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Ana Calorina-Trabalho

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo 
PUC-SP 
 
 
 
Ana Carolina Nilce Barreira Candia 
 
 
 
 
 
RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO IMATERIAL (OU AFETIVO) 
DIRETO E INVERSO 
 
 
 
Mestrado em Direito Civil 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
São Paulo 
2017 
 
 
 
Ana Carolina Nilce Barreira Candia 
 
 
 
 
 
 
RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO IMATERIAL (OU AFETIVO) 
DIRETO E INVERSO 
 
 
 
Mestrado em Direito Civil 
 
 
Dissertação apresentada à Banca 
Examinadora da Pontifícia Universidade 
Católica de São Paulo, como exigência 
parcial para obtenção do título de 
MESTRE em Direito Civil, sob a 
orientação do Prof. Dr. Francisco José 
Cahali. 
 
 
 
 
 
 
 
São Paulo 
2017 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Banca Examinadora 
 
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Dedico este trabalho a Deus, a toda minha 
família e a todos aqueles que de alguma 
forma contribuíram na evolução desta 
dissertação. 
 
 
 
Agradeço ao CNPQ pela concessão da bolsa. 
 
 
 
AGRADECIMENTOS 
Quanta responsabilidade a mim cabe neste trecho do trabalho. Muitas são as 
pessoas a quem devo agradecer. 
Tive a sorte de trilhar a estrada até aqui encontrando seres humanos incríveis. 
A começar pelo ilustre orientador Prof. Dr. Francisco José Cahali, cuja maestria e 
domínio do conteúdo jurídico há muito admiro. Entretanto, o que realmente me 
impressiona é a capacidade de aliar toda essa expertise com altas doses de cordialidade, 
humildade, e acima de tudo: humanidade. Não tenho palavras suficientes para 
agradecer: muitíssimo obrigada! 
Agradeço também a querida Prof. Dra. Odete Novais Carneiro Queiroz que me 
ensinou as primeiras lições de Direito Civil e me acompanhou ao longo dos cinco anos 
da graduação, sempre com exímia dedicação e rigor para alcançar o melhor de cada 
aluno! Foi a primeira a me incentivar e impulsionar para o início do curso de Mestrado: 
Muito obrigada!! 
Sou muito grata também ao Prof. Dr. Oswaldo Peregrina Rodrigues e ao Prof. 
Dr. Adriano Ferriani pelas sábias orientações e apontamentos sobre o tema tratado, bem 
como por apresentar questionamentos necessários. Busquei responde-los seguindo os 
preceitos e as orientações bibliográficas passadas. Com certeza, os Drs. foram 
fundamentais para se alcançar o resultado exposto no trabalho. Muito obrigada!! 
Ao longo da jornada encontrei também a querida Prof. Dra. Fabiana Del Padre 
Tomé, que, com as interessantes aulas sobre o complexo Constructivismo Lógico 
Semântico, me incentivou a repensar toda a Teoria Geral do Direito. A dedicação da 
professora transformava toda a complexidade em clareza sem igual! Muito obrigada! 
Também tive a oportunidade de acompanhar de perto a expertise e incrível 
clareza do Prof. Dr. Manoel de Arruda Alvim. É realmente impressionante a capacidade 
de transitar com domínio e profundidade sobre os mais diversos aspectos materiais e 
processuais do Direito Civil, sempre com muita humildade e grande cordialidade para 
com os alunos! Muito obrigada! 
Com as aulas do Prof. Dr. Arruda Alvim, conheci o Prof. Dr. Everaldo 
Cambler, a quem devo agradecer pelos ensinamentos, pela atenção com os temas de 
cada aluno e pela gentileza de sempre: muito obrigada! 
Agradeço ainda pela maneira sempre muito gentil com que me trataram os 
ilustres professores presentes em minha trajetória ao longo do curso de Mestrado: Prof. 
 
 
 
Dra. Rosa Nery, Prof. Dr. Maria Helena Diniz, Prof. Dr. Maria Celeste Cordeiro Leite 
Santos e Prof. Dr. Rogério Donnini, muito obrigada! 
Devo agradecer também ao ilustríssimo Dr. Theodureto de Almeida Camargo 
Neto, que me apresentou o tema do Dano Afetivo e muito contribuiu para a minha 
formação como profissional do Direito. Agradeço pela consideração que sempre 
demonstrou, pela cordialidade com que sempre me tratou, pelos ensinamentos de cada 
conversa, e por ter me concedido a oportunidade de contato com os mais variados 
assuntos do Direito Civil! Muito obrigada! Há muito dos seus ensinamentos nessa 
dissertação! 
Não poderia, de forma alguma, deixar de mencionar as queridas Érika Menezes 
e Tânia Magalhães, que contribuíram de maneira tão carinhosa com minha formação e 
não mediram esforços para ensinar e elucidar os mais diversos assuntos processuais! 
Tiveram grande participação em minha trajetória: muito obrigada! 
Agradeço também ao Dr. Ricardo Negrão pela oportunidade e gentileza com 
que sempre me recebeu! Sou grata por tantos esclarecimentos acerca do campo 
empresarial do Direito Civil! Muito obrigada! 
Merecem agradecimento também as queridas Fernanda Cosme, Sabrina Scafi, 
Vanessa e Rogério Lopes por me receberem tão bem e me auxiliarem no aprendizado e 
desenvolvimento dos assuntos propostos: muito obrigada! 
Sempre muito gentil, carinhosa e esclarecida: Dr. Márcia Donini Dias Leite. 
Foi quem me apresentou as primeiras lições sobre o direito processual. Com muita 
paciência e atenção, dedicava-se a tentar esclarecer as minhas inúmeras dúvidas. 
Agradeço pela oportunidade e por todo zelo! Muito obrigada! 
Importante agradecer também ao Dr. Luis Fernando Nardelli – dotado de 
cultura ímpar – que muito gentilmente contribuiu com as pesquisas e roteiro a ser 
observado neste trabalho: muito obrigada pela cordial atenção de sempre! 
Mister agradecer também ao querido Dr. Caesar Augustus e ao Dr. Nilton 
Serson pela oportunidade, paciência e intenso ensino sobre a prática jurídica: muito 
obrigada! 
Não tenho como deixar de agradecer à Deus e à toda minha família. 
Agradeço ao meu querido Tio Dr. Meliton Candia, que chegou até a ler sobre a 
autopoiese do sistema jurídico comigo: não tenho palavras para agradecer todo o apoio, 
amor e suporte! Agradeço ao meu pai Dr. Rodolfo Candia por buscar estar sempre a 
 
 
 
postos para me direcionar e proteger – inclusive dos insetos que por ventura aparecem 
para me assustar no meio da madrugada! Agradeço à minha mãe Dra. Alice Candia 
pelos diversos ensinamentos, apoio e exemplo de luta e trabalho! Aos meus irmãos, 
Aline e Rafael, por compartilharem toda a minha existência. Às minhas queridas e 
amadas primas Tamires e Aneliz e tia Edilaine por todo carinho. À Lindete Lago por 
estar sempre presente. À Nalva e Gil por sempre me ajudarem. Ao meu 
‘companheirinho’ Charlie que esteve comigo durante toda a elaboração deste trabalho. 
Ao Arthur Suelotto pelo auxilio na execução do Curso. À Dr. Daniela Freitas pela 
parceria. Ao Frederico Oliveira pela ajuda com as pesquisas de doutrina e 
jurisprudência alienígena. À Dra. Isadora Urel, à Dra. Mirelle Lotufo e ao Dr. Adriano 
Elias Oliveira, por compartilharem comigo dicas e experiências ao longo do nosso 
curso. À amiga querida Bianca Pavam, minha parceira desde a minha primeira aula de 
Direito. À tia Sônia pela preocupação e cuidado. A todos os meus familiares e a todos 
que contribuíram direta ou indiretamente com este trabalho: MUITO OBRIGADA! 
 
 
 
