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História da Alimentação e da Nutrição Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Prof.ª Esp. Glaucia Fernandes Candido Revisão Textual: Prof.ª Me. Luciene Santos Gastronomia e Influências Culturais no Planejamento de Dietas Saudáveis • Gastronomia e Influências na Alimentação e Nutrição; • Influências Culturais na Gastronomia Brasileira; • Procedimentos Culinários; • Técnica Dietética e Fundamentos da Cozinha; • Aplicação da Gastronomia no Planejamento de Dietas; • Gastronomia Hospitalar; • A Nutrição e a Fome. · Desenvolver conhecimento sobre as bases da gastronomia, bem como sua influência na alimentação e na nutrição e entender sua importância como ferramenta no planejamento de dietas saudáveis. OBJETIVO DE APRENDIZADO Gastronomia e Infl uências Culturais no Planejamento de Dietas Saudáveis Orientações de estudo Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem aproveitado e haja maior aplicabilidade na sua formação acadêmica e atuação profissional, siga algumas recomendações básicas: Assim: Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e horário fixos como seu “momento do estudo”; Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo; No material de cada Unidade, há leituras indicadas e, entre elas, artigos científicos, livros, vídeos e sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você também encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados; Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discus- são, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e de aprendizagem. Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Determine um horário fixo para estudar. Aproveite as indicações de Material Complementar. Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma Não se esqueça de se alimentar e de se manter hidratado. Aproveite as Conserve seu material e local de estudos sempre organizados. Procure manter contato com seus colegas e tutores para trocar ideias! Isso amplia a aprendizagem. Seja original! Nunca plagie trabalhos. UNIDADE Gastronomia e Influências Culturais no Planejamento de Dietas Saudáveis Gastronomia e Influências na Alimentação e Nutrição No mundo globalizado no qual vivemos atualmente, as ideias e tendências na area da alimentação se espalham rapidamente, mas as trocas culinárias como técnicas de cocção, alimentos, utensílios ocorrem desde o início da história. Voltando na história, é possível entender como as receitas e técnicas de preparo cruzaram fronteiras. Alguns movimentos e tendências culinárias influenciaram e influenciam até hoje na alimentação. A Cozinha Internacional nasceu com a exportação de profissionais da França, a base da gastronomia. Com o sucesso da rede hoteleira, os chefs franceses colocavam no cardápio pratos locais clássicos como o suflê, steak au poivre e o crêpe suzette. Demais países também exportaram seus chefs e muitas receitas clássicas de diversos países foram incorporadas ao chamado “cardápio internacional”. No Brasil, a cozinha internacional virou moda na década de 1980. O fast-food nasceu dos Estados Unidos em 1950. Chegou ao Brasil na década de 1970. O conceito do fast-food é de que as refeições podem ser prepadas e servidas de forma rápida com procedimentos e ingredientes reduzidos. O consumidor, por sua vez, compra e consome os alimentos em locais preparados para que fiquem por pouco tempo, somente o suficiente para fazer a refeição. Os custos desse serviço são menores, aumentando a concorrência e as opções para os clientes. As desvantangens são: a comida é servida de forma padronizada, muitas vezes, lanches ou alimentos contendo poucos nutrientes; e a diminuição do envolvimento do indivíduo com o alimento, diminuindo as novas experiências com as refeições. Figura 1 – Modelo de restaurante fast-food Fonte: iStock/Getty Images 8 9 A Nouvelle cuisine (nova cozinha) foi uma reação francesa ao fast-food. A culinária francesa buscou inspiração nas cores variadas da culinária japonesa e na sua variedade de ingredientes que estimulavam os sentidos: visão, olfato e paladar. As porções