Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
MEIO AMBIENTE Anderson Pires Risco e controle ambiental: saneamento e saúde pública Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Definir os conceitos de saneamento básico e saúde pública. � Relacionar os riscos da falta de saneamento básico para a saúde pública. � Descrever métodos de controle ambiental vinculados ao saneamento e à saúde pública. Introdução Este capítulo trata sobre a tênue relação entre saneamento básico e saúde pública e sobre como a falta de saneamento, ou o saneamento inade- quado, pode afetar a qualidade de vida da população. Vamos analisar a legislação referente ao saneamento básico e à saúde pública como obriga- ções do Estado, e até que ponto o Estado pode intervir como fornecedor e como fiscalizador. Vamos discutir os principais riscos à saúde pública relacionados à falta de saneamento básico e como atingem o bem-estar coletivo da população. Por fim, vamos conhecer o papel do engenheiro ambiental nas ferramentas de controle ambiental, principalmente as que recaem direta e indiretamente sobre o saneamento básico, discutindo alternativas de intervenção em sua melhoria e, consequentemente, seu reflexo na saúde pública. Importância do saneamento básico na saúde pública A primeira definição de saneamento, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), trata do controle dos fatores ambientais da nossa espécie que prejudicam ou possam prejudicar o nosso bem-estar, e o que faz determinado lugar melhorar a qualidade de vida e a saúde da população, fornecendo condi- ções, no mínimo, adequadas, e/ou evitando prejuízos a esse bem-estar. Assim, podemos afirmar que o saneamento básico é um serviço. Contudo, precisa que algum órgão, entidade ou empresa execute as atividades relacionadas a esse serviço, de forma a garantir que seus clientes, no caso a população, recebam serviços de qualidade e usufruam de seus efeitos benéficos. Por ser um serviço essencial, como veremos neste capítulo, a prioridade é que seja executado, não importa se por uma empresa pública municipal, estadual ou federal, ou privada, com ou sem fins lucrativos — o importante é que o serviço seja prestado. A OMS conceitua saúde pública de forma autonômica em relação à saúde individual ou privada, ou seja, como “a ciência e a arte de promover, proteger e recuperar a saúde, por meio de medidas de alcance coletivo e de motivação da população” (SILVA JÚNIOR, 2013, p. 2), incluindo as ações direcionadas para a solução dos problemas diretos ou indiretos da saúde popular, como as questões ambientais, de saneamento básico, socioeconômicas e culturais, incluindo a medicina preventiva e sanitarista. Assim, entende-se o conjunto de medidas objetivas de prevenção e controle de enfermidades, de forma a garantir a saúde privada de todos e cada um dos membros de uma coletividade, como uma alavanca impulsionadora do progresso e da coesão nacional. O saneamento básico, então, é o conjunto de atividades ligadas ao afas- tamento de nossos dejetos e rejeitos ou, de certa forma, um tipo de apoio logístico. Portanto, atividades que levem adiante o que rejeitamos, bem como equipamentos, sistemas e técnicas associadas, fazem parte do saneamento básico. Assim, podemos relacionar o saneamento básico com a drenagem urbana e o tratamento de esgoto doméstico e industrial, de resíduos sólidos urbanos (RSU) e de resíduos industriais, e com a limpeza urbana. Contudo, saneamento básico não se refere apenas ao controle de rejeitos, mas ao controle das entradas, como o fornecimento de água potável e a garantia de alimentos livres de contaminação. Ainda, como a função do saneamento básico é ga- rantir a saúde pública, o controle de doenças, vetores e pragas também deve ser incluído no rol de serviços. Finalmente, temos o esgotamento pluvial, pois alagamentos e estiagens também influenciam o bem-estar da população. De fato, a Lei de Diretrizes Nacionais para o Saneamento Básico, ou Lei do Risco e controle ambiental: saneamento e saúde pública2 Saneamento Básico (n. 11.445/2007), define saneamento básico como um con- junto de serviços, infraestrutura e instalações operacionais de abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana, drenagem urbana, manejos de resíduos sólidos e de águas pluviais, de responsabilidade dos governos Municipal, Estadual e Federal, porém afirma que o planejamento e a