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MONTANHERI, Luiza Resenha crítica - Seaspiracy

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA 
CENTRO SOCIOECONÔMICO 
DEPARTAMENTO DE ECONOMIA E RELAÇÕES INTERNACIONAIS 
 
 
 
 
 
 
CNM 7250 - Relações Internacionais e Cinema 
Resenha crítica I - O olhar seletivo e as soluções reducionistas de Seaspiracy 
 
 
 
 
Prof. Dr. Lucas Pereira Rezende 
 
 
 
Luiza Montanheri 
 
 
 
 
 
 
 
Florianópolis, 2021 
O oceano tem sido morada de diversos mistérios e deslumbre desde o início das grandes 
navegações, no séc. XV, além da rota mais utilizada durante séculos pelo comércio e palco para 
o tráfico humano transatlântico, onde o capitalismo histórico se originou. Contudo, numa 
perspectiva para além da utilização dos oceanos como via, o documentário Seaspiracy (2021), 
dirigido e narrado por Ali Tabrizi e produzido por Kip Andersen, demonstra, em um primeiro 
momento, a vontade do cineasta juntamente com sua namorada Lucy, em explorar a beleza e 
vida oceânica, mas surpreendidos por ações atrozes das grandes empresas pesqueiras, voltam a 
atenção a pontos que se desenrolam gradativamente conforme investigam. Em vista disso, 
revela-se uma imensa estrutura insustentável como subsistema do capitalismo, que engloba a 
pesca predatória comercial/industrial – responsável pela sobrepesca de diversos organismos 
marinhos ameaçados de extinção –, a poluição oceânica por plástico e artes de pesca 
descartados ou perdidos que conduz à pesca fantasma, as contaminações desses organismos e 
seres humanos – consumidores de pescado – por microplásticos, a aquicultura mal manejada, 
pesca ilegal, corrupção e/ou suborno de organizações internacionais não-governamentais 
possuintes de slogan sobre proteção a vidas marinhas, entre outros. 
Por outro lado, mesmo que os problemas apontados sejam preocupantes em escala 
emergencial, necessitando de contenção para se encaminhar rumo ao reequilíbrio e 
sustentabilidade, há uma cadeia de problemáticas ainda maior que se entrelaça ao leitmotiv1 
capitalista: o racismo, neoimperialismo, a vulnerabilidade socioeconômica, insegurança e 
cultura alimentar, as violações sistêmicas dos direitos humanos, como condições análogas à 
escravidão dentro das embarcações e as mudanças climáticas são apenas alguns dos temas 
observados, não explorados pelo longa-metragem. E, desse modo, se torna um tanto controverso 
por priorizar um discurso, em suma, que conversa apenas sobre a acumulação incessante de 
riqueza a qualquer custo, em um tom pejorativamente denominado yellow press2. 
Neste sentido, sabe-se que o mundo das relações internacionais é interseccionado por 
diversas demandas que devem, sem dúvida, fazer parte do debate contemporâneo em relação 
ao modus operandi3 do capitalismo. E, partindo do pressuposto de que raça, classe, gênero, 
cultura, meio-ambiente, entre muitos outros tópicos que envolvem essas relações, careceriam 
de estar sendo apresentadas como elementos centrais que abarcam os mais profundos estorvos 
do sistema vigente, a forma como se lida com discussões voltadas para a resolução dessas 
 
