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Bévena Rodrigues Lopes Psicopatologia A vontade, a psicomotricidade o agir e suas alterações Definições básicas A vontade, ou volição, é uma dimensão complexa da vida mental, relacionada intimamente com as esferas instintiva, afetiva e intelectiva (que envolve avaliar, julgar, analisar, decidir), bem como com o conjunto de valores, princípios, hábitos e normas éticas socioculturais do indivíduo. Instinto é definido como resposta comportamental padronizada de determinada espécie. Geralmente é um conjunto de resposta herdada que serve para a adaptação como os comportamentos relacionados a fome, sexo e reprodução Pulsão é o conjunto de elementos que movem o sujeito em direção a vida ou a morte, é composto por componentes inatos, inconscientes de origem biológica e psicológica Desejo é um querer de natureza consciente ou inconsciente, que busca sempre sua satisfação A inclinação é a tendência a desejar, buscar, gostar, etc., intimamente relacionada a personalidade do indivíduo, duradoura e estável, que inclui aspectos tanto afetivos como volitivos Ato volitivo ou ato de vontade Podemos traduzir o ato volitivo com as expressões “eu quero” ou “eu não quero” O ato volitivo se dá pelo processo volitivo o qual se distingue em quatro etapas PROCESSO VOLITIVO 1. Fase de intenção ou proposito – impulsos, desejo e temores inconscientes exercem influencia sobre o ato volitivo 2. Fase de deliberação – é uma ponderação consciente, o indivíduo faz uma análise básica do que seria positivo e negativo, favorável ou desfavorável, benéfico ou maléfico na sua decisão. 3. Fase de decisão propriamente dita – instante que demarca o começo da ação 4. Fase de execução – fase final, os atos psicomotores, decorrentes da decisão, são postos em funcionamento O ato da vontade pautado por essas quatro fases é denominado ação voluntaria. A ação do indivíduo sobre o mundo e os lobos frontais: funções executivas As funções executivas mais importantes são: 1. Identificação de problemas novos 2. Criação e planejamento de estratégias de ação 3. Execução de tarefas sequenciais 4. Monitorização da ação e de seus resultados – adequação continua da ação 5. Flexibilidade cognitiva Bévena Rodrigues Lopes Alterações da vontade HIPOBULIA/ABULIA Pacientes com hipobulia/abulia apresentam diminuição ou até abolição da volição. O indivíduo “não tem vontade para nada”, sente-se muito desanimado, sem forças, sem energia. Geralmente, a hipobulia/abulia encontrasse associada à apatia, à fadiga fácil e à dificuldade de decisão, tão típicas dos pacientes com depressão grave. Atos impulsivos e atos compulsivos ATOS IMPULSIVOS São uma espécie de curto circuito do ato voluntario, ocorre um salto da fase de intenção para a fase de execução Podemos definir a impulsividade como predisposição de agir e reagir de forma rápida, não planejada, reponde a estímulos com pouca ou nenhuma preocupação das consequências 1. São realizados sem que haja deliberação e decisão 2. O individuo não percebe tal ato como inadequado, não tenta evita-lo ou adia-lo 3. O indivíduo dominado pelo ato impulsivo tende a desconsiderar os desejos e as necessidades das outras pessoas. ATOS COMPULSIVOS (OU COMPULSÃO) São reconhecidos pelo indivíduo como indesejáveis e inadequados. É geralmente uma ação motora complexa, pode envolver desde atos simples como coçar-se, arranhar-se, até rituais compulsivos complexos, como tomas banho de forma repetida e muito ritualizada É descrita como realização de comportamentos (motores ou mentais) repetidos estetioripados ou não 1. Há desconforto subjetivo por parte do individuo que realiza o ato compulsivo 2. São egodistônicos, isto é, são indesejáveis e contrários aos valores morais do paciente 3. Há luta entre a compulsão e a vontade do individuo 4. Há sensação de alivio ao realizar 5. Ocorrem frequentemente associados a ideias obsessivas TIPOS DE IMPULSOS E COMPULSÕES PATOLÓGICAS IMPULSOS E COMPULSÕES AGRESSIVAS AUTO OU HETERODESTRUTIVAS • Automutilação – impulso seguido de comportamento de autolesão voluntaria • Frangofilia – impulso patológico de destruir os objetos que circundam o individuo • Piromania – impulso de atear fogo No impulso do ato suicida há desejo de morrer e de desaparecer, é normalmente encontrado em pacientes gravemente deprimidos e ansiosos IMPULSOS E COMPULSÕES RELACIONADOS A INGESTÃO DE SUBSTANCIAS OU ALIMENTOS • Bulimia - impulso irresistível de ingerir rapidamente grande quantidade de alimentos, após o ato o paciente sente-se culpado, com medo de engordas e induz ao vomito • Dipsomania - impulso ou compulsão periódica para ingestão rápida de grandes quantidades de álcool • Potomania - compulsão de beber água ou outros líquidos sem que haja sede exagerada (é diferente da polidipsia pois neste caso haveria sede exagerada) ATOS E COMPULSÕES RELACIONADOS AO DESEJO E AO COMPORTAMENTO SEXUAL Atualmente não se usa mais o tempo perversão pois há conotação moral, utiliza-se o termo parafilia para se referir a atos impulsivos e compulsões sexuais Bévena Rodrigues Lopes • Pedofilia - desejo e a atividade sexuais voltados a crianças ou púberes, com consequências potenciais muito graves para tais crianças • Gerontofilia - desejo sexual por pessoas consideravelmente mais velhas que o indivíduo • Exibicionismo - impulso de mostrar os órgãos genitais, geralmente contra a vontade da pessoa a quem o ato se direciona • Voyeurismo - impulso de obter prazer observando uma pessoa que está tendo relação sexual, ou que simplesmente está nua ou se despindo. • Fetichismo - impulso e o desejo sexuais concentrados em partes da vestimenta ou do corpo da pessoa desejada. • Sadismo e masoquismo - obter excitação e prazer sexuais causando dor e humilhação/dominação no parceiro ou padecendo de dor e sendo dominado e humilhado pelo parceiro. • Zoofilia - é o desejo sexual dirigido a animais • Necrofilia ou vampirismo – desejo sexual dirigido a cadáveres • Coprofilia - busca do prazer com o uso de excrementos no ato sexual. • Ninfomania - desejo sexual quantitativamente muito aumentado na mulher, e a satiríase, em nível muito aumentado no homem OUTROS IMPULSOS E COMPULSÕES • Poriomania - impulso e o comportamento de andar a esmo, viajar, “desaparecer de casa”, “ganhar o mundo” • Cleptomania ou roubo patológico - ato impulsivo ou compulsivo de furtar, precedido geralmente de ansiedade e apreensão, que apenas se alivia quando o indivíduo realiza o roubo • Jogo patológico - compulsão por se envolver em jogos de azar, fazer apostas, especular com dinheiro • Compulsão por compras – individuo sente necessidade de comprar objetos, sente alivio no momento que compra porem esse é de curta duração e logo sente-se culpado e arrependido • Compulsão e dependência de internet e/ou videogames OUTRAS ALTERAÇÕES DE VONTADE • Negativismo - Verifica-se uma resistência automática e obstinada a todos ou quase todos os pedidos. Na forma ativa, o paciente faz o oposto ao solicitado; na forma passiva, simplesmente nada faz quando solicitado pelo ambiente. O mutismo (recusa automática a falar) é frequentemente uma forma de negativismo verbal A sitiofobia é a recusa de alimentos • Obediência automática - o paciente obedece automaticamente, como um robô teleguiado • Fenômenos em eco (ecolalia, ecopraxia, ecomimia, ecografia) - indivíduo repete de forma automática, durante a entrevista (mas também em outras situações), as últimas palavras ou sílabas do entrevistador (ecolalia), seus atos ou gestos (ecopraxia), reações mímicas ou escrita • Automatismo – pode se referir a sintomas psicomotores automáticos ou também pode representar forças involuntárias de comportamento Alterações da psicomotricidade Assim como o ato motor é o componente final do ato volitivo, as alterações da psicomotricidade frequentementesão a expressão final de alterações da volição. A agitação psicomotora é a alteração da psicomotricidade mais comum. Implica a aceleração e a exaltação de toda a atividade motora do indivíduo, em