 
RESUMO 
Autora: Ana Carolina Nilce Barreira Candia 
Título: Responsabilidade civil por abandono imaterial (ou afetivo) direto e inverso 
Dedica-se o presente trabalho a observar que o fato de algum dos genitores não deter a 
guarda da prole não é fator a permitir a total ausência, ainda que haja o custeio de 
alimentos e outras questões materiais. Isto porque, o poder familiar imputa deveres 
paternos que não podem ser cumpridos sem que haja presença. Desta forma, a ausência 
implica, necessariamente, em inadimplemento, pelos pais, dos deveres de cuidado 
inerentes ao poder familiar, ou seja, se constitui como ato antijurídico. Os danos 
decorrentes deste devem, assim, ensejar a incidência da responsabilidade, a qual tem 
como base o preceito de não lesar a outrem. Buscando obedecer a este princípio,é que o 
genitor que vê o outro progenitor praticando alienação parental do(a) filho(a), deve 
buscar tutela jurisdicional a fim cessar este ato e garantir o seu direito-dever de visitar e 
conviver com o filho. Se o pai ou a mãe nada faz para cessar a alienação parental, não 
poderá usá-la como pretexto para afastar a responsabilidade civil caso pratique o 
abandono, vez que esse cenário configuraria o ato de se beneficiar da própria torpeza, 
pois se utilizaria da omissão em não cessar a alienação para se furtar do adimplemento 
do dever de cuidado. Por outro lado caso haja busca pelo não guardião em visitar o(a) 
filho(a), mas este é que – por motivos próprios- pratique a rejeição, não se estará diante 
de hipótese de abandono paterno a ensejar o dever de indenizar, vez que, nesta hipótese, 
há a prática, pelo pai ou mãe, de atos comissivos para a convivência. Com relação ao 
amor, verificou-se que a incidência da indenização não é por falta de afeto, e sim por 
ausência de cuidado; cabendo notar que quem cuida não demostra rejeição, ainda que 
não ame. Também se apontou que a paternidade biológica, adotiva ou socioafetiva são 
equivalentes, portanto, os deveres inerentes também o são. Por sua vez, aquele que, 
apesar de não efetivar averbação de paternidade no registro civil, cativa infante agindo 
como se pai ou mãe fosse, também deverá responder pelos danos causados caso 
posteriormente abandono o menor. Isto porque, estar-se-á diante de descumprimento 
dos preceitos da boa-fé objetiva. Seguindo a mesma lógica de raciocínio, porém, de 
maneira inversa, denotamos também o direito dos idosos à convivência familiar e o 
dever dos filhos cuidarem daqueles. Assim, ainda que haja o custeio de questões 
materiais, a falta de zelo e ausência da prole quando os pais são idosos se constitui 
como ato antijurídico a enseja os decorrentes danos. Contudo, há exceção da 
exigibilidade deste cuidado quando o filho que abandona, outrora foi vítima 
abandonado na infância ou adolescência, ou seja, foi vítima de ato indigno que deve 
afastar a exigibilidade tanto de alimentos como de cuidados imateriais. 
Palavras-chave: Responsabilidade civil. Deveres paternos e maternos filiais. Poder 
familiar. Paternidade socioafetiva. Adoção. Boa-fé objetiva. Obrigações dos filhos para 
com os pais idosos. Abandono imaterial ou afetivo direto e inverso. Deveres de cuidado. 
Presença e convivência como dever. 
 
 
 
ABSTRACT 
Author: Ana Carolina Nilce Barreira Candia 
Title: Liability for immaterial (or affective) abandonment forward and reverse 
The work at hand intends show that, if one of the parents does not detain custody of the 
offspring, that is not a factor to allow total absence, even when it already 
involves support regarding cost of food and other material issues. This is because a 
parent’s obligation to impute paternal duties cannot be fulfilled without presence. In this 
way, absence necessarily implies the parent's failure to fulfil the duties of care inherent 
to the parent’s obligation, that is, it constitutes an unlawful act. The damages resulting 
from this must, therefore, give rise to the incidence of liability, which is based on the 
precept of not harming others. Seeking to obey this principle, is that the parent who sees 
the other parent practicing parental alienation of the child should seek judicial 
protection in order to cease this act and ensure their right-duty to visit and live with the 
child. If the father or mother does nothing to stop the parental alienation, he cannot use 
it as a pretext to exclude civil liability if he practices abandonment, since this scenario 
would be the act of benefiting from his own inaction, since it would use the omission in 
not ceasing the alienation in order to avoid the duty of care. On the other hand, if 
the non-custodian seeks to visit the child, but - for reasons of his own - is faced with 
rejection by the child, there will be no possibility of parental abandonment to give rise 
to the obligation to indemnify. Instead, in this hypothesis, there is the practice, by the 
father or mother, of commissive acts for their convenience. With respect to love, it was 
verified that the incidence of the indemnity is not for lack of affection, but for lack of 
care; It should be noted that those who care do not show rejection, even if they do not 
love. It was also pointed out that biological, adoptive or socio-affective parenthood are 
equivalent, therefore, the inherent duties are also equivalent. In turn, the one who, 
although not effecting paternity registration in the civil registry, captivates the infant 
acting as if the father or mother were, must also respond for the damages caused in case 
of later abandonment of the minor. This is because it will be faced with non-compliance 
with the precepts of objective good faith. Following the same logic of reasoning, 
however, in reverse, we also denote the right of the elderly to family life and the duty of 
their sons to care for them. Thus, even if there is material costing, the lack of zeal and 
absence of the offspring when the parents are old constitutes itself as an unlawful act 
and causes the consequent damages. However, there is an exception to the 
enforceability of this care, when the child who leaves was once a victim abandoned in 
childhood or adolescence, that is, he was the victim of an unworthy act that should rule 
out the enforceability of both food and immaterial care. 
Keywords: Civil responsibility. Maternal duties branches. Socio-affective paternity. 
Adoption. Objective good faith. Obligations of children to elderly parents. Intangible or 
direct abuse. Moral damage. Duties of care. Presence and coexistence as duty. 
 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
1. INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 11 
2. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DA CONFIGURAÇÃO DA FAMÍLIA
 ........................................................................................................................................ 14 
2.1. O instituto da família sobre o prisma do Direito Romano até a Constituição 
Brasileira de 1824 .................................................................................................................. 14 
2.2. Visão jurídica da família a partir da Constituição Brasileira de 1824 até a Carta 
Magna de 1988 ....................................................................................................................... 17 
3. A TRANSFORMAÇÃO DO DIREITO CIVIL BRASILEIRO: DE UM VIÉS 
PATRIMONIALISTA PARA UMA VISÃO HUMANISTA INSERIDA COM A 
CARTA MAGNA DE 1988 .......................................................................................... 22 
3.1. O Direito e a era pós-moderna ...................................................................................... 22 
3.2. O Código Civil e a Pós-Modernidade: Constitucionalização do Direito Civil ......... 24 
3.3. Constitucionalização do Direito de Família ................................................................. 26 
4. RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO IMATERIAL (OU 
AFETIVO) ..................................................................................................................... 30 
4.1. Breve consideração sobre o termo “Abandono Imaterial (ou Afetivo)” ................... 30 
4.2. Aplicação dos princípios constitucionais ...................................................................... 31 
4.3. Princípios constitucionais aplicáveis ao Direito de Família ........................................ 33 
4.3.1. Princípio da cidadania ............................................................................................... 35 
3.3.2. Princípio da dignidade da pessoa humana ................................................................. 37 
4.3.3. Princípio da solidariedade .........................................................................................40 
4.3.4. Princípio da afetividade ............................................................................................. 42 
4.3.5. Princípio da convivência familiar.............................................................................. 45 
4.3.6. Princípio da proteção integral a crianças, adolescentes, jovens e idosos .................. 48 
4.3.7. Princípio do melhor interesse da criança e do adolescente ....................................... 50 
4.3.8. Princípio da paternidade responsável ........................................................................ 51 
4.4 Aspectos relevantes da responsabilidade civil aplicados ao caso ................................ 52 
4.4.1. Considerações iniciais ............................................................................................... 52 
4.4.2. Requisitos para caracterização da responsabilidade civil subjetiva .......................... 57 
4.4.2.1. Culpa ................................................................................................................................ 57 
4.4.4.2. Dano ................................................................................................................................. 62 
4.4.2.4.1. Dano moral ................................................................................................................ 65 
4.2.3. Nexo causal ............................................................................................................... 73 
4.5. Responsabilidade civil por abandono imaterial (ou afetivo) direto ........................... 75 
4.5.1. Transformação do pater familias em poder familiar ................................................. 76 
4.5.2. Conteúdo do poder familiar ....................................................................................... 79 
4.5.3. Suspensão do Poder familiar ..................................................................................... 83 
4.5.4. Extinção do Poder familiar ........................................................................................ 83 
4.5.4.1. Reincidência das faltas previstas no artigo 1.637, CCB ................................................... 84 
4.5.4.2. Castigo imoderado ............................................................................................................ 84 
4.5.4.3. Prática de atos contrários à moral e aos bons costumes ................................................... 86 
 
 
 
4.5.4.4. Deixar o filho em abandono ............................................................................................. 88 
4.5.5. Considerações sobre a expressão abandono afetivo (ou imaterial) ‘direto’ .............. 91 
4.5.6. Presença como dever ................................................................................................. 92 
4.5.6.1. Dever do não guardião supervisionar os interesses do filho ............................................. 93 
4.5.6.2. Dever de dirigir a criação e a educação ............................................................................ 95 
4.5.6.3. Dever de educação e cuidado: responsabilidade compartilhada entre os pais .................. 96 
4.5.6.4. Dever de garantir a efetivação da saúde ........................................................................... 98 
4.5.6.5. Dever de garantir a convivência familiar.......................................................................... 99 
4.5.6.6. Dever do não guardião em visitar o filho ....................................................................... 100 
4.5.7. Danos decorrente da culposa não convivência do pai ou da mãe com os filhos ..... 106 
4.5.8. Dever de reparar os danos causados à prole com o abandono imaterial (ou afetivo)
 ........................................................................................................................................... 115 
4.5.8.1. Presença de substituto não apaga a dolorosa realidade de ser um filho rejeitado ........... 119 
4.5.8.2. Desamor e dever de cuidado ........................................................................................... 120 
4.5.8.3. Dano material com tratamento psicológico .................................................................... 122 
4.6. Abandono Afetivo Inverso: responsabilidade civil dos filhos pelos danos causados 
aos pais idosos em decorrência da não convivência familiar ........................................... 123 
4.6.1. O termo “abandono afetivo inverso” ....................................................................... 123 
4.6.2. Abandono afetivo inverso: a difícil realidade de muitos idosos .............................. 125 
4.6.3. Danos decorrentes do abandono afetivo inverso ..................................................... 128 
4.6.4. Dever de indenizar os danos decorrentes do abandono afetivo inverso .................. 135 
4.7. Jurisprudência e questões controvertidas referentes ao denominado ‘abandono 
afetivo’ .................................................................................................................................. 138 
4.7.1. Quanto ao abandono afetivo direto ......................................................................... 138 
4.7.1.1. Prescrição e decisão do Superior Tribunal de Justiça sobre “abandono afetivo” 
publicada em 29 de novembro de 2017 ................................................................................... 147 
4.7.1.2. Presença sem amor: quem cuida não demonstra que não ama ................................... 153 
4.7.1.3. Há dever de a mãe ou o pai socioafetivo indenizar danos por abandono imaterial do(a) 
filho(a) afetivo(a)? .................................................................................................................. 158 
4.7.2. Quanto ao abandono afetivo inverso ....................................................................... 163 
4.7.2.1. Pai que abandonou a prole que era criança ou adolescente, pode exigir que esta o cuide 
quando estiver idoso? .............................................................................................................. 167 
4.8. Projetos de Lei sobre o denominado “abandono afetivo” ........................................ 169 
4.9. Função compensatória e sancionadora da responsabilidade civil: sanção como 
elemento integrado à norma jurídica ................................................................................ 171 
5. CONCLUSÃO ......................................................................................................... 178 
6. BIBLIOGRAFIA .................................................................................................... 185 
 
