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Autora: Profa. Marília Tavares Coutinho da Costa Patrão Colaboradores: Prof. Flávio Buratti Gonçalves Profa. Laura Cristina da Cruz Dominciano Bases Analíticas do Laboratório Clínico Professora conteudista: Marília Tavares Coutinho da Costa Patrão Graduada em 2002 pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) em Ciências Biológicas – modalidade médica. Mestre (2005) e doutora (2009) em Ciências, com ênfase em Farmacologia, pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e licenciada em Química pelas Faculdades Oswaldo Cruz (2011). É professora titular da Universidade Paulista – UNIP desde 2010, onde leciona as disciplinas de Análise Físico-Química, Embriologia e Farmacologia, entre outras, para os cursos de Biomedicina, Enfermagem e Nutrição. Lecionou a disciplina de Farmacologia também para o curso de Medicina do Centro Universitário São Camilo (2010-2011). É coordenadora auxiliar do curso de Biomedicina da UNIP, campus Chácara Santo Antônio, desde 2011. Ainda, na mesma instituição, foi membro do Comitê de Ética no período de 2011 a 2017 e, desde 2012, atua na Comissão de Qualificação das Avaliações (CQA). © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) P314b Patrão, Marília Coutinho da Costa. Bases Analíticas do Laboratório Clínico / Marília Coutinho da Costa Patrão. - São Paulo: Editora Sol, 2021. 172 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230. 1. Laboratórios clínicos. 2. Processos químicos e físicos. 3. Soluções. I. Título. CDU 616-071 U510.07 – 21 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcello Vannini Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Deise Alcantara Carreiro – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Jaci Albuquerque Vitor Andrade Sumário Bases Analíticas do Laboratório Clínico APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................9 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................9 Unidade I 1 ESTRUTURA DO LABORATÓRIO ANALÍTICO........................................................................................... 11 1.1 Vidrarias e demais recipientes ......................................................................................................... 12 1.1.1 Recipientes TC (to contain) ................................................................................................................. 12 1.1.2 Recipientes TD (to deliver) .................................................................................................................. 16 1.1.3 Outros recipientes ................................................................................................................................... 18 1.2 Principais equipamentos utilizados no processamento das amostras laboratoriais ............................................................................................................................... 19 2 AMOSTRAS EXPERIMENTAIS ....................................................................................................................... 21 2.1 Principais conceitos ............................................................................................................................. 21 2.2 Propriedades da matéria ................................................................................................................... 25 2.2.1 Propriedades gerais da matéria ........................................................................................................ 26 2.2.2 Propriedades específicas da matéria ............................................................................................... 27 2.3 Identificação da amostra com base em suas propriedades ................................................ 32 3 MISTURAS: PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS E CLASSIFICAÇÃO ..................................................... 34 3.1 Soluções verdadeiras: principais características e mecanismo de dissolução ............. 36 3.2 Dispersões coloidais: métodos de estudo e propriedades ................................................... 38 3.3 Suspensões: principais características e exemplos ................................................................. 43 4 PROCESSOS QUÍMICOS E FÍSICOS NO LABORATÓRIO ...................................................................... 44 4.1 Processos químicos .............................................................................................................................. 44 4.2 Processos físicos .................................................................................................................................... 46 4.2.1 Catação, ventilação, levigação, flotação e peneiração ............................................................ 48 4.2.2 Separação magnética ............................................................................................................................ 49 4.2.3 Cristalização fracionada ....................................................................................................................... 49 4.2.4 Dissolução fracionada ........................................................................................................................... 49 4.2.5 Fusão fracionada e liquefação fracionada ................................................................................... 50 4.2.6 Sublimação ................................................................................................................................................ 50 4.2.7 Decantação ................................................................................................................................................ 51 4.2.8 Centrifugação e ultracentrifugação................................................................................................ 52 4.2.9 Filtração simples, filtração a vácuo, ultrafiltração e diálise ................................................... 55 4.2.10 Diálise ........................................................................................................................................................ 57 4.2.11 Evaporação, destilação e destilação fracionada ....................................................................... 57 4.2.12 Floculação ............................................................................................................................................... 60 Unidade II 5 SOLUÇÕES: IMPORTÂNCIA NO LABORATÓRIO E PRINCIPAIS USOS ........................................... 64 5.1 Solubilidade de soluções ................................................................................................................... 65 5.1.1 Soluções insaturadas, saturadas e supersaturadas ................................................................... 67 5.2 Preparo de soluções ............................................................................................................................70 5.2.1 Preparo de soluções de sólido em líquido .................................................................................... 70 5.2.2 Preparo de soluções de líquido em líquido .................................................................................. 71 5.2.3 Preparo de soluções de gás em líquido ......................................................................................... 72 5.2.4 Preparo de soluções de gás em gás ................................................................................................. 72 5.3 Concentração de soluções ................................................................................................................ 72 5.3.1 Concentração simples ........................................................................................................................... 73 5.3.2 Concentração em quantidade de matéria (molaridade) ......................................................... 80 5.3.3 Concentração molal ou molalidade ................................................................................................ 94 5.3.4 Título em massa e título em volume .............................................................................................. 96 5.3.5 Partes por milhão (ppm) ....................................................................................................................100 5.4 Diluição de soluções ..........................................................................................................................101 5.4.1 Diluição única .........................................................................................................................................102 5.4.2 Diluição seriada .....................................................................................................................................104 5.5 Mistura de soluções ...........................................................................................................................107 5.5.1 Mistura de soluções de um mesmo soluto .................................................................................107 5.5.2 Mistura de soluções de solutos diferentes que não reagem entre si ..............................109 6 PROPRIEDADES COLIGATIVAS DAS SOLUÇÕES .................................................................................111 6.1 Solutos moleculares e iônicos .......................................................................................................113 6.2 Pressão de vapor, temperatura de ebulição e temperatura de congelamento de líquidos puros .........................................................................................................115 6.2.1 Pressão de vapor de líquidos puros ............................................................................................... 