Federal (STF), “numa primeira aproximação e tendo em mente os precedentes do STF nos casos envolvendo a assim chamada farra do boi, da rinha de galo e da vaquejada, nos quais a Corte — também não de modo incontroverso — decidiu pela ilegitimidade constitucional de tais práticas, fazendo prevalecer, no contexto de uma ponderação, o dever constitucional de proteção dos animais em face de manifestações culturais e desportivas de determinados segmentos da população, a decisão ora comentada poderia, a depender do ponto de vista, soar como contraditória e mesmo de caráter retrocessivo”2. Ao defender a proteção aos animais sencientes, as conclusões do STF na ADI nº 4.983/CE, na qual se discutia a constitucionalidade de lei estadual que tratava da prática da vaquejada, sintetiza a evolução da jurisprudência no sentido de reconhecer a senciência e apontar à existência de um Direito Animal3. Em que pese a brilhante conclusão do Tribunal Constitucional pátrio, vale destacar, em especial, a argumentação desenvolvida pelo Min. Luís Roberto Barroso, para o qual os animais, apesar de sofrerem – e terem percepção desse sofrimento – estão em significativa desvantagem em relação aos humanos. Isso porque os animais não podem, por si próprios, protestar de forma organizada contra o tratamento que recebem, sendo dependentes dos seres humanos para se organizarem em seu lugar. Nesse sentido, a justificação moral para tal apoio estaria no reconhecimento de que animais humanos e não-humanos compartilham, além do mesmo espaço, também senciência e, com ela, o sofrimento, a dor e o legítimo interesse de não receber tratamento cruel. Constata-se, portanto, evidente evolução positiva na jurisprudência Corte Superior Brasileira, embora ainda haja Ministros com uma percepção significativamente antropocêntrica, que não reconhecem os animais não- humanos como sujeitos de direito. Já se caminha, entretanto, indubitavelmente, para uma maioria que reconhece, repudia e admite punir atos dos humanos que submetem animais à crueldade por total incompatibilidade com o art. 225, §1º, VII, da Constituição Federal. Ao lançar a presente obra, com análise de doutrina nacional e estrangeira sobre o tema, bem como observando o trajeto da evolução da jurisprudência em nosso país, o Autor presta um grande serviço à sociedade na defesa de todos os animais sencientes, humanos e não-humanos, que vai além da mera contribuição acadêmica, servindo como importante convite a repensar os direitos humanos em perspectiva ampliada. Ophir Cavalcante Junior Advogado, Mestre em Direito pela UFPa, ex- Procurador-Geral do Estado do Pará, ex-Presidente da OAB/PA e ex- Presidente do Conselho Federal da OAB. 1 CHALFUN, Mery. A questão animal sob a perspectiva do supremo tribunal federal e os “aspectos normativos da natureza jurídica”. Revista de Biodireito e Direito dos Animais. Curitiba: v. 2, n. 2, p. 56 – 77, jul./dez. 2016. 2 SARLET, Ingo Wolfang, O STF e a tensão entre a liberdade religiosa e o dever de proteção animais. Revista Eletrônica Consultor Jurídico. Publicação eletrônica: 26 abr. 2019. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2019-abr-26/direitos-fundamentais-stf-liberdade-religiosa-dever-protecao-animais >. Acesso em 03 jul. 2020. 3 [...] Portanto, a vedação da crueldade contra animais na Constituição Federal deve ser considerada uma norma autônoma, de modo que sua proteção não se dê unicamente em razão de uma função ecológica ou preservacionista, e a fim de que os animais não sejam reduzidos à mera condição de elementos do meio ambiente. Só assim reconheceremos a essa vedação o valor eminentemente moral que o constituinte lhe conferiu ao propô-la em benefício dos animais sencientes. Esse valor moral está na declaração de que o sofrimento animal importa por si só, independentemente do equilibro do meio ambiente, da sua função ecológica ou de sua importância para a preservação de sua espécie. [...] Diante do exposto, acompanho o relator, julgando o pedido formulado na presente ação direta de inconstitucionalidade procedente, de acordo com os fundamentos aqui expostos, para declarar a inconstitucionalidade da Lei nº 15.299, de 8 de janeiro de 2013, do Estado do Ceará, propondo a seguinte tese: manifestações culturais com características de entretenimento que submetem animais a crueldade são incompatíveis com o art. 225, § 1º, VII, da Constituição Federal [...] (ADI nº 4.983/CE, Rel. Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno. Voto do Min. Roberto Barroso. Brasília: j. 06 out. 2016, DJe 27 abr. 2017) Prefácio Tenho dedicado os últimos anos da minha vida acadêmica, como Professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná (UFPR), a desenvolver estudos e pesquisas para a elaboração dogmática do Direito Animal brasileiro, como ramo jurídico autônomo em relação ao Direito Ambiental. O Direito Animal, no ponto de vista do direito positivo, é o conjunto de regras e princípios que estabeleceos direitos fundamentais dos animais não- humanos, considerados em si mesmos, independentemente da sua função ambiental ou ecológica. Dessa forma, os animais, no âmbito dessa nova disciplina, são encarados como indivíduos importantes por si mesmos, ou seja, dotados de valor intrínseco e dignidade próprios. Exatamente porque os animais têm dignidade própria é que se deve outorgar a eles um catálogo mínimo de direitos fundamentais. No Brasil, a doutrina do Direito Animal, separada do Direito Ambiental, somente passa a contar com trabalhos acadêmicos, em concentração apreciável, a partir dos anos 2000, muito embora, antes disso, possam ser encontradas obras precursoras, como Direito dos animais: o direito deles e o nosso direito sobre eles, de Laerte Fernando Levai, de 1998, e A tutela jurídica dos animais, de Edna Cardozo Dias, de 2000. Com mais de vinte anos de produção acadêmica, a doutrina animalista já acumula um acervo importante. Mas ainda é preciso produzir muito mais para dar consistência científica ao Direito Animal, de modo que ele possa influir, mais eficazmente, nas decisões judiciais que tratem da tutela jurídica da dignidade animal. Por essa razão, é muito bem-vinda a obra de Rafael Fernandes Titan, sobre um aspecto ainda negligenciado pela doutrina animalista: as incongruências do sistema de persecução penal, no que se refere à proteção da dignidade animal. A desproporcionalidade entre o Direito Penal para proteção da dignidade humana, em relação ao Direito Penal para proteção da dignidade animal é flagrante, para não dizer inconstitucional, ante a clara insuficiência das disposições penais, sobretudo das penas cominadas, especialmente para o segundo caso. O livro de Titan – DIREITO ANIMAL: O Direito do Animal Não Humano no Cenário Processual Penal e Ambiental – é uma verdadeira denúncia dessas incongruências, que possibilitam uma reflexão crítica sobre o caráter especista e antropocêntrico do sistema jurídico-penal, que insiste em não oferecer respostas adequadas às exigências constitucionais de proteção dos animais como seres importantes em si mesmos. Passando em revista as principais disposições penais e processuais penais sobre o tema, Titan introduz os conceitos animalistas – como a senciência – para ampliar a reflexão tradicional da doutrina penalista, que não consegue enxergar a dignidade animal como um bem penalmente tutelável. Da minha parte, sinto-me lisonjeado pelo convite de prefaciar esta obra, que certamente será de citação obrigatória, quando se tratar das implicações penais e processuais penais do Direito Animal. Fico feliz em perceber o movimento crescente de jovens juristas – como Rafael Titan – que encaram o desafio de construir a história do Direito Animal, lançando as suas bases dogmáticas, sem se deixar levar pela sedução constante das demais disciplinas tradicionais – até mesmo do Direito Ambiental. Tenho certeza que Titan é impulsionado pelo mesmo sentimento que me acometeu anos atrás: tratar os animais com consideração e respeito, não por piedade ou compaixão, mas por direito e por justiça. Parabéns ao autor pela obra! Curitiba, inverno de 2020. VICENTE DE PAULA ATAIDE JUNIOR Professor Adjunto do Departamento de Direito Civil e Processual Civil da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Professor do Programa de Pós- Graduação em Direito da UFPR. Doutor e Mestre em Direito pela UFPR. Pós-Doutor em Direito Animal pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Coordenador do Programa de Direito Animal da UFPR. Coordenador do Curso de Especialização em Direito Animal da ESMAFE-PR/UNINTER. Juiz Federal no Paraná. Formador de Magistrados pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM) e pela Escola da Magistratura do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (EMAGIS). Ex- Promotor de Justiça do Ministério Público de Rondônia. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP) e Membro-Fundador do Instituto Paranaense de Direito Processual (IPDP). Membro da Comissão de Direito Socioambiental da Associação dos Juízes Federais do Brasil (AJUFE). Prefácio Recebo o distinguido convite de Rafael Fernandes Titan para prefaciar esta obra – dedicada às perspectivas ambientais e criminais do Direito Animal –, que se traduz em rara e militante oposição à cultura de exclusão dos animais de sistemas eficazes de tutelas e a um cansado processo civilizatório de centralidades e interesses essencialmente econômicos – que ignorou censuras e constrangimentos. Assim, torna-se prazeroso o ato de apresentar esta obra. Pelos alcances universalizantes e penhores humanistas, que não se furtam do seu criador; dão-lhe, antes, ombros largos, que ostentam adequadamente discursos cuidadosos, delineados em escritos e ensaios agradavelmente postos em forma de correntezas temáticas. Apesar da seriedade que engradece o trabalho. Muito há a ser dito sobre o autor. Além dos estuários acadêmicos, Rafael Fernandes Titan beneficiou-se intelectualmente em cursos plurais de pós-graduação em Direito Público, em Direito Penal e Processual Penal, estando a erguer, neste momento, o seu Doutoramento. Nele, somam-se outros quilates, a exemplo de cargos de professor universitário, advogado e membro da Comissão de Defesa dos Direitos dos Animais da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção do Estado do Pará. E se os olhos percorrerem a introdução da obra que honrosamente aceito prefaciar, encontram-se virtudes legitimantes da profissão de fé do autor à substância do Direito Animal, posto revelarem a urgência confessada do próprio escritor e de seu trabalho. Trata-se de trabalho reativo ao estado das coisas que se consolidou a partir de premissas essencialmente econômicas e em processos civilizatórios que habitualmente marginalizaram o animal, quanto à perspectiva da existência, da vida e da proteção adequada. Com esse espírito de combatividade, “Violar um direito animal é violar um direito humano”, brada, obstinado, Rafael Titan. A pronúncia de seu sobrenome parece fazer todo sentido. O ensaio abrange, contudo, mares ainda mais bravios. Inunda pautas éticas alusivas relativas à agenda de proteção efetiva em favor dos animais, as quais parecem precipitar evoluções, estabelecer projetos existenciais e erradicar memórias de uma civilização severamente colonizada pelo utilitarismo, que não se constrange perante a condição humana do homem e que em tudo testemunha contrariamente a tal condição. A condição do animal é, sem dúvida, intrínseca à humanidade do homem e parte da improrrogável superação da ideia de que haveria escalonamentos – base e ápice – entre as espécies a justificar pluralidade de níveis morais de proteção. Tanto que a Declaração Universal dos Direitos dos Animais não silencia: “2. O homem, como espécie animal, não pode exterminar os outros animais ou explorá-los violando esse direito; tem o dever de pôr os seus conhecimentos ao serviço dos animais.” Há imprescindibilidades nesta obra, reveladas em sua estrutura. O autor perpassa, com láurea, o sistema normativo de proteção ambiental, tecendo valioso estudo sobre as teorias fundantes – facultando-nos indispensável ponto de contato com a gênese do tema – e o aparelho processual de tutelas aplicáveis – em verdadeiros cuidados com a amplitude constitucional do tema. Propõe, com suas edificantes ideias, novas centralidades para a conduta humana, a partir de escolhas por juízos éticos possíveis favoráveis ao bem- estar animal. Entusiasmo-me verdadeiramente a apresentar este estudo – que reputo sério e promissor – acerca de tutela libertadora dos animais e de uma precipitação de avanços humanitários. No que, aliás, o estudo é muito bem sucedido. Geraldo Og Nicéas Marques Fernandes MINISTRO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - STJ Sumário Nota do autor Apresentação Prefácio Prefácio Sumário 1 Introdução 2 Breves Considerações da Lei de Crimes Ambientais 2.1 Perspectivas teóricas 2.1.1 Teoria Antropocentrista 2.1.2 Teoria Ecocêntrica 2.2 Aspectos gerais da Lei 9605/98 3 A fauna brasileira3.1 Animais da fauna brasileira 3.2 Formas de violência 3.3 Comércio de animais 3.4 A caça de animais e as armadilhas 4 A desproporcionalidade 5 Os procedimentos penais e a Lei de Crimes Ambientais 5.1 Diferença entre Processo, Jurisdição e Procedimento 5.1.1 Tipos de procedimento 5.1.2 O procedimento especial do processo penal brasileiro 5.2 A Lei de Crimes Ambientais e o procedimento especial 6 O direito do animal não humano como um direito humano 6.1 A senciência 6.2 Declaração Universal de Direitos 6.2.1 Evolução do Direitos Humanos no Brasil sob a ótica ambiental 6.3 Legislação brasileira 6.4 Violar um direito animal é violar um direito humano 7 Conclusão Posfácio Por Daniel Braga Lourenço 8 Bibliografia Anexos 1 Introdução Atualmente o homem limita-se unicamente a sua existência. Envolvido pelo sentimento de poder e ambição, ele sempre almeja aquilo que lhe satisfaz momentaneamente e depois descarta, não se importando com as consequências geradas por esses descartes. Desmatamentos, maus tratos, crueldades e entre outros crimes ambientais são praticados para satisfazer a necessidade humana. O homem e a natureza sempre coexistiram, porém aquele depende deste para sobreviver e o contrário não é verdadeiro. Há tempos se busca o entendimento entre homem e natureza. O homem, como já citado, é um ser totalmente dependente da natureza, necessitando dela para viver e sobreviver, pois é dela que retira os recursos indispensáveis para sua manutenção; foi dela que teve sua origem biológica. A relação do homem com a natureza já foi menos gravosa. Atualmente nosso planeta passa por um processo de degradação ambiental muito alto. Embora haja inúmeros projetos voltados para mitigar esses efeitos, os danos já foram causados e muitas vidas já foram tomadas. Partindo do preceito puramente biológico, o conceito de vida é o fenômeno que anima a matéria e que passa pela seguinte sequência: nascimento, crescimento, reprodução e morte – com as devidas vênias e posteriores aprofundamentos, essa seria a sequência básica – sendo, portanto, qualquer interrupção de caráter não biológico durante esse processo, até mesmo a morte de um ser humano, é considerado um dano ambiental. Ainda nesse sentido, morte deve ser algo natural do processo da vida quando ocorre dentro do processo normal evolutivo. Quando isso ocorre fora do padrão considerado normal, como um assassinato, por exemplo, muitas responsabilidades irão surgir desse fato, tais como sanções, danos, obrigações. E de tais fatos nasce uma palavra que comumente se vê em televisões e jornais: justiça. O conceito de justiça é demasiadamente subjetivo. O que pode ser justo e correto para um indivíduo, pode não ser para o outro. O que precisa ser feito, então, é valorar-se condutas em um determinado tempo e lugar, de acordo com os costumes de uma sociedade, por exemplo, para se chegar próximo de tal conceito. Mas, com o intuito de analisar o assunto aqui estudado, justiça é fornecer à alguém ou a alguma coisa – no sentido de bem móvel ou imóvel - tratamento igualitário na medida de suas (des)igualdades. Logo, diante do conceito acima estudado, aquele que interrompe uma vida merece ser punido de uma forma severa. O direito à vida é o direito mais importante das legislações mundiais, independentemente do tipo de estado e governo que o país esteja submetido. É importante ressaltar, que mesmo sendo o mais importante em todas as partes do mundo, o direito a vida é relativizado em alguns países. Constitucionalmente, no Brasil, o direito a vida é o bem jurídico mais relevante que os cidadãos possuem e, de certo modo bem como cumprindo alguns requisitos, ele pode ser posto em condicionalidade, não sendo, dessa forma, absoluto. Do ponto de vista religioso, a existência é o bem mais importante que a divindade entregou ao mortal, seja qual for a religião do ser humano. E ela não deveria ser tomada a não ser pela vontade de seu criador. Ainda nesse sentido, as garantias constitucionais buscam consagrar à solidariedade, consolidando dessa maneira os princípios da Revolução Francesa: liberdade (1º geração), igualdade (2º geração) e fraternidade (3º geração). A Terceira geração são os direitos fundamentais direcionados com o destino da humanidade, inicialmente preocupados com o Meio Ambiente e a sua proteção e conservação, o desenvolvimento econômico e a defesa do consumidor. Esta visão decorrente da organização social que é a partir dessa geração que surge a concepção individual considerada em sua unidade e não na fragmentação individual. Logo, percebe-se que essa geração contribuiu de forma maciça para o surgimento de uma consciência jurídica de grupo e na consequência, o redimensionamento da liberdade de associação e de outros direitos coletivos, também chamados de direitos transindividuais ou difusos. Analisando a Constituição Federal de 1988, no âmbito dos direitos fundamentais, é dever do ser humano, também, defender e preservar o meio ambiente e nesse sentido a fauna e a flora que dele fazem parte, como bem preceitua o artigo 225 da Constituição. No enfoque jurídico, aquele que ceifa a vida de alguém, dependendo das leis do Estado em que se encontre, é punido da mesma forma, com a morte. No Brasil o Código Penal, em seu artigo 121 diz, in verbis: “Homicídio simples - Art. 121. Matar alguém: Pena - reclusão, de seis a vinte anos.”1 Existe questionamento do porquê essa reclusão mínima não é maior. Há posicionamentos acerca desse quantum ser ínfimo, por exemplo, 6 anos para quem matou alguém. É aí que recaí o conceito de justiça e há de ser analisado, mas talvez em momento oportuno, as condições da prática do crime, a conduta do agente e uma série de fatores que levaram à prática delituosa. Um tema que, com certeza, gera uma discussão fervorosa em razão do conceito de justiça é pensar: por que a sua vida é mais importante que a do ser humano do seu lado? A pergunta pode também ser feita através de uma outra ótica, vejamos: Por que a sua vida é mais importante que qualquer outra forma de vida? Todos não têm direito à vida? Por que A tem que morrer para B sobreviver? A partir desses questionamentos é que se entra no tema mais importante desse texto e já mencionado mais acima. Com o consumo desenfreado e a busca por melhor condição de vida, o homem devasta a natureza, consome seus recursos naturais sem a menor preocupação, dizimado tudo o que vê pela frente: desmata, mata, fere e extingue fauna e flora que à ele são indispensáveis para sua própria sobrevivência. Diante dessas afirmações, volta-se as perguntas do parágrafo anterior: por que a vida do homem é mais importante do que a vida da natureza, se é ela que faz ele permanecer vivo? O conceito de justiça, como já foi afirmado, é subjetivo e é do entendimento de cada um e em cada tempo, mas não se pode fechar os olhos para uma situação que está fora dos padrões considerados éticos de uma sociedade. Vejamos o que diz o artigo 29 da Lei 9.605/98 – Lei de Crimes Ambientais, in verbis2: Art. 29. Matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida. Pena - detenção de seis meses a um ano, e multa. Ainda nesse sentido, o artigo 32 da mesma lei: “Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos: Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa”3. Se um homem matar um animal silvestre ou mutilar um animal doméstico ele não vai ser encarcerado, com a devida vênia, não será nem “preso”. É nessa situação que não se pode esquecer, que não se pode fingir, que não há uma desproporcionalidade, pois de fato há! A todo momento existem notícias nos diversos meios de comunicação sobre maus tratos e matança indiscriminada da fauna e desmatamento da flora. É necessário um senso moral, ético e justo em avaliar e ponderar sobre a vida. Ela não deve ser banalizada a ponto de ser tomada apenaspelo simples fato de não significar -tanto - para quem a ceifou. Que tipo de relação seria essa? Seria uma relação justa? Não é um mundo justo e harmônico que o ser humano busca? A evolução histórica da Lei de Crimes Ambientais, como é chamada a Lei 9605/98, teve início, como já explicado, a partir do artigo 225 da Constituição Federal Brasileira de 1988 e com a intenção de consolidar as raras leis que regulavam os atos lesivos contra o meio ambiente. Na nova lei criada, a intenção do legislador, além de unificar os textos legais esparsos, era sancionar penalmente o agente causador do dano ambiental. Tal intenção foi positiva, entretanto não houve um “quantum” de pena adequado e necessário para quem cometesse o crime, tendo a referida lei o caráter sancionador apenas administrativo e econômico. Cada vez mais, animais selvagens e silvestres estão ameaçados de extinção, devido a perda de habitat, poluição, intervenção humana, exploração comercial e outros fatores. Os homens nem sempre fazem uso dos recursos naturais, incluindo animais selvagens e silvestres, de maneira responsável. Como resultado, os processos ecológicos não conseguem funcionar corretamente, para manter o meio ambiente saudável e diversificado para a população selvagem/silvestre. Existem tipos diferentes de exploração dos animais selvagens e silvestres, com efeitos variados no bem-estar dos indivíduos envolvidos. Alguns animais são capturados na natureza, enquanto outros são reproduzidos em cativeiro. Eles podem ser comercializados vivos ou mortos (inteiros, em partes ou na forma de produtos processados). Muitos tipos de exploração envolvem alto grau de sofrimento animal. Algumas formas de exploração comercial dos animais selvagens e silvestres também comprometem sua preservação. Populações animais são afetadas, assim como também a qualidade de vida do animal individualmente. O homem não sabe utilizar os recursos naturais de forma sustentável. Utiliza-os de forma danosa para o meio ambiente e acaba causando morte, maus tratos à animais silvestres, domésticos e domesticados. Não há proporcionalidade entre a conduta do criminoso quando mata um animal com a sanção imposta por tal ação. Se for feita uma comparação com o artigo 121 do Código Penal, será observado uma relativa proporcionalidade entre a conduta e pena. Isso não ocorre no artigo 29 da lei de crimes ambientais. Com uma atitude que cause severos e contínuos danos ao meio ambiente, a consequência, em longo prazo, do ser humano é a própria extinção. Como será abordado adiante, será possível perceber que ao modificar o cenário ambiental onde vive, o homem está fadado a tal mudança. Se essa mudança for positiva, racional a consequência será na mesma proporção. Entretanto, se essa mutação for negativa e sem racionalidade, a consequência para o ser humano, não será diferente. 1 (Brasil. DECRETO-LEI No 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940 (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm). 2 BRASIL. LEI Nº 9.605, DE 12 DE FEVEREIRO DE 1998. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9605.htm 3 BRASIL. LEI Nº 9.605, DE 12 DE FEVEREIRO DE 1998. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9605.htm 2 Breves Considerações da Lei de Crimes Ambientais 2.1 Perspectivas teóricas Atualmente tem-se discutido a relevância dos recursos naturais do nosso mundo. Ainda bem que a consciência em relação importância da preservação e cuidado com o meio ambiente tem crescido e algumas pessoas tem se posicionado cada vez mais de forma ecológica. Porém, não costumava ser assim. Durante séculos o ser humano utilizou a natureza (fauna, flora e demais recursos) da maneira que lhe convinha, entendendo que os recursos naturais eram inesgotáveis. Esse pensamento, esse modo de agir, se perpetuou ao longo dos anos e hoje a sociedade encontra dificuldade de entender e aceitar que o meio ambiente possui valor próprio. Diante desse contexto, analisaremos duas teorias importantes sobre a perspectiva homem x meio ambiente: o antropocentrismo e o ecocentrismo. Ainda existem outras teorias como o biocentrismo e especismo, mas não trataremos dessas duas nessa abordagem. 