 
 
 
 
11 
1. INTRODUÇÃO 
 
O presente trabalho visa a analisar a responsabilidade civil do progenitor que 
não detém a guarda, arca com custeio material de pensão alimentícia, porém é ausente 
imaterialmente e não convive, nem visita a prole. 
Também se insere no escopo dessa dissertação a análise inversa da referida 
situação. É o caso do(a) filha(a) que, independente de qualquer contribuição material, 
abandona imaterialmente o pai ou a mãe quando estes se tornam idosos. 
Pretende-se, dentro destes contextos, analisar o dever de reparar os danos 
causados com a falta de presença e não convivência quando o descendente ou 
ascendente se encontram em situação de vulnerabilidade, seja por estarem em fase de 
desenvolvimento, seja por se tornarem dependentes em razão do avanço da idade. 
O tema tratado é considerado novo e ainda controverso. 
Só foi possível suscitar o assunto ora tratado nesta dissertação em razão das 
diversas alterações sociais ocorridas nas concepções dos papéis a serem exercidos 
dentro da família, com a valorização do indivíduo e a consolidação do entendimento 
sobre a possibilidade de se arbitrar indenização em função de danos materiais e também 
morais causados – dever este de indenizar que passou a incidirinclusive no direito de 
família. 
Foram as mudanças histórias nas configurações familiares, com o fim da 
submissão da mulher em relação ao homem no seio da família propiciada pela igualdade 
de gênero instituída pela Carta Magna de 1988, aliada à valorização do infante, o qual 
passou a ser visto como sujeito de direito que merece especial e integral proteção 
justamente por estar em fase de desenvolvimento bem como à valorização da dignidade 
humana, da integridade física e psíquica de cada cidadão, do respeito ao idoso e da 
responsabilidade dos pais para com os filhos durante a infância e adolescência e destes 
em relação àqueles quando os progenitores estiverem idosos, que permitiram a 
abordagem do tema ora exposto. 
O escopo dentro deste contexto é verificar se a não presença (ou ausência 
imaterial) tem o condão de gerar a incidência do dever de indenizar os danos causados. 
A ausência material dos filhos infantes ou dos pais idosos pode ocasionar, inclusive, 
responsabilidade penal. Já a ausência exclusivamente imaterial pode gerar danos? Estes 
danos devem ser objeto de indenização? Pode-se exigir legalmente o amor? E a 
 
 
 
12 
presença, pode ser legalmente exigida? Existe dever jurídico de convivência paterno ou 
materno-filial? O dever de indenizar pecuniariamente o abandono material serve para 
compensar a dor da ausência? Pode-se punir aquele que não quis ser presente? É 
possível o caráter punitivo na responsabilidade civil? 
São esses os questionamentos que se pretende responder com esta dissertação. 
Para tanto, faz-se primordial breve contextualização história da configuração 
familiar ao longo dos tempos, passando pelo Direito Romano e alcançando a atual 
concepção abordada na Constituição Federal Brasileira datada de 1988. Isto porque, não 
há como tratarmos do assunto família sem ao menos compreendermos o que de fato é 
essa instituição e como ela tomou os contornos dos quais se reveste atualmente. É disto 
que se trata no primeiro capítulo. 
Já o capítulo consecutivo é dedicado à transformação do Direito Civil 
Brasileiro. Passou-se de tempos de valorização patrimonial para uma era de 
supervalorização do individuo e de seu bem estar social. Tal alteração foi configurada 
com a promulgação em 1988 da atual Carta Constitucional. Ocorreu, entretanto, que 
alguns dispositivos do Código Civil de 1916 se tornaram inaplicáveis por não estarem 
de acordo com os novos preceitos trazidos pela Constituição vigente. Verificou-se, 
assim, a chamada Constitucionalização do Direito Civil, pois era necessário que os 
civilistas, por muitas vezes, buscassem as soluções diretamente nos artigos da 
Constituição e não mais nos artigos do Código Beviláqua. O cenário alterou-se com a 
edição do Código Civil que passou a vigorar em 2002. Neste codex foram assumidos os 
preceitos preconizados pela Carta de 1988 e concretizados em forma de lei civil. 
No terceiro e último capítulo serão consideradas as transformações referidas 
anteriormente, que resultaram no contexto atualmente verificado, para se analisar a 
responsabilidade civil por abandono imaterial ou afetivo. De início, irá se esclarecer o 
uso da terminologia adotada e em seguida serão apresentados os princípios que 
embasam o tema sustentado nesta dissertação. 
Posteriormente, será realizado breve esclarecimento quanto ao instituto da 
responsabilidade civil e dos elementos genéricos necessários para a sua configuração. 
Tais elementos serão especificamente apontados nas hipóteses em concreto quando se 
tratar do dever de reparar os danos causados com o abandono afetivo direto e também 
na oportunidade de se referir ao dever de indenizar os danos decorrentes do abandono 
afetivo inverso. 
 
 
 
13 
A fim de se alcançar tais pontos será observada a transformação do pater 
familias em poder familiar e o conteúdo deste, bem como analisado 
pormenorizadamente cada um dos deveres paterno-filiais condizentes com o instituto. 
Uma vez verificado se é exigível legalmente a presença, na vida do filho, pelo genitor 
não guardião, passar-se-á à análise dos danos que a ausência paterna ou materna gera na 
vida dos infantes que estão em fase de desenvolvimento. Neste item será percebida forte 
presença da multidisciplinariedade com o campo da psicologia. Isto porque essa é a área 
que se dedica aos estudos da influência dos sentimentos no desenvolvimento da psique 
humana. Somente depois de tratados esses assuntos é que se poderá responder as 
questões referentes ao dever de indenizar o abandono imaterial (ou afetivo) direto, 
confrontando-se, ainda, o amor com o dever de cuidado. 
No tópico subsequente, apresentar-se-á análise da situação inversa, ou seja, 
sobre o abandono imaterial dos filhos em relação aos pais idosos. Será esclarecida a 
terminologia abandono afetivo inverso e abordar-se-á pragmaticamente a respeito da 
realidade de muitos idosos no Brasil. A partir desse cenário é que se poderá tratar a 
respeito dos danos que o abandono imaterial pelos filhos causa aos idosos; e novamente 
estará presente a multidisciplinariedade para se alcançar as conclusões a respeito do 
dever de indenizar os danos decorrentes do abandono afetivo inverso. 
No último tópico do trabalho, será apresentada análise jurisprudencial sobre o 
tema, bem como algumas questões ainda mais controvertidas dentro do conteúdo já 
controverso. Após, serão mencionados alguns projetos de lei sobre o assunto tratado, e 
por fim, buscar-se-á responder as questões referentes á função da responsabilidade civil: 
se apenas compensatória ou se também punitiva. Alcançar-se-á, em seguida, as 
conclusões sobre o assunto exposto. 
 
 
 
14 
2. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DA CONFIGURAÇÃO DA FAMÍLIA 
 
2.1. O instituto da família sobre o prisma do Direito Romano até a 
Constituição Brasileira de 1824 
 
Para tratar sobre o estudo do Direito de Família, faz-se necessária uma breve 
análise histórica para se compreender a maneira como as relações familiares se 
apresentam e se modificam com o passar do tempo. Esta contextualização é 
fundamental para se entender corretamente as normativas jurídicas de cada época, bem 
como as alterações destas. 
Afinal, não são as leis ou o Estado que criam o conceito de família e seus 
institutos; ao contrário: é o sistema jurídico, por meio de seus legisladores e intérpretes, 
que busca absorver e acompanhar as intensas e constantes modificações no arquétipo 
familiar. Conforme ensina Batista Villela, “a família antecede o Estado, preexiste à 
Igreja e é contemporânea ao Direito”
1
. É nesta toada que se faz prudente uma breve 
análise do direito familiar praticado desde Roma. 
O termo família, no período Romano, se referia, inicialmente, ao conjunto de 
escravos pertencentes a um homem, enquanto que o termo fumulus seria destinado a 
cada escravo doméstico desta ‘família’. Em razão de sua transmissibilidade por 
testamento, a expressão família passou a abranger não apenas o conjunto de escravos, 
mas também a mulher e os filhos pertencentes ao homem chefe daquela organização, o 
qual detinha absoluta propriedade sobre os membros da família, podendo dispor 
inclusive sobre o direito de vida ou morte destes integrantes. Era o denominado pater 
família. 
Neste sentido, relata Friederich Engels que o termo família: 
 
a princípio entre os romanos não se aplicava nem ao par de cônjuges e aos 
seus filhos, mas somente aos escravos. Famulus quer dizer escravo doméstico 
e família é o conjunto de escravos pertencentes ao mesmo homem. Nos 
tempos de Gaio, a família ‘id est patrimonium’ (isto é, herança) era 
transmitida por testamento. A expressão foi inventada pelos romanos para 
designar um novo organismo social, cujo chefe mantinha sob seu poder a 
mulher, os filhos e certo numero de escravos, com o pátrio poder romano e o 
direito de vida e morte sobre todos eles. 
 
