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GUSTAVO POMPÊO DE CAMARGO LEME Desenvolvimento de Palmilhas Instrumentadas para Retreinamento de Corrida com Biofeedback em Tempo Real Guaratinguetá – SP 2018 GUSTAVO POMPÊO DE CAMARGO LEME Desenvolvimento de Palmilhas Instrumentadas para Retreinamento de Corrida com Biofeedback em Tempo Real Tese apresentada à Faculdade de Engenharia do Campus de Guaratinguetá, Universidade Estadual Paulista, para a obtenção do título de Doutor em Engenharia Mecânica, área de Projetos. Orientador: Prof. Dr. José Geraldo T. Brandão Guaratinguetá – SP 2018 DADOS CURRICULARES GUSTAVO POMPÊO DE CAMARGO LEME NASCIMENTO 09.06.1977 - Campinas / SP FILIAÇÃO Dulce Maria Pompêo de Camargo Roberto Silva Leme 1997/2000 Curso de Graduação em Fisioterapia - Pontifícia Universidade Católica de Campinas - PUCC 2001/2002 Curso de Pós Graduação em Fisioterapia Neurológica - nível Especialização - Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP 2004/2005 Curso de Pós - Graduação em Fisioterapia do Futebol - nível Especialização - CBES – UNIGUAÇU 2011/2013 Curso de Pós-Graduação em Engenharia Semiológica, nível Mestrado, na Universidade Estadual Paulista - UNESP - Campus de Guaratinguetá Dedico este trabalho à minha mãe, Dulce, pela dedicação e doação pessoal em prol de seus filhos. Ao meu pai Roberto, pela importante contribuição na formação do meu caráter. Aos meus amados irmãos André e Mariana, pelo companheirismo e amizade. À minha filha Taís, que aos 2 meses de idade me ensinou o verdadeiro significado do que é lutar pela vida. À minha esposa Carla, pela compreensão, paciência e amor demonstrados durante essa longa jornada. AGRADECIMENTOS Ao meu orientador Prof. Dr. José Geraldo Trani Brandão, pela sábia contribuição e pelo enorme conhecimento transmitido durante o desenvolvimento desse trabalho. Mesmo nos momentos difíceis que enfrentou no final dessa caminhada, sempre esteve presente e dando o devido suporte nos momentos que precisava. Aos Professores Doutores do Departamento de Mecânica da FEG: José Elias Tomazini, Mauro Peres e Tamotsu Hirata, por toda imensa bagagem transmitida durante todos esses anos. Ao meu querido amigo Reynaldo Vianna, pelos ensinamentos que me propiciaram o ingresso nesse programa de Pós-graduação. Ao Prof. Dr. Luis Filipe Wiltgen Barbosa pela importante colaboração no desenvolvimento desse projeto. À minha irmã Mariana, por doar um pedaço das suas merecidas férias para revisar esse trabalho, e acima de tudo, por doar um pedaço da sua vida para cuidar daquela que deu a vida por nós. Aos funcionários da Seção Técnica de Pós-Graduação, pela atenção e grande suporte dado durante todo esse período. À Renata Barbosa, Supervisora da Seção Técnica de Pós-Graduação, pela paciência, amizade e suporte. Aos competentes e atenciosos funcionários do Departamento de Mecânica. Ao coordenador Ronald e todo corpo docente da Faculdade Anhanguera de Taubaté, pelo companheirismo e cumplicidade de tantos anos. Ao irmão da fisioterapia André Polli Fujita, pela grande amizade e pela importante colaboração na revisão desse trabalho. Aos amigos Marcelo Barbosa, Wagner Monteiro, Antônio Zangrandi e Luiz Roberto Coutinho Manhães Jr, sempre presentes nos momentos que precisei. Aos amigos do JOFC, pela convivência e aprendizado diário durante tantos anos. Aos voluntários que se dispuseram a participar desse estudo. A toda minha família, campineira e guaratinguetaense, pelo apoio incondicional em todos os momentos em que precisei. Este trabalho contou com apoio da CAPES “Que nossos atos sejam maiores que nossas covardias; e o nosso destino seja a soma das nossas melhores escolhas” Paulo A. S. Azevedo RESUMO O retreinamento de corrida vem sendo utilizado por muitos clínicos e pesquisadores com intuito de corrigir padrões lesivos de movimentos que tendem a gerar maior sobrecarga nos tecidos músculoesqueléticos. Para isso algumas formas de biofeedback visual e auditivo são frequentemente utilizadas. Porém esses retreinamentos são realizados através de esteiras instrumentadas com plataforma de força, acelerômetros, dispositivos para mensuração de pressão plantar e outros dispositivos de alto custo que inviabilizam essa conduta fora do ambiente laboratorial, dificultando a utilização dessa ferramenta na prática clínica. O número de estudos sobre biofeeedback em tempo real para retreinamento de corrida vem aumentando, porém seu acesso à imensa maioria dos corredores com padrões inadequados de movimento permanece muito raro. Esse estudo tem o objetivo de desenvolver e avaliar a efetividade de palmilhas instrumentadas com sensores táteis e sinalizadores de LED no retreinamento de corrida através de biofeedback visual. Para isso, foram desenvolvidas palmilhas com sensores de contato que informam, em tempo real, qual tipo de contato inicial está sendo realizado pelo corredor. Isso facilita a conduta de