foram reduzidas, bem como o tempo de cocção e houve uma valorização da cocção a vapor. Os molhos ficaram mais leves e buscou-se simplicidade na apresentação dos pratos. Utilizaram os ingredientes da época, sempre valorizando a matéria-prima para aplicação da técnica correta para cada ingrediente. A essência do produto foi valo- rizada. Um dos idealizadores foi Paul Bocuse. Também foi considerada uma reação da alta gastronomia aos novos tempos. A Cozinha de terroir também chamada de cozinha de território ou cozinha regional foi um retorno ao passado, um movimento idealizado por novos chefs, como Alan Ducasse e também por Paul Bocuse, que estavam preocupados que se mantivessem as tradições e valorizações locais, tanto das receitas como dos produtos. Já a Cozinha fusion ou cozinha de fusão surgiu no final do século XX com a globalização. Com o acesso a ingredientes de outros países, viagens intenacionais e combinações exóticas, começaram a encontar os chefs e os consumidores. No Brasil, podemos citar a adição de manga ao sushi como um exemplo dessa cozinha. A Cozinha de vanguarda ou também chamada de cozinha atual, científica ou conceitual é uma cozinha baseada na utilização de altas tecnologias, muitas vezes, com técnicas utlizadas somente na ciência dos alimentos aplicadas à gastronomia. Teve início na década de 1980, com o químico Hervé This apaixonado pela gastronomia, que levou seus conhecimentos de laboratório e suas técnicas para dentro da cozinha. Com essas descobertas científicas, muitos cozinheiros tranformaram suas cozinhas em pequenos laboratórios, utlizando ingredientes, substâncias e equipamentos antes utlizandos somente pela indústria de alimentos. Dessa maneira, é possivel desconstruir e reconstruir as estruturas dos pratos. Figura 2 – Chef de cozinha molecular Fonte: iStock/Getty Images 9 UNIDADE Gastronomia e Influências Culturais no Planejamento de Dietas Saudáveis Um exemplo de desconstrução é a feijoada, pois os ingredientes podem ser cozidos separamante sem perder o sabor da feijoada que conhecemos. Já na reconstrução, a maneira de cocção é respeitada, porém, a receita pode ser feita de uma nova maneira. É o caso da feijoada light, onde os alimentos são cozidos separadamente e o resultado é o sabor mais leve do que conhecemos, uma vez que é retirado o excesso de gordura da receita. O minimalismo é uma busca de uma aceitação melhor do mesmo alimento pelo comensal. Pode ser tanto quanto à forma quanto ao sabor. Um exemplo são as esferas de vários alimentos feitas com a ajuda de substâncias químicas que lembram o formato do caviar. Essa forma de apresentação de um alimento pode ajudar pacientes com dificuldade de aceitação de um determinado alimento e vem sendo utililizada na gastronomia hospitalar, tema que aboradaremos mais a diante. O chef catalão Ferran Adrià é um dos idealistas da cozinha de vanguarda. No Bra- sil, temos o Chef Alex Atala que possui uma cozinha autorial com bases bem sólidas na cozinha brasileira. Sua cozinha divulga a gastronomia brasileira no mundo. Livro: “O Jantar do Século”. Autor: Mariella Lazaretti. Editora SENAC. São Paulo. 2009 Exp lo r A dieta mediterrânea é uma dieta saudável composta por alimentos que estão presentesno mundo mediterrâneo, mais precisamente, dos países banhados pelo Mar Mediterrâneo, que envolve países da Europa, África e Oriente Médio. Ela é baseada em frutas, legumes, verduras, grãos, ervas aromáticas, peixe, azeite e vinho tinto. Essa dieta também é conhecida por possuir benefícios para a saúde, principalmente para as doenças cardiovasculares. O próprio fisiologista americano Ancel Keys, que estudou a dieta e seus benefícios na população, morreu com 101 anos. O slow-food é um movimento que nasceu, em 1986, na Itália como reação ao fast-food. O movimento foi liderado por Carlo Petrini, gastrônomo e sociólogo, e a ideologia do movimento é o direito ao prazer da alimentação, o retorno do convívio à mesa, do comer e beber devagar, preservando as tradições das receitas e dos ingredientes regionais. 