115 6.2.2 Temperatura de ebulição de líquidos puros ............................................................................... 117 6.2.3 Temperatura de congelamento de líquidos puros ................................................................... 118 6.2.4 Diagrama de fases da água pura e das soluções aquosas ................................................... 119 6.3 Propriedades coligativas: lei de Raoult .....................................................................................120 6.4 Determinação das massas molares de solutos .......................................................................123 6.5 Osmometria ..........................................................................................................................................125 Unidade III 7 CROMATOGRAFIA E ELETROFORESE ......................................................................................................135 7.1 Cromatografia ......................................................................................................................................135 7.1.1 Fenômeno de adsorção ..................................................................................................................... 135 7.1.2 Tipos de cromatografia ...................................................................................................................... 136 7.2 Eletroforese ...........................................................................................................................................140 8 ESPECTROFOTOMETRIA E DETERMINAÇÃO DO PH ..........................................................................142 8.1 Espectrofotometria ............................................................................................................................142 8.1.1 Natureza e absorção da luz ............................................................................................................. 143 8.1.2 Espectrofotômetros ............................................................................................................................ 145 8.2 Determinação do pH .........................................................................................................................147 8.2.1 Conceito de pH e de pOH ................................................................................................................. 148 8.2.2 Principais características das soluções ácidas e básicas .......................................................151 8.2.3 Soluções tampão .................................................................................................................................. 153 8.2.4 Técnicas de determinação do pH .................................................................................................. 154 9 APRESENTAÇÃO O laboratório é o local onde são realizadas, virtualmente, todas as etapas da experimentação, seja ela realizada no âmbito da pesquisa básica, seja no de diagnóstico clínico. Conhecer a estrutura básica do laboratório e as principais técnicas analíticas usadas para caracterizar e quantificar as amostras de interesse do biomédico é essencial para a formação de um profissional atualizado e crítico, que consiga reconhecer as potencialidades e as limitações dos protocolos experimentais utilizados na rotina da profissão. O biomédico pode atuar em diversas áreas, que incluem as análises clínicas, toxicológicas, ambientais, microbiológicas e a pesquisa científica. Dependendo da área de escolha do profissional, as amostras experimentais a serem analisadas apresentam características próprias, e conhecê-las é essencial para que a rotina laboratorial seja cumprida de maneira adequada. Ao término deste estudo, o futuro graduado em Biomedicina deve ser apto a reconhecer os principais instrumentos utilizados nos laboratórios experimentais e clínicos; prever as propriedades das substâncias puras e das misturas utilizadas nos processos analíticos; calcular a concentração das soluções utilizadas na rotina laboratorial, assim como suas propriedades coligativas; e conhecer as principais técnicas analíticas utilizadas na rotina laboratorial. INTRODUÇÃO O laboratório é um espaço físico que contém os equipamentos necessários para que determinado conjunto de análises seja realizado. Diferentes áreas do conhecimento científico envolvem o uso de diferentes equipamentos e técnicas, assim, cada laboratório é otimizado para um ou mais tipos de análise (análises físico-químicas, microbiológicas, toxicológicas, clínicas etc.). Nesse local, as condições de temperatura, pressão e umidade devem ser conhecidas e controladas, e os procedimentos experimentais devem ser detalhados e executados seguindo-se as boas práticas de laboratório e as normas de biossegurança. As boas práticas e o controle das condições experimentais visam garantir a reprodutibilidade dos resultados obtidos nos experimentos. Os componentes básicos de um laboratório são: as vidrarias, por exemplo, os tubos de ensaio, os béqueres, as provetas etc.; os equipamentos utilizados para facilitar o preparo, a manutençãoe a manipulação das amostras, como, por exemplo, as balanças, as estufas, as capelas e os fluxos laminares; os equipamentos utilizados na análise qualitativa e quantitativa das amostras, como, por exemplo, os pHmetros (lê-se “peagâmetro”), os espectrofotômetros, as cubas de eletroforese, os destiladores, os equipamentos de cromatografia etc. Esses componentes são utilizados nas diferentes etapas da experimentação. Caso o objetivo seja, por exemplo, padronizar um novo teste diagnóstico a partir de amostras de urina, deve-se, em primeiro lugar, preparar as soluções que serão utilizadas no experimento, utilizando-se o béquer, a balança e o balão volumétrico; em seguida, deve-se conhecer as propriedades das soluções preparadas, como, por exemplo, o pH, com o auxílio de um pHmetro. A próxima etapa é utilizar a solução preparada no 10 experimento propriamente dito: a amostra de urina pode ser diluída na solução preparada anteriormente e sua absorbância lida em um espectrofotômetro, o que permite o diagnóstico. O objetivo da disciplina de Bases Analíticas do Laboratório Clínico é fornecer ao aluno do curso de Biomedicina a fundamentação teórica necessária para que desempenhe as atividades laboratoriais de maneira adequada e satisfatória, tanto durante o curso quanto durante sua trajetória profissional. Para isso, serão abordados os equipamentos mais utilizados na prática laboratorial, as principais características e propriedades das amostras experimentais, os métodos de separação de misturas mais importantes, os procedimentos necessários para o preparo de soluções e as principais técnicas de análise qualitativa e quantitativa de amostras biológicas e não biológicas. 11 BASES ANALÍTICAS DO LABORATÓRIO CLÍNICO Unidade I 1 ESTRUTURA DO LABORATÓRIO ANALÍTICO De maneira geral, um laboratório analítico deve apresentar a seguinte infraestrutura: iluminação e sistema de controle de temperatura adequados; bancadas, de material impermeável e de fácil limpeza; bancos, que permitam o posicionamento adequado e confortável do experimentador; pias, em número adequado para o bom andamento dos experimentos; equipamentos de proteção coletiva, como os lava-olhos; equipamentos fixos, como a capela de exaustão e o fluxo laminar; e, como já discutido anteriormente, as vidrarias e os demais equipamentos que irão possibilitar a análise qualitativa e quantitativa das amostras experimentais. Figura 1 – Imagem de um laboratório, evidenciando as vidrarias utilizadas na rotina laboratorial Saiba mais Os requisitos mínimos para o funcionamento dos laboratórios clínicos estão descritos no portal da Anvisa em: BRASIL. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução RDC nº 302, de 13 de outubro de 2005. Brasília: Ministério da Saúde, 2000. Disponível em: <http://portal.anvisa.gov.br/ documents/10181/2718376/RDC_302_2005_COMP.pdf/7038e853-afae- 4729-948b-ef6eb3931b19>. Acesso em: 6 fev. 2019. 12 Unidade I A partir de agora, serão apresentadas as principais vidrarias, recipientes e equipamentos utilizados nos laboratórios de experimentação e de análises clínicas. 1.1 Vidrarias e demais recipientes Os recipientes utilizados para acondicionar e transferir as amostras geralmente são de vidro borossilicato temperado, mas também podem ser de plástico ou de cerâmica, de acordo com a sua finalidade. Esse tipo de material, também conhecido como Pyrex®, é um vidro especial que passou por um tratamento térmico, o que altera sua dureza e sua resistência mecânica frente às variações de temperatura. Isso possibilita que os recipientes sejam submetidos a temperaturas altas sem quebrar e, ao sofrer impactos, os estilhaços gerados sejam pequenos e menos prováveis para causar ferimentos nas pessoas. Nos laboratórios de química e de experimentação biomédica, a maioria das amostras e reagentes encontram-se no estado líquido. Os recipientes utilizados para acondicioná-los são denominados TC (to contain) e aqueles utilizados para transferência de líquidos para outros recipientes denominam-se TD (to deliver). Esses vasilhames serão apresentados mais a seguir, quando também serão apresentados os principais recipientes utilizados na análise e processamento de sólidos, bem como os equipamentos e vidrarias utilizados na separação dos componentes de uma mistura, como, por exemplo, o funil de decantação, o balão Kitasato, o balão de destilação etc. Todos esses recipientes apresentam diferentes graus de exatidão e de precisão. Exatidão refere-se ao grau de conformidade de uma medida ou aferição ao valor de referência padrão correspondente. Assim, quanto mais exata for a graduação de um frasco, mais próxima do valor real ela é. Precisão, por sua vez, refere-se ao grau de variação dos resultados de uma medição ou aferição, e é representada pelo desvio padrão dos valores. Uma vez que a leitura do volume de líquido contido em um béquer é realizada a partir da visualização do nível desse líquido no recipiente, espera-se que haja variação significativa quando observações consecutivas são consideradas. 