retreinamento do padrão de contato de retropé para mediopé/antepé, como sugerido para alguns casos de lesão musculoesquelética. Essa alteração do padrão de movimento é utilizada para diminuir o pico inicial de força de reação vertical do solo e o pico de aceleração positiva da tíbia, útil em alguns corredores com síndrome do estresse tibial medial e histórico de fratura de estresse na tíbia. Foram recrutados 10 corredores de rua para uma sessão única de retreinamento com análise cinemática e acelerometria realizadas antes e após o período da utilização do biofeedback. Os resultados mostraram diminuição significativa do pico de aceleração positiva da tíbia (p<0,01) e com grande tamanho do efeito (d = 0,81). As alterações angulares de tornozelo e joelho no contato inicial também apresentaram alterações significativas, propiciando maior absorção do impacto na fase excêntrica da corrida. As palmilhas instrumentadas se mostraram eficazes na alteração das medidas analisadas em favor de uma melhor absorção do impacto na corrida, e parecem ser uma alternativa viável e acessível na prática clínica. PALAVRAS-CHAVE: Corrida de rua. Retreinamento de corrida. Palmilha. Acelerometria. Biofeedback. ABSTRACT The running gait retraining has been used by many clinicians and researchers to correct injurious movement patterns which tend to generate greater overload in the musculoskeletal tissues. To do that many visual and auditory biofeedback are often used. However, these retraining strategies are performed through instrumented treadmills with force platform, accelerometers, devices that measure plantar pressure and other high cost devices that make evaluation infeasible outside the laboratory enviroment, making it difficult to use this tool in clinical practice. The number of studies on real-time biofeedback for running gait retraining has increased, but the access to the vast majority of runners with inadequate movement patterns remains very rare. This study aims to develop and determine the effectiveness of instrumented insoles with contact sensors and notifying LED signaling system in running gait retraining through visual biofeedback. For this purpose insoles with contact sensors were developed that inform in real time what type of initial contact is being made by the runner in each step with the purpose of re-educating the change of the initial contact pattern from back to midfoot / forefoot, in some casesof musculoskeletal injuries. This change in movement pattern is used to decrease the initial peak of vertical ground reaction force and the peak positive tibial acceleration, useful in some runners with medial tibial stress syndrome and history of tibial stress fracture. Ten runners were recruited for a single retraining session with kinematic and accelerometry analysis performed before and after using the biofeedback. The results showed a significant decrease in the peak of positive acceleration of the tibia (p <0.01) and with a high effect size (d = 0.81). The ankle and knee angular changes during the initial contact also showed significant changes, providing a greater absorption of the impact in the eccentric phase of the running cycle. The instrumented insoles proved to be effective in altering the analyzed measures in favor of better absorption of the impact during running, and it seem to be a viable and accessible alternative in clinical practice. KEYWORD: Running. Gait retraining. Insole. Accelerometry. Biofeedback. LISTA DE FIGURAS FIGURA 1 - Comparação temporal da marcha e da corrida em diferentes velocidades..................................................................................... 23 FIGURA 2 - Fases do ciclo da marcha................................................................ 24 FIGURA 3 - Fases do ciclo da corrida................................................................ 25 FIGURA 4 - Fase de apoio do ciclo da corrida. A- contato inicial. B- médio apoio. C- retirada dos dedos........................................................... 27 FIGURA 5 - Fase de balanço do ciclo da corrida. A- balanço inicial. B- balanço médio. C- balanço terminal............................................................ 28 FIGURA 6 - Padrões de contato inicial. A- retropé, B- mediopé, C- antepé...... 28 FIGURA 7 - Gráfico ilustrando impacto transitório causado pelo contato inicial com retropé.......................................................................... 30 FIGURA 8 - Gráfico ilustrando ausência do impacto transitório no contato inicial com mediopé ou antepé....................................................... 33 FIGURA 9 - Protocolo de retreinamento de corrida com feedback visual com espelho........................................................................................... 36 FIGURA 10 - A: Imagem pré retreinamento; B: Imagem pós retreinamento de corrida com feedback visual com espelho...................................... 