1 Assunto, ideia, preocupação citado com insistência. 
2 “[...] American [term] for journalism and associated newspapers that present little or no legitimate, well-
researched news while instead using eye-catching headlines for increased sales [...] and excite public opinion”. 
(WIKIPEDIA, 2021). 
3 Modo pelo qual um indivíduo, sistema, organização desenvolve suas atividades ou opera. 
objeções são, muitas vezes, deveras, simplistas. Portanto, há pendências sobre a veracidade de 
algumas das pesquisas feitas por Tabrizi, o que deixa questionamentos que se debruçam sobre 
questões de extrema complexidade – revistas pela BBC (2021) –, explicitando as articulações 
dos discursos hegemônicos que apontam o caráter maniqueísta entre Ocidente versus Oriente – 
o primeiro como representação do bem e da salvação ao passo que, o segundo, como símbolo 
do mal e da destruição –, além de duas soluções reducionistas que se resumem em “[...] apoiar 
a criação de mais áreas marinhas protegidas e parar de consumir proteína animal”. (IBDMAR, 
2021). 
Aprofundando na ambiguidade Ocidente e Oriente, a partir de uma visão macro, a gama 
de entrevistados brancos deixa subentendido quem são os que detém o poder de proteger/salvar 
o meio-ambiente marinho e, apesar do criticismo e atrito do protagonista para com os 
entrevistados quando questionados sobre benefícios indiretos recebidos das empresas globais 
de pesca, ressalta-se que em nenhum momento a palavra “capitalismo” – como sistema que age 
em favor da perpetuação das hegemonias neoimperialistas ou pertencentes do núcleo orgânico 
– é citada pelo próprio Tabrizi, sendo possível observar a existência de um compromisso com 
a blindagem da imagem dos Estados Unidos da América (EUA) sobre os impactos do país nos 
oceanos. A exemplo, Doty (1996) aponta o “American exceptionalism” baseado na “American 
manhood”, ou seja, seriam essas as ferramentas instrumentais para fazer com que houvesse uma 
promoção da segurança nacional e interesses econômicos, e uma preocupação em superar a 
pobreza com o “patrocínio” do desenvolvimento e promoção da democracia nas Filipinas – 
levando em consideração, implicitamente, o viés racial como elemento central para o 
desenvolvimento –, algo que supostamente diferenciaria os EUA das potências europeias. 
Entretanto, “a possibilidade de que os Estados Unidos se tornariam um poder colonial 
removeria uma das poucas distinções restantes entre eles e a Europa”. (DOTY, 1996, p. 29)4. 
Por conseguinte, a exibição de cenas sobre a pesca ilegal por grandes navios pesqueiros 
europeus na costa ocidental do continente africano – prática que pode ser considerada como 
uma forma neocolonial de expropriação territorial, exploração em massa e abuso dos direitos 
humanos universais –, mostra a situação das comunidades litorâneas da Libéria que sobrevivem 
da pesca artesanal, tradicional e culturalmente, correndo riscos em mar aberto ao tentar 
encontrar alimento. Diante deste fato, abre-se espaço para discussões acerca da segurança e 
cultura alimentar de povos vulnerabilizados economicamente, pois “uma cultura alimentar é 
mais que a soma de seus cardápios – abrange também os modos, os hábitos alimentares e as 
 
4 “The possibility that the United States would become a colonial power would remove one of the few remaining 
distinctions between it and Europe”. 
regras tácitas que, juntos, determinam a relação de um povo com a comida e com a alimentação” 
(POLLAN, 2008, p. 197 apud CAMPOS; OLIVEIRA; VENDRAMINI, 2014, p. 39). Ainda, 
“os constituintes da segurança alimentar – disponibilidade, acesso, sustentabilidade e alimento 
seguro – [...] têm fortes conotações políticas” (CAMPOS; OLIVEIRA; VENDRAMINI, 2014, 
p. 40), se interligando a uma das respostas vazias do diretor no que diz respeito em eliminar o 
consumo de proteína animal e derivados, dado que a possibilidade de escolha entre alimentos é 
um privilégio das classes mais altas. Ademais, Tabrizi retrata as embarcações europeias como 
as principais responsáveis pelo abuso dos recursos marinhos, esquecendo que 
[...] atribuir perfil neocolonial [apenas] à atuação [europeia] na África significa 
assumir o desconhecimento acerca da história do imperialismo do século XIX e 
mesmo das práticas atuais das grandes potências norte-atlânticas, notadamente dos 
Estados Unidos da América, pautadas nas mais diversas ingerências externas diretas 
e indiretas em diversas regiões do globo. (BONIFÁCIO, 2020) 
Além disso, significa, também, explicitar que o Direito Internacional surge com uma premissa 
de perpetuação da soberania colonizadora e expansionista dos Estados do Norte Imperial, uma 
vez que há um desejo, nada oculto, de exterminar povos negros (SILVA, 2020) e solucionar 
problemas criados pelas próprias hegemoniasde poder com a eloquência do “fardo do homem 
branco”. (DOTY, 1996). 
Consequentemente, todos os impasses pontuados geram as mudanças climáticas e 
migrações de populações afetadas por condições agudas, bem como expresso anteriormente, 
transpassando, também, à última solução básica apresentada pelo cineasta: aumentar as áreas 
de preservação ambiental marinha. Porém, mesmo com políticas públicas de preservação 
ambiental, estas não são suficientes por si só e, neste caso, necessita-se fundamentalmente de 
um rompimento com o modo operacional do capitalismo tocante ao desenvolvimento, 
porquanto a ideia desenvolvimentista não é igual para todos, mas unânime apenas para o 
sistema-mundo (WALLERSTEIN, 2006). Assim, o clamor por justiça climática deve ser 
indissociável da justiça por minorias marginalizadas, propositalmente ignoradas pelo amparo 
civil e político em nome da manutenção do status quo5 capitalista. 
Enfim, Seaspiracy (2021) é uma síntese de problemáticas, estejam elas explanadas ou 
não, que abre um leque de debatimentos permeados por um perímetro abrangente, devendo 
sempre se levar em consideração os recortes necessários para uma análise consistente no que 
se refere a direitos humanos, demandas sociais, preservação ambiental, igualdade racial e, 
principalmente, disputas de poder. 
 