1.1.1 Recipientes TC (to contain) Em inglês, o termo to contain significa “para conter”. Portanto os recipientes TC são adequados para conter, ou acondicionar, volumes líquidos. Os principais recipientes TC são o béquer, os tubos de ensaio, o microtubo balão de Erlenmeyer, os balões de fundo chato e de fundo redondo, o balão volumétrico e a proveta. O béquer é um recipiente cilíndrico, de fundo chato e boca larga, que apresenta um bico na borda superior. É adequado para realizar misturas e reações químicas, na presença ou não de calor. O formato cilíndrico facilita a manipulação dos líquidos, e a boca larga e o bico auxiliam sua transferência para outros recipientes. Esses frascos são confeccionados de vidro temperado ou de plástico rígido, como o polietileno, por exemplo. Diferentes tamanhos permitem o acondicionamento de volumes de líquidos que variam de 1 mililitro (mL) a 20 litros (L). Os mais utilizados nos laboratórios clínicos comportam volumes de 10 mL a 1 L. 13 BASES ANALÍTICAS DO LABORATÓRIO CLÍNICO Embora seja graduado, o béquer apresenta baixa exatidão e precisão na aferição de volumes. Portanto a estimativa do volume de líquido contido em um béquer é grosseira. Figura 2 – Béquer O tubo de ensaio é um recipiente cilíndrico, de fundo arredondado, que acondiciona pequenos volumes de amostra (de 5 a 10 mL) e permite a realização de reações químicas em pequena escala, além de ser facilmente adaptado a centrífugas clínicas. Não é graduado, mas pode ser aquecido, quando feito de vidro temperado. Figura 3 – Tubo de ensaio Volumes ainda menores podem ser acondicionados em tubos plásticos resistentes ao calor, com tampa, com capacidade de até 2 mL, denominados microtubos ou tubos Eppendorf®. São muito utilizados em ensaios de biologia molecular, cujos experimentos envolvem, geralmente, volumes de reação muito reduzidos. Figura 4 – Representação esquemática de um microtubo O frasco ou balão de Erlenmeyer tem fundo chato, formato de cone invertido, boca estreita e ausência de bico. Essa forma facilita o manuseio e a agitação manual da amostra; evita que o líquido contido 14 Unidade I no interior espirre para fora, minimizando a perda de material durante a sua agitação manual; facilita o contato do solvente com partículas que eventualmente aderem às suas paredes, contribuindo para a correta homogeneização da amostra; minimiza a evaporação de líquidos voláteis; e diminui a área de contato da amostra com o meio externo, o que minimiza a ocorrência de contaminações. Os usos do balão de Erlenmeyer incluem o acondicionamento, o aquecimento e o armazenamento de amostras líquidas, a realização de reações de titulação, o acondicionamento e aquecimento de meios de cultura e a filtração simples, realizada quando um funil de vidro, contendo papel de filtro, é acoplado à saída do Erlenmeyer. À semelhança dos béqueres, esses recipientes são confeccionadosde vidro temperado ou plástico, apresentam diversos tamanhos e, embora sejam graduados, apresentam baixa exatidão e precisão. Figura 5 – Representação esquemática de um balão de Erlenmeyer Lembrete A titulação é uma técnica experimental utilizada para determinar a concentração de uma solução, a partir de sua reação com outra, de concentração conhecida. O balão de Erlenmeyer facilita a homogeneização da amostra e minimiza as eventuais perdas durante o procedimento. O balão de fundo chato também apresenta boca estreita e é utilizado para acondicionar amostras líquidas e para fazer reações com desprendimento de gases. Pode ser acondicionado em cima de uma tela de amianto sobre um tripé, o que possibilita o aquecimento da amostra pelo bico de Bunsen. Não apresenta escala de graduação. Figura 6 – Balão de fundo chato 15 BASES ANALÍTICAS DO LABORATÓRIO CLÍNICO O balão de fundo redondo é utilizado para os mesmos fins. No entanto, por não apresentar base achatada, precisa ser acondicionado em suporte de metal para ser utilizado. O balão volumétrico apresenta forma de pera, fundo plano e gargalo retilíneo, comprido, estreito e com tampa. No gargalo, encontra-se uma marca horizontal que indica o volume exato do recipiente à temperatura ambiente (20 °C). Esse instrumento é muito utilizado para preparar soluções, pois permite que o volume seja aferido com grande precisão e exatidão. Por se tratar de uma vidraria de medida exata, não deve ser aquecido, uma vez que o calor dilata o vidro e altera seu volume. Por conter gargalo estreito e longo, não se deve adicionar sólidos em seu interior, pois podem ficar retidos nessa região, o que dificulta a homogeneização. Assim, no preparo de soluções, é adequado primeiramente dissolver a amostra sólida ao solvente líquido em um béquer para, em seguida, ajustar o volume final da solução no balão volumétrico. A maioria dos balões volumétricos apresentam-se nos volumes de 50, 100, 250, 500 e 1.000 mL, e cada frasco permite a aferição de um único volume, representado pela marcação no gargalo. Portanto a principal desvantagem reside no fato de esses instrumentos não permitirem aferições intermediárias. 500 ml Figura 7 – Balão volumétrico Outra maneira de aferir volumes é utilizando-se a proveta. Trata-se de um frasco cilíndrico, graduado, com base plana, que é utilizada para determinar o volume de líquidos e para realizar transferências entre recipientes. É graduada e, portanto, permite a aferição de volumes intermediários. No entanto, a exatidão é menor do que a observada com o uso de balão volumétrico. As provetas são confeccionadas de vidro temperado ou plástico resistente, e não podem ser aquecidas, a fim de evitar a diminuição da exatidão. 16 Unidade I Figura 8 – Proveta Lembrete As provetas são mais utilizadas quando se deseja aferir volumes de amostras líquidas, já que, na maioria das vezes, os volumes aferidos são inexatos. Os balões volumétricos, por sua vez, são utilizados quando se deseja preparar determinados volumes de solução (2.000 mL, 1.000 mL, 500 mL, 250 mL, 100 mL, 50 mL, 10 mL ou 5 mL, mais usualmente), ou ainda reservar esses mesmos volumes de líquido. 1.1.2 Recipientes TD (to deliver) Em inglês, o termo to deliver significa “para entregar”. Portanto os recipientes TD são adequados para transferir volumes específicos de líquidos de um recipiente para outro. Os principais recipientes TD são a bureta e as pipetas. A bureta é um equipamento graduado, cilíndrico, aberto em ambas as extremidades e com uma torneira na extremidade inferior que permite o escoamento de volumes exatos de líquidos. É utilizada nas titulações, por permitir o escoamento lento de volumes exatos de líquido. Apresenta alta exatidão, o que permite a aferição de volumes de maneira confiável. 17 BASES ANALÍTICAS DO LABORATÓRIO CLÍNICO Figura 9 – Bureta As pipetas são equipamentos cilíndricos, de vidro temperado, com aberturas em ambas as extremidades, utilizadas para aferir o volume de líquidos e para transferi-los para outros recipientes. Caso os volumes sejam variáveis, utiliza-se a pipeta graduada. Volumes fixos, por sua vez, são transferidos com o uso de uma pipeta volumétrica. Existem pipetas com capacidade de menos de 1 mL até as que acondicionam o volume máximo de 25 mL. As pipetas graduadas apresentam maior exatidão do que as provetas. As volumétricas apresentam maior exatidão do que as graduadas e precisão intermediária. A) B) Figura 10 – Representação esquemática de uma pipeta graduada (A) e de uma pipeta volumétrica (B) Para realizar a pipetagem, é necessário acoplar a pipeta de vidro a um pipetador desmontável ou a uma pera de borracha. Esses equipamentos são utilizados para auxiliar a sucção dos líquidos, uma vez que criam vácuo na amostra, o que impulsiona o líquido em direção à pipeta. A fim de facilitar o processo de sucção e permitir a transferência de pequenos volumes com elevada exatidão e precisão, mais recentemente foram desenvolvidas as pipetas automáticas, equipamentos 18 Unidade I dotados de uma parte fixa com pistão que, quando acionado, cria o vácuo necessário para aspirar a amostra, que é acondicionada em uma ponteira removível de plástico acoplada à parte fixa. Ao acionar novamente o pistão, a amostra é desprezada no recipiente de escolha. Figura 11 – Pipeta automática Observação As pipetas automáticas são muito utilizadas em ensaios de biologia molecular, bioquímica e microbiologia, por permitirem a pipetagem de pequenos volumes, usualmente de 1 microlitro (µL) a 1 mL. 1.1.3 Outros recipientes Além dos recipientes utilizados na análise volumétrica e no acondicionamento de líquidos, outros equipamentos são importantes para processamento e acondicionamento de amostras no estado sólido. Os principais são o vidro de relógio, o almofariz com pistilo, o cadinho de porcelana, o triângulo de porcelana e a cápsula de porcelana. O vidro de relógio tem formato arredondado e côncavo, e é utilizado para pesar e acondicionar amostras sólidas. O almofariz e o pistilo são utilizados para pulverizar amostras sólidas, enquanto o cadinho de porcelana, quando acondicionado no triângulo de porcelana, que atua como um suporte, é utilizado para aquecer sólidos a altas temperaturas. A cápsula de porcelana, por sua vez, é usada para secar e concentrar amostras líquidas. 