10 11 Figura 3 – Fast-food versos slow-food Fonte: iStock/Getty Images O movimento no Brasil possui diversos projetos que enfatizam o prazer, o con- vívio e a cultura do alimento. Educação do Gosto: https://goo.gl/cGdmPK Ex pl or Outra cozinha importante é a vegetariana. No passado, foi considerada uma comida sem gosto e os adeptos eram poucos. Atualmente, ganhou destaque na alimentação e é considerada saudável e muito saborosa. Conforme Aquino e Philippi (2015), existem três tipos de cozinha vegetariana: a ovolactovegetariana, é origem indiana e um dos preceitos da religião budista secular. Nesse tipo de cozinha, aceita-se o consumo de derivados de leite e ovos. A segunda cozinha é a macrobiótica, cuja dieta é baseada em raízes, cereais integrais, hortaliças e frutas. E a terceira cozinha é a vegana, baseada somente em elementos vegetais. A cozinha vegana vem ganhando cada vez mais adeptos, já é possível encontrar empresas especializadas em alimentos congelados veganos, snaks etc. Por fim, temos a cozinha orgânica, também chamada de cozinha sustentável ou cozinha pura. 11 UNIDADE Gastronomia e Influências Culturais no Planejamento de Dietas Saudáveis O termo orgânico significa muito além da produção de alimentos sem agrotóxicos, pesticidas, fungicidas e demais produtos químicos. Significa que os alimentos foram produzidos de forma sustentável, sem o uso desse tipo de produto, sem causar dano ao meio ambiente, ou o menor possível, sempre levando em consideração a qualidade de vida dos trabalhadores e de suas famílias. No Brasil, nos últimos anos, houve uma crescente procura por alimentos orgâninos. E, em feiras orgânicas espalhadas pelas grandes cidades, principalmente em São Paulo, é possível comprar direto do produtor. Também houve um crescimento no número de empresas que só trabalham com alimentos orgânicos. Mesmo sendo mais caros do que os produtos convencionais, existe uma procura do consumidor final pelos orgânicos, por serem mais saudáveis. Influências Culturais na Gastronomia Brasileira As condições geográficas, climáticas, econômicas e culturais influenciam dispo- nibilidade e na escolha da alimentação pelos brasileiros. A cozinha regional brasileira é extremamente rica e tem suas origens na cozinha indígena, portuguesa e africana. E se completa ao encontrar as cozinhas caipiras e de imigrantes. As características da gastronomia brasileira estão associadas à sua região. No Nordeste e no litoral brasileiro, vê-se um predomínio de coco verde, peixes e crustáceos, devido à natureza local, culinária indígena e portuguesa. Já na Bahia destaca-se a culinária africana. No Norte, por se encontrar na área das florestas, de águas férteis, a culinária se destaca por produtos à base de frutas, peixes, mandioca e camarões defumados. No Centro-Oeste, a culinária se destaca pelos grandes rebanhos de gado e o cardápio é baseado em carnes tipo churrasco, o mate (tererê), peixes e caças da área pantaneira. No Sudeste, com os grandes centros e uma variedade de pessoas de diferentes culturas, a culinária é variada e contém todos os sabores do mundo. Nos grandes centros, é possível encontrar restaurante japonês, italiano, marroquino, coreano, chinês, libanês, português, entre outros. Já na região Sul a culinária é baseada nos imigrantes europeus. A região é famosa pelas boas carnes, vinhos e chimarrão. 12 13 Procedimentos Culinários Nos últimos anos, a fusão das culturas gastronômicas deu lugar à própria iden- tidade culinária. Fala-se de gastronomia e culinária o tempo todo e em todos os lugares. Os homens foram para a cozinha, trocam receitas, as mulheres fazem confrarias. E a pessoa que fala de comida é chamada de foodie. Seria muito difícil explicar para as avós, que tinham os velhos livros de culinária da fa- mília, com muitas anotações a mão, como toda essa revolução gastronômica aconteceu. A receita de um prato é algo cultural e passado por famílias de gerações em gerações. A palavra “receita” surgiu na Idade Média quando a culinária assumiu o papel de manutenção da saúde para os mais ricos e os médicos orientavam as receitas para os seus cozinheiros (AQUINO; PHILLIPPI, 2015). Na receita, deve-se conter a