1
 VILLELA,João Baptista. Repensando o direito de família. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). 
Anais do I Congresso Brasileiro de Família – Repensando o Direito de Família. Belo Horizonte: 
IBDFAM: OAB-MG, 1999, p. 15-30. 
 
 
 
15 
 
É possível visualizar, assim, que o Direito Romano foi constituído em uma 
sociedade cuja base familiar era fortemente patriarcal, com total submissão da família 
perante o poder do pai. 
Nesse contexto de autoridade incontestável do pater família, nenhuma 
importância era atribuída aos aspectos afetivos da convivência familiar. A este respeito 
Fustel Coulanges constata: 
 
O arcabouço da família não era tampouco o afeto natural, visto que o direito 
grego e romano não tomavam na menor conta esse sentimento. Poderia este 
existir no íntimo dos corações, mas para o direito não representava nada
2
. 
 
Arnoldo Wald
3
 evidencia essa relação de poder e não de afeto, descrevendo 
que o homem mais velho da família era quem a comandava e detinha o poder sobre os 
integrantes da célula familiar (“pater familias”), comandando, assim, não apenas todo o 
patrimônio e bens familiares, mas também ditando a religião, crença e costumes que 
deveriam ser observados na unidade familiar. 
Santiago Dantas
4
, por sua vez, explica a forma como se dava a constituição 
inicial da família no período do antigo Direito Romano: segundo o escritor, o 
matrimônio se constituía após um ano da união da mulher com o homem. Dado este 
lapso temporal, a mulher era transferida de sua família de origem para seu marido, 
restando submissa, assim, à autoridade do ‘pater’: 
 
Ao cabo de um ano de usus, o matrimônio se consumava, produzia seu efeito 
principal, que era transferir a mulher de sua família de origem para a família 
do marido, ou aí deixá-la sob a autoridade do pater. Se o marido era Sui Júris, 
a mulher ficava, pode-se dizer sob o poder marital, mas se o marido era alieni 
iuris a mulher não caía sob o poder do marido, mas do pater do marido; e este 
poder sobre a mulher e sobre as noras chamava-se manus, rompendo-se por 
completo os laços de parentesco que prendiam a mulher à sua família de 
origem. 
 
O mesmo autor explica que com a Lei das XII Tábuas (Lex Duodecim 
Tabularum; 449 a.C.) a configuração do instituto mudou: somente consumava o 
matrimônio se a mulher permanece por um ano ininterrupto na casa do marido, podendo 
 
2
 COULANGES, Fustel de. A cidade antiga. São Paulo: Martin Claret, 2002, p. 45. 
3
 WALD, Arnoldo. Direito de Família.7ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990, p. 22. 
4
 DANTAS, Santiago. Direito de Família e das Sucessões. Rio de Janeiro: Forense, 1991, p. 30-31. 
 
 
 
16 
dormir fora por apenas duas noites. Caso a mulher passasse três noites fora, configurava 
o denominado “trinoctium” e o prazo para constituição do matrimônio recomeçava. 
Na hipótese de ocorrência do “trinoctium”, configurava-se um matrimônio 
especial denominado “matrimônio sine manu”. Neste, a mulher, apesar de assumir o 
posto social de esposa, não figurava em posição submissa perante seu marido (pater), 
pois continuava sobre o poder de seu pai. Por outro lado, contudo, a esposa no 
‘casamento sine manu’ não tinha direito à sucessão marital, mas apenas na sucessão de 
seu pai (pater originário). 
Com o predomínio do cristianismo no Império Romano, a forma de 
constituição inicial da família foi alterada: para a constituição do matrimônio não 
bastava que a mulher passasse a morar com o homem por um ano ininterrupto; era 
necessária a celebração de um sacramento que formalizaria o matrimônio e tornaria 
indissolúvel o vínculo matrimonial. 
Foi, assim, a partir do Direito Canônico, e de seu primeiro compilado de 
normas por meio do Decreto de Graciano (denominado de Corpus Iuris Canonici), 
redigido entre 1.140 e 1.142, que o matrimônio passou a ser visto como um sacramento 
indissolúvel, que, para ser celebrado, exigia o consentimento das partes
5
. Neste sentido, 
tem-se que: 
 
Para os romanos, o casamento era um estado de fato, que produzia efeitos 
jurídicos. Paralelo a ele, existia também a figura do concubinato, que 
consistia em toda união livre entre homem e mulher na qual não ocorre a 
affectio maritalis, efeito subjetivo do casamento, que representava o desejo 
de viver com o parceiro sempre (...) Com a decadência do Império Romano e 
o crescimento do Cristianismo, houve uma gradativa alteração do significado 
de família. Se a família pagã romana era uma unidade com multiplicidade 
funcional, a família cristã se consolidou na herança de um modelo patriarcal, 
concebida como célula básica da Igreja (que se confundia com o Estado) e, 
por consequência, na sociedade.
6 
 
Esta evidente influência do direito canônico na estruturação jurídica do grupo 
familiar resvalou nas normativas brasileiras. No Brasil, o Direito Canônico teve forte 
influência devido à colonização portuguesa, sendo as Ordenações Manuelinas 
(normativa de Portugal com forte influência Canônica) o primeiro estatuto jurídico do 
Brasil, ao lado de cartas régias, cartas de foral e de cartas de doação, que se constituíam 
 
5
 WALD, Arnoldo. Direito de Família.7ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990, p. 26. 
6
 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: direito de 
família. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 50. 
 
 
 
17 
documentos jurídicos. Durante todo o período colonial e ainda durante o período 
imperial, vigoravam no Brasil as Ordenações Filipinas (decretadas em 1603), 
juntamente com decretos, alvarás e resoluções promulgadas por Portugal. 
Após a Independência do país, a Constituição Brasileira de 1824 recepcionou 
as Ordenações e demais normativas portuguesas, determinando a vigência destas até a 
promulgação de um Código Civil, o que se deu apenas em 1916
7
. 
Antes da vigência do Codex de 1916, elaborado por Clóvis Beviláqua, há que 
se destacar a Consolidação das Leis Civis, de 1858, e o esboço do Código Civil editado 
entre 1860 e 1865 por Augusto Teixeira de Freitas. 
Nesse esboço, ressalta-se o artigo 1.518, que, tratando sobre o pater famílias, 
autorizava o pai a corrigir e castigar moderadamente seus filhos, podendo requerer ao 
Juiz dos Órfãos autorização para detenção dos filhos por até quatro meses na casa 
correcional, sem direito a recurso
8
. Este dispositivo deixa clara a prevalência da 
autoridade do poder do pai sobre a família, como um senhor absoluto e chefe do lar. 
 
2.2. Visão jurídica da família a partir da Constituição Brasileira de 1824 até 
a Carta Magna de 1988 
 
As Constituições brasileiras de 1824 e 1891, notabilizadas por um viés 
marcadamente individualista e liberal, nada dispuseram sobre as relações familiares. 
Silmara Amarilla
9
 aponta que a primeira Constituição (1824) apenas retratou 
brevemente a família imperial, silenciando quanto aos institutos pertinentes ao tema 
propriamente dito; e a segunda Carta Magna (1891) dedicou à família um único 
dispositivo. Este resultava da separação ocorrida entre a Igreja e o Estado (por meio do 
Decreto 119-A, de 07.01.1890, que, no regime republicano, aboliu o catolicismo como 
religião oficial) e enunciava que a República apenas reconhecia o casamento civil, cuja 
celebração deveria ser gratuita, como forma de constituição da família. 
Vale observar que antes mesmo de ser promulgada a Constituição de 1891, 
apenas o casamento civil era válido no Brasil, em razão do Decreto 181, de 24.01.1890, 
 
7
 SZANIAWSKI, Elimar, Direitos da Personalidade e sua Tutela, São Paulo: Revista dos Tribunais, 
2005, p.130. 
88
 MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 676. 
9
 AMARILLIA, Silmara Domingues Araújo. O afeto como paradigma da parentalidade: os laçose os 
nós na constituição dos vínculos parentais. Curitiba: Juruá, 2014, p. 44. 
 
 
 
18 
de autoria de Rui Barbosa. Este mesmo Decreto acabou reproduzido no Código Civil de 
1916, o qual apenas alterou o termo ‘Divórcio’ pela expressão ‘desquite’ a fim de 
configurar a ruptura da sociedade conjugal com a manutenção do vínculo. 
A subordinação da legitimidade da família ao casamento civil foi, portanto, 
mantida no Codex de 1916. Sobre este aspecto, Euclides de Oliveira e Giselda Hironaka 
narram que 
 
o antigo Código Civil, que datava de 1916, regulava a família do início do 
século passado, constituída unicamente pelo matrimônio. Em sua versão 
original, trazia estreita e discriminatória visão da família, limitando-a ao 
casamento. Impedia sua dissolução, fazia distinção entre seus membros e 
trazia qualificações discriminatórias às pessoas unidas sem casamento e aos 
filhos havidos dessas relações
10
. 
 