19 BASES ANALÍTICAS DO LABORATÓRIO CLÍNICO A) C) B) D) Figura 12 – Representação esquemática de um cadinho de porcelana (A), de um triângulo (B), de uma cápsula de porcelana (C) e de um almofariz com pistilo 1.2 Principais equipamentos utilizados no processamento das amostras laboratoriais Os principais equipamentos presentes nos laboratórios de análise que auxiliam na obtenção, no processamento e na manipulação das amostras são a capela de exaustão, o fluxo laminar, a balança, o agitador magnético e o agitador vórtex. Outros equipamentos laboratoriais, que têm como objetivo fornecer um resultado, baseado na análise de algum parâmetro específico da amostra experimental, como, por exemplo, o espectrofotômetro, o pHmetro, os equipamentos de cromatografia e as cubas de eletroforese, ou ainda aqueles utilizados nos processos de separação de misturas, como a centrífuga, serão abordados posteriormente neste livro-texto. A capela de exaustão pode ser considerada um equipamento de proteção coletiva que tem como finalidade dissipar gases potencialmente nocivos e fornecer uma barreira física entre o experimentador e a amostra. Portanto, se esta, a ser manipulada, for volátil, sua manipulação deve ser feita em uma capela de exaustão. Esse equipamento é constituído de uma câmara com paredes rígidas e uma bancada, e apresenta em sua face anterior uma abertura, uma janela que pode ser mantida aberta ou fechada, por meio de uma estrutura de material transparente, normalmente acrílico, denominada guilhotina. Quando em funcionamento, um fluxo ascendente de ar incide por todo o ambiente interno da capela,o que possibilita que os vapores provenientes das amostras sejam levados para fora do laboratório através de um duto. Os equipamentos de fluxo laminar apresentam estrutura semelhante às capelas de exaustão, porém o fluxo de ar é filtrado, utilizando-se filtros específicos, denominados Hepa (do inglês high efficiency particulate air – ar particulado de alta eficiência), antes de atingir a cabine, o que garante a esterilidade do ambiente e da amostra. Esses filtros são empregados para a proteção do usuário e/ou das amostras durante os procedimentos de rotina em um laboratório, uma vez que possibilita a criação de áreas de 20 Unidade I trabalho estéreis para a manipulação de materiais biológicos e de materiais esterilizados. Os fluxos laminares são muito utilizados nas análises microbiológicas. Não se deve confundir os equipamentos de fluxo laminar com as cabines de segurança biológica. Enquanto os primeiros fornecem um ambiente estéril para as amostras, protegendo-as de contaminação, as cabines de segurança biológica protegem-nas, mas também o manipulador e o meio ambiente da contaminação, pois promovem a filtragem do ar tanto no momento de entrada (filtragem de insuflamento) quanto no momento de saída do equipamento (filtragem de exaustão). Na maioria das análises, uma balança analítica é usada para se obter a massa da amostra, se for possível “pesar”, com alta exatidão e precisão. Usualmente apresentam um prato, para colocação da amostra, e portinholas laterais de vidro que a protegem de correntes de ar, que podem provocar instabilidade na leitura da massa. As balanças analíticas devem estar acondicionadas em salas com condições de temperatura e pressão controladas, o que garante a precisão nas medidas obtidas. Balanças semianalíticas são utilizadas quando a necessidade de resultados confiáveis não é crítica. Após a pesagem, a massa da amostra é expressa em quilogramas (kg), gramas (g) ou em miligramas (mg). Figura 13 – Balança analítica O agitador magnético é um equipamento que permite a agitação do líquido que constitui uma amostra por meio de um ímã, acondicionado dentro desta, movido por um campo magnético rotativo. 21 BASES ANALÍTICAS DO LABORATÓRIO CLÍNICO Permite que a amostra líquida permaneça sob agitação por longos períodos de tempo, o que otimiza a dissolução de sólidos no preparo de soluções. Pode ou não conter placa aquecida. Figura 14 – Agitador magnético Caso a amostra esteja contida em um tubo de ensaio e necessite de agitação vigorosa e breve, utiliza-se o agitador vórtex. Ele é composto de um motor que gera um movimento de rotação rápida em uma peça de borracha sintética, sobre a qual é acondicionado o tubo que se deseja agitar, o que cria um vórtice no líquido contido no tubo. Esse equipamento é utilizado em experimentos de química, biologia molecular e biotecnologia, entre outros. 2 AMOSTRAS EXPERIMENTAIS 2.1 Principais conceitos Agora que já conhecemos os componentes básicos de um laboratório, vamos falar sobre o alvo de nossos experimentos e análises, a amostra experimental. Nas análises laboratoriais, amostra pode ser definida como uma porção representativa da espécie ou do composto a ser analisado. Ela contém os analitos, que são os componentes de interesse na análise, ou seja, aqueles que terão suas propriedades químicas e/ou físicas determinadas experimentalmente. 22 Unidade I Exemplo de aplicação Imagine que você precise determinar a concentração de glicose no sangue de um paciente. Nesse caso, a amostra experimental será a alíquota de sangue, o analito será a glicose, e a análise será o método que você vai utilizar para determinar a concentração desse analito (espectrofotometria, por exemplo). A amostra experimental geralmente é constituída de diferentes substâncias químicas misturadas entre si, ou seja, de diferentes tipos de moléculas ou de compostos que coexistem nela. As suas propriedades são dependentes das moléculas e de outras partículas que as constituem, e também das proporções entre elas. Uma amostra muito utilizada nas análises biomédicas é a de sangue. Nesse tecido, temos uma infinidade de componentes: as células sanguíneas e as muitas moléculas que compõem essas células, os gases oxigênio (O2) e carbônico (CO2) dissolvidos na parte líquida do sangue, as proteínas, por exemplo, a glicose, a albumina, os íons (Na+, Ca2+, Cl−) etc. Essa complexidade justifica os vários diagnósticos que podem ser obtidos a partir da realização de um exame de sangue. Dependendo do analito que se deseja avaliar, há um protocolo experimental que indica os procedimentos laboratoriais necessários para simular o fenômeno físico-químico que indicará a sua ausência ou presença, e, muitas vezes, também sua quantidade. É importante entendermos o conceito por trás de cada um dos termos citados no parágrafo anterior, para que haja efetiva compreensão dos fenômenos físicos e químicos pelos quais a amostra experimental pode ser submetida, fenômenos estes que serão abordados ao longo do livro. Um conceito muito importante, no estudo da química, é o conceito de matéria, que é tudo aquilo que tem massa e ocupa lugar no espaço (ou seja, tem volume). Portanto podemos dizer que tudo o que nos cerca é constituído de matéria, cuja unidade principal é o átomo. Observação Átomo é a menor partícula que ainda guarda as características de um elemento químico. Apresenta núcleo, que contém prótons e nêutrons, e eletrosfera, que contém elétrons. Dependendo do número de prótons presentes no núcleo de um átomo, temos um determinado elemento químico. O documento que lista e descreve os elementos químicos é a tabela periódica. Exemplos de elementos químicos são o hidrogênio (H), o sódio (Na), o cloro (Cl), o oxigênio (O), o carbono (C), dentre tantos outros. 23 BASES ANALÍTICAS DO LABORATÓRIO CLÍNICO Figura 15 – Tabela periódica dos elementos Em determinadas situações, os átomos de alguns elementos químicos podem ganhar ou perder elétrons, o que faz com que eles se transformem em íons. Quando um átomo ganha um ou mais elétrons, ele passa a ser denominado ânion, e adquire carga negativa. Quando perde um ou mais elétrons, ele passa a ser denominado cátion, e adquire carga positiva. Exemplos de íons são: H+, Na+, Cl−,O2 − etc. Os elementos químicos combinam-se entre si, originando compostos químicos, cujos principais representantes são as moléculas e os compostos iônicos. Podemos definir molécula como uma entidade constituída de mais de um átomo, na qual esses átomos encontram-se ligados entre si por meio de ligações covalentes. Exemplos: água (H2O), gás oxigênio (O2), glicose (C6H12O6) etc. Compostos iônicos, por sua vez, são compostos químicos nos quais existem íons ligados por meio de ligações iônicas. Como exemplo, temos o cloreto de sódio (NaCl), ou sal de cozinha, no qual os elementos sódio e cloro estão unidos por ligações iônicas. Observação Ligação covalente é o compartilhamento de um elétron por dois átomos. Ligação iônica, por sua vez, é a doação de um elétron de um átomo para outro. Cada molécula, de ocorrência natural ou artificial, presente em um sistema, é denominada substância química ou espécie química. Exemplos: H2O indica a substância química água, O2 representa a substância química gás oxigênio etc. 24 Unidade I Saiba mais A estrutura do átomo é descrita em: BROWN, T. et al. Química: a ciência central. 13. ed. São Paulo: Pearson, 2016. Para sedimentarmos os conceitos apresentados, vamos tomar como exemplo uma amostra de água. A água é uma substância química, de fórmula H2O. Isso significa que a sua molécula é constituída de dois átomos do elemento químico hidrogênio (H) ligados, por meio de ligações químicas do tipo covalente, a um átomo de oxigênio (O), assumindo a seguinte estrutura: Figura 16 – Representação esquemática da estrutura tridimensional da molécula da água. O átomo de oxigênio está representado em vermelho e os de hidrogênio em branco Todas as propriedadesda substância química água, incluindo as temperaturas de ebulição e de fusão, a densidade, a tensão superficial, a viscosidade, entre outras, são consequências de sua estrutura química e das condições de temperatura e pressão às quais a amostra é submetida. Se outras moléculas ou partículas são adicionados a esta, suas propriedades são alteradas. Um exemplo é a água que bebemos: ela apresenta, além das moléculas de H2O, íons bicarbonato (HCO3 −), sódio (Na+), cloreto (Cl−), dentre tantos outros que a tornam potável. Uma amostra de água pura, por outro lado, é constituída somente de moléculas de H2O, é denominada água destilada e não é adequada para beber. Imagine como é feita a análise de uma amostra de água para consumo humano. Todos os componentes que constituem essa mistura podem ser determinados e quantificados utilizando técnicas experimentais. O primeiro passo na análise de uma amostra experimental é determinar se ela é uma substância pura ou uma mistura. Em resumo, dizemos que o sistema de estudo é constituído de uma substância pura quando existe apenas uma espécie química (uma molécula, um composto) na amostra, como é o caso da água destilada (somente moléculas de H2O). Por outro lado, a amostra é uma mistura quando existe mais de uma substância presente no sistema, como a água potável (constituída por moléculas de H2O, íons Na +, Cl−, HCO3 − etc.). 