quantidade e qualidade dos ingredientes, descrever as etapas do modo de preparo passo a passo, o rendimento da receita em porções e em medida (kg, gramas ou volume em litros ou mL). A ideia da receita é permitir a reprodução perfeita dos pratos. A receita é uma ferramenta da culinária, porém, não é a única forma de cozinhar. Muitos chefs não gostam de seguir receitas, pois ficam mais livres para criar seus pratos. Na nutrição, ela serve como ferramenta para o estudo do tipo de cocção, pode-se ou não ser melhorada a forma de preparo de um prato, se é possível a substituição de um ingrediente por outro para melhora da saúde do paciente, e também para verificar a combinação de cor, sabor e textura. A forma de preparo de um determinado alimento influenciará diretamente no seu resultado nutricional. Um mesmo alimento pode ser preparado de forma diferente e pode perder ou manter seus nutrientes. Um exemplo é a batata, que somente cozida em vapor é mais saudável do que se for frita em imersão em óleo. Para que um alimento seja consumido, na grande maioria das vezes, ele deve passar pelo processo de cocção. O objetivo da cocção de um alimento é de eliminar a maioria das bactérias patogênicas e o desenvolvimento de substâncias prejudiciais à saúde, aumentando a digestibilidade, sempre tentando mantendo o seu valor nutritivo. As formas de cocção mais tradicionais são: cozinhar, refogar, grelhar, saltear, assar ou fritar. As técnicas consideradas mais saudáveis são as que preservam os nutrientes dos alimentos, como a cocção por vapor. 13 UNIDADE Gastronomia e Influências Culturais no Planejamento de Dietas Saudáveis É possível empregar mais de uma técnica de cocção para o preparo de um mesmo alimento, selar e cozinhar no vapor, por exemplo. O objetivo é a preservar as características do alimento, sabor e textura. Também existem as técnicas auxiliares de cocção, como é o caso do branqueamento, que consiste em pré-cozinhar em ebulição, seguido de um rápido resfriamento rápido com a finalidade de preservação da cor do alimento. As técnicas de cocção consideradas contemporâneas são a cocção em micro- ondas, cocção em forno combinado, em forno de cocção rápida (que utiliza a tecnologia micro-ondas e convecção), a cocção através de placas de indução e a cocção a vácuo (sous vide). As placas de indução trabalham com a troca de calor. A superfície dessa placa (normalmente encontramos em forma de fogão) quando ligada forma um campo magnético que, somente quando em contato com materiais ferrosos (panelas) aquecem e geram calor na área específica. Na Europa, é possível encontrar aquecimento através de placas de indução em carros hospitalares. Nesse caso, ao invés de panelas com fundo ferroso, a louça é especial e possui o fundo com material ferroso que permite gerar essa superfície de contato. Em uma mesma bandeja, é possível ter produtos quentese frios ao mesmo tempo. “Sous vide” é um termo francês que significa “sob vácuo”. O correto é chamá-lo de “cocção sous vide”. O termo “sous vide” não se refere a um processo particular, compreende um grupo de processos no qual inclui pré-preparo, embalar o produto a vácuo, cocção em água ou vapor saturado, resfriamento rápido, estocagem refrigerada e posterior finalização e serviço. A tecnologia de utilizar filmes plásticos para gêneros alimentícios foi conhecida e aplicada na França desde a década de 60. As embalagens plásticas se tornaram disponíveis e foram usadas pela indústria alimentícia durante muito tempo. Em 1974, o Chef George Pralus, aplicou a tecnologia “sous vide” na gastrono- mia. Ele experimentou utilizar filmes plásticos, utilizados pela indústria alimentícia, para minimizar a perda durante o cozimento de uma terrina de foie gras. Apesar do envoltório plástico, a terrina conservava todas as suas características gustativas, além da perda de peso ter sido menor. Desde 1980, George Pralus promoveu a técnica do cozimento a vácuo por todo o mundo. A técnica foi utilizada na Europa inicialmente por muitos hospitais, catering e restaurantes, posteriormente, o processo estendeu-se para escala industrial. No Brasil, a técnica ganhou destaque nos anos 2000 com o Chef Alex Atala. O Chef utiliza a técnica até hoje em seu restaurante. 