Nesse contexto, era adotado um forte sistema patriarcal e as divisões de tarefas 
dentro do lar eram bem determinadas: ao homem cabia o sustento da família, e à mulher 
velar pela direção da casa (com serviços domésticos, aquisição de vestuário e produtos 
alimentícios) e educação dos filhos. Nenhuma atividade lucrativa poderia ser exercida 
pela mulher sem o consentimento marital, podendo, ainda, esta anuência ser revogada a 
qualquer tempo conforme ditames do marido, vez que a mulher era relativamente 
incapaz por determinação do artigo 6º do Código Civil de 1916. 
Este cenário patriarcal foi mantido durante a vigência das Cartas Magnas de 
1934, de 1937 e de 1946. A Constituição de 1937 trouxe, contudo, relevante inovação 
quanto à expressa demarcação de deveres parentais com relação à prole, pois configurou 
como falta grave o abandono moral, intelectual ou físico de crianças e adolescentes por 
aqueles que detêm a guarda; além de prever o dever do Estado de assegurar condições 
físicas e morais de vida sã e de harmonioso desenvolvimento das faculdades dos 
infantes e dos juvenis: 
 
Art. 127 - A infância e a juventude devem ser objeto de cuidados e garantias 
especiais por parte do Estado, que tomará todas as medidas destinadas a 
assegurar-lhes condições físicas e morais de vida sã e de harmonioso 
desenvolvimento das suas faculdades. 
O abandono moral, intelectual ou físico da infância e da juventude importará 
falta grave dos responsáveis por sua guarda e educação, e cria ao Estado o 
dever de provê-las do conforto e dos cuidados indispensáveis à preservação 
física e moral. 
 
10
 OLIVEIRA, Euclides de; HIRONAKA, Giselda. Do direito de família. In: Direito de família e o novo 
Código Civil. Belo Horizonte: Del Rey; 2002. p. 3. 
 
 
 
19 
Aos pais miseráveis assiste o direito de invocar o auxílio e proteção do 
Estado para a subsistência e educação da sua prole. 
 
Ou seja, apesar da autoridade do homem com relação à sua prole, esse estava – 
desde o ano de 1937 – expressamente subordinado, junto com a mulher, ao dever de 
cuidado e zelo pela integridade física, psíquica e moral dos filhos. 
Já com relação à emancipação da mulher dentro de seu próprio lar, isso só 
ocorreu com o advento do Estatuto da Mulher Casada (Lei n. 4.121/1962) e com a Lei 
do Divórcio (Lei n. 6.515/1977). 
Em função do artigo 30 da Lei n. 4.121/1962 e do artigo 50, §5º da Lei n. 
6.515/1977, a ideia de subordinação foi substituída pelo conceito de colaboração e a 
mulher, após as núpcias, passou a assumir a condição de colaboradora e consorte do 
esposo na chefia da sociedade conjugal, contribuindo, assim, tanto com a condição 
moral quanto com a material da família, sem mais depender de outorga marital. 
Junto com a perda de autoridade do marido, adveio também a possibilidade de 
reconhecimento da filiação extrapatrimonial por um dos cônjuges, ainda na vigência do 
casamento, por meio do testamento cerrado
11
, além da possibilidade jurídica de 
dissolução da sociedade conjugal
12
. 
A previsão legal de permitir a dissolução do casamento teve como 
consequência a necessidade de disposição jurídica quanto à guarda da prole advinda da 
sociedade conjugal desfeita. Assim, os artigos 325 a 329 do Código Civil de 1916 foram 
alterados pelo Estatuto da Mulher Casada e pela Lei do Divórcio, a fim de determinar 
diretrizes sobre a guarda dos filhos após a separação judicial ou divórcio. Sob um 
prisma diferente do atual, 
 
a questão da guarda dos filhos vinha relacionada ao comportamento dos 
cônjuges no casamento, de sorte que, como regra, ao inocente se resguardava 
esse direito, embora fosse permitido, diante das circunstancias, decidir-se de 
forma diversa pelo interessa da prole
13
. 
 
 
11
 Lei 6.515 de 26.12.1977, artigo 51, parágrafo único: “Ainda na vigência do casamento qualquer dos 
cônjuges poderá reconhecer o filho havido fora do matrimônio, em testamento cerrado, aprovado antes ou 
depois do nascimento do filho, e, nessa parte, irrevogável". 
12
 Lei 6.515 de 26.12.1977, artigo 2º, parágrafo único: “O casamento válido somente se dissolve pela 
morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio”. 
13
 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, Direito de Família, v. 6, 28
a
 ed. rev. e atual. por Francisco José 
Cahali. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 245. 
 
 
 
20 
Somente com a promulgação da Constituição Federal de 1988, homem e 
mulher foram equiparados em direitos e obrigações, cabendo à esposa o exercício da 
chefia da sociedade conjugal em igualdade de condições com o marido. Além disto, o 
melhor interesse do menor passou a ser regra, e não exceção, para a resolução de 
questões concernentes à guarda dos filhos havidos dentro ou fora do casamento (pois 
estes passaram a ter os mesmos direitos): 
 
a igualdade constitucional entre o marido e a mulher e a necessidade de 
preservação, em primeiro lugar, do melhor interesse do menor fizeram com 
que doutrina e jurisprudência deixassem de lado a literalidade do texto 
normativo para desvincular a questão dos filhos da verificação de culpa de 
um dos genitores pela separação
14
. 
 
A nova postura sociocultural passou a valorizar os aspectos afetivos da 
convivência em família, valorizando cada um dos integrantes da célula familiar, com 
enfoque na afetividade e solidariedade entre as pessoas envolvidas. 
Como consequência, verificou-se ainda, o alargamento do conceito de família, 
a qual passou a ser vista como um “núcleo existencial integrado por pessoas unidas por 
vínculo socioafetivo, teleologicamente vocacionada a permitir a realização de seus 
integrantes, segundo o princípio constitucional da dignidade humana”
15
. 
Segundo Gustavo Tepedino, o panorama inaugurado com a Carta Magna de 
1988 fez com que o conceito de unidade familiar – que era visto como uma aglutinação 
formal de pais e filhos legítimos baseada no casamento – se ampliasse e se tornasse 
flexível, pois tal conceito está, na atualidade, inteiramente voltado para a realização 
espiritual e o desenvolvimento da personalidade de seus membros
16
. 
Diante dos novos valores trazidos com a Constituição Federal de 1988 (como 
igualdade entre homem e mulher; igualdade entre filhos; proteção à família 
monoparental assim como à família constituída pelo casamento, bem como pela união 
estável), o Código Civil que datava de 1916 perdeu, como destaca Luiz Edson Fachin
17
, 
o papel de lei fundamental do direito de família. Esta função passou a ser exercida 
 
14
 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, Direito de Família, v. 6, 28
a
 ed. rev. e atual. por Francisco José 
Cahali. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 245. 
15
 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: direito de 
família. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 43. 
16
 TEPEDINO. Gustavo. Temas de Direito Civil. Rio deJaneiro: Renovar, 1999, p. 350. 
17
 FACHIN, Luiz Edson. Da paternidade, relação biológica e afetiva. Belo Horizonte: Del Rey, 1996, p. 
83. 
 
 
 
21 
diretamente pela Constituição Federal, ocorrendo, assim, a Constitucionalização do 
Direito de Família no bojo da chamada Constitucionalização do Direito Civil. 
 
 
 
 
22 
3. A TRANSFORMAÇÃO DO DIREITO CIVIL BRASILEIRO: DE UM VIÉS 
PATRIMONIALISTA PARA UMA VISÃO HUMANISTA INSERIDA COM A 
CARTA MAGNA DE 1988 
 
3.1. O Direito e a era pós-moderna 
 
A expressão pós-modernismo foi inicialmente empregada por Frederico Onís 
com a intenção de “descrever um refluxo conservador dentro do próprio modernismo”
18
. 
Contudo, tal vocábulo sofreu uma mudança de sentido e passou a ser utilizado na 
década de 1950 para representar uma contraposição à Era Modernista. 
A Era Modernista se inicia no final do século XVII e finda no século XIX. 
Trata-se de época marcada pela predominância da classe burguesa na sociedade e pelo 
crescente valor atribuído à razão em detrimento à dogmática marcante da Era Antiga e 
da Era Medieval
19
. 
Diversamente da Era Moderna, a sociedade pós-modernista, com início no 
século XX, é caracterizada pela ascensão da classe industrial operária, difusão da 
democracia e valorização de culturas não ocidentais
20
. As consequências destes 
acontecimentos se configuram com o intenso desenvolvimento tecnológico; com a 
ciência e o conhecimento como a principal força econômica de produção a garantir 
eficiência; com a massificação das estruturas de produção e consumo; com a 
flexibilização das relações sociais; com o alcance de um novo estágio do capitalismo 
caracterizado por uma nova lógica de mercado
21
; e com a mudança do conceito de 
espaço e tempo. 
Esse novo contexto econômico-social contribui para se repensar a ciência 
jurídica. As aplicações jurídicas do período liberal e o método da “mera e exclusiva” 
subsunção da norma abstrata ao caso concreto se tornaram ineficientes para suprir as 
necessidades sociais. 
 