25 BASES ANALÍTICAS DO LABORATÓRIO CLÍNICO As amostras experimentais, assim como todas as coisas que nos cercam são, na verdade, misturas de diferentes substâncias químicas. Podemos ainda classificar um sistema como homogêneo ou heterogêneo. Dizemos que um sistema é homogêneo quando se apresenta uniforme e com características iguais em toda sua extensão, ou seja, com apenas uma fase (um aspecto ou aparência). Um sistema heterogêneo, por sua vez, não se apresenta uniforme e, portanto, não tem as mesmas características em toda sua extensão. Os sistemas heterogêneos apresentam mais de uma fase, ou seja, mais de um aspecto ou aparência. Um exemplo de sistema homogêneo é uma amostra constituída de água destilada no estado líquido. Uma vez que ela é composta apenas de moléculas H2O e se encontra no mesmo estado de agregação (líquido), é de se esperar que as características desse sistema sejam uniformes. No entanto, se considerarmos um segundo sistema, constituído de água destilada no estado líquido e no estado sólido (gelo), ele será classificado como heterogêneo que contém duas fases, com características diferentes entre si. Portanto as substâncias puras podem constituir sistemas homogêneos ou heterogêneos, a depender do estado de agregação de suas moléculas. Da mesma maneira, misturas podem constituir sistemas homogêneos ou heterogêneos. Imagine um sistema composto de água destilada e sal de cozinha (NaCl) dissolvido. Mesmo sendo uma mistura, o aspecto da amostra é homogêneo, ou seja, o sistema apresenta uma fase. Agora, imagine um sistema composto de água destilada e areia. A areia não se dissolve na água, portanto temos um sistema heterogêneo, constituído por duas fases. É importante ressaltar que o critério de classificação de um sistema em homogêneo e heterogêneo é relativo, pois depende dos instrumentos disponíveis para a observação da amostra. Uma porção de sangue, por exemplo, pode parecer homogênea a olho nu, porém, ao observá-la em um microscópio óptico, percebemos que ela é constituída por vários tipos celulares, com aspectos diversos. Portanto o sangue constitui um sistema heterogêneo, mesmo que suas diferentes fases não sejam observáveis a olho nu. 2.2 Propriedades da matéria Uma maneira de determinarmos se um sistema é constituído de uma substância pura ou de uma mistura, em especial quando o seu aspecto é homogêneo, é avaliar suas propriedades, que são: densidade, temperatura de ebulição/condensação, temperatura de fusão/solidificação, viscosidade, reatividade, hidrossolubilidade, lipossolubilidade, calor específico, dureza e propriedades organolépticas (odor, gosto e aparência). As propriedades da matéria apresentam valores bem definidos nas substâncias puras (na dependência das condições de temperatura e pressão às quais a amostra está submetida), mas não nas misturas, já que essas propriedades variam em função das substâncias que as compõem. 26 Unidade I 2.2.1 Propriedades gerais da matéria Existem algumas propriedades que são inerentes a todo e qualquer sistema, ou seja, não dependem da composição da matéria que constitui a amostra. São suas propriedades gerais, a saber: a massa, o volume, a inércia, a impenetrabilidade, a divisibilidade, a compressibilidade, a elasticidade e a porosidade. As mais utilizadas nas análises laboratoriais são a massa e o volume (afinal, matéria é tudo aquilo que tem massa e ocupa lugar no espaço, ou seja, tem volume). A massa é a medida da quantidade de matéria. No laboratório, é determinada com o uso da balança analítica e expressa, normalmente, em gramas (g) ou em seus múltiplos e submúltiplos. Os principais múltiplos do grama são o quilograma (kg) e a tonelada (t); os principais submúltiplos são o miligrama (mg), o micrograma (µg), o nanograma (ng) e o picograma (pg). A relação entre essas unidades e o grama é a seguinte: • 1 t = 106 g, ou 1.000.000 de gramas. • 1 kg = 103 g, ou 1.000 gramas. • 1 mg = 10−3 g, ou 0,001 gramas. • 1 µg = 10−6 g, ou 0,000001 gramas. • 1 ng = 10−9 g, ou 0,000000001 gramas. • 1 pg = 10−12 g, ou 0,000000000001 gramas. Observação As balanças analíticas são capazes de aferir massas no intervalo de gramas a miligramas. Massas menores do que 1 mg devem ser estimadas utilizando-se outras técnicas experimentais. O volume é a grandeza que expressa a extensão de um corpo em três dimensões: o comprimento, a largura e a altura. Em outras palavras, o volume é a medida de quanto espaço a amostra ocupa. Em amostras líquidas, o volume pode ser estimado com o auxílio de um balão volumétrico, de uma proveta ou de uma pipeta. Em amostras sólidas, o volume é estimado com base no princípio de Arquimedes: ao se mergulhar completamente um sólido em um sistema constituído de um líquido, este irá deslocar para cima; a alteração de volume do sistema corresponde ao volume do sólido. 27 BASES ANALÍTICAS DO LABORATÓRIO CLÍNICO Figura 17 – Princípio de Arquimedes. A imersão de um sólido em uma amostra líquida desloca um volume de líquido que é correspondente ao do sólido em imersão No Sistema Internacional (SI), o volume é expresso em metro cúbico (m3). No entanto, é comum utilizarmos, para expressar o volume de amostras líquidas, o litro (L) e seus submúltiplos (os mais utilizados são o mililitro, ou mL, e o microlitro, ou µL). • Um litro (L) corresponde a 1 decímetro cúbico (dm3). • Um mililitro (mL) é a milésima parte do litro (10−3 L) e corresponde a 1 cm3. • Um microlitro (µL) corresponde a 1 mm3 ou a 10−6 L. Existem micropipetas que permitem a aferição de volume tão diminutos quanto 0,2 µL. Saiba mais As demais propriedades gerais da matéria (inércia, impenetrabilidade, divisibilidade, compressibilidade, elasticidade e porosidade) são descritas em: CANTO, E. L.; PERUZZO, T. M. Química na abordagem do cotidiano. São Paulo: Moderna, 2007. v. 1. 2.2.2 Propriedades específicas da matéria São propriedades individuais de cada tipo particular de matéria. As principais são: propriedades organolépticas, que são percebidas através dos sentidos (cor, odor, sabor, brilho, transparência); as temperaturas nas quais ocorrem as mudanças de estado físico (temperatura de fusão/solidificação, temperatura de ebulição/condensação), a densidade ou massa específica, a lipossolubilidade ou capacidade de se dissolver em solventes apolares, a hidrossolubilidade ou capacidade de se dissolver em solventes polares, a polaridade ou 28 Unidade I carga elétrica, a dureza, a tenacidade, a maleabilidade, a ductibilidade, a permeabilidade, a condutibilidade, a reatividade, a acidez, a basicidade etc.Dentre as propriedades específicas da matéria, destacam-se três: a temperatura de fusão/solidificação, a temperatura de ebulição/condensação e a densidade. Ao determinar seus valores, podemos classificar uma amostra como sendo constituída de substância pura ou de mistura e, caso a amostra seja uma substância pura, podemos identificá-la. As substâncias podem ser encontradas nos estados sólido, líquido, vapor ou gasoso, de maneira dependente das condições do sistema. Uma determinada substância apresenta a mesma estrutura química independentemente do estado físico que se encontra: a molécula da água, por exemplo, sempre será H2O, tanto no estado líquido quanto nos estados sólido, vapor e gasoso. As principais diferenças entre esses estados físicos são a proporção de interações intermoleculares (forças que permitem a interação entre duas ou mais moléculas) e a energia cinética das moléculas que compõem o sistema (ou seja, o grau de agitação das moléculas). Portanto, ao adicionarmos energia em forma de calor ao sistema, a energia cinética das moléculas aumenta, ou seja, a temperatura do sistema aumenta. Isso resulta na ruptura das interações intermoleculares, já que as moléculas se encontram em movimento e, então, “se afastam”. Nesse contexto, uma substância encontra-se no estado sólido quando existem muitas interações intermoleculares e pouca agitação das moléculas; no estado gasoso, quando existem muito poucas interações intermoleculares e muita agitação das moléculas. Os estados líquido e vapor são intermediários entre esses dois extremos. A temperatura de fusão/solidificação corresponde à temperatura na qual ocorre a mudança do estado sólido para o líquido (fusão) ou o oposto (solidificação). A temperatura de ebulição/condensação corresponde à temperatura na qual ocorre a mudança do estado líquido para o estado de vapor (ebulição) ou o oposto (condensação). Dizemos que, na temperatura de fusão/solidificação, coexistem as fases sólida e líquida e, na temperatura de ebulição/condensação, coexistem as fases líquida e vapor. As passagens do estado sólido para o líquido e do estado líquido para o vapor ocorrem quando adicionamos calor à amostra, com consequente aumento da temperatura do sistema. As passagens do estado líquido para o sólido e do