2.1.1 Teoria Antropocentrista De acordo com o promotor e professor Laerte Levai, o antropocentrismo é “uma corrente de pensamento que reconhece o homem como o centro do universo e, consequentemente, o gestor e usufrutuário do nosso planeta” (LEVAI, L. F. 2011, p. 02). Assim, é de fácil percepção que essa teoria defende a supremacia humana, pois todo e qualquer propósito que não seja do ser humano fica em posição de inferioridade. Nessa sequência, essa teoria não atribui relevância aquilo que não é humano, os animais e outras formas de vida são considerados objetos e servirão ao propósito do homem. Sua importância fica vinculada ao quanto eles serão úteis para o desenvolvimento do ser humano e sua vida sadia. Assim, os que não são homens possuem apenas um mero valor de uso e é através dessa forma de pensar, através do antropocentrismo, que muitos autores justificam a exploração do meio ambiente. Inserida na perspectiva ora discutida, é possível citar a doutrina estrangeira “The Great Chain of Being” (“A Grande Cadeia do Ser”), de autoria do filósofo e historiador estadunidense Arthur Oncken Lovejoy. Essa obra, em síntese, realiza uma distribuição das formas de vida e de não vida no mundo. No primeiro degrau desse escalonamento existem os seres que não possuem vida (terra, água, pedra e outros), acima deles as plantas, depois os animais não humanos e no topo os homens. Dessa forma, o mundo que conhecemos hoje foi construído sob os moldes dessa “pirâmide” na qual os humanos dominam e detêm o controle sobre todas as outras formas de vida e de não vida presentes no planeta. 2.1.2 Teoria Ecocêntrica A visão do ecocentrismo é o contrário do antropocentrismo, é uma linha de pensamento da filosofia voltada a ecologia, ou seja, posiciona a natureza (o meio ambiente) como personagem principal e dessa forma passa a possuir uma valoração, uma essência, algo que mereça proteção. Nessa teoria, os interesses são todos voltados e concentrados ao meio ambiente. Para essa teoria, o ser humano e a natureza estão no mesmo nível de escalonamento. O argumento principal do ecocentrismo é de que o homem quando executar qualquer tipo de ação, ou mesmo o pensamento, deve levar em consideração a proteção e a conservação da natureza. Ao contrário do antropocentrismo que preconiza a vida do ser humano como foco, como centro, a teoria ecocêntrica busca a preservação do ecossistema e de todas as espécies (incluindo a humana). Defende ainda, que todas as formas de vida têm a mesma origem (água) e por isso não devem possuir tratamentos distintos. O ecocentrismo é uma teoria, ao nosso sentir, mais abrangente pois considera tanto os seres bióticos (os que possuem vida) quanto os seres abióticos (os que não possuem vida). Nas palavras do professor ambientalista Stan. J Rowe: “Ecocentrismo vai além do biocentrismo com sua fixação em organismos, pois ecocentrismo vê as pessoas como inseparáveis da natureza orgânica/inorgânica que as encapsula” (ROWE, J. Stan. 1994, p. 106-107). Portanto, é cristalino que o posicionamento central dessa teoria posiciona os valores do meio ambiente como detentor de garantias, prerrogativas, direitos e não somente os animais. Essa visão procura por fim não somente a exploração animal em todas as suas formas, mas também a ruina da natureza. 2.2 Aspectos gerais da Lei 9605/98 A partir de um dado momento da história do planeta Terra, a evolução humana passou a representar um risco iminente e acentuado para os outros seres vivos. Com o passar do tempo, a espécie humana, comoera de se esperar, cresceu e saltou de 1 bilhão e meio para quase 6 bilhões de pessoas4. Como qualquer espécie, a humana precisa consumir os recursos naturais disponíveis no ambiente, entretanto esse consumo é desenfreado e sem limite, prejudicando as outras formas de vida bem como o próprio do homem. A evolução humana se deu pela predisposição genética do homem, as grandes descobertas bem como o avanço tecnológico, proporcionaram ao mesmo um rápido crescimento em comparação com as outras espécies. Tais avanços e descobertas acentuaram o processo de transformação e degradação em níveis que hoje se demonstram extremamente perigosos à própria sobrevivência da humanidade. Grandes áreas verdes foram desmatadas, rios e lagos poluídos, emissão de gases e poluentes, dando início a um ciclo de poluição e contaminação do solo, da água e do ar. Toda essa destruição teve como ponto de partida a evolução do homem. Em nosso país, antes da Constituição Federal de 1988, eram raros os textos normativos que se preocupavam em normatizar os fatos que estavam ocorrendo. A preocupação com a degradação ambiental e necessidade de impor sanção ao homem acabou acontecendo, mas era porquê estava lesionando algum direito alheio e por razões econômicas, e não pelo fato de que davam valor ao meio ambiente. Faltava ainda uma punição em caráter penal, a tipificação de crime pra quem degradasse o planeta. Foi então que houve a hierarquização constitucional da proteção ao meio ambiente, inserida no artigo 225 da Carta Magna do país, as leis penais pertinentes à proteção ambiental foram consolidadas na Lei 9.605/98, de 12 de fevereiro de 1998. A lei de crimes ambientais é um projeto oriundo do poder executivo e tinha, originalmente, a intenção de sistematizar as punições administrativas e unificar o valor das multas. Houve um debate no Congresso Nacional sobre a tentativa de consolidar a legislação ambiental à questão penal. A intenção do legislador era de reunir as sanções penais e administrativas brasileira em um único dispositivo de lei em matéria ambiental. Concentraria a matéria em uma única norma. Tal regulamentação veio através do Decreto 3179/99, que especifica as penas aplicáveis às condutas e atividades lesivas ao meio ambiente5. Foi perceptível a boa intenção do legislador, entretanto faltou sensibilidade ao mesmo acerca das sanções para quem cometesse crimes contra o meio ambiente. Apesar disso, a vantagem da norma está na sistematização, pois há um texto unificado, regulando as condutas e revogando dispositivos legais em outras leis esparsas pelo princípio constitucional “lex specialis derogat lex generali”, que significa nas palavras do doutrinador Luiz Paulo Sirvinskas: “norma especial afasta a geral se se tratar da mesma matéria e se for conflitante”6. Ademais, ainda nesse sentido, é importante pontuar algumas características da referida lei. O professor venezuelano José Moyá (2007, on line), já na época da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, no Rio de Janeiro em 1992 (Rio 92), chegou a alardear que: “meio ambiente não existe”, e que o que existe “é um todo global e integrado, cujos elementos se combinam interdependentemente, formando uma unidade indissolúvel” que deve então ser denominado apenas de ambiente7. Com a devida vênia, ouso discordar e ter como concepção quatro modalidades de meio ambiente: meio ambiente natural (aquele local existente sem a ação do homem como meio para constituí-lo); meio ambiente artificial (aquele local em que foi necessária a ação do homem para que existisse) e meio ambiente cultural (todo aquele local que, apesar da ação do homem ser imprescindível para que surgisse, é considerado um monumento histórico, cultural)8 e meio ambiente laboral (formados por conjuntos de equipamentos de proteção individual, por exemplo), bem como entender que as palavras meio e ambiente não são sinônimas mas sim termos que se complementam. Nesse mesmo entendimento, o mestre Édis Milaré apresenta sua concepção9: Tanto a palavra meio quanto o vocábulo ambiente passam por conotações, quer na linguagem científica quer na vulgar. Nenhum destes termos é unívoco (detentor de um significado único), mas ambos são equívocos (mesma palavra com significados diferentes). Meio pode significar: aritmeticamente, a metade de um inteiro; um dado contexto físico ou social; um recurso ou insumo para se alcançar ou produzir algo. Já ambiente pode representar um espaço geográfico ou social, físico ou psicológico, natural ou artificial. Não chega, pois, a ser redundante a expressão meio ambiente, embora no sentido vulgar a palavra identifique o lugar, o sítio, o recinto, o espaço que envolve os seres vivos e as coisas. De qualquer forma, trata-se de expressão consagrada na língua portuguesa, pacificamente usada pela doutrina, lei e jurisprudência de nosso país, que, amiúde, falam em meio ambiente, em vez de ambiente apenas. Ainda no que tange a lei de crimes ambientais, mister ressaltar que há a previsibilidade do concurso de pessoas com base no artigo 29 do Código Penal Brasileiro, em que a pessoa responderá mediante ao seu grau de culpabilidade. Há a responsabilização da pessoa jurídica, pois de acordo com a carta magna, o meio ambiente é um direito social, pertencente a toda coletividade. O artigo 3º, da Lei 9605/98 ensina que é de integral responsabilidade do Estado em punir civilmente, administrativamente e penalmente as pessoas físicas ou jurídicas que cometem este delito, bem como o parágrafo único deste artigo que aduz que, mesmo que se for a pessoa jurídica que cometeu o delito, não excluirá a culpabilidade de seus representantes legais, mesmo