geral secundárias a taquipsiquismo Por sua vez, a lentificação psicomotora reflete a lentificação de toda a atividade psíquica (bradipsiquismo) Bévena Rodrigues Lopes ESTUPOR O estupor é a perda de toda a atividade psicomotora espontânea, atingindo o indivíduo de modo global, na vigência de um nível de consciência aparentemente preservado e de capacidade sensório-motora para reagir ao ambiente. Em geral, o indivíduo em estupor fica restrito ao leito, acordado, porém sem reagir de modo algum ao ambiente. Suas reações ficam como se ele estivesse congelado Distinguem-se, quanto ao tônus muscular presente no quadro de estupor, o subtipo hipertônico, com rigidez muscular (que é a forma mais frequente), o normotônico (sem alteração do tônus) e o hipotônico, ou flácido (mais raro e geralmente associado a transtornos psico-orgânicos graves). CATATONIA Entende-se catatonia como sintomas de estupor juntamente com outros sintomas psicomotores. São necessários três sintomas para o diagnostico de catatonia. São eles: catalepsia, flexibilidade cerácea, postura espontânea e ativa contrária à gravidade, mutismo, negativismo, maneirismo, estereotipias, agitação, caretas, ecolalia e ecopraxia. Há frequentemente hipertonia muscular global, mais de tipo plástico (hipertonia do tipo rigidez Não se deve confundir a catalepsia com a cataplexia, que é a perda abrupta do tônus muscular, geralmente acompanhada de queda ao chão. Está presente na narcolepsia CASCATA DE DEFESA, FREEZING E REAÇÕES DE IMOBILIDADE A evolução produziu nos animais um sistema de comportamentos e reações defensivas perante situações de grande perigo denominado cascata de defesa. Diante de uma situação de perigo o organismo responde inicialmente com reação de alerta (arousal). Posteriormente pode ser ativada uma reação de fuga ou luta (flight or fight de Cannon). Se essa reação não for suficiente ou falhar, um terceiro passo pode ocorrer: uma reação de imobilidade atenta (freezing) Podem se seguir, depois do freezing, imobilidade tônica, imobilidade colapsada (collapsed immobility) e/ou imobilidade quiescente (quiescent immobility). DESAMPARO APRENDIDO O DA é a falência em escapar do choque ou estresse produzido por eventos aversivos não controláveis. Se refere a diminuição generalizada de respostas do sujeito ou do organismo cujo comportamento, ao longo de sua história de vida, controla muito pouco ou nada a frequência de estímulos aversivos em seu ambiente. Por exemplo, uma criança com pais abusivos, que punem indiscriminadamente seus comportamentos, experimenta condições nas quais ela não controla seu ambiente. Tal ambiente se revela aversivo, fonte de sofrimento, independentemente da forma como a criança se comporta; nada que ela faça importa ou faz diferença. Crianças com tal história de DA tenham dificuldades volitivas e emocionais importantes, podem se tornar apáticas e hipobúlicas ESTEREOTIPIAS MOTORAS E MANEIRISMO As estereotipias motoras são repetições automáticas e uniformes de determinado ato motor complexo. Por exemplo, paciente repete o mesmo gesto com as mãos dezenas de vezes durante o dia Já o maneirismo é um tipo de estereotipia motora caracterizado por movimentos bizarros e repetitivos. Ao falar com o enfermeiro, gesticula, faz caretas, encolhe os ombros de modo peculiar, faz rodopios com as mãos e movimenta a cabeça de forma afetada Bévena Rodrigues Lopes TIQUES MÚLTIPLOS, MOTORES E/OU VOCAIS tiques são atos coordenados, repetitivos, resultantes de contrações súbitas, breves e intermitentes, envolvendo geralmente um grupo de músculos que atua em suas relações sinérgicas normais. Acentuam-se muito com a ansiedade. Coprolalia = falar abruptamente, de forma involuntária, palavrões ou termos relacionados aos excrementos Copropraxia = fazer gestos abruptos e involuntários sinalizando palavrões, agressões, ofensas CONVERSÃO Há o surgimento mais ou menos abrupto de sintomas físicos (paralisias, anestesias, parestesias, cegueira, etc.), de origem psicogênica. Por