estado vapor para o líquido, por sua vez, ocorrem quando retiramos calor da amostra, havendo diminuição da temperatura do sistema. No sistema internacional, a temperatura é expressa em graus Celsius (°C). As temperaturas de fusão/solidificação e de ebulição/condensação dependem da pressão exercida sobre o sistema. Portanto sempre devem ser expressas indicando-se essa variável. Como exemplo, temos as mudanças de estado físico da água ao nível do mar (1 atmosfera ou 1 atm de pressão), indicadas na curva de aquecimento a seguir: 29 BASES ANALÍTICAS DO LABORATÓRIO CLÍNICO Neste trecho só existe gelo (sólido), cuja temperatura está subindo Trecho de fusão: coexistem gelo e água em temperatura constante (0 ºC) Trecho de ebulição: coexistem água e vapor em temperatura constante (100 ºC) Gelo Gelo + água Iní cio da fu são (0 ºC ) Iní cio da eb uli ção (1 00 ºC ) Fim da fu são (0 ºC ) Fim da eb uli ção (1 00 ºC ) Água Água + vapor Vapor d'água Tempo Neste trecho só existe água (líquido), cuja temperatura está subindo Neste trecho só existe vapor d'água, cuja temperatura está subindo P.E. = 100 ºC (temperatura de ebulição) Temperatura (ºC) P.F. = 0 ºC (temperatura de fusão) Figura 18 – Curva de aquecimento da água Como podemos notar, a temperatura de ebulição da água pura ao nível do mar é de 100 °C. No entanto, na cidade de São Paulo, que fica cerca de 800 metros acima do nível do mar (0,92 atm de pressão), a mesma amostra de água entra em ebulição a 97 °C. Isso ocorre porque, para entrar em ebulição, a pressão dos vapores originados de um líquido deve ser maior do que a pressão atmosférica. Como ao nível do mar a pressão atmosférica é maior (a “coluna de ar” atmosférico e, portanto, a pressão que exerce sobre a superfície do planeta, é maior), a temperatura necessária para que a pressão dos vapores do líquido “vença” a pressão atmosférica ao nível do mar também é maior. O oposto ocorre em maiores altitudes. O gráfico a seguir mostra esse fenômeno por meio do diagrama de fases da água, que ilustra a relação entre a pressão do sistema e as temperaturas nas quais ocorrem as mudanças de fases. 0,0098 Temperatura (ºC) Pressão (mmHg) B A C Região da água sólida (gelo) Região da água líquida Região do vapor d'água 4,579 mmHg Figura 19 – Diagrama de fases da água 30 Unidade I No diagrama, o eixo das abscissas (x) indica as temperaturas que o sistema pode assumir; enquanto o eixo das ordenadas (y), as pressões. As linhas do diagrama, que assumem o formato aproximado de uma letra Y, marcam as condições de temperatura e pressão nas quais ocorrem as mudanças de estado, em que a linha AT indica as condições de temperatura e pressão nas quais ocorre a passagem da água líquida para a forma de vapor, ou vice-versa; a linha BT marca a passagem do gelo para a água líquida, ou vice-versa; e a linha CT, por sua vez, marca a passagem do gelo diretamente para a forma de vapor, ou vice-versa, em um processo denominado sublimação. Note que, nas condições de pressão a 4,579 mmHg e temperatura a 0,0098 °C, os estados sólido, líquido e vapor coexistem. Trata-se de o ponto triplo da água (ponto T). Em resumo, a análise do diagrama de fases da água deixa claro que, para cada condição de pressão (eixo y), temos uma temperatura de ebulição (eixo x). Observação Cada substância tem suas temperaturas de mudança de estado. Exemplos: temperaturas de ebulição, a 1 atm: água, 100 °C; gás oxigênio, −182,8 °C; fósforo branco, 280 °C. A densidade ou massa específica é outra propriedade específica da matéria muito importante nas análises laboratoriais. Ela indica a relação entre a massa e o volume ocupado por determinada amostra. Pode ser expressa em g/cm3 ou em kg/m3, e é calculada pela fórmula a seguir: m d v = Onde: • d é a densidade da amostra, em g/cm3 • m é a massa da amostra, em g • v é o volume da amostra, em cm3 Na linguagem popular, dizemos que, quanto mais densa é uma amostra, mais “pesada” ela é. De fato, se compararmos 1 mL de água com 1 cm3 de ferro (lembre-se que 1 mL = 1 cm3), temos que, a 4 °C, 1 mL de água apresenta massa de 1 g, enquanto 1 cm3 de ferro apresenta massa de 7,87 cm3. Ou seja, as densidades da água e do ferro são, respectivamente, 1 g/cm3 e 7,87 g/cm3 e, portanto, o ferro é mais “pesado” do que a água. 31 BASES ANALÍTICAS DO LABORATÓRIO CLÍNICO Observação As amostras tendem a expandir em resposta ao aumento da temperatura. Portanto sempre devemos nos referir à sua densidade em relação à temperatura em que ela foi calculada. Para calcular a densidade de uma amostra, devemos aferir sua massa e seu volume, utilizando os equipamentos já descritos. Determinados esses dois parâmetros, basta estabelecer a relação entre eles, dividindo-se a massa da amostra pelo volume correspondente. Exemplo de aplicação Imagine que você precisa calcular a densidade de uma solução líquida. Para isso, você pesa 100 mL dessa solução e obtém o valor de 122,80 g, já descontada a massa do recipiente. Qual é a densidade da solução? Os dados fornecidos no exercício são: v = 100 mL (lembre-se de que 100 mL equivalem a 100 cm3). m = 122,80 g Resolução Aplicando os valores na fórmula da densidade, temos que: m d v = 122,8 d 100 = d = 122,8 g/cm3 Portanto a densidade da solução é 1,228 g/cm3. Se quisermos aferir a densidade com maior precisão, uma alternativa é o uso da vidraria denominada picnômetro. Ele tem formato semelhante ao balão Erlenmeyer, no entanto apresenta paredes mais espessas e é produzido com um vidro que apresenta baixo coeficiente de dilatação, o que garante que a variação de volume em respostaa alterações de temperatura seja mínima. A capacidade do equipamento é indicada com alta exatidão, o que garante que o volume de líquido adicionado seja fidedigno. 32 Unidade I Para realizar a aferição da densidade utilizando-se o picnômetro, deve-se primeiramente pesar o vidro vazio, para que sua massa seja, posteriormente, descontada (realiza-se a “tara” da balança). Em seguida, deve-se preencher o equipamento com o líquido que se deseja determinar a densidade (ou com o sólido previamente diluído) até a boca, sem que haja nenhuma bolha. O picnômetro preenchido é então pesado na balança. Após esse procedimento, basta dividir a massa obtida pelo volume do líquido adicionado para se obter a densidade da amostra. 2.3 Identificação da amostra com base em suas propriedades Conforme já comentado anteriormente, ao observarmos as temperaturas nas quais ocorrem as mudanças de estado físico de uma amostra, podemos determinar se ela é constituída de substância pura ou se é uma mistura homogênea de mais de uma substância. Isso porque, se mantivermos a pressão do sistema constante, as temperaturas nas quais uma substância pura passa do estado sólido para o líquido e do líquido para o vapor, ou vice-versa, permanecem inalteradas durante todo o período em que ocorre a mudança de estado. Caso o sistema seja constituído de uma mistura, as temperaturas nas quais ocorrem essas mudanças de estado variam durante o processo, como pode ser observado nas curvas de aquecimento, a seguir. t1 t1 0 A) B) ∆tF 100 ∆tE t2 t2t3 t3t4 t4Tempo Tempo Temperatura (ºC) Temperatura (ºC) Líquido e vapor Vapor Sólido Sólido Vapor Líquido Líquido Sólido e líquido Sólido e líquido Líquido e vapor Figura 20 – Curvas de aquecimento da água pura (A) e de uma solução aquosa (B) Lembrete Substâncias puras são sistemas constituídos de uma única espécie química. Misturas são sistemas constituídos de mais de uma espécie química. Algumas misturas apresentam comportamento semelhante ao das substâncias puras durante os processos de fusão ou de ebulição. São conhecidas como eutéticas e azeotrópicas. Uma mistura eutética é aquela na qual a temperatura permanece constante ao longo de toda a duração da fusão. Um exemplo são as ligas metálicas em geral, por exemplo, a liga de cobre com estanho. Uma mistura azeotrópica é aquela na qual a temperatura permanece constante durante toda a duração da ebulição. Um exemplo são as misturas de etanol e água. Os gráficos demonstram esses fenômenos. 33 BASES ANALÍTICAS DO LABORATÓRIO CLÍNICO t1 t1 TF A) B) ∆tF ∆tE TE t2 t2t3 t3t4 t4Tempo Tempo Temperatura (ºC) Temperatura (ºC) Líquido e vapor Vapor Sólido Sólido Vapor Líquido Líquido Sólido e líquido Sólido e líquido Líquido e vapor Figura 21 – Misturas eutéticas e azeotrópicas Imagine que você dispõe de uma amostra, de aspecto homogêneo, que apresenta temperaturas de ebulição e de fusão constantes. Pelo que estudamos até agora, você já pode afirmar que a amostra é constituída de uma substância pura somente pela observação de que a temperatura do sistema permanece inalterada durante as mudanças de estado. No entanto, você talvez não consiga identificar de qual substância pura se trata a amostra sem antes determinar outras propriedades específicas, e, nesse aspecto, a determinação da densidade é particularmente útil. Como exemplo, vamos pensar novamente em uma amostra de água pura. Se a amostra for constituída somente de moléculas de água (H2O), sua temperatura de fusão e de ebulição ao nível do mar serão, respectivamente, 0 °C e 100 °C. Ao adicionarmos essa amostra de água a um picnômetro de 50 mL (50 cm3) de capacidade, mantido a 4 °C, veremos que a massa da água contida no picnômetro será de 50 g. Dividindo-se a massa pelo volume, chegamos à conclusão de que a densidade da água pura, a 4 °C, é 1 g/cm3. Somente a água pura, ou a espécie química H2O, apresenta essa tríade de propriedades específicas: temperatura de fusão ao nível do mar igual a 0 °C, temperatura de ebulição ao nível do mar igual a 100 °C e densidade, aferida a 4o C, de 1 g/cm3. Em resumo, podemos dizer que as propriedades específicas das substâncias puras, mas não das misturas, apresentam valores fixos e constantes (se as condições do ambiente também forem mantidas fixas e constantes). Nos referimos a essas propriedades como sendo as constantes físicas das substâncias puras ou espécies químicas. Outras constantes físicas são: o calor específico, ou seja, a quantidade de calor necessária para aumentar em 1 °C a temperatura de 1 g do material; e o coeficiente de solubilidade, ou seja, a quantidade máxima da substância que conseguimos dissolver em 100 g de solvente etc. Exemplo de aplicação Imagine que você trabalha em um laboratório de análises ambientais e recebe uma amostra líquida, transparente, incolor, insípida e inodora. Com base apenas nessas propriedades, ditas organolépticas, você não pode afirmar que a amostra é uma substância pura (água pura, no caso) ou uma mistura de água com outras espécies químicas. 