porque quem possui a capacidade para a prática deste delito é somente a pessoa física, que consequentemente será de responsabilidade do seu representante legal10. As circunstâncias judiciais elencadas no artigo 59 do Código Penal para a aplicação na dosimetria da pena estão presentes. Entretanto a Lei 9.605/1998 em seu artigo 6º elenca circunstâncias específicas em crimes ambientais. Mas mesmo com essa especificidade, há de se levar em consideração, de forma conjunta, o artigo 59 do Código Penal, não podendo se estipular um novo mínimo e máximo do “quantum” da pena. O artigo 7º da lei em análise, de crimes ambientais, traz a figura das penas restritivas de direito, as quais são autônomas e substituem as penas privativas de liberdade desde que cumpridos os requisitos. No artigo 16 desta Lei, há a previsão da suspensão condicional da pena (o SURSIS penal) desde que a pena máxima do delito ambiental não ultrapasse três anos. A ação penal dos crimes de natureza ambiental, de acordo com o artigo 26 da Lei 9605/98, é pública e incondicionada a representação, ou seja, não se faz necessário a atuação da vítima ou do seu representante para o início da persecução criminal. Nos crimes contra a flora, a competência para processar e julgar é da Justiça Federal quando fica comprovada a existência de lesão a bens, serviços ou interesses da União. Caso contrário, o julgamento da causa compete à Justiça Estadual, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça. Nos casos de crimes contra a fauna a competência da Justiça Federal para o julgamento e processamento dos feitos somente se justifica se demonstrado interesse direto e específico da União, de suas autarquias ou empresas públicas, se não houver esse interesse, a competência é da justiça Estadual. É importante destacar que o art. 53 da Lei 9.985/2000 outorgou ao IBAMA o dever de catalogar espécies ameaçadas de extinção em território nacional. Dessa forma, é possível entender que quando o IBAMA catalogar espécies em possibilidades de extinção, qualquer crime praticado contra esse animal será de competência federal. Vejamos o entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre o assunto: No presente caso, o delito imputado (art. 34, parágrafo único, inciso III, combinado com art. 15, II, alíneas “a” e “q” da Lei 9.605/1.998) foi praticado dentro do território nacional, e não há demonstração de que os espécimescapturados seriam transportados para fora do país. Por outro lado, a fauna não é descrita pelo texto constitucional como bem da União (art. 20 da Constituição). Nessa linha, a competência da Justiça Federal para processamento do feito somente se justifica se demonstrado interesse direto e específico da União, de suas autarquias ou empresas públicas. Ora, in casu, o art. 53 da Lei 9.985/2000 outorgou ao IBAMA o dever de catalogar espécies ameaças de extinção em território nacional. A par disso, o art. 54 confere à União a faculdade de autorizar em caráter excepcional a captura de determinados espécimes em risco de extinção destinados a programas de criação em cativeiro ou formação de coleção específica. Entrevejo, pois, que o dever de catalogar as espécies ameaçadas de extinção no território nacional constitui interesse federal específico, decorrente da necessidade de proteger determinados animais em toda a extensão territorial brasileira. Como no caso em questão a denúncia reporta- se à Instrução Normativa nº 05/2004 IBAMA, não merece reparo a fixação da competência da Justiça Federal, com fulcro no art. 109 da Constituição. Sem razões para a concessão da ordem de habeas corpus. Ante o exposto, nego seguimento ao presente habeas corpus (art. 21,§1º, do RISTF). Publique-se. HABEAS CORPUS 121.681 RIO GRANDE DO SUL. RELATORA : MIN. ROSA WEBER. PACTE.(S) :FERNANDO LUIS DA ROSA FREIRE. IMPTE.(S) :DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO. PROC.(A/S)(ES) :DEFENSOR PÚBLICO-GERAL FEDERAL. COATOR(A/S)(ES) :SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 15/12/2017. Percebe-se, portanto, que a competência para processar e julgar crimes contra o meio ambiente, em regra, é da Justiça Estadual e apenas com as devidas condições estabelecidas pelos tribunais superiores é que será de atribuição da Justiça federal. Ainda nesse contexto, poderá ser de competência do juizado especial criminal os crimes em que a pena máxima não exceder dois anos. A evolução histórica da Lei de Crimes Ambientais, como é chamada a Lei número 9.605/1998, teve início, como já explicado, a partir do artigo 225 da Constituição Federal Brasileira de 1988 e com a intenção de consolidar as raras leis que regulavam os atos lesivos contra o meio ambiente. Na nova lei criada, a intenção do legislador, além de unificar os textos legais esparsos, era sancionar penalmente o agente causador do dano ambiental. Tal intenção foi positiva, entretanto não houve um “quantum” de pena adequado e necessário para quem cometesse o crime, tendo a referida lei o caráter sancionador apenas administrativo e econômico. No que diz respeito a parte processual, verifica-se a fragilidade do sistema em garantir uma justa condenação, haja vista os inúmeros “benefícios” que a legislação oferece por ter uma pena desproporcional. 4 ROMANELLI, Francisco Antônio. A sanção penal no sistema da lei 9.6905/98. http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=7118 5 ROMANELLI, Francisco Antônio. A sanção penal no sistema da lei 9.6905/98. http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=7118 6 SIRVINSKAS, Luiz Paulo. Tutela Penal do Meio Ambiente. São Paulo: Saraiva, 2004, 3.ª edição; pág. 235. 7 http://www.oab.org.br/editora/revista/revista_08/anexos/o_meio_ambiente_na_constituicao_federal.pdf 8 http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,comentarios-a-parte-geral-da-lei-de-crimes-ambientais,33417.html 9 http://www.oab.org.br/editora/revista/revista_08/anexos/o_meio_ambiente_na_constituicao_federal.pdf 10 http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,comentarios-a-parte-geral-da-lei-de-crimes-ambientais,33417.html 3 A fauna brasileira 3.1 Animais da fauna brasileira Fauna é o conjunto de espécies animais quem vivem numa determinada área (floresta, país, ecossistema específico). A fauna de uma determinada região pode ser muito variada, dependendo das condições ambientais existentes11. Grande, diversificada e específica é a fauna brasileira. Muito são os animais nativos em nosso território, cabendo a nós, por força constitucional, cuidar e proteger, pois é cristalino que nossa sobrevivência e evolução dependem da boa relação entre o ser humano e o animal. Na região amazônica são muitos os tipos de peixes e mamíferos aquáticos que habitam os rios e lagos. As espécies mais conhecidas são o pirarucu e o peixe-boi (ameaçado de extinção). Nas várzeas existem jacarés e tartarugas (também ameaçados de extinção), bem como algumas espécies de anfíbios, a capivara e algumas serpentes, como a sucuri. Nas florestas propriamente dita se encontram a onça, os macacos, a preguiça, a jiboia, a sucuri, os papagaios, araras, tucanos e uma variedade de insetos e aracnídeos. Nas caatingas, cerrados e campos são mais comuns a raposa, o tamanduá, o lobo guará, o guaxinim e codornas. De maneira geral, a fauna brasileira não se compara com nenhuma outra em variedades. São inúmeras as aves de rapina, como os gaviões, como as corujas e as águias12. Dessa forma, são muitos os animais que compõe a fauna brasileira, devendo a mesma ser preservada, pois pela própria evolução humana, como já foi citado, é possível que alguns animais da nossa fauna sejam extintos, como de fato já aconteceu e está acontecendo. 