execução devem ser feitos pelo município, podendo ser contratada uma concessionária pública e/ou privada para a prestação dos serviços (BRASIL, 2007). Problemas de gestão atrasarão o cumprimento da agenda governamental de sa- neamento no País: o atraso no Plano Nacional de Saneamento Básico (PLANSAB), admitido pelo Governo, deve-se ao andamento das obras e à falta de compromisso das gestões responsáveis. O PLANSAB tinha como meta atender a 90% do território nacional até 2033. Porém, um estudo privado que analisava os investimentos detectou um déficit de quase 50% em relação ao mínimo necessário anualmente para se atingir a meta governamental que, nesse ritmo, terá um atraso de quase 20 anos. Leia mais em (GO ASSOCIADOS, 2017): https://goo.gl/GhSoCD Mesmo antes dessa lei, a Constituição Federal de 1988 já garantia a saúde, o meio ambiente equilibrado e uma vida digna como direitos fundamentais do brasileiro — e o saneamento básico é fundamental para garantir esses direitos. O Artigo 21 (BRASIL, 1988) delega ao Governo Federal a elaboração das diretrizes para o saneamento básico, enquanto, conforme o Artigo 24 (BRASIL, 1988), os Governos Estaduais também podem tratar da preserva- ção ambiental e do controle da poluição, à medida que os municípios podem interferir localmente nas leis estaduais e federais. O saneamento básico tem um forte componente cultural e educacional, e sua ausência ou falta de qualidade golpeia diretamente o bem-estar social. Assim, é normal considerá-lo como um bom indicador socioeconômico, o que justifica o interesse do poder público em regular e garantir os serviços relacionados a políticas que garantam a qualidade desses serviços. No Brasil, a falta ou ausência de qualidade de saneamento é o principal problema de saúde pública e ambiental. Devido às disparidades sociais, acompanhadas de diferenças na qualidade dos serviços de saneamento, o assunto também pode 3Risco e controle ambiental: saneamento e saúde pública https://goo.gl/GhSoCD ser de interesse do terceiro setor que, historicamente, vem direcionando suas ações de ajuda e preservação ao desenvolvimento de comunidades locais, de forma a estimular sua participação em campanhas de esclarecimento e educação ambiental. O relatório da OMS (WORLD HEALTH ORGANIZATION; UN-WATER, 2014), UN-water global analysis and assessment of sanitation and drinking- -water (GLAAS) 2014 — report, informa que a proporção de investimento em água e saneamento e gastos em saúde é de 1 para 4,3, ou seja, a cada dólar investido em saneamento, economizam-se US$ 4,3 em saúde. O mesmo relatório coloca, ainda, números estarrecedores: 2,5 bilhões de pessoas não têm acesso ao saneamento básico, e 1 bilhão não usa banheiros (WORLD HEALTH ORGANIZATION; UN-WATER, 2014). Entretanto, infelizmente, não há tanto investimento, e o comprometimento financeiro ainda é multo alto. Conforme a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) (NAÇÕES UNIDAS DO BRASIL, 2014), essa proporção é de US$ 10 de economia em saúde para cada US$ 4 investidos em saneamento, e saúde preventiva e educação devem estar relacionadas a esse assunto em qualquer programa. Saneamento sem educação, sem inclusão social, não funciona, não acaba com as doenças, e apenas cuidados com o lençol freático não são suficientes para resolver esses problemas, já que o uso de água contaminada traz outra série de doenças associadas. Outro gargalo na perda desses recursos é a contaminação dos mananciais, o que causa um efeito cumulativo, aumentando os custos de tratamento, e onde nãohá tratamento, aumenta a incidência de doenças relacionadas. Ou seja, é necessário melhorar a drenagem urbana e a disposição dos RSU e industriais de maneira ambientalmente adequada, para que a contaminação da captação de água diminua e para que haja economia no tratamento de água, além de todos os seus efeitos benéficos. Esse investimento gera economia de recursos. Ao saneamento básico deve ser delegada prioridade, pois se trata de neces- sidade básica para a sobrevivência, o bem-estar e o desenvolvimento. Portanto, investimentos em estações de tratamento, redes e malhas são prioritários, pois a melhoria da qualidade de vida previne o surgimento de outros problemas de resolução mais difícil (Figura 1). Risco e controle ambiental: saneamento e saúde pública4 Figura 1. Problemas de saneamento básico em São Paulo causam poluição do Rio Tietê