14 15 A técnica ganhou adeptos e cresce cada dia mais, sendo utilizada em diversas áreas como: hospitais, catering, restaurantes e lojas de conveniência. Alguns equipamentos importados de uso doméstico como a embaladora a vácuo, o termocirculador e aplicativo de utilização da técnica, permitem que o consumidor faça seus próprios produtos sous vide em casa. Figura 4 – Legumes cozidos na técnica “sous vide” Fonte: Acervo do conteudista A cozinha do futuro: https://goo.gl/d2RhTu Ex pl or Técnica Dietética e Fundamentos da Cozinha Conforme Ornellas (2006), Técnica Dietética é uma disciplina baseada em ciências exatas, que estuda as operações que os alimentos são submetidos, bem como suas modificações sofridas durante os processos culinários. Também chamada de cozinha dietética, ela aplica os conhecimentos científicos das ciências exatas e adota métodos mais seguros e econômicos, baseando-se na experimentação. É uma cozinha teórica e prática, uma cozinha científica. Para os nutricionistas, a Técnica Dietética é uma ciência muito importante. Os principais objetivos da preparação técnica dos alimentos são: nutricionais, higiênicos, digestivos, sensoriais e econômicos. 15 UNIDADE Gastronomia e Influências Culturais no Planejamento de Dietas Saudáveis É preciso conhecer a composição de cada alimento para poder iniciar os testes dietéticos. Conhecendo a composição química e física de um determinado alimento, é possível modificar sua apresentação, textura, minimizar sua acidez etc. A higiene também é muito importante nessa cozinha. Ela começa com a escolha dos ingredientes, seleção, cuidado no preparo, cocção e armazenamento correto. Atualmente, existem vários métodos para inativar as enzimas de um alimento e inibir o crescimento das bactérias. Algumas ações como liquidificar um determinado alimento, ou usar enzimas que substituem a ação de sucos digestivos também é função dessa cozinha. Mas a questão sensorial também é muito importante. Não basta conhecer a composição do alimento, as possíveis modificações que pode sofrer durante o pro- cesso culinário, e assegurar as condições higiênico-sanitárias se o alimento não for apetitoso e aceitável pelo paciente. Para Ornellas (2006), um alimento vale pelo que representa seu valor nutritivo, suas diversas possibilidades de aproveitá-lo e pela facilidade de prepará-lo e conservá-lo. Já o custo de um alimento é o valor que foi gasto para prepará-lo. Deve-se levar em consideração, além do gasto com a matéria-prima, a perda durante o pré- preparo (limpar uma carne ou descascar uma fruta), a perda na cocção (redução) e os gastos com a mão de obra para prepará-lo. Já para os grandes chefs da cozinha francesa, a arte culinária tem como objetivo modificar os alimentos, tornando-os mais apetitosos e facilitar a digestão. Porém a cozinha clássica preocupou-se em tornar os alimentos mais apetitosos do que de fácil digestão. Para a prática culinária, é necessário estudar as técnicas de gastronomia, os fundamentos da cozinha clássica, a cozinha contemporânea e aplicar esse conhe- cimento nos produtos para perceber os ganhos em relação ao aroma, cor, textura e sabor das preparações. A cozinha clássica possui quatro ingredientes diferentes que podem melhorar e/ ou intensificar o sabor, o aroma, a cor e a textura dos alimentos. Preparações feitas à base de água e de vegetais aromáticos (cebola, cenoura, salsão, alho-poró) e ervas frescas (louro, tomilho, salsa e cebolinhas) e, se necessário, algumas especiarias resultam em caldos que vão conferir sabor a carnes, aves, pescados, ou legumes. Se essas preparações forem adicionadas antes da cocção, são chamadas de ma- rinadas, durante a cocção, são chamados de caldos e, na finalização, de finalização de preparo. As aromatizações podem ser em meio líquido (água, suco, vinho) ou em meio gorduroso (óleos vegetais e manteigas). 