3.2 Formas de violência Primeiramente se faz necessário definir, conceituar, a palavra violência. De acordo com o dicionário13, violência é “Qualidade ou caráter de violento, do que age com força, ímpeto. Ação violenta, agressiva, que faz uso da força bruta: cometer violências.” é também “Ato de crueldade, de perversidade, de tirania: regime de violência.” Ainda, “ação ou efeito de empregar força física ou intimidação moral contra; ato violento.” Por Violência entende-se a intervenção física de um indivíduo ou grupo contra outro indivíduo ou grupo (ou também contra si mesmo). No entendimento de Foucault14, para que haja violência é preciso que a intervenção física seja voluntária: o motorista implicado num acidente de trânsito não exerce a violência contra as pessoas que ficaram feridas, enquanto exerce violência quem atropela intencionalmente uma pessoa odiada. Além disso, a intervenção física, na qual a violência consiste, tem por finalidade destruir, ofender e coagir. É violência a intervenção do torturador que mutila sua vítima; não é violência a operação do cirurgião que busca salvar a vida de seu paciente. Exerce violência quem tortura, fere ou mata; quem, não obstante a resistência, imobiliza ou manipula o corpo de outro; quem impede materialmente outro de cumprir determinada ação15. Geralmente a violência é exercida contra a vontade da vítima. Existem, porém, exceções notáveis, como o suicídio ou os atos de violência provocados pela vítima com finalidade propagandística ou de outro tipo. (Stoppino, 1992, p.1291)16. Com a devida vênia, na minha concepção, violência, de uma maneira abrangente, é uma conduta (ação ou omissão), dolosa ou culposa, que provoca lesões contra a saúde física e/ou psicológica de um ser vivo capaz de expressar sentimentos, ou seja, em seres sencientes. A violência através de uma ação dolosa é aquela que possui a vontade, livre e consciente, de causar sofrimento a um ser. O agente quer satisfazer sua vontade, quer infligir dano contra a saúde física e/ou psicológica do seu alvo. A violência através da omissão é aquela em que o agente deixa de prestar um socorro, uma ajuda para o ser vivo que precisa ser socorrido. No mesmo sentido, a violência através de uma ação culposa, é aquela em que o agente, por negligência, imprudência ou imperícia, não tem a intenção de lesionar, mas lesiona. A ação da violência, abordada de maneira genérica, pode recair sobre objetos (mas dessa forma não lesiona e sim danifica) e sobre os seres vivos. Desde o começo da humanidade, tal ação recai comumente sobre os animais silvestres, domésticos e domesticados. E muitas são as formas de violência física contra esses seres vivos, os quais são objetos desse estudo. Durante muito tempo, os animais foram e continuam sendo mortos, vítimas de maus- tratos, feridos, mutilados e explorados para satisfazer os prazeres, muitas dasvezes sem necessidade, dos seres humanos. Ceifar a vida de um animal, sem necessidade, é o pior tipo de violência física que esse ser vivo pode receber, pois aquela é a maior garantia que a Constituição Federal Brasileira oferece, nenhuma outra garantia é tão importante quanto a vida, a essência da existência, e retirar isso de um ser que a possui é a maior violação de um direito que pode ocorrer, em qualquer lugar do mundo. Ainda nesse sentido, o artigo 32 da Lei de crimes ambientais, cita, porém não limita, os possíveis tipos de violência física que podem ser cometidos contra animais silvestres, domésticos e domesticados. Praticar ato de abuso é agir de maneira incorreta, ilegítima, imoderada e injusta, é forçar o animal executar atividades que contrariem sua atividade natural; maltratar é o ato de fazer sofrer; ferir significa machucar; mutilar é o ato de cortar, retalhar um membro ou parte do corpo. Algumas doutrinas e pesquisadores acerca do direito ambiental entendem que não é possível a modalidade culposa, através da imprudência, negligência ou imperícia, para os tipos de violência física descritos no artigo 32 e 29 da referida lei. Com o devido respeito, ouso discordar. No que tange a ação de maus tratos, penso que é possível ser cabível a modalidade culposa do delito, entretanto antes de aprofundar o mérito do raciocínio, se faz necessário a conceituação das modalidades da conduta culposa. A culpa, em sentido estrito, possui três modalidades: imprudência, negligência e imperícia. Qualquer pessoa que execute uma ação pautada em tais modalidades, age com culpa (sem intenção) e não com dolo (com intenção). Agir com negligência significa deixar de fazer algo quando deveria ter feito, é uma conduta omissiva. Imprudência significa agir com precipitação, sem cuidado e zelo necessário. Imperícia significa não saber fazer direito, falta de conhecimento necessário para agir. Dessa forma, é perfeitamente plausível um ser humano que possui um animal de estimação (doméstico) e, por conta de seus afazeres diários, esquece-se de alimentá-lo por mais de dez dias, fazendo com que o mesmo fique debilitado. Houve violência na conduta da pessoa, caracterizada pelo maltrato, entretanto não houve vontade, intenção de alcançar aquele resultado e sim culpa em razão da negligência, através da omissão, do deixar de alimentar. Não se pode deixar de mencionar atos de violências que já foram muito comuns em outrora. Era sensacional em espetáculos circenses a aparição de animais como tigres, leões, elefantes e outros animais que compõe nossa fauna. Bastava um gesto do domador e o animal atendia ao seu comando fazendo o público aplaudir de pé. Sem saber, pessoas de bem aplaudiam a violência na sua forma mais primitiva pois era através de atos de abuso, maus tratos e até mutilações (remoção de unhas, dentes e outros) que os animais ficavam condicionados à obediência. Esse espetáculo, bizarro, muitas vezes não eram licenciadas e autorizadas pelos órgãos competentes, sendo realizado na mais pura ilegalidade e a exposição desses animais incentivavam mais um crime previsto pela lei dos crimes ambientais, o tráfico. Outra situação que ocorre com frequência são as chamadas festa de “peão” onde animais como bois, vacas e cavalos (na sua grande maioria) sofrem atos de abuso, maus tratos e são feridos com o intuito de divertir o público. Outrossim, além da violência física, existe a violência psicológica e tal violência pode sim ser infligida contra animais da fauna brasileira. A própria negligência citada no parágrafo anterior é um exemplo de violência psicológica, ou seja, se alguém que tenha adquirido o dever de cuidado para com um animal, seja ele silvestre, doméstico ou domesticado, deixa-lhe de fornecer água, comida, abrigo e demais cuidados necessários para sua sobrevivência, acaba gerando um nível de estresse alto fazendo com que esse animal seja violentado não só fisicamente, mas também psicologicamente. É de fácil percepção do ser humano, notar que muitos cachorros que vivem nas ruas são agressivos. A agressividade é algo natural tanto nos seres humanos quanto nos animais, entretanto aflorar essa natureza de forma desnecessária é prejudicial tanto para quem agride quanto para quem é agredido e tal postura (de agressor) nada mais é do que uma forma de sobrevivência, de instinto, de defesa. Animais domésticos, como cães e gatos de rua por exemplo, são abandonados quando seus “proprietários” não tem mais interesse em permanecer com eles e isso nada mais é do que um tipo de violência psicológica, pois gera nos mesmos, sentimento de medo fazendo com que eles, para conseguir sobreviver, sejam ou se tornem mais agressivo que o natural. As violências psicológica e física estão diretamente ligadas com o sentimento e tal palavra tem por definição a aptidão de receber impressões. Todos os animais da fauna brasileira são capazes de receber impressões, e sendo essa a definição de sentimento, de uma maneira abstrata, por lógica entende-se que os animais não humanos possuem sentimentos. A médica veterinária e Pós-Doutora Carla Molento afirma que: “Embora a afirmação pareça óbvia, na sociedade ainda é comum considerar animais como objetos.”17. Durante o III Congresso Brasileiro de Bioética e Bem-estar Animal em agosto de 2014, realizado na cidade de Curitiba, 26 cientistas concluíram que os animais além de possuírem sentimentos, não devem ser considerados objetos. As justificativas e evidências para isso se dividem em quatro categorias: comportamentais, neurológicas, farmacológicas e evolutivas. Tais evidências demonstram que os animais se comportam semelhante aos seres humanos e também apresentam estrutura nervosa parecida e isso pôde ser percebido através de algumas substâncias liberadas diante de sensações de medo e alegria18. Dessa forma é cristalino o entendimento de que pode haver violências tanto no aspecto físico (atos de abuso, mutilações, maus tratos etc.) quanto no aspecto psicológico (abandono, exposição indevida etc.) contra os animais pertencentes a fauna brasileira. 