e aumentam o custo do tratamento de água. Fonte: Jaboticaba Fotos/Shutterstock.com. Impacto do saneamento básico na saúde Como vimos, saneamento básico eficiente corresponde à melhoria na saúde pública. Sem entrar no mérito financeiro, ficou evidente que essa melhoria afeta a qualidade de vida. Podemos salientar três efeitos da falta de saneamento básico com influência direta na saúde pública: a contaminação por agentes patogênicos, causada pela ingestão/uso de água contaminada ou de alimentos contaminados durante a produção; a convivência ou o contato direto com água não tratada na área domiciliar; e a presença de RSU no entorno da área domiciliar, favorecendo a presença de animais vetores e de contaminação direta. Pelos dados apresentados, há uma defasagem clara no saneamento ambiental do País relacionada, principalmente, à falta de investimentos e vontade pública, bem como à degradação do sistema de ensino. Esses fatores reunidos propiciam o contato do esgoto domissanitário com os mananciais ou com as pessoas, no caso de esgoto não drenado. Depósitos irregulares ou mal gerenciados também contribuem com essa contaminação, pois a fermentação dos resíduos orgânicos produz um lixiviado, denominado chorume, que se intensifica em volume se há exposição a intempéries. Podemos adicionar, ainda, o gerenciamento ineficiente 5Risco e controle ambiental: saneamento e saúde pública ou a ausência de gerenciamento de lixo hospitalar e industrial. Se considerar- mos apenas a contaminação biológica, colocando de lado as contaminações físicas e químicas, temos uma vasta fonte de microrganismos, protozoários e fungos para serem ingeridos ou transportados por insetos, roedores e aves — a situação é calamitosa. É consenso mundial que as doenças relacionadas à deficiência no saneamento atingem mais as crianças, principalmente as de veiculação hídrica (infecções intestinais, cólera, febre tifoide, poliomielite, disenteria amebiana, esquistossomose e shigelose), geralmente diarreicas que, associadas à desidratação consequente, tornam-se responsáveis por quase 90% dos óbitos infantis. O inverso também é válido: o acesso à água encanada e à drenagem urbana diminui os índices negativos. Estudos feitos no Brasil demonstram a relação entre educação, pobreza e saneamento como fatores mais relevantes para a mortalidade infantil. Nesse quadro, constata-se que pouco mais da metade da população brasileira tem acesso ao tratamento de esgoto sanitário; logo, constata-se que a outra parte vive em, pelo menos, uma das situações anteriormente elencadas. As desigualdades sociais agravam esse quadro, pois vemos uma desproporção no acesso ao tratamento de esgotos entre as regiões Norte e Sudeste, de 90 para 17%. As doenças relacionadas incidem proporcionalmente a esses índices, demonstrando clara correlação. Um estudo que relacionou as deficiências dos serviços de saneamento básico no País com o número de consultas, internações e óbitos registrados na década passada encontrou, em média, 13.500 mortes anuais. No mesmo período, foram constatadas médias anuais de mais de 450 mil notificações compulsórias, custando mais de R$ 30 milhões em consultas médicas, somadas a quase 760 mil internações hospitalares, com um custo de mais de R$ 2 bilhões relacionadas a doenças causadas por problemas de saneamento básico. A pesquisa relacionou esses custos a uma população de 190,7 milhões de pessoas em 2010, com os custos do final da década passada. A população atual é de quase 213,4 milhões, distribuída de maneira desigual pelo País, com concentração cada vez maior nas regiões metropolitanas, causada pelo crescimento populacional regional e pela migração do interior e zonas rurais, ou fugindo da falta de oportunidades, ou buscando novas. Soma-se a isso um crescimento urbano caótico, caracterizado pela invasão e pela ocupação insalubre de áreas de preservação permanente e áreas de risco, com uma defasagem crescente no saneamento básico, para se obter um quadro geral em que, em alguns locais, a falta de saneamento básico vitima pelas conse- quências de alagamentos e chuvas, enquanto, em outros, pela necessidade de racionamento de água derivado das longas estiagens. Risco e controle ambiental: saneamento e saúde pública6 A prevalência de doenças de veiculação hídrica relacionadas à deficiência no saneamento básico infere que este restringe-se ao tratamento de água e