18
 ANDERSON, Perry. As origens da pós-modernidade. Tradução de Marcus Penchel. Rio de Janeiro: 
Jorge Zahar, 1999, p. 9-10. 
19
 LUKACS, John. O fim de uma era. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005, p. 13. 
Título Original: At the end of na age. 
20
 Ibidem., p. 19. 
21
 ANDERSON, op. cit., p. 13-18. 
 
 
 
23 
Diante da hipercomplexidade do mundo pós-moderno marcado pela 
coexistência de vários grupos sociais “sem valores compartilhados (share values), e 
cada um, querendo uma norma ou lei especial para si – com um sem-número de leis, 
decretos, resoluções, códigos deontológicos, etc.”
22
, tem-se a ruptura da tendência à 
unidade do Direito. Esta passa a ser substituída pela multiplicidade das fontes do 
Direito. 
Destaca-se, nesta toada, o aumento da positivação de princípios na ordem 
jurídica, a admissão de cláusulas gerais e termos jurídicos indeterminados, e a “negação 
da obrigatoriedade do pensamento sistemático”
23
. 
Neste contexto, os princípios, marcados por grande dimensão axiológica, 
adquirem função prática e passam a ser fundamento decisório direto para o aplicador do 
Direito. Mais do que ‘valores’, a Ciência do Direito passa a reconhecer nos princípios 
“espécies precisas de comportamentos”
24
. 
A existência de normas jurídicas compostas de elementos com maior vagueza 
semântica passa a ser considerada pela Ciência do Direito desde meados do século XX 
e, consequentemente, do intérprete vem a ser exigido mais do que a efetivação da 
subsunção da norma: requer-se uma verdadeira construção de fatos jurídicos. 
Nesta toada, os princípios jurídicos, valorizando a vida e a dignidade da pessoa 
humana, assumem maior proporção dentro do ordenamento, conferindo sentido e 
conteúdo ao sistema jurídico. Ocorre, assim, um deslocamento de valor: o patrimônio, 
que era o centro, é substituído pela valoração da pessoa humana
25
. 
Essa alteração valorativa é claramente notada com a promulgação da 
Constituição Federal de 1988, a qual traz expressamente em seu bojo a dignidade 
humana como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (artigo 1º, III), a 
solidariedade como um dos objetivos fundamentais da República (artigo 2º, I), 
igualdade entre homens e mulheres (artigo 5º, I), igualdade entre os filhos (artigo 227, 
§6º), o direito à reparação não só por dano material, mas também por dano moral e à 
 
22
 AZEVEDO, Antonio Junqueira de. O direito pós-moderno e a codificação, Revista de Direito do 
Consumidor, n. 33, p. 125-127, jan/mar 2000. 
23
 BRITO, Alexis Augusto Couto de. Princípios e topoi: a abordagem do sistema e da tópica na ciência do 
direito. In: LOTUFO, Renan (Coord.). Sistema e tópica na interpretação do ordenamento. Barueri: 
Manole, 2006, p. 192-193. 
24
 ÁVILA. Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11ª ed. 
ver. São Paulo: Malheiros. 2010, p. 25. 
25
 AMARAL, Francisco. O dano à pessoa no direito civil brasileiro, Revista Brasileira de Direito 
Comparado. Rio de Janeiro, n. 1, p. 13-46, jul. 1982, p. 14-15. 
 
 
 
24 
imagem (artigo 5º, V), e o princípio neminem laedere
26
 (artigo 5º, XXXV), dentre 
outros dispositivos que sobrepõem o humanismo ante ao patrimonialismo. 
 
3.2. O Código Civil e a Pós-Modernidade: Constitucionalização do Direito 
Civil 
 
O Código Civil de 1916 continha em seu bojo, como marcantes características, 
o patrimonialismo, a submissão da mulher em relação ao homem, o individualismo e o 
valor liberal. Tais elementos eram oriundos dos reflexos históricos e políticos que 
contribuíram para a codificação da aludida proposição jurídica. Além da sociedade 
agrária e conservadora, o Código de Napoleão (França 1804) e o Código Alemão BGB 
(1896) também tiveram forte influência no conteúdo do aludido códex. 
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, que sobrepunha o valor 
humanista sobre o viés patrimonialista (o qual ainda era exposto no Código Civil de 
1916), houve um redimensionamento dos princípios orientadores do Direito Privado, 
incluindo o Direito de Família. Estes foram realocados na Carta Magna, configurando 
um cenário civil-constitucional. 
Conforme Guilherme Calmon Nogueira da Gama
27
, o direito civil 
constitucionalizou-se, afastando-se da concepção individualista, tradicional e 
conservadora-elitista da época das codificações do século passado. 
Diante desta constitucionalização do Direito Civil, o aplicador do Direito pode 
ampliar o alcance da interpretação para se embasar nos princípios, valores e cláusulas 
gerais dispostas na Lei Maior. 
 
26
 Conforme ensina Rogério Donnini: “O dispositivo constitucional que completa o princípio neminem 
laedere é o artigo 5º, XXXV, que estabelece: “a lei não excluirá de apreciação do Poder Judiciário lesão 
ou ameaça a direito”. Ao estabelecer o direito de ação, destina-se esse dispositivo, também, à reparação e 
prevenção de danos, com a determinação de que caberá ao Poder Judiciário apreciar a lesão e a ameaça a 
direito”. O autor continua e expõe: “A dignidade da pessoa humana (CF, artigo 1º, III), como um 
princípio que não autoriza a ofensa física ou moral e protege a vida digna, ou seja, ultrapassa a proteção 
prevista no artigo 5º, caput, da Constituição Federal (inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à 
igualdade, à segurança e à propriedade), com o escopo de dar-lhe dignidade, respaldada no artigo 
subsequente (artigo 6º, caput), para propiciar uma vida com educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, 
segurança, previdência social, proteção à maternidade, à infância e aos desamparados. E isso significa a 
antiga e, ao mesmo tempo, atual exigência do princípio neminem laedere”. (DONNINI, Rogério. 
Responsabilidadecivil pós-contratual no direito civil, no direito do consumidor, no direito do trabalho, 
no direito ambiental e no direito administrativo. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 46-47). 
27
 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Das relações de parentesco. In: PEREIRA, Tânia da Silva; 
PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coords.). Direito de família e o novo Código Civil. 3ª ed. Belo Horizonte: 
Del Rey, 2003, p. 101-132, p. 106. 
 
 
 
25 
Segundo Paulo Bonavides
28
, os princípios constitucionais foram convertidos 
em alicerce normativo sobre o qual assenta todo o edifício jurídico do sistema 
constitucional. As consequências resvalaram diretamente na maneira de se interpretar a 
lei, pois a identificação dos direitos humanos ensejou a direta ampliação dos direitos 
merecedores de tutela. 
Houve, assim, a necessidade de se atualizar o Código Civil para que este se 
adequasse aos preceitos da nova Carta Magna de 1988. Dois anos após a promulgação 
desta, Humberto Theodoro Júnior, referindo-se a Carlos Alberto Bittar, expôs o que se 
segue: 
Há na Constituição Federal de 1988 muitas inovações que, de forma direta, 
atingiram disposições do Direito Privado, especialmente no Direito Civil. 
Mas, além disso, há um outro fator inovativo importantíssimo a ser 
considerado: o novo texto Constitucional, no dizer de Carlos Alberto Bittar, 
[...] “sacramenta, para a regência das relações privadas, noções éticas, sociais, 
políticas e econômicas que as sociedades modernas têm firmado nos países 
de inspiração romano-cristã mais desenvolvidos, como, dentre outros, a 
França, a Itália, a Alemanha, a Espanha e Portugal”. Tudo isso gera a 
necessidade de reformas legislativas profundas, como a que se ensaia, no 
momento, em matéria de defesa do consumidor, e, mesmo sem textos 
normativos novos, impõe uma conduta doutrinária e jurisprudencial de 
reexame e reinterpretação do Direito Positivo em vigor.
29
 
 
Sob este espírito eivado de noções éticas e sociais é que foi editado o Código 
Civil de 2002, o qual, no âmbito do direito de família serviu para, conforme ensina 
Francisco José Cahali
30
, reproduzir legislações precedentes (que, por serem disformes, 
haviam revogado dispositivos do Código Beviláqua) e confirmar as novas regras 
vigentes após a Constituição de 1988, embora escritas em outros termos. 
O viés humanista na codificação de 2002, com valores sociais e liberais, é 
notado por meio da inclusão de capítulo sobre “os direitos da personalidade” prevendo 
perdas e danos em casos de ameaças ou lesões a esses direitos, bem como por meio de 
institutos como o da função social do contrato, função social da propriedade, fim da 
distinção entre filhos legítimos e ilegítimos, possibilidade de resolução de contrato 
quando este se tornar extremamente oneroso a uma das partes por motivos 
extraordinários ou imprevisíveis, relativização de contratos de adesão, possibilidade de 
anulação de contratos celebrados “em decorrência de lesão ou estado de perigo” etc. 
 
28
 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 29ª ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 237. 
29
 THEODORO JÚNIOR. Humberto. Alguns Impactos da Nova Ordem Constitucional sobre o Direito 
Civil, Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 79, n. 662, dez. 1990, p. 7. 
30
 CAHALI, Francisco José. Contrato de convivência de união estável. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 279. 
 