3.3 Comércio de animais O comércio de animais no Brasil advém desde a chegada dos portugueses em nosso território. Com os lusitanos em solos brasileiros e sua convivência com os indígenas, logo ocorreu a prática do escambo, ou seja, o ato de “trocar presentes”, sem o uso de moeda, “dinheiro”, entre esses dois povos. Essa troca consistia em materiais que os índios tinham interesse, artefatos que não tinham muito valor pros estrangeiros, e materiais que os portugueses tinham interesse e sem valor para os índios. Alguns exemplos de materiais importante para os portugueses: madeira, serviços, animais etc. Os primeiros registros de envio da fauna silvestre brasileira datam de 1500. Em 27 de abril de 1500 pelo menos duas araras e alguns papagaios, frutos de escambo com os índios, foram enviados ao rei de Portugal, juntamente com outras amostras de animais, plantas e minerais.19. Os animais que chegavam até Portugal, causavam grande admiração e interesse, pois alguns desses eram exóticos para aquela região. Com o despertar desse interesse, os portugueses perceberam que era possível criar um comércio em torno desses animais e que seria bastante rentável. Alguns seres vivos serviam de estimação e outros eram sacrificados para virar tecido para roupas, adorno para o corpo etc. Dessa forma, a procura por esses animais cresceu na Europa e diante desse cenário, o colonizador, a cada vez que voltava ao Brasil, levava consigo alguns exemplares da nossa fauna, causando dessa forma, o extermínio de várias espécies brasileiras para atender ao crescente mercado estrangeiro. Atualmente, mesmo com a lei de proteção à fauna e a lei de crimes ambientais, as quais proíbem essa prática, salvo com algumas exceções, ainda é comum se ver o comércio de animais. Esse comércio se dá através de feiras ao ar livre e em contrabando ou tráfico, e tal ação dificilmente é punida, facilitando, inclusive, a posse ilegal pela própria sociedade onde esses animais são comercializados.O tráfico é o comércio ilegal de produtos ilegais, enquanto que o contrabando é o comércio ilegal (sem pagar impostos), de produtos legais.20 Essa atividade ilegal não é somente uma afronta à lei, mas uma afronta à própria fauna brasileira, onde esses animais comercializados muitas vezes entram em extinção, prejudicando todo o ecossistema. É quase certo que em todas as feiras há depósitos clandestinos de animais, bem próximos, com a finalidade de abastecer os “estoques” dos vendedores. Também há locais para esconder animais caso ocorra uma eventual operação policial. Dado interessante é que nos casos de operações realizadas com a Polícia Civil, nem sempre os traficantes e vendedores têm êxito, pois conta-se com uma ação surpresa do Órgão Público. Já nos casos de operações efetuadas pela Polícia Ambiental, ocorre o inverso, uma vez que ações em feiras com policiais fardados geralmente não são bem sucedidas, já que os “olheiros” conseguem avisar sobre a presença da polícia, dando tempo aos comerciantes de esconderem os animais ou fugirem.21 O “modus operandi” dos traficantes são dos mais variados, utilizam transporte terrestres, pequenas aeronaves e até embarcações e conseguem atravessar fronteiras sem nenhuma tipo de preocupação em relação à fiscalização de autoridades. Dessa forma, essa atividade ilegal, só ganha incentivo ante a impunidade dos fatos. Infelizmente o Brasil está entre os países considerados como exportador de animais silvestres e em algumas feiras pelo menos dois mil animais como, por exemplo, araras, papagaios, tucanos etc., são vendidos a cada domingo22. Esse tipo de comércio é altamente perigoso não só para o próprio animal (pois eles geralmente são acomodados em locais impróprios, superlotados, sem ventilação e alimento necessário, ficam estressados e acabam morrendo ou brigando com outras espécies e até se mutilando) mas também para o próprio ecossistema, como já foi explicado. 3.4 A caça de animais e as armadilhas Preliminarmente, se faz necessário conceituar o verbo caçar. De acordo com o dicionário Aurélio online, caçar é: “Perseguir animais para os apanhar ou matar.”23. Dessa forma, podemos entender o verbo acima mencionado, em um sentido mais estrito, mais “fechado”, como a perseguição de um animal a outro animal com a intenção de abater. A caça acontece desde os primórdios do mundo e, nesse início, sempre teve caráter de subsistência. Os predadores sempre escolhiam suas presas de acordo com a facilidade de obtê-la, pois o alimento, a sobrevivência era mais importante. Com o passar do tempo, o homem foi conquistando seu espaço dentro da cadeia alimentar, dentro da briga pela sobrevivência até chegar aos dias atuais, o qual encontra-se no topo. Com suas tecnologias, máquinas e estratégias, o mesmo consegue caçar todo e qualquer tipo de animal, entretanto muita das vezes não é por alimento e nem sobrevivência, apenas por diversão. A caça nos Estados Unidos, dependendo da época do ano é uma atividade legal e visa controlar a população de algumas espécies de animais, preservar o meio ambiente e ajudar na manutenção do ecossistema local. No estado de Nova York, são caçados duzentos mil cervos por temporada. Neste mesmo estado um milhão de licenças de caça são emitidas anualmente pelas autoridades. Ganham com isto os fazendeiros, gerentes de caça, entidades preservacionistas, governo, turismo, fauna e todos que estão direta ou indiretamente ligados a esta atividade como fabricantes e comerciantes de artigos para caça, (vestuário, armas, munições, veículos, hotéis e etc.) Nos Parques de Caça, também existem espécies exóticas oriundas da Europa, Ásia, e África. A cada dia, esportistas do tiro dos EUA contribuem com mais de 3 milhões de dólares para os esforços de conservação da vida selvagem. Isto significa uma média anual de 1,5 bilhões de dólares. Desde que estes programas começaram em 1930, pescadores e caçadores já desembolsaram mais de 17 bilhões de dólares. Somente os caçadores são responsáveis por mais de 380 mil empregos diretos. Para cada dólar de outros impostos que é destinado à conservação da vida selvagem, os caçadores contribuem com 9 dólares.24 No Brasil, a caça é proibida. A Lei nº 5.197, de 3 de janeiro de 1967 regulamenta a situação, in verbis25: Art. 1º. Os animais de quaisquer espécies, em qualquer fase do seu desenvolvimento e que vivem naturalmente fora do cativeiro, constituindo a fauna silvestre, bem como seus ninhos, abrigos e criadouros naturais são propriedades do Estado, sendo proibida a sua utilização, perseguição, destruição, caça ou apanha. Entretanto, existem peculiaridades regionais que comportam o exercício da caça, como por exemplo o Estado do Rio Grande do Sul mas que precisa ter permissão do Poder Público Federal. A Lei de Crimes Ambientais também prevê uma exceção para a prática da caça e do abate de animais, de acordo com o que estabelece o artigo 37 da referida lei26: Art. 37. Não é crime o abate de animal, quando realizado: I - em estado de necessidade, para saciar a fome do agente ou de sua família; II - para proteger lavouras, pomares e rebanhos da ação predatória ou destruidora de animais, desde que legal e expressamente autorizado pela autoridade competente; III – (VETADO); IV - por ser nocivo o animal, desde que assim caracterizado pelo órgão competente. A caça de animais quando não tem caráter de sobrevivência, de alimentação ou de segurança é ilegal pois causa danos não somente ao animal que foi abatido e sim em todo o meio ambiente e no próprio ser humano. Esse tipo de atividade, por vezes feita apenas pelo prazer de matar, deveria ser considerada errada perante a moral e os bons costumes, pois a intenção de causar dor e sofrimento a um animal, de acordo com especialistas, é um sintoma gritante da psicopatia, podendo, inclusive, esse ser humano causar um mau a sociedade em algum momento futuro. Quando o animal caçado é de grande porte, ágil e com força física superior, ou quando o caçador quer apanhar o animal através de emboscada, ele utiliza alguma armadilha para conseguir capturar a caça e assim não sofrer nenhuma ameaça à sua saúde. Entretanto, essas armadilhas, muitas vezes, são cruéis, causando sofrimento para o animal e fazendo-o agonizar por horas antes de morrer. A armadilha provoca sérios ferimentos e grande estresse. À medida que tenta escapar, o animal se fere ainda mais; ao morder a armadilha, quebra seus dentes e machuca a boca e, algumas vezes, morde e mastiga a perna presa até arrancá-la. Muitas vezes, morrem de infecção mesmo se conseguem escapar dessa forma. Se a fuga não é possível, a vítima pode morrer de choque, perda de sangue, hipotermia, desidratação ou exaustão antes que o caçador retorne, o que pode levar dias ou semanas. Ele pode também ser morto ou mutilado por predadores. Existe uma armadilha conhecida como “leghold” e é universalmente conhecida pela crueldade. Seu uso é proibido em mais de oitenta países27. No ano de 2015, no mês de julho, na África, um leão chamado Cecil de 13 anos de idade, foi morto por