34 Unidade I Se você aquecer a amostra e perceber que, ao nível do mar, ela entra em ebulição a 100,5 °C, congela a uma temperatura inferior a 0 °C e que as temperaturas variam ao longo da mudança de estado, você já pode inferir que não se trata da água pura. Ao determinar a densidade da amostra, a 4 °C, ela será diferente de 1 g/cm3, afinal existem outras substâncias misturadas. Para determinar quais os componentes dessa mistura, você precisará realizar o seu desdobramento, ou seja, utilizar processos de separação de mistura, como, por exemplo, a destilação, a fim de obter cada um dos componentes separadamente. 3 MISTURAS: PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS E CLASSIFICAÇÃO Conforme discutido anteriormente, misturas são as amostras constituídas de mais de uma substância ou espécie química. De acordo com suas características, podemos classificá-las em três categorias: soluções verdadeiras, dispersões coloidais ou suspensões. Os critérios que definem à qual categoria uma mistura pertence são: número de fases, visibilidade das fases, tamanho das partículas do disperso, natureza das partículas do disperso e métodos que permitem a separação dos diferentes componentes do sistema. Observação Dispersão é sinônimo de mistura e, portanto, é a disseminação de uma ou mais substâncias, ou partículas (dispersos), no corpo de outra substância (dispersante). As soluções verdadeiras, ou somente soluções, são misturas homogêneas, ou seja, apresentam apenas uma fase. Não é possível identificar seus diferentes componentes a olho nu, ou mesmo com auxílio de microscópios ou outros equipamentos. Isso se deve ao fato de, nas soluções verdadeiras, o disperso (que, nas soluções, é denominado soluto) ser constituído de átomos, íons ou moléculas muito pequenas, de diâmetro médio de 0 a 1 nm, que se encontram dissolvidos no dispersante (que, nas soluções, é denominado solvente). Um exemplo é a solução salina, cujo solvente é a água, e o soluto, o sal cloreto de sódio (NaCl), que está dissolvido na água, originando os íons Na+ e Cl−. As soluções verdadeiras, suas características, preparo e principais propriedades serão estudadas mais a frente, neste livro-texto. As soluções coloidais, também conhecidas como dispersões coloidais, são misturas que aparentam ser homogêneas a olho nu, mas que se mostram heterogêneas ao ultramicroscópio. Nestas, as partículas do disperso são aglomerados de átomos, íons ou moléculas, ou mesmo moléculas ou íons gigantes, e, portanto, apresentam diâmetro maior do que nas soluções verdadeiras: de 1 nm a 1.000 nm. Como as partículas do disperso são maiores, não é observado o fenômeno de dissolução, então as soluções coloidais apresentam mais de uma fase, mesmo que estas não sejam visíveis a olho nu. Um exemplo é a gelatina, constituída de colágeno, uma macromolécula. 35 BASES ANALÍTICAS DO LABORATÓRIO CLÍNICO Observação Alguns pesquisadores assumem que as partículascoloidais têm diâmetro entre 1 nm e 100 nm. Entretanto, evidências experimentais tendem a ampliar esse intervalo para 1.000 nm. As suspensões são misturas heterogêneas cujas diferentes fases são visíveis a olho nu ou com o uso de um microscópio óptico comum. São constituídas de grandes aglomerados de átomos, íons ou moléculas, de diâmetro superior a 1.000 nm. Um exemplo é uma mistura de terra em água, na qual a terra constitui o disperso e a água o dispersante. Você já deve ter percebido que as principais diferenças entre as soluções verdadeiras, as soluções coloidais e as dispersões são a natureza das partículas do disperso e o seu diâmetro. Isso influi nas maneiras pelas quais ele pode ser separado do dispersante. Nas soluções verdadeiras, pode-se usar a destilação e a cromatografia para esse fim; nas dispersões coloidais, a ultracentrifugação, a ultrafiltração, a diálise e a floculação; nas suspensões, métodos mais simples, como a decantação, a centrifugação comum e a filtração comum são suficientes. Esses processos de separação de misturas ainda serão abordados. Muitas vezes, as misturas com as quais lidamos no laboratório são tão complexas, ou seja, apresentam tantos componentes, que são, ao mesmo tempo, soluções verdadeiras, coloides e suspensões. Um exemplo é o sangue. • Existe uma série de íons, como o bicarbonato (HCO3 −), o sódio (Na+), o potássio (K+), o cloro (Cl−), assim como diversas moléculas, incluindo a glicose (C6H12O6), que se encontram em solução, ou seja, dissolvidos, na porção aquosa do sangue. • Proteínas como, por exemplo, a albumina e as globulinas, apresentam diâmetro intermediário entre 1 nm e 1.000 nm e, portanto, constituem dispersões coloidais, ou seja, mesmo não sendo vistas a olho nu ou com o auxílio de um microscópio comum, não estão dissolvidas na parte aquosa do sangue. • As células do sangue (hemácias, ou glóbulos vermelhos; leucócitos e linfócitos, ou glóbulos brancos; e plaquetas) apresentam diâmetro maior do que 1.000 nm e podem ser facilmente identificadas ao microscópio óptico comum. Constituem, portanto, uma suspensão. Por esse motivo, dependendo do componente do sangue que se deseja estudar, é necessário utilizar técnicas diferentes e apropriadas para identificar, quantificar e/ou isolar esse componente. 36 Unidade I 3.1 Soluções verdadeiras: principais características e mecanismo de dissolução Em uma solução verdadeira, o soluto é a espécie química que se encontra em menor quantidade (o disperso), e o solvente, a espécie química que se encontra em maior quantidade (o dispersante). É o tamanho diminuto das partículas do soluto (de 0 a 1 nm) que permite que haja interação significativa com as partículas do solvente, uma vez que ambos apresentam a mesma dimensão. Na maioria das soluções de uso no laboratório clínico, o solvente é a água, afinal essa substância corresponde a aproximadamente 70% do peso corporal, e constitui todos os líquidos corporais. As soluções cujo solvente é a água são denominadas soluções aquosas. A estrutura química da molécula de água confere propriedades ímpares a essa substância, motivo pelo qual é considerado o “solvente universal”. Os elétrons compartilhados entre o átomo de oxigênio e os de hidrogênio que compõem a molécula da água estão mais próximos do oxigênio, mais eletronegativo que o hidrogênio. Isso faz com que a região do átomo de oxigênio apresente carga parcial negativa (∆−); e a região dos átomos de hidrogênio, uma carga parcial positiva (∆+). Portanto a molécula da água é polar. δ+ δ+ δ- O H H Figura 22 – Estrutura da água, mostrando as cargas parciais positivas e negativas Observação Eletronegatividade é a tendência de um átomo de receber elétrons e formar um íon negativo (ânion). Devido à polaridade da água, uma grande variedade de substâncias é capaz de estabelecer interações intermoleculares com esse solvente, incluindo compostos iônicos, outras moléculas polares e eletrólitos. Daí a generalização “semelhante dissolve semelhante”: espécies químicas polares (com carga) estabelecem interações intermoleculares entre si, em um fenômeno denominado dissolução, assim como espécies químicas apolares (sem carga) o fazem. O tipo de interação que as moléculas de água estabelecem entre si e também com outras substâncias polares é chamado de ligação de hidrogênio (o termo “ponte” de hidrogênio é incorreto, ainda que muito utilizado). Nesse tipo de ligação, a região da molécula da água que apresenta carga parcial negativa atrai as regiões positivas da molécula, conforme indicado na figura a seguir. 37 BASES ANALÍTICAS DO LABORATÓRIO CLÍNICO Figura 23 – As interações intermoleculares, do tipo ligações de hidrogênio, entre as moléculas da água, estão indicadas em pontilhado Algumas substâncias se dissolvem na água ao estabelecer ligações de hidrogênio com esse solvente. Um exemplo é o etanol: podemos dizer que se dissolve na água quando as ligações de hidrogênio estabelecidas entre as suas moléculas são desfeitas em detrimento do estabelecimento de ligações de hidrogênio com as moléculas de etanol. H H H H H H O O O O C2H5 C2H5 Figura 24 – Interação do tipo ligação de hidrogênio entre as moléculas de água e de etanol Saiba mais Existem vários outros tipos de forças intermoleculares, que são descritas em: CHRISTOFF, P. Química geral. Curitiba: InterSaberes, 2015. Muitas vezes, estabelece-se uma camada de solvatação entre soluto e solvente. Nela, várias partículas de solvente envolvem uma de soluto, que apresenta carga elétrica. Um exemplo é a dissolução do sal de cozinha (NaCl) em água. O NaCl, em estado sólido, apresenta-se como um retículo cristalino. Ao entrar em contato com a água, ocorre a dissociação iônica do NaCl, ou seja, ocorre a formação de íons (Na+ e Cl−), que passam a interagir com as moléculas de água. Os íons sódio (Na+), por serem positivos, interagem com a região negativa da molécula de água, e os íons cloro (Cl−), por serem negativos, interagem com a região positiva da molécula de água, como mostra a figura a seguir. 