 
 
26 
Verificou-se, assim, maior valorização da visão humanista em detrimento da 
visão patrimonialista intervindo nas relações sociais analisadas no âmbito jurídico. E 
neste novo viés que família passou a ser vista em sua dimensão instrumental e os danos 
extrapatrimoniais passaram a ser, expressamente, considerados pelo Direito. 
 
3.3. Constitucionalização do Direito de Família 
 
Com as modificações sociais que influenciaram na promulgação da 
Constituição Federal de 1988, verificou-se uma mudança de paradigma na 
regulamentação do Direito de Família não acompanhada pelo Código Civil de 1916. 
Este cenário culminou com uma verdadeira constitucionalização do direito de família. 
Nas palavras de Maria Berenice Dias, “em face da nova tábua de valores da 
Constituição Federal, ocorreu a universalização e a humanização do direito das famílias, 
que provocou um câmbio de paradigmas”
31
. 
Conforme assevera Paulo Lôbo: “a Constituição de 1988 expande a proteção 
do Estado à família, promovendo a mais profunda transformação de que se tem notícia 
entre as constituições mais recentes de outros países”
32
. 
No mesmo sentido, Gustavo Tepedino anota que nunca antes uma Constituição 
brasileira havia disciplinado com tamanha ênfase as relações familiares, cabendo 
destacar o arrojo no reconhecimento das entidades familiares concebidas e conformadas 
sem respaldo no matrimônio ou na conjugalidade, bem como a consagração da 
igualdade da filiação, independente de sua origem
33
. 
Além da igualdade de direitos dos filhos tidos fora do casamento, antes 
marginalizados em relação aos havidos na constância do casamento, e do 
reconhecimento também como família da célula formada a partir da união estável entre 
duas pessoas (afastada a formalização do casamento como pressuposto para a 
configuração da família), verificou-se também o reconhecimento da família 
monoparental, bem como a substituição do caráter patriarcal (com o comando sob as 
 
31
 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 10ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 
2015, p. 36. 
32
 LÔBO, Paulo. Direito Civil. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 6. 
33
 TEPEDINO, Gustavo; MORAES, Maria Celina Bodin de; BARBOZA, Heloisa Helena. Código Civil 
interpretado conforme a Constitucionalização da República. v. I. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 13. 
 
 
 
27 
mãos do Homem – pater familis) pela igualdade entre homem e mulher – o que permitiu 
que essa passasse a contribuir diretamente nas ordenações da família. 
Essas modificações demostram a intervenção do Estado nas relações de direito 
privado, o que permite o revigoramento das instituições de direito civil e, diante do 
novo texto constitucional, força o intérprete a redesenhar o tecido do direito civil à luz 
da nova Constituição.
34
 Resta claro, assim, a migração de um Estado Liberal para um 
Estado Social, o qual intervém em setores da vida privada como forma de proteger o 
cidadão. 
Neste aspecto, Paulo Lôbo destaca que as Constituições brasileiras, no terreno 
das relações familiares, refletiram fielmente a fase histórica vivenciada por cada época, 
trazendo elementos de identificação do processo de transição do Estado Liberal para o 
Estado social
35
. 
As inovações normativas deixam claro o pendor humanista arraigado na 
Constituição de 1988, o qual tem por consequência o direcionamento à família dos 
influxos do princípio da dignidade humana. 
Nesta seara de valorização do indivíduo, da dignidade humana, a família passa 
ser vista como 
 
formação social, lugar-comunidade tendente à formação e ao 
desenvolvimento da personalidade de seus participantes; de maneira que 
exprime uma função instrumental para a melhor realização dos interesses 
afetivos e existenciais de seus componentes
36
. 
 
Com esse espírito de tutela do bem-estar dos entes da entidade familiar, foi 
editado o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/1990) em consonância 
com o princípio da proteção integral a crianças e adolescentes previsto no artigo 227 da 
Constituição Federal de 1988, o qual comtempla seu caput com a seguinte redação: 
 
Artigo 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, 
ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, 
à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à 
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, 
exploração, violência, crueldade e opressão. 
 
 
34
 TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. 4ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 21. 
35
 LÔBO, Paulo. Direito Civil. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 6. 
36
 TEPEDINO, op. cit., p. 421. 
 
 
 
28 
Entrou em vigor também Código Civil de 2002, o qual procurou atualizar os 
aspectos essenciais do direito de família, excluindo expressões e conceitos que 
causavam grande mal-estar e não mais podiam conviver com a nova estrutura jurídica e 
a moderna conformação da sociedade
37
 com valores humanistas retratados na 
Constituição de 88. 
Além destas normativas, passou a vigorar o Estatuto do Idoso (Lei n
.
 
10.741/2003), que dispõe sobre a proteção exigida pelo artigo 230 da Constituição 
Federal de 1988, o qual contempla em seu caput o seguinte comando: 
 
Artigo 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as 
pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua 
dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida. 
 
Nesta seara de valorização individual de cada membro da família como forma 
de garantir a dignidade humana, destaca-se a proteção que a Constituição determina aos 
menores, jovens e idosos, por meio dos dispositivos insertos no Capítulo VII do Título 
VIII denominado "Da Família, da Criança, do Adolescente, do Jovem e do Idoso". 
É evidente a preocupação Constitucional com o cuidado relacionado aos 
interesses da família, da juventude e também do idoso, sendo previsto expressamente na 
Constituição o dever de assistência dos pais em relação aos filhos e o dos filhos em 
relação aos pais na velhice, enfermidade ou carência, por meio do artigo 229: 
 
Artigo 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, 
e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, 
carência ou enfermidade. 
 
Em consonância com este mandamento constitucional, verifica-se na 
Codificação Civil de 2002, bem como no Estatuto da Criança e do Adolescente, 
diversos deveres atribuídos aos pais em função do chamado poder familiar, como se 
retrata adiante. No mesmo sentido, são determinados diversos deveres aos familiares 
dos idosos por meio do Estatuto do Idoso. 
Neste ambiente e com a edição das novas normativas, passou a haver uma 
desaprovação ao abandono imaterial ou afetivo. Isto porque aspectos humanistas vieram 
a se sobrepor a questões patrimonialistas. 
 
37
 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 10ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 
2015, p. 33. 
 
 
 
29 
Assim, ignorar a existência da prole menor de idade ou dos pais idosos, apenas 
com presença financeira ou material, custeando a manutenção pecuniária, sem nenhuma 
presença além do que ‘custeio’, passou a não mais se coadunar com os preceitos 
jurídicos advindos com as modificações trazidas com o espírito humanista. 
Conforme se verificará com os atuais princípios e regras do ordenamento 
jurídico apontados neste trabalho, há uma desaprovação jurídica ao abandono imaterial 
(ou afetivo), ou seja, a prática deste abandono não é ação que converge com os deveres 
impostos aos pais e aos filhos pelas normas atuais, justamente em razão da nova era do 
direito inaugurada com a Carta de 1988, também chamada de Constituição Humanista
38
. 
Desta forma, ainda que haja custeio de questões materiais, há ilicitude na total 
ausência tanto dos pais na vida dos filhos menores, quanto dos filhos adultos na vida 
dos pais idosos. Esta ilicitude gera danos, os quais dão ensejo à obrigação de indenizar, 
como se demonstra nos demais capítulos do presente trabalho. 
 
 
38
 Passou a se verificar um Estado constitucional e humanista de direito a partir da promulgação da 
Constituição Federal de 1988 ou, nas palavras de Luiz Flávio Gomes, a partir da última evolução do 
sistema jurídico. GOMES, Luiz Flávio. Primeiras linhas do Estado Constitucional e humanista de 
Direito. Artigo disponível em <http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI103486,31047-
Primeiras+linhas+do+Estado+constitucional+e+humanista+de+direito> acesso em 10. out. 2017. 
 
 
 
30 
 
4. RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO IMATERIAL (OU 
AFETIVO) 
 
4.1. Breve consideração sobre o termo “Abandono Imaterial (ou Afetivo)” 
 
Antes de expor os princípios aplicáveis ao tema do presente trabalho, faz-se 
mister esclarecer a expressão ‘abandono imaterial’ ou ‘abandono afetivo’. Tal 
elucidação é necessária para que se possa compreender a razão da aplicação dos 
apresentados preceitos constitucionais ao caso concreto. 
A expressão ‘abandono afetivo’ é comumente usada pela doutrina e 
jurisprudência para se referir à omissão do pai ou da mãe que não detém a guarda dos 
filhos menores e, a despeito de adimplirem com o custeio financeiro da prole, são 
totalmente ausentes em relação aos menores. Por outro lado, quando esta espécie de 
omissão é praticada pela prole em relação aos genitores idosos é utilizada, em geral, a 
expressão ‘abandono afetivo inverso’. 
Apesar da utilização do termo ‘afetivo’, não se trata da ausência de afeto ou 
amor como o termo pode sugerir; trata-se do inadimplemento de deveres de cuidado 
impostos por princípios e regras do ordenamento jurídico pátrio que serão apontados ao 
longo deste trabalho. 
Por esta razão é que nesta dissertação se aponta a expressão ‘abandono 
imaterial’ para se referir ao que, em geral, é chamado de ‘abandono afetivo’ a despeito 
de em nada se relacionar com afeto. 
Ao contrário do ‘abandono afetivo’, o abandono material é definido pelo 
ordenamento jurídico pátrio, no art. 244 do Código Penal, como sendo o ato de “deixar, 
sem justa causa, de prover a subsistência do cônjuge, ou de filho menor de 18 (dezoito) 
anos ou inapto para o trabalho, ou de ascendente inválido ou maior de 60 (sessenta) 
anos, não lhes proporcionando os recursos necessários ou faltando ao pagamento de 
pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada”
39
. 
Estaria, assim, o abandono material atrelado ao ato de prover a subsistência, ou 
seja, refere-se ao custeio de recursos materiais, como a pensão alimentícia. Quando há 
este custeio pecuniário, mas falta convivência e presença dos pais na vida dos filhos 
 