caçadores, mas antes de morrer, teve seu corpo arrastado por uma caminhonete para fora do parque ambiental onde se encontrava e agonizou por mais de 40 horas com uma flecha fincada em seu corpo. A legislação brasileira proíbe o uso de armadilhas para o abate de animais (com algumas exceções), de acordo com o artigo 10 da Lei 5197/67: Art. 10. A utilização, perseguição, destruição, caça ou apanha de espécimes da fauna silvestre são proibidas. a) com visgos, atiradeiras, fundas, bodoques, veneno, incêndio ou armadilhas que maltratem a caça; b) com armas a bala, a menos de três quilômetros de qualquer via térrea ou rodovia pública; c) com armas de calibre 22 para animais de porte superior ao tapiti (sylvilagus brasiliensis); d) com armadilhas, constituídas de armas de fogo. O fato é que a caça por si só já é um ato de covardia contra os seres vivos que merecem ter sua vida preservada, bem como uma vida livre de sofrimento e agonia. A armadilha não só acua o animal como o fazsofrer. Atividades e apetrechos como os citados, deveriam ter uma punição mais severa por parte da legislação, pois somente assim essa prática encontraria um fim. Grande, diversificada e específica é a fauna brasileira. Na região amazônica são muitos os tipos de peixes e mamíferos aquáticos que habitam os rios e lagos. As espécies mais conhecidas são o pirarucu, jacarés, tartarugas, capivara, sucuri, onça, macacos, preguiça, papagaios, araras, tucanos e uma variedade de insetos e aracnídeos. Dessa forma, são muitos os animais que compõe a fauna brasileira, devendo a mesma ser preservada. A violência contra esses animais pode se dar de maneira física e psicológica. A violência física é aquela que atinge o animal externamente, machucando-o por fora através de atos que mutilam, ferem e até mesmo causam a morte. A violência psicológica se da através, por exemplo da negligência com o animal, causando para ele estresse, medo e sensações que o façam temer pela sua vida, afinal o instinto de sobrevivência é inerente a todo e qualquer ser vivo. O comércio de animais silvestres ocorre no Brasil com muita frequência. Esse tipo de comércio é muito perigoso para o meio ambiente, além de ser considerado ilegal pela legislação brasileira. A caça no Brasil é proibida, e a mesma quando não tem caráter de sobrevivência, de alimentação ou de segurança deveria ser considerada uma afronta à sociedade, pois causa danos não somente ao animal que foi abatido e sim em todo o meio ambiente e no próprio ser humano. Esses animais caçados, muitas vezes, são abatidos por armadilhas feitas pelos caçadores com o intuito de facilitar o abate da presa. A armadilha também é considerada ilegal no Brasil. 11 http://www.suapesquisa.com/o_que_e/fauna.htm 12 https://pt.wikipedia.org/wiki/Fauna_do_Brasil 13 https://www.dicio.com.br/violencia/ 14 COSTA. Helrison Silva. PODER E VIOLÊNCIA NO PENSAMENTO DE MICHEL FOUCAULT. Sapere aude – Belo Horizonte, v. 9 – n. 17, p. 153-170, Jan./Jun. 2018 – ISSN: 2177-6342. 15 http://www2.ucg.br/flash/artigos/080708foucault.html 16 http://perolaspalavras.blogspot.com.br/2011/06/foucault-e-violencia.html 17 http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/ciencia-e- saude/2014/09/21/interna_ciencia_saude,448119/cientistas-brasileiros-afirmam-que-os-animais-tem- sentimentos.shtml 18 http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/ciencia-e- saude/2014/09/21/interna_ciencia_saude,448119/cientistas-brasileiros-afirmam-que-os-animais-tem- sentimentos.shtml 19 http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?artigo_id=4532&n_link=revista_artigos_leitura 20 Na opinião deste autor, o animal não humano não é um produto. O termo foi utilizado com o intuito - exclusivo - de explicar a diferença entre tráfico e contrabando.. 21 http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?artigo_id=4532&n_link=revista_artigos_leitura 22 http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?artigo_id=4532&n_link=revista_artigos_leitura 23 http://www.dicionariodoaurelio.com/cacar 24 http://www.savageadventures.com.br/index.php? option=com_content&view=article&id=61:caca&catid=48:informativo&Itemid=59 25 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5197.htm 26 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9605.htm 27 https://www.passeidireto.com/arquivo/3913254/atividade_aula_07_protecao_de_animais_selvagens-1/4 4 A desproporcionalidade Proporcionalidade é aquilo que estabelece certo equilíbrio entre o que está sendo analisado. Logo, a partir desse conceito, desproporcionalidade é o desequilíbrio, a desarmonia, entre duas situações. Pode-se pensar, portanto, que a desproporcionalidade gera a injustiça, pois onde há desequilíbrio a justiça não possui forma. No direito alemão, existe o princípio da proporcionalidade o qual ensina que nenhuma norma constitucional é absoluta, ou seja, nenhuma garantia constitucional supre ou revoga outra de mesmo valor. No Brasil, o princípio da proporcionalidade tem por finalidade precípua equilibrar os direitos individuais com os anseios da sociedade. Na seara administrativa, segundo o mestre Dirley da Cunha Júnior, a proporcionalidade “é um importante princípio constitucional que limita a atuação e a discricionariedade dos poderes públicos e, em especial, veda que a Administração Pública aja com excesso ou valendo-se de atos inúteis, desvantajosos, desarrazoados e desproporcionais”. Complementando, a professora Fernanda Marinela assevera que embora referido princípio não esteja expresso no texto constitucional, alguns dispositivos podem ser utilizados como paradigmas para o seu reconhecimento, como, por exemplo, o artigo 37 combinado com o artigo 5º, inciso II e o artigo 84, inciso IV, todas da Constituição Federal Brasileira28, in verbis: Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (...). Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: IV - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução. O ilustre doutrinador Bonavides afirma que “em nosso ordenamento constitucional não deve a proporcionalidade permanecer encoberta. Em se tratando de princípio vivo, elástico, prestante, protege ele o cidadão contra os excessos do Estado e serve de escudo à defesa dos direitos e liberdades constitucionais. De tal sorte que urge, quanto antes, extraí-lo da doutrina, da reflexão, dos próprios fundamentos da Constituição, em ordem a introduzi-lo, com todo o vigor, no uso jurisprudencial”29. Ainda sobre o princípio da proporcionalidade, Humberto Ávila explica: “O postulado da proporcionalidade se aplica apenas a situações em que há uma relação de causalidade entre dois elementos empiricamente discerníveis, um meio e um fim, de tal sorte que se possa proceder aos três exames fundamentais: o da adequação (o meio promove o fim?), o da necessidade (dentre os meios disponíveis e igualmente adequados para promover o fim, não há outro meio menos restritivo do(s) direito(s) fundamentais afetados?) e o da proporcionalidade em sentido estrito (as vantagens trazidas pela promoção do fim correspondem às desvantagens provocadas pela adoção do meio?)”30. Dessa forma, se faz necessário, de acordo com as palavras do professor Paulo Bonavides e Humberto Ávila, como já descrito, fazer uso do princípio da proporcionalidade na aplicação imediata da lei em todos os seus sentidos, observando a adequação, a necessidade e a proporção em sentido estrito. Logo a simples aplicação da lei de forma desproporcional é uma afronta ao princípio constitucional da proporcionalidade. Seria aplicar uma norma de forma injusta, desarmônica e sem compasso. O código penal brasileiro, em seu artigo 121, explica que para a ação de matar alguém o agente terá como sanção uma pena de reclusão de 6 a 20 anos. O bem protegido pelo artigo 121, sem dúvida é a vida e mesmo que o ceifador dela seja condenado no limite máximo da pena, o bem tutelado não irá retornar, ficando claro, portanto, que tal sanção não é proporcional ao bem jurídico que se tenta proteger, entretanto é eficiente para que haja um desencorajamento dessa conduta. Por outro lado, a conduta de matar um animal prevista no artigo 29 da lei 9.605/98, que tem como pena 6 meses a 1 ano de detenção, que também tem como bem tutelado a vida, não tem sanção proporcional com o que se pretende proteger e tampouco é eficaz para que não haja um estímulo em cometer tal crime. Ao aplicar a pena do artigo 29 da lei de crimes ambientais, fica clara a desproporcionalidade, a injustiça e desarmonia
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