esgoto, mas o conceito é muito mais amplo. A limpeza pública e a coleta de RSU, incluindo as ações de redução, reutilização, reciclagem, tratamento e destinação final ambientalmente adequada, drenagem pluvial e controle de vetores de doenças transmissíveis, também são ações de saneamento básico. Cabe ressaltar que o controle de vetores é transversal em diversos aspectos do saneamento básico, relacionados a água, esgoto e RSU. Quando a falta de saneamento básico ameaça a saúde pública: a falta ou ineficiência do saneamento básico permite que doenças se proliferem de maneira descontrolada, gerando desde casos isolados até epidemias. As mais frequentes são as chamadas doenças de veiculação hídrica, causadoras de diarreia e consequente desidratação. A população infantil é a que sofre mais com essas doenças, principal ocorrência de óbitos tristemente marcados como indicadores de pobreza. Leia mais em (JORNAL DIA DIA, 2016): https://goo.gl/wxbw43 Existem diversas maneiras de contaminar a água, desde a simples falta de higiene até o contato direto com agentes infectantes. Portanto, a contaminação pela água pode ocorrer desde o contato corporal, mesmo que sem ingestão, com águas contaminadas, por ingestão de água não tratada ou contaminada após o tratamento, no transporte ou por falta de higiene no manuseio, além de muitas outras maneiras. Apesar de se tratar de meio aquoso, é necessário diferenciar esgoto de água contaminada, pelo fato de usar água como veículo de transporte de sujidades, fezes e urina, efluentes de limpeza doméstica e de pia, etc., caracterizando a intenção de fazê-lo. Essa ação nem sempre pressupõe que haverá uma recupe- ração dessa água utilizada, e esse é o problema de deficiência de saneamento básico. Nesse quesito, cabe às entidades e às agências ambientais, em conjunto com as prefeituras, emitirem laudos de balneabilidade e sinalizarem as áreas impróprias para banho. Então, temos dois problemas apresentados: o primeiro é relativo à drenagem urbana, e o segundo, ao tratamento. A canalização pode ou não estar presente e, nesse caso, pode ou não ser eficiente. O principal 7Risco e controle ambiental: saneamento e saúde pública https://goo.gl/wxbw43 problema de saúde, como já apresentado, é a existência frequente e persistente de “esgotos a céu aberto” nas regiões mais pobres e insalubres (Figura 2). Por preconceito, isso é frequentemente associado à pobreza, mas, em muitos casos, é também consequência da incompetência da administração pública em lidar com o problema. Nem sempre a drenagem urbana significa resolu- ção do problema, pois, em muitas comunidades, por falta de conhecimento, consequência e/ou fiscalização, hámistura do esgoto domissanitário com o pluvial, causando o deságue de água contaminada nos mananciais. Esse procedimento é a raiz do encarecimento do tratamento da água para consumo, e diversos estudos têm detectado interferentes metabólicos, como hormônios e drogas, na água potável. O manejo de RSU apresenta as mesmas características do que ocorre com o esgoto: exposição e ineficiência — e pelos mesmos motivos. Uma vez que encontramos RSU expostos intencionalmente ou não, ou não coletados, ou dispostos em local correto, as consequências são as mesmas: presença e contaminação de vetores de doenças, como moscas, baratas, pombos e ratos (mas não limitados a esses), e contato direto de pessoas, além da produção de lixiviados derivados da decomposição e/ou lavagem pela chuva. Além das doenças relacionadas diretamente à ingestão ou ao contato com a água contaminada, ainda temos que considerar a contaminação de alimentos com um agravante cultural: embora a contaminação seja associada à falta de sane- amento na região produtiva, geralmente em zona rural, é a falta de higiene ao não lavar corretamente os alimentos, ou as mãos e os utensílios, que permite a infecção pela ingestão de cistos de protozoários e ovos de vermes. O controle de vetores de doenças também é parte do saneamento básico, mas a população da maioria dos vetores é diretamente afetada pelo manejo e pela disposição de RSU — a presença de matéria orgânica atrai vetores como insetos e roedores em busca de alimento, que acabam procurando abrigo e alimento nas residências do entorno. Entretanto, devemos ressaltar que a proliferação de mosquitos, diretamente relacionada ao aumento de casos de doenças como malária, dengue, zika, chikungunya, bem