16 17 Já o amido, presente em cereais, raízes, tubérculos e seus derivados (legumes e frutas e algumas leguminosas) e também em proteínas (ovos, nata, manteiga e gelatina) conferem textura ao alimento. Algumas substâncias de origem vegetal, como ágar-ágar, goma xantana, goma arábica também são excelentes espessantes. Um clássico da cozinha francesa responsável por alterar textura é o roux, composto por manteiga e farinha de trigo. E, por último, os ingredientes finalizadores. Eles são adicionados no final do preparo e conferem “um algo mais” ao produto: melhoram cor, sabor e/ou textura, tornando a preparação mais saborosa. Ingredientes que contêm corante natural como a páprica e o açafrão ajudam a dar coloração e sabor ao produto final. Aplicação da Gastronomia no Planejamento de Dietas A gastronomia é uma excelente ferramenta no preparo de cardápios saudáveis. Para Aquino e Philippi (2015), é consensual que o planejamento de cardápios saudáveis deve considerar alguns preceitos: dar preferência a alimentos à base de frutas, verduras, legumes, grãos integrais, leites e derivados, utilizar óleos vegetais e evitar preparações com muito açúcar refinado. Porém, a escolha dos ingredientes é só um dos fatores no planejamento de car- dápios. Devem ser consideradas as características culturais, biológicas e financeiras do consumidor, do local de consumo (região, clima, localização etc.) A gastronomia e suas bases (caldos e fundos) muito ricas em alimentos aromáticos têm o poder de aumentar o sabor dos alimentos, despertando os sentidos e causando uma melhor percepção do sabor do alimento pelo consumidor. A apresentação do prato ou sua textura e temperatura adequada também podem dar uma melhor sensação ao consumidor. Gastronomia Hospitalar O Serviço de Nutrição e Dietética (SND) de um hospital é o departamento responsável pela nutrição e alimentação de todos os pacientes. A equipe multidisciplinar é formada por nutricionistas de produção, nutricionistas clínicas, chefs de cozinha, gestores de restaurante, copeiras, cozinheiros etc., com a finalidade de elaborar refeições saudáveis e nutritivas, a fim de promover a aceitação da dieta e manutenção e/ou recuperação do estado nutricional do paciente. 17 UNIDADE Gastronomia e Influências Culturais no Planejamento de Dietas Saudáveis Figura 5 – Gastronomia hospitalar: promovendo uma melhor aceitação da dieta pelo paciente Fonte: iStock/Getty Images Durante muito tempo, o SND focou seus objetivos na recuperação do paciente por meio da dieta e a gastronomia ficou em segundo plano. A gastronomia hospitalar surgiu com o objetivo de adequar e melhorar a dieta com base na patologiano paciente, levando em consideração hábitos regionais, ingredientes e técnicas dietéticas eficazes. Atualmente, existe uma grande preocupação da gastronomia hospitalar com o sabor, a textura, a temperatura e apresentação dos pratos, sempre levando em consideração as preferências do paciente. As tendências gastronômicas podem ser usadas como ferramenta na gastro- nomia hospitalar. A gastronomia molecular é um grande exemplo disso. É possível aliar técnicas da gastronomia molecular à dietoterapia com a finalidade de melhorar a aceitação da dieta pelo paciente. Um grande exemplo de união entre a gastronomia e a nutrição é a Fundación Alicia na Espanha. A fundação nasceu da vontade do chef Ferran Adrià de levar à população as descobertas feitas em seu restaurante. A instituição é sem fins lucrativos e utiliza cozinha e ciência como ferramenta para a promoção da saúde. Fundación Alicia: https://goo.gl/SsRnL Ex pl or 18 19 A Nutrição e a Fome Quando falamos em alimentação, não temos como não pensarmos na falta dela: a fome. A história da alimentação é a história da luta contra a fome. Para Carneiro (2003, p.23), a alimentação é a luta contra a fome, mas nem sempre a humanidade tem ganhado essa batalha. Atualmente, a fome ainda é um problema de extrema gravidade que atinge milhões de pessoas em todo o mundo. Muitos são os fatores que levam à fome, entre eles: a localização e a quantidade de pessoas no mundo, além da capacidade de ter acesso ao alimento e de produção desse alimento. As desigualdades sociais e econômicas, intensificadas em países em