exemplo, após discussão violenta com uma pessoa significativa, um rapaz passa a apresentar-se paraplégico (paralisia das pernas), não conseguindo mais andar Alterações da marcha • Marcha ceifante - paciente caminha traçando com o membro inferior comprometido um semicírculo • Marcha talonante - Os passos são desordenados; a marcha é insegura; e as pernas estão afastadas uma da outra. O indivíduo projeta as pernas com energia sobre o solo, tocando-o com o calcanhar • Marcha ebriosa - andar é bastante vacilante, com a base de sustentação alargada e tendência à queda em qualquer direção • Marcha anserina - O paciente caminha com pequenos passos, evitando apoiar todo o peso do corpo sobre os pés (caminha como se andasse sobre areias muito quentes, escaldantes) • Marchar parkisoniana - a. Os passos são curtos, e a marcha, vagarosa. • Marcha anserina - É uma marcha que lembra aquela de mulheres gestantes, quando há mudança do eixo da coluna vertebral, com acentuação da lordose lombar. Alguns pacientes com histeria apresentam camptocormia, que é o caminhar com o tronco fletido para a frente. A abasia é a impossibilidade ou dificuldade para a marcha, e a astasia, a impossibilidade de ficar de pé quando não há razão orgânica para isso. Astesia-abasia é, portanto, aquele paciente que revela total ou parcial incapacidade de levantar-se e andar, apesar de não apresentar qualquer paralisia ou ataxia de origem orgânica. A marcha de alguns pacientes com esquizofrenia é marcadamente bizarra, com maneirismos e estereotipias motoras variadas. Alguns pacientes gravemente deprimidos apresentam marcha lentificada e difícil. Outras alterações psicopatológicas da psicomotricidade Na hiperventilação psicogênica, a respiração se acelera, fica quase imperceptível e é marcada por suspiros não obstrutivos. Hipopragmatismo é a dificuldade ou incapacidade de realizar condutas volitivas e psicomotoras minimamente complexas, como cuidar da higiene pessoal, limpar o quarto, participar de trabalhos domésticos, envolver-se em qualquer tipo de atividade produtiva para si ou para seu meio. APARAXIA Praxia é a capacidade de realizar atos, movimentos e gestos habilidosos e/ou aprendidos. Pode-se, então, descrever as apraxias como impossibilidade ou dificuldade em realizar atos intencionais, gestos complexos, voluntários, conscientes, sem que haja paralisias, paresias ou ataxias e sem que faltem também o entendimento da solicitação para fazê-lo ou a decisão de fazê-lo. Bévena Rodrigues Lopes A apraxia ideativa, ou ideacional, é a incapacidade de usar objetos comuns de forma adequada, ou de realizar movimentos sequenciais. Tem nas mãos uma escova de dentes, sabe identificá-la, nomeá-la, mas é incapaz de demonstrar como é utilizada na escovação. A apraxia ideomotora é a incapacidade de completar um ato de forma voluntária, em resposta a uma solicitação verbal. Entretanto, o indivíduo tem conhecimento do que é o ato ou gesto A apraxia de movimento de membros (limb-kinetic apraxia) é outro tipo de apraxia que revela a perda de habilidade para realizar movimentos distais precisos, independentes, mas coordenados, dos dedos e das mãos. Como abotoar uma camisa A apraxia construcional é a incapacidade de construir figuras geométricas, montar quebra-cabeças ou desenhar um cubo ou outras figuras geométricas. A apraxia da marcha é a incapacidade de iniciar espontaneamente o movimento e organizar a atividade gestual da marcha, ocorrendo com frequência a marcha em pequenos passos (petit pas) Instrumentos padronizados de avaliação das alterações da volição Escala de Impulsividade de Barratt (BIS-11). Trata-se deinstrumento de rápida aplicação (5-10 minutos), e que pode ser autoaplicado. Se a pessoa não compreende um item, este pode ser explicado pelo examinador. Teste de Dependência da Internet (TDI) tem duas versões (uma com 20 e outra com 8 itens) e objetiva avaliar as dimensões da vida que são prejudicadas pelo uso excessivo da rede.
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