como ao reaparecimento da febre amarela, deve-se ao caso particular de acúmulo de água parada, limpa ou não, dependendo da espécie do vetor, ou da deterioração ambiental que provoca a diminuição de predadores. É evidente que a qualidade do saneamento básico interfere diretamente na saúde pública, mas não é um fator que deve agir isolado, pois a educação por meio de programas de saúde e educação ambiental amplia a proteção das comunidades. Risco e controle ambiental: saneamento e saúde pública8 Figura 2. Esgotos a céu aberto e ausência de coleta de lixo são problemas globais em consequência da ineficiência na gestão do saneamento básico. Fonte: John Wollwerth/Shutterstock.com. Controle ambiental, saneamento básico e saúde pública Como já foi discutido, o crescimento populacional nas metrópoles como consequência de vários componentes sociais e econômicos afeta diretamente a saúde pública, pois há uma defasagem no acompanhamento desse cres- cimento, e essas novas comunidades ficam em situação de insalubridade crônica. Entretanto, deve-se considerar que essas mesmas comunidades não param de consumir; então, o crescimento populacional é acompanhado de um desenvolvimento industrial que também afeta o meio ambiente pela mesma defasagem no saneamento básico. Esse crescimento industrial é acompanhado pelo aumento da geração de resíduos líquidos, sólidos e gasosos que, por sua vez, a despeito da fiscalização, causam impacto significativo no saneamento básico, em especial, os efluentes líquidos. Esses efluentes são importantes por entrarem em uma conta fácil de entender: 97,3% da água do planeta é salgada, e requer tecnologia de des- salinização bem desenvolvida e acessível, o que ainda não é realidade; outra parte, 2,1%, está congelada e inacessível e, apenas 0,6% da água do planeta não se inclui nos dois casos anteriores. Para agravar a situação, 97,7% dessa 9Risco e controle ambiental: saneamento e saúde pública água é subterrânea e, da mesma forma como isso não é uma limitação para o seu uso, também não é para sua contaminação. Considerando essas informações, fica fácil perceber que o alvo do desen- volvimento tecnológico em saneamento básico é o tratamento de efluentes industriais e domissanitário, além do tratamento de água. Ao tratar o problema como uma oportunidade, é possível identificar dois modos de ação: aumentar a abrangência das tecnologias convencionais e investir no desenvolvimento de novas tecnologias. Segundo a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CMMAD) da Organização das Nações Unidas (ONU), o desenvolvimento sustentável deve atender às necessidades da atualidade sem comprometer o atendimento das necessidades das próximas gerações. Por isso, foram incluídos na Agenda 21 brasileira (BRASIL, [2003]) programas de inclusão social, de sustentabilidade urbana e rural, de preservação dos recursos naturais e minerais e de ética na política. Todos são fatores determinantes para o desenvolvimento do saneamento básico. Considerando que o principal meio de contaminação é a água, devemos entender que o mais eficiente é tratar cada efluente em sua geração, antes de ser lançado no corpo receptor. Esse tratamento está relacionado à qualidade do efluente e à legislação pertinente, que estabelecerá os parâmetros aceitáveis. É natural entendermos que esses dois fatores vão ser diferentes conforme a origem do efluente, que pode ser doméstica, agrícola, industrial ou pluvial, podendo não estar contaminada ou ter passado por um local de armazenamento de resíduos urbanos ou industriais. O tratamento é caracterizado pelas seguintes etapas: tratamento primário, ou uma filtração grosseira, em que se retiram os sólidos e os materiais ole- osos, além de regularizar o fluxo desse efluente líquido e controlar seu pH; tratamento secundário, uma biodigestão do que pode ser biodegradável; e o tratamento terciário, que visa à remoção de compostos químicos que persisti- ram dissolvidos, à remoção do cheiro da água e à sua preparação para reuso. Para a caracterização do efluente líquido, uma vez que sua composição é muito variável, foram estabelecidos, por meio de normatização, os seguintes critérios: o potencial poluidor de um efluente deve ser medido, inicialmente, a partir de sua Demanda Bioquímica de Oxigênio (DBO), relacionada ao que é biodegradável e à medida de consumo de oxigênio pelos microrganismos envolvidos; a