desenvolvi- mento, também são fatores determinantes que levam à fome mundial. Conforme Abreu et al. (2001), a oferta de alimentos é mais do que suficiente para alimentar a população mundial atual, porém, são necessárias medidas po- líticas que possibilitem a melhor distribuição de renda, permitindo o acesso ao alimento e políticas agrícolas que propiciem o desenvolvimento das comunidades agrícolas em países em desenvolvimento. Figura 6 – O difícil acesso ao alimento Fonte: iStock/Getty Images 19 UNIDADE Gastronomia e Influências Culturais no Planejamento de Dietas Saudáveis A fome ainda é um problema que assola a humanidade até os dias atuais. Um dos primeiros estudos sobre a fome data de 1878, em Londres. O pesquisador Cornelius Walford fez um estudo estatístico sobre a fome no mundo. Mas o problema foi oficialmente reconhecido com a criação da Organização de Alimentos e Agricultura das Nações Unidas (FAO – Food and Agriculture Organization) nos Estados Unidos, em 1943. Desde então, a FAO realiza levantamentos e investigações sobre a alimentação no mundo. A partir do final da Segunda Guerra Mundial, os países desenvolvidos, como Estados Unidos, Japão e Europa, praticamente erradicaram a fome em seus países. As soluções vieram por meio de recursos tecnológicos e políticas públicas de acesso da sociedade às condições básicas de saúde, educação e emprego, ou garantia de seguros na falta deles. No Brasil, em 1951 o médico pesquisador Josué de Castro publicou o livro: Geopolítica de fome: ensaio sobre os problemas da alimentação e da população do mundo. Esse livro foi considerado uma referência sobre os problemas da fome no mundo. A partir de 1950, foram criados vários programas de alimentação no Brasil, como a Campanha da Merenda Escolar em 1955. Nos anos de 1970 e 80 tentou-se implantar no Brasil o Sistema de Vigilância Nutricional. Nos anos 1990, formou-se a Comissão Parlamentar de Inquérito para examinar as causas da fome e ameaça à segurança alimentar. Em 2001, foi apresentado o Programa Fome Zero. O documento apresentou a alimentação como direito humano básico e a prioridade no combate à fome e à miséria. O documento explicitou que o problema da fome no Brasil era a pobreza e o desemprego. O programa teve início em 2002. Já em 2003, foi criado o Ministério Extraordinário de Segurança Alimentar e Combate à fome. Porém, apesar de todas as tentativas públicas, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil tinha, em 2016, cerca de 13,4 milhões de pessoas vivendo em condições de pobreza extrema. Seminário: Fruto | Diálogos sobre os alimentos: http://fru.to/ Ex pl or 20 21 Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Livros Alex Atala – por uma gastronomia brasileira ATALA, A. Alex Atala – por uma gastronomia brasileira. São Paulo: BEI Comunicação, 2003. Com unhas, dentes & cuca: prática culinária e papo cabeça ao alcance de todos ATALA, A.; DÓRIA, C. A. Com unhas, dentes & cuca: prática culinária e papo cabeça ao alcance de todos. São Paulo: Senac-São Paulo, 2008. Alquimia dos alimentos ARAÚJO, W.M.C. et al. Alquimia dos alimentos. Série Alimentos e Bebidas – v. 2, Brasília: Senac-DF, 2007. Panelinha: receitas que funcionam LOBO, R. Panelinha: receitas que funcionam. São Paulo: SENAC-São Paulo, 2012. 21 UNIDADE Gastronomia e Influências Culturais no Planejamento de Dietas Saudáveis Referências ABREU, E. S.; MORENO, R. B.; TORRES, E. A. F. S.; VIANA, I. C. A alimentação mundial: uma reflexão sobre a história. Saúde e Sociedade, vol. 10(2) p. 3-14, 2001. ACUÑA, K.; CRUZ, T. Surgimento da Ciência da Nutrição e breve histórico das políticas de alimentação no Brasil. Revista Baiana de Saúde Pública, Bahia, v.27, p. 114-123, 2003. AQUINO, R. C.; PHILIPPI, S. T. Dietética: princípios para o planejamento de uma alimentação saudável. São Paulo: Manole, 2015. CARNEIRO, H. Comida e Sociedade: uma história da alimentação. 6. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2003. ORNELLAS, L., H. Técnica Dietética: seleção e preparo de alimentos. 8. ed. São Paulo: Atheneu, 2006. 22
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