 
5 Condição de alguém, estado atual ou circunstancia que se mantém igual sem alterações. 
Referências 
 
CHECK, Reality. Is Netflix's Seaspiracy film right about fishing damaging oceans?. BBC 
News, 9 de abr. de 2021. Disponível em: https://www.bbc.com/news/56660823 Acesso em: 
18 nov. 2021. 
 
CAMPOS, Maria A.; OLIVEIRA José Carlos de; VENDRAMINI, Ana Lucia do A. 
Segurança Alimentar: conceito, história e prospectiva. In: MARTNS, Bianca R.; TANCREDI, 
Rinaldini C. P.; GEMAL, André Luis (org.). Segurança alimentar no contexto da 
vigilância sanitária: reflexões e práticas. Rio de Janeiro: Escola Politécnica de Saúde 
Joaquim Venâncio/Fundação Oswaldo Cruz, 2014. p. 37-68. 
 
CUTRIM, Rayanne R. R. Seaspiracy: Mar Vermelho, progresso ou problema? (Contém 
spoilers). Instituto Brasileiro de Direito do Mar (IBDMAR), 3 mai. 2021. Disponível em: 
http://www.ibdmar.org/2021/05/seaspiracy-mar-vermelho-progresso-ou-problema-contem-
spoilers/ Acesso em: 18 nov. 2021. 
 
DOTY, Roxanne L. Imperial Encounters: The Politics of Representation in North-South 
Relations. Minneapolis: Minesota Press, 1996. p. 26-50. 
 
PAUTASSO, Daniel. A presença da China na África e o mito do “neocolonialismo chinês”. 
Bonifácio, 4 de. Jul. de 2020. Disponível em: https://bonifacio.net.br/a-presenca-da-china-na-
africa-e-o-mito-do-neoco-lonialismo-chines/ Acesso em: 18 nov. 2021 
 
SEASPIRACY. Direção: Ali Tabrizi. Produção: Kip Andersen. Estados Unidos: Netflix. 24 
de mar. de 2021. (89 min.). 
 
SILVA, Karine S. “A Mão que Afaga é a Mesma que Apedreja”: Direito, imigração e a 
perpetuação do racismo estrutural no Brasil. Salvador: Revista Mbote, v.1, n.1, jan./jun. 
2020. p. 20-41. Disponível em: 
https://www.revistas.uneb.br/index.php/mbote/article/view/9381. Acesso em: 18 nov. 2021. 
 
WALLERSTEIN, Immanuel. O Desenvolvimento: uma estrela polar ou uma ilusão?. 
In:______. Impensar a Ciência Social: os limites dos paradigmas do século XIX. São Paulo: 
Idéias & Letras, 2006. p. 123-145. 
 
YELLOW journalism. Wikipedia, 2021. Disponível em: 
https://en.wikipedia.org/wiki/Yellow_journalism Acesso em: 18 nov. 2021. 
https://www.bbc.com/news/56660823
http://www.ibdmar.org/2021/05/seaspiracy-mar-vermelho-progresso-ou-problema-contem-spoilers/
http://www.ibdmar.org/2021/05/seaspiracy-mar-vermelho-progresso-ou-problema-contem-spoilers/
https://bonifacio.net.br/a-presenca-da-china-na-africa-e-o-mito-do-neoco-lonialismo-chines/
https://bonifacio.net.br/a-presenca-da-china-na-africa-e-o-mito-do-neoco-lonialismo-chines/
https://www.revistas.uneb.br/index.php/mbote/article/view/9381
https://en.wikipedia.org/wiki/Yellow_journalism

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