39
 Bem como “deixar, sem justa causa, de socorrer descendente ou ascendente, gravemente enfermo”. 
 
 
 
31 
menores ou da prole adulta na velhice dos pais idosos é que se verifica o abandono que 
se quer tratar no presente trabalho, dai porque o uso da expressão ‘abandono imaterial’. 
Importante, destacar, entretanto, que em razão da praticamente unânime 
utilização do termo ‘abandono afetivo’ pelos juristas pátrios é que aponta essa expressão 
ao longo da dissertação, ainda que não se queira tratar de afeto. 
Demostrar-se-á a seguir que, apesar de ordenamento jurídico brasileiro não 
exigir afeto, nem impor o dever de amar; a falta de convivência e presença dos pais na 
vida dos filhos menores, ou dos filhos adultos em relação aos pais idosos, é omissão que 
não se coaduna com os deveres impostos pela Codificação Civil, Estatuto da Criança e 
do Adolescente e Estatuto do Idoso, e nem é compatível com os princípios da 
Constituição Federal promulgada em 1988. 
 
4.2. Aplicação dos princípios constitucionais 
 
Com a promulgação da Constituição Federal datada de 1988, foi inserida no 
ordenamento jurídico uma carta de princípios com força normativa direta sobre todos os 
ramos do sistema jurídico, alterando-se assim a lógica anterior, em que os princípios 
constitucionais eram direcionados ao legislador infraconstitucional. 
Conforme leciona Paulo Bonavides,os princípios constitucionais foram 
convertidos em alicerce normativo sobre o qual assenta todo o edifício jurídico do 
sistema constitucional
40
, de forma a não serem mais dirigidos exclusivamente ao 
legislador infraconstitucional, mas inclusive aos magistrados na promulgação das 
normas individuais concretas. 
Nesse contexto, Maria Berenice Dias explica que os princípios constitucionais 
deixaram de servir apenas de orientação ao sistema jurídico infraconstitucional, 
desprovidos de força normativa, para serem considerados leis das leis, não dispondo 
apenas de força supletiva. Adquiriram eficácia imediata e aderiram ao sistema positivo, 
compondo nova base axiológica e abandonando o estado de virtualidade a que sempre 
foram relegados
41
. 
 
40
 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 29ª ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 237. 
41
 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 10ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 
2015, p. 39. 
 
 
 
32 
Desta forma, a operação hermenêutica inverteu-se em relação ao que era, pois 
antes a Constituição era tida apenas como uma moldura, cujo conteúdo era preenchido 
pelas leis e pelos códigos
42
. 
O destinatário dos preceitos constitucionais era o legislador ordinário, e o 
civilista refém, conforme dispõe Gustavo Tepedino
43
, da legislação infraconstitucional, 
sem se sentir vinculado aos preceitos constitucionais, não podendo reinterpretar e 
revisitar os institutos de direito privado, mesmo quando expressamente mencionados, 
tutelados e redimensionados pela Constituição. Contudo, com a constitucionalização do 
direito civil e a consagração da dignidade humana como fundamento do Estado 
Democrático de Direito (artigo 1º, III, CF), o positivismo tornou-se ineficiente
44
 e as 
regras jurídicas passaram a se mostrar limitadas e acanhadas para atender ao comando 
constitucional
45
. 
Eis que surge o princípio da interpretação conforme a Constituição, uma das 
grandes inovações da Carta de 88, que teve o condão de propagar ao intérprete da norma 
que a aplicasse sempre em consonância com a Constituição, tornando o interprete 
infraconstitucional um aplicador direto da Constituição, a qual deixou de se destinar 
apenas aos legisladores. Os princípios constitucionais passaram, assim, a informar todo 
o sistema legal de modo a viabilizar o alcance da dignidade humana em todas as 
relações jurídicas
46
. 
A respeito da irradiação constitucional sobre o direito civil, Luiz Edson Fachin 
afirma: “sustentamos o direito para além do novo Código Civil. Os princípios 
constitucionais desbordam das regras codificadas e neles a hermenêutica familiar do 
século XXI poderá encontrar abrigo e luz”
47
. 
Vale destacar por fim, que entrada em vigor da Constituição Federal de 1988 
fez com que a codificação civil de 1916 se tornasse obsoleta e inadequada em muitos 
aspectos. A necessidade de edição de um novo código restava mais do que evidente. 
 
42
 LÔBO, Paulo. Do poder familiar. In: DIAS, Maria Berenice; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coords.) 
Direito de família e o novo Código Civil. 3ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 181. 
43
 TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. 4ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 18. 
44
 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios Fundamentais e norteadores e norteadores para a 
organização jurídica da família. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 20. 
45
 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 10ªed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 
2015, p. 39. 
46
 Ibidem., p. 39. 
47
 FACHIN, Luiz Edson. Direito de família: elementos críticos à luz do novo Código Civil brasileiro. Rio 
de Janeiro: Renovar, 2003, p, 39. 
 
 
 
33 
Neste contexto é que entrou em vigor o código de 2002, que trouxe em seu 
bojo o reflexo das modificações constitucionais. Desta forma, verificou-se a permuta do 
termo ‘homem’ pelo emprego da palavra ‘pessoa’, a fim de refletir o objetivo de 
igualdade entre homens e mulheres; substituição da expressão “pátrio poder” para 
“poder familiar”, a fim de denotar a igualdade de poderes do pai e da mãe na unidade 
familiar; possibilidade de o marido adotar o sobrenome da mulher; fim da distinção 
entre filhos ‘legítimos’ e ‘ilegítimos’; fim do direito do homem mover ação para anular 
o casamento se descobrir que a mulher não era virgem; revogação do dispositivo que 
permitia aos pais utilizarem a ‘desonestidade da filha que vive na casa paterna’ como 
motivo para deserdá-la etc. 
 
4.3. Princípios constitucionais aplicáveis ao Direito de Família 
 
Diversos são os princípios constitucionais que incidem diretamente sobre o 
direito de família. Guilherme Calmon Nogueira da Gama
48
, em livro específico sobre 
esse tema, elenca os seguintes princípios de status constitucionais aplicáveis no viés 
familiar: princípio da dignidade humana; princípio da tutela especial à família; princípio 
do pluralismo democrático; princípio da igualdade material de todos os integrantes da 
família; princípio da liberdade, da justiça e da solidariedade; princípio da beneficência; 
princípio da paternidade (parentalidade) responsável; princípio da liberdade restrita e da 
beneficência à prole em matéria de planejamento familiar; princípio do melhor interesse 
da criança e adolescente; princípio da afetividade; princípio do pluralismo das entidades 
familiares; princípio da convivência familiar; princípio da isonomia entre os sexos nas 
relações conjugais e de companheirismo; e princípio da isonomia entre os filhos. 
Diante desta gama de princípios, buscar-se-á tratar apenas sobre aqueles que 
convergem ao tema do presente trabalho, ou seja, a respeito daqueles que de alguma 
forma se relacionam com o dever de indenizar o abandono afetivo tanto dos pais em 
relação aos seus filhos criança ou adolescente, quanto da prole em relação aos pais 
idosos. 
Nesta seara e tendo em vista a irradiação direta dos princípios em todo o 
ordenamento jurídico e não apenas direcionados ao legislador infraconstitucional para a 
 
48
 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Princípios Constitucionais de direito de família. São Paulo: 
Atlas, 2008, p. 69-100. 
 
 
 
34 
formatação dos enunciados prescritivos, verifica-se a necessidade de os magistrados 
percorrerem os preceitos trazidos no bojo dos princípios para a construção da norma 
individual concreta relativa à responsabilização civil daquele que pratica o abandono 
afetivo com a prole ou genitores idosos. 
Em outras palavras, ainda que não exista lei (por ora, apenas projetos de lei
49
) 
que expressamente preveja o dever de indenizar o abandono afetivo, a análise dos 
dispositivos jurídicos bem como dos princípios que regem o ordenamento leva à 
conclusão de que descuido afetivo é conduta ilícita. E a conduta ilícita que gera dano faz 
incidir o dever de indenizar, de acordo com os preceitos da responsabilidade civil. 
Conforme se verificará ao logo do trabalho, o descaso afetivo com a prole ou 
com os genitores idosos gera danos psicológicos (atestado em interdisciplinaridade com 
os estudos da psicologia) que não se coadunam com os princípios expostos a seguir. 
Desta forma, faz-se necessária a construção de norma individual e concreta 
pelos magistrados, com embasamento nas normas gerais e abstratas do ordenamento 
jurídico brasileiro, responsabilizando aquele que comete abandono afetivo para com o 
filho em fase de desenvolvimento ou para com o pai idoso. 
Os elementos jurídicos que justificam a construção da aludida norma individual 
concreta serão expostos ao logo do trabalho, iniciando com os princípios que são, 
segundo Paulo de Barros Carvalho, “normas jurídicas carregadas de forte conotação 
axiológica”
50
, pois estão insertos no direito positivo, o qual é formado

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