Demanda Química de Oxigênio (DQO), relacionada ao consumo de oxigênio durante a oxidação química; o Carbono Orgânico Total, método cada vez mais confiável, em que se mede a emissão de CO2 pela oxidação completa dos compostos orgânicos do efluente; e outros parâmetros, como a cor, Risco e controle ambiental: saneamento e saúde pública10 o pH, a turbidez, a dureza, o oxigênio dissolvido, os sólidos totais dissolvidos e flutuantes, a temperatura, o nitrogênio e o fósforo, o material tóxico e, é claro, os agentes patogênicos, com atenção à presença de coliformes termotolerantes, que indicam a contaminação por esgoto cloacal, especificamente. O tratamento de esgoto domissanitário é beneficiado pelo seu teor orgânico reduzido em relação ao industrial que, atualmente, direciona as tecnologias para a produção de fertilizantes e para o reuso da água. No caso dos efluen- tes industriais, isso pode ser mais complicado. As Estações de Tratamento de Efluentes (ETE) são sítios de tratamento de águas residuárias (esgotos domissanitário e industrial) compostos de várias etapas. A seleção do que pode ser tratado em uma ETE obedece à matéria legal vinculada à Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA — Lei 6.938/1981) (BRASIL, 1981) e ao Decreto 99.274/1990 (BRASIL, 1990) — a partir dessa matéria, outras foram surgindo com regulamentações, adaptações e modernizações, nos âmbitos nacional, estadual e municipal. As ETEs devem envolver os tratamentos primário, secundário, terciário e outros. O tratamento primário, para a remoção de sólidos macroscópicos e grosseiros, inclui métodos cuja denominação é autoexplicativa. São feitos por grades e peneiras, caixas de areia e caixas de gordura, que podem ser separa- dores de água/óleo, tanques de sedimentação, que podem ser reapresentados após tratamento biológico(sedimentador secundário), equalizadores, que deixam o fluxo de efluente uniforme, neutralizadores (de pH), coaguladores e floculadores (há muito investimento no desenvolvimento de agentes floculantes biodegradáveis e recuperáveis, visando à substituição do sulfato de alumínio clássico), entre outros. Da natureza para a ETE — lodos ativados: as condições de decomposição da matéria orgânica na natureza obedecem ao ritmo externo, podendo ser lentas ou aceleradas, dependendo da temperatura. Se trouxermos os microrganismos da natureza para uma ETE, daremos para eles condições ótimas de trabalho. Essa é a ideia da ETE Biológica, que usa a tecnologia de lodo ativado. Leia mais em (COMPANHIA MUNICIPAL DE SANEAMENTO, 2017): https://goo.gl/bNfCcX 11Risco e controle ambiental: saneamento e saúde pública https://goo.gl/bNfCcX A entrada da iniciativa privada na área de tratamento de efluentes trouxe a revitalização de metodologias e a inovação do setor, antes dominado por repetições clássicas e dispendiosas, vistas exclusivamente sob o ponto de vista regulatório e do tratamento, sem considerar a possível geração de produtos, as alternativas locais, as inovações colaterais e a gestão de energia. Atualmente, passamos por uma época de conscientização sobre a finitude dos recursos não renováveis e sobre a consequente deterioração do meio ambiente e da qualidade de vida. Ao mesmo tempo, as alternativas empre- endedoras, com o surgimento de startups tecnológicas que pulverizam e democratizam o surgimento de soluções, e a visão de empreendimento da iniciativa privada trazem a lógica do investimento para a área de saneamento básico — investir no risco calculado para aumentar o benefício e reduzir as perdas: exatamente o problema do setor no País. Nesse contexto, encontramos a sustentabilidade em condomínios e residências, com o uso de alternativas de reuso de água, de olho na conta mensal e na contribuição individual para o bem coletivo. Na área rural, observamos alternativas de tratamento que reduzem a contaminação da produção agrícola e agregam valor à produção. Inovação direcionada à economia com benefício social é o motor da tecnologia. A Internet das Coisas (IOT, do inglês Internet of Things), aplicada ao monitoramento de consumo em tempo real, gerando Big Data e substituindo a transferência manual de dados, agiliza a tomada de decisões. O uso de biodigestores para a produção de biogás, associado à suinocultura, ou outras, além de buscar a sustentabilidade energética, demonstra essa lógica de transformar o que era considerado resíduo