36 FIGURA 11 - Dispositivo para feedback auditivo com transdutor de força localizado na região do retropé...................................................... 37 FIGURA 12 - A: acelerômetro acoplado na região anteromedial da tíbia. B: imagem do retreinamento com feedback em tempo real................. 39 FIGURA 13 - Retreinamento com biofeedback com acelerômetro em tempo real. O círculo superior indica impacto alto, o do meio indica impacto médio e o inferior indica impacto aceitável...................... 40 FIGURA 14 - Retreinamento com biofeedback com visualização do gráfico da FRVS em tempo real...................................................................... 41 FIGURA 15 - Identificação de padrão de contato inicial feito por meio de analise cinemática utilizando imagens quadro a quadro de uma filmagem com câmera de alta frequência. A- antepé. B- mediopé. C- retropé....................................................................................... 49 FIGURA 16 - Esquema de funcionamento das palmilhas..................................... 54 FIGURA 17 - Ilustração do sistema durante a utilização na esteira....................... 55 FIGURA 18 - Posicionamento dos micro-sensores na primeira versão da palmilha e ligação por cabo RJ11................................................... 56 FIGURA 19 - Micro-sensores táteis...................................................................... 56 FIGURA 20 - Plantigrafia usada para posicionar os micro-sensores na palmilha. 57 FIGURA 21 - A- nova versão da palmilha com as eletrofitas. B- detalhe da solda dos micro-sensores....................................................................... 58 FIGURA 22 - Montagem das palmilhas. A- primeira camada de EVA com exposição dos micro-sensores. B- barras infracapital e de calcâneo cobrem a região das micro-chaves. C- segunda camada de EVA cobre a palmilha.............................................................................. 59 FIGURA 23 - Circuito eletrônico analógico de controle........................................ 60 FIGURA 24 - Circuito eletrônico digital de controle com Arduino UNO R3.................................................................................................... 62 FIGURA 25 - Caixas do circuito de controle digital microcontrolado das palmilhas (montagem).................................................................... 62 FIGURA 26 - Testes eletrônicos das palmilhas..................................................... 63 FIGURA 27 - Instante final da fase de balanço...................................................... 64 FIGURA 28 - Eminência de contato inicial com calcâneo no início da fase de apoio............................................................................................... 64 FIGURA 29 - Confirmação de contato inicial de calcâneo com sinalização do LED vermelho................................................................................. 64 FIGURA 30 - Final da fase de balanço................................................................... 65 FIGURA 31 - Eminência de contato inicial com mediopé no início da fase de apoio............................................................................................... 65 FIGURA 32 - Confirmação de contato inicial do mediopé com sinalização do LED verde....................................................................................... 65 FIGURA 33 - Acelerômetro biaxial com sensibilidade de 16g, modelo ACL 16g. EMG System do Brasil®................................................................. 66 FIGURA 34 - Condicionador de sinais EMG 430C. EMG System do Brasil®..... 66 FIGURA 35 - Curva de calibração e a sua respectiva função................................. 67 FIGURA 36 - Exemplo do funcionamento do sistema de biofeedback visual em tempo real com o corredor fazendo contato inicial com o mediopé. LED verde acesso reforça o comportamento desejado.................... 71 FIGURA 37 - Exemplo do funcionamento do sistema de biofeedback visual em tempo real com o corredor fazendo contato inicial com o retropé. LED vermelho acesso reforça a falha no cumprimento da meta..... 71 FIGURA 38 - Posicionamento do visor com LEDs fixado no painel da esteira para facilitar a visualização. A orientação consiste em manter apenas os LEDs verdes piscando.................................................... 72 FIGURA 39 - A: Pele previamente esticada com fita adesiva e acelerômetro coberto com filme plástico para evitar contato com suor. B: Acelerômetro firmemente fixado com fita microporosa na região anteromedial distal da tíbia............................................................. 73 FIGURA 40 - Marcadores usados nas análises cinemáticas dos corredores.......... 73 FIGURA 41 - Posicionamento dos marcadores com numeração correspondente.. 