38 Unidade I Figura 25 – Dissolução do NaCl, evidenciando a formação das camadas de solvatação, à direita Além das soluções líquidas, cujos principais representantes são as aquosas, temos ainda as sólidas e as gasosas. Exemplo de soluções sólidas são as ligas metálicas e de solução gasosa, o ar atmosférico. O ar atmosférico é uma mistura de gases e de outros elementos: vapor de água, microrganismos, poluentes, material particulado etc. (FELTRE, 2004). Os principais gases que compõem o ar atmosférico são: o gás oxigênio (O2), o gás nitrogênio (N2), o gás carbônico (CO2) e os gases nobres hélio (He), neônio (Ne), argônio (Ar), criptônio (Cr), radônio (Rn) e xenônio (Xn). Destes, os que se encontram em maior quantidade são o N2 (aproximadamente 78%) e o O2 (aproximadamente 21%). De todos esses gases, o responsável pela respiração dos seres vivos é o O2. Qualquer mistura de gases pode ser considerada uma solução gasosa, uma vez que as moléculas dos gases se misturam entre si, formando um sistema uniforme, homogêneo. Por esse motivo, podemos isolar uma porção de ar atmosférica tão diminuta quanto um litro (1 dm3) e considerá-la representativa do ambiente do qual ela foi retirada. A análise laboratorial do ar atmosférico é realizada a partir da investigação de uma amostra do ar retirado do local que está sendo estudado pela técnica de cromatografia, por exemplo. Ela permite que sejam isolados e caracterizados os poluentes gasosos presentes na amostra de ar atmosférico. 3.2 Dispersões coloidais: métodos de estudo e propriedades Os coloides constituem misturas de grande interesse nas análises laboratoriais, uma vez que a maioria dos fluidos biológicos podem ser classificados dessa forma. Portanto conhecer suas principais características é essencial no âmbito das análises laboratoriais. Além disso, vários medicamentos e reagentes de laboratório também podem ser classificados comocoloides, o que reforça a importância do conhecimento de suas propriedades. 39 BASES ANALÍTICAS DO LABORATÓRIO CLÍNICO Devido ao diâmetro das partículas do disperso, estas não sedimentam espontaneamente, o que faz com que, a olho nu, o aspecto de uma solução coloidal seja uniforme. Para se obter a sedimentação das partículas do disperso, obtendo-se um sistema em que a identificação das fases é possível a olho nu, é necessário submeter a amostra à ultracentifugação, processo de separação de misturas que será abordada mais a seguir. Saiba mais Leia mais sobre os coloides em: JAFELICCI JÚNIOR, M.; VARANDA, L. C. O mundo dos coloides. Química Nova na Escola, São Paulo, n. 9, p. 9-13, maio 1999. Disponível em: <http:// qnesc.sbq.org.br/online/qnesc09/quimsoc.pdf>. Acesso em: 11 fev. 2019. Dependendo do estado físico da fase dispersa e do dispersante, podemos classificar os coloides em: • Aerossol líquido: a fase dispersa é líquida e o dispersante um gás ou mistura de gases. Um exemplo são os aerossóis formados em inaladores. • Aerossol sólido: a fase dispersa é sólida e o dispersante um gás ou mistura de gases. Um exemplo é a fumaça. • Espuma: a fase dispersa é um gás e o dispersante um líquido. Um exemplo é a espuma de sabão. • Espuma sólida: a fase dispersa é um gás e o dispersante um sólido. Um exemplo é a pedra-pomes. • Emulsão: tanto a fase dispersa quanto o dispersante encontram-se na fase líquida. Um exemplo é o leite. A estabilidade das emulsões líquidas é garantida pelo agente emulsificante. • Emulsão sólida: tanto a fase dispersa quanto o dispersante encontram-se na fase sólida. Um exemplo é a manteiga. • Sol líquido: a fase dispersa encontra-se no estado sólido e o dispersante no estado líquido. Tintas são exemplos de sol líquido. • Sol sólido: tanto a fase dispersa quanto o dispergente encontram-se na fase sólida. Um exemplo são os vidros e plásticos pigmentados. Na maioria das vezes, o dispersante, em uma dispersão coloidal, é a água. Os coloides cujo dispersante é a água são denominados hidrossol. Os coloides podem ser liófobos ou liófilos. 40 Unidade I Nos coloides liófobos, ou emulsões, o disperso apresenta pouca afinidade pelo dispersante. Nesse caso, a estabilidade é garantida pela adição de um agente emulsificante, ou surfactante, que é uma substância adicionada às emulsões, que aumenta sua estabilidade. Nos casos em que o dispersante é a água, o coloide é denominado hidrófobo. Um exemplo de emulsão é o leite, e o agente emulsificante contido nessa secreção é a caseína. Caso um coloide seja classificado como liófilo, significa que há grande afinidade entre o disperso e o dispersante. Essas misturas apresentam maior estabilidade do que os coloides liófobos, pois a afinidade entre disperso e dispersante provoca adsorção (adesão) das partículas do disperso no dispersante, formando uma camada de solvatação. Os coloides liófilos se apresentam na fase sol ou na fase gel. • Coloides na fase sol adquirem aspecto de uma solução líquida. Um exemplo é a parte líquida do sangue, a cola etc. • Coloides na fase gel apresentam aspecto sólido. Um exemplo são os coágulos de sangue, os géis etc. A conversão do estado sol para o estado gel é chamada de coagulação ou pectização e ocorre a partir da retirada do dispersante, da precipitação do disperso ou da variação da temperatura. A conversão do estado gel para o estado sol é chamada de peptização e ocorre adicionando-se dispersante. Fisiologicamente, os coloides que constituem nosso organismo também podem ser alterados, assumindo o estado sol ou o estado gel, pela ação de enzimas ou de outras substâncias presentes nos fluidos corporais. A análise do sêmen, formado pelos espermatozoides e pelos fluidos seminais, é de importância vital para o diagnóstico da infertilidade masculina. Dentre os diferentes aspectos analisados, estão a análise da coagulação e da liquefação desse fluido. Os fluidos seminais são provenientes da próstata, da vesícula seminal e das glândulas bulbouretrais, e contêm vários componentes que estão em diâmetro coloidal, como, por exemplo, aminoácidos, enzimas e muco. Logo após a ejaculação, o sêmen transforma-se em gel, em um processo denominado coagulação, que protege os espermatozoides do pH ácido da vagina. As substâncias responsáveis pela coagulação do sêmen são oriundas da vesícula seminais. A liquefação do sêmen é um processo que ocorre de maneira espontânea de cinco a vinte minutos após a ejaculação. É realizada pela ação de enzimas proteolíticas que quebram a estrutura polimérica característica do gel. 41 BASES ANALÍTICAS DO LABORATÓRIO CLÍNICO Observação Polímeros são macromoléculas formadas a partir de unidades estruturais menores (monômeros). Exemplos de polímeros presentes no corpo humano são os ácidos nucleicos (DNA e RNA), os polissacarídeos e o colágeno. De acordo com a natureza química do disperso, os coloides podem ser classificados em moleculares (formados por macromoléculas, como, por exemplo, as proteínas), iônicos (formados por macroíons) ou micelares. Os coloides micelares são aqueles cujo disperso é constituído por aglomerados de átomos, íons ou moléculas que, devido a sua característica anfipática (uma mesma molécula apresenta uma região polar e uma região apolar), se arranjam formando micelas. Figura 26 – Estrutura básica das micelas. Dependendo da polaridade do meio que as circundam, elas podem assumir uma das duas configurações indicadas As micelas são de grande ocorrência nos organismos vivos. Quando no sangue, os lipídeos (gorduras) provenientes da alimentação e das reações metabólicas do nosso organismo assumem organização micelar. Uma vez que eles não se dissolvem no sangue, pelo fato de serem apolares e a água, polar, eles se organizam em micelas. A organização dos lipídeos em micelas permite que essas moléculas sejam transportadas pelo sangue e alcancem diferentes células em nosso organismo, em que participarão da síntese de hormônios, da composição da membrana plasmática das células, etc. A própria membrana plasmática é uma micela mais complexa. Os fosfolipídios que constituem essa estrutura apresentam uma cabeça polar (grupamento fosfato) e uma cauda apolar. As cabeças polares ficam em contato com o meio aquoso de dentro e de fora da célula (citoplasma e meio extracelular, respectivamente) e, portanto, as caudas apolares, que são hidrofóbicas, se organizam no interior da estrutura. Por esse motivo, dizemos que a membrana plasmática é constituída de uma bicamada lipídica. 42 Unidade I Observação As micelas podem ser utilizadas para transportar medicamentos pelo organismo. Ao se adicionar uma molécula de fármaco dentro de uma micela, é possível otimizar sua absorção e distribuição, e retardar sua biotransformação e excreção, o que traz vantagens terapêuticas. Existem algumas propriedades que são específicas dos coloides, e sua correta identificação auxilia no estudo desses sistemas. Entre estas, estão o efeito Tyndall e o movimento browniano. O efeito Tyndall é o efeito óptico de dispersão da luz pelas partículas coloidais, o que permite a visualização, a olho nu, do trajeto que a luz faz. Isso ocorre porque, como as partículas coloidais apresentam diâmetro intermediário (1 a 1.000 nm), ocorre difração da onda luminosa. Um exemplo desse fenômeno é quando visualizamos o feixe de luz atravessando um ambiente empoeirado. Figura 27 – Efeito Tyndall Observação O teste de Tyndall consiste em incidir, sobre a amostra, um feixe de laser vermelho. Se for possível visualizar o caminho da luz à medida que ele atravessa a amostra, trata-se de uma solução coloidal. 43 BASES ANALÍTICAS DO LABORATÓRIO CLÍNICO O movimento browniano refere-se ao movimento aleatório das partículas do disperso, que estão constantemente se chocando com as partículas do dispersante em uma solução coloidal. Esse movimento é consequência do tamanho das partículas do disperso, intermediário, entre as que constituem
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