e um problema ambiental em matéria-prima. Temos o exemplo da Alemanha, que cumpre uma agenda rigorosa de eliminação de emissões e efluentes, implantando sistemas que aliam o tratamento de esgoto em ETEs clássicas à produção de fertilizantes para a agricultura (Figura 3), demonstrando, na prática, a viabilidade da sustentabilidade ambiental aliada à boa-vontade do setor público. Um estudo recente do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em ETEs Sustentáveis aponta o desperdício que o preconceito em relação ao esgoto traz, estimando que sua transformação em matéria-prima poderia gerar uma economia em recursos naturais na casa dos bilhões de reais, sem entrar no mérito da redução de perdas no saneamento básico e na redução de gastos em saúde, ou mesmo na geração de negócios pela agregação de valor ao tratamento de esgotos. Na área rural brasileira, temos as tecnologias da Fossa Séptica Biodigestora e do Clorador da Embrapa, substituindo a necessidade de intervenção do poder público com aumento de qualidade de vida e de sanidade na produção de hortifrutigranjeiros. Risco e controle ambiental: saneamento e saúde pública12 Devemos ficar atentos a novas tecnologias aplicáveis ao saneamento básico como um capítulo não escrito no desenvolvimento tecnológico do setor, além de mudar nossa visão de solução de problemas para a ação preventiva e para a visão de que a oportunidade está onde há um problema para ser resolvido, agregando-lhe valor e promovendo o desenvolvimento econômico. Sob essa lógica, cabe ao Engenheiro Ambiental estar sempre a par de novas tecnolo- gias, dedicando mais tempo ao aperfeiçoamento contínuo a fim de migrar da aplicação de manuais para a inovação. Figura 3. Planta de tratamento de esgotos junto ao rio Reno, na Alemanha — ETE associada à produção de fertilizantes orgânicos agrícolas. Fonte: Riekephotos/Shutterstock.com. 1. O saneamento básico é um dos problemas mais antigos da sociedade e continua presente nos dias atuais. Como podemos conceituar o saneamento básico? a) Uma técnica para tratar o esgoto sanitário. b) Um conjunto de métodos e ações que inclui o tratamento do esgoto 13Risco e controle ambiental: saneamento e saúde pública sanitário e o gerenciamento dos resíduos urbanos. c) Um conjunto de métodos e ações para distribuição da água potável. d) Um conjunto de métodos e ações que inclui distintos serviços urbanos. e) Um método de controle urbano para os serviços básicos, como tratamento de água e esgoto, limpeza urbana, gerenciamento dos resíduos sólidos e drenagem urbana. 2. A Organização Mundial da Saúde (OMS) conceitua saúde pública como a ciência e a arte de promover, proteger e recuperar a saúde, por meio de medidas de alcance . Marque a alternativa que preenche corretamente o conceito colocado. a) Individual. b) Privado. c) Coletivo. d) Familiar. e) Público. 3. A falta ou ineficiência do saneamento básico permite que doenças se proliferem de maneira descontrolada, causando sérios problemas de saúde pública. As condições mais frequentes são as chamadas doenças de veiculação hídrica, que são: a) doenças causadas pela picada de insetos. b) doenças que se originam na falta de gerenciamento de resíduos sólidos urbanos. c) doenças causadas por invertebrados. d) doenças causadas pela ingestão de alimentos contaminados. e) doenças causadas por microrganismos nocivos presentes na água. 4. Imagine-se fiscal ambiental de uma pequena cidade do interior. O prefeito sinalizou para a ocorrência de inúmeros casos de infecção intestinal, sobretudo em crianças de dois bairros da periferia, havendo, inclusive, dois casos de morte. Na ocasião, chegou ao seu departamento o pedido de colaboração na investigação, e você é incluído na equipe. Chegando ao local, vocês se deparam com a seguinte cena: crianças brincando em um arroio e inúmeras canalizações com efluentes escuros desembocando ali. Diante da cena, você conclui que: a) o problema está na falta de tratamento da água. b) o problema está na falta de tratamento da água do arroio. c) o problema está na falta de tratamento de esgoto. d) o problema está na presença de resíduos sólidos no arroio. e) o problema está nas crianças brincando no arroio. 