74 FIGURA 42 - Disposição da sala (em vista superior) com posicionamento dos aparelhos que foram utilizados na coleta dos dados....................... 75 FIGURA 43 - Confirmação de padrão de contato inicial e as angulaçõesda inclinação da tíbia (rosa), tornozelo (amarelo), joelho (vermelho) e quadril (azul). O quadro A foi registrado antes e o quadro B após o retreinamento com biofeedback. As linhas dos ângulos estão afastadas dos marcadores para facilitar a leitura dos valores.......... 77 FIGURA 44 - Análise da acelerometria da tíbia no domínio da frequência....................................................................................... 78 FIGURA 45 - Sobreposição de dois PAPT nos diferentes tipos de contato inicial do sujeito 1..................................................................................... 78 FIGURA 46 - As colunas azuis mostram a média dos picos de aceleração positiva da tíbia (em g) de cada um dos 10 sujeitos antes do período de retreinamento, com os contatos inicias realizados no retropé. As colunas vermelhas mostram os picos de aceleração positiva da tíbia no período pós retreinamento, com os contatos iniciais feitos em mediopé/antepé................................................... 81 FIGURA 47 - Gráficos sobrepostos de 10 segundos do sujeito 1 durante os dois momentos de coleta......................................................................... 82 FIGURA 48 - Gráficos sobrepostos de 10 segundos do sujeito 3 durante os dois momentos de coleta......................................................................... 83 FIGURA 49 - Média das cadências dos sujeitos antes (azul) e após o retreinamento (vermelho)............................................................... 83 FIGURA 50 - Gráfico das alterações da cadência dos 10 sujeitos antes (azul) e após (vermelho) a intervenção. Retropé (RP) e Mediopé/antepé (MP)................................................................................................ 84 FIGURA 51 - Gráfico com as médias dos ângulos das articulações durante o contato inicial (CI), antes (azul) e após (vermelho) a intervenção.. 85 FIGURA 52 - Gráfico com as médias dos ângulos das articulações no momento do apoio médio, antes (azul) e após (vermelho) a intervenção. Nesse gráfico, Contato Inicial (CI), se refere a forma de contato no solo e não o momento da mensuração das angulações................ 85 FIGURA 53 - Variação na média da angulação do tornozelo de cada um dos sujeitos, antes e após a intervenção, no instante do contato inicial. As colunas azuis referem-se aos dados pré retreinamento e as colunas vermelhas aos dados pós retreinamento. Retropé (RP) e Mediopé/antepé (MP)..................................................................... 86 FIGURA 54 - Variação na média da angulação do joelho de cada um dos sujeitos, antes e após a intervenção, no instante do contato inicial. As colunas azuis referem-se aos dados pré retreinamento e as colunas vermelhas aos dados pós retreinamento. Retropé (RP) e Mediopé/antepé (MP)..................................................................... 87 FIGURA 55 - Variação na média da angulação do quadril de cada um dos sujeitos, antes e após a intervenção, no instante do contato inicial. As colunas azuis referem-se aos dados pré retreinamento e as colunas vermelhas aos dados pós retreinamento. Retropé (RP) e Mediopé/antepé (MP)..................................................................... 87 FIGURA 56 - Variação na média da angulação do tronco de cada um dos sujeitos, antes e após a intervenção, no instante do contato inicial. As colunas azuis referem-se aos dados pré retreinamento e as colunas vermelhas aos dados pós retreinamento Retropé (RP) e Mediopé/antepé (MP)..................................................................... 88 FIGURA 57 - Variação na média do ângulo de inclinação da tíbia de cada um dos sujeitos, antes e após a intervenção, no instante do contato inicial. As colunas azuis referem-se aos dados pré retreinamento e as colunas vermelhas aos dados pós retreinamento. Retropé (RP) e Mediopé/antepé (MP)................................................................... 88 LISTA DE TABELAS TABELA 1 - Calibração acelerômetro - Valores em Volts equivalentes a -1g, 0g e 1g............................................................................................ 67 TABELA 2 - Características individuais da amostra: massa corporal, estatura, IMC, idade, tempo de experiência e gênero.................................... 68 TABELA 3 - Protocolo de retreinamento em sessão única, com total de 25 minutos de corrida a 10km/h. Durante o correr livre os sujeitos mantiveram contato inicial de preferência, com retropé, e durante o correr MP (mediopé) os sujeitos foram orientados a manter contato inicial com mediopé/antepé............................................... 70 TABELA 4 - Valores médios dos picos de aceleração positiva da tíbia dos 10 sujeitos com