5. O tratamento de esgoto em ETE Biológica é uma das soluções mais sustentáveis para o problema de esgotamento sanitário, sendo que: a) o tratamento secundário por biodigestão da matéria orgânica do esgoto é uma das extensões mais promissoras desse tratamento. b) o tratamento microbiológico secundário é responsável, entre outras coisas , pela eliminação do mau cheiro característico do esgoto. Risco e controle ambiental: saneamento e saúde pública14 c) o tratamento primário do esgoto é uma das etapas estratégicas do processo. d) é possível utilizar diretamente o esgoto como produto ou matéria-prima, viabilizando seu uso como fertilizante. e) o processo de tratamento biológico se encarrega de fazer a desinfecção da água, eliminando os agentes patogênicos com altas doses de biocidas. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao. htm>. Acesso em: 05 jul. 2018. BRASIL. Decreto nº 99.274, de 6 de junho de 1990. Regulamenta a Lei nº 6.902, de 27 de abril de 1981, ea Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981... Brasília, 06 jun. 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/antigos/d99274.htm>. Acesso em: 05 jul. 2018. BRASIL. Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. Brasília, 31 ago. 1981. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/Leis/L6938compilada.htm>. Acesso em: 05 jul. 2018. BRASIL. Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007. Estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico... Brasília, DF, 5 jan. 2007. Disponível em: <http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/lei/l11445.htm>. Acesso em: 04 jul. 2018. BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Agenda 21 brasileira. Ministério do Meio Am- biente, [2003]. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/responsabilidade-socioam- biental/agenda-21/agenda-21-brasileira>. Acesso em: 05 jul. 2018. COMPANHIA MUNICIPAL DE SANEAMENTO. Tratamento de esgoto: o processo de tratamento de esgotos - uma breve introdução. , Novo Hamburgo, ago. 2017. Disponível em: <http://www.comusa.rs.gov.br/index.php/saneamento/ tratamentoesgoto>. Acesso em: 05 jul. 2018. GO ASSOCIADOS. Diagnóstico e perspectivas para os investimentos em saneamento no Brasil. , [São Paulo], 26 jun. 2017. Disponível em: <https://goassociados.com.br/ diagnostico-e-perspectivas-para-o-os-investimentos-em-saneamento-no-brasil/>. Acesso em: 04 jul. 2018. JORNAL DIA DIA. Falta de saneamento básico no Brasil é grande ameaça à saúde pública. Portal Saneamento Básico, [S.l.], 02 fev. 2016. Disponível em: <https://www. 15Risco e controle ambiental: saneamento e saúde pública http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/antigos/d99274.htm http://www.planalto.gov.br/ http://www.planalto/ http://gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/lei/l11445.htm http://www.mma.gov.br/responsabilidade-socioam- http://www.comusa.rs.gov.br/index.php/saneamento/ https://goassociados.com.br/ saneamentobasico.com.br/falta-de-saneamento-ameaca-saude-publica/>. Acesso em: 05 jul. 2018. NAÇÕES UNIDAS DO BRASIL. OMS: Para cada dólar investido em água e saneamento, economiza-se 4,3 dólares em saúde global. , [S.l.], 20 nov. 2014. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/oms-para-cada-dolar-investido-em-agua-e-saneamento- economiza-se-43-dolares-em-saude-global/>. Acesso em: 06 jul. 2018. SILVA JÚNIOR, I. S. A garantia da sustentabilidade dos recursos hídricos por meio do saneamento básico. Jus.com.br, Teresina, p. 1-2, fev. 2013. Disponível em: <https:// jus.com.br/artigos/23749/a-garantia-da-sustentabilidade-dos-recursos-hidricos-por- meio-do-saneamento-basico/2>. Acesso em: 04 jul. 2018. WORLD HEALTH ORGANIZATION; UN-WATER. UN-water global analysis and asses- sment of sanitation and drinking-water (GLAAS) 2014 report: investing in water and sanitation: increasing access, reducing inequalities. Geneva, 2014. Disponível em: <http://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/139735/9789241508087_eng. pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Acesso em: 05 jul. 2018. Risco e controle ambiental: saneamento e saúde pública16 http://saneamentobasico.com.br/falta-de-saneamento-ameaca-saude-publica/ https://nacoesunidas.org/oms-para-cada-dolar-investido-em-agua-e-saneamento- http://com.br/ http://jus.com.br/artigos/23749/a-garantia-da-sustentabilidade-dos-recursos-hidricos-por- http://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/139735/9789241508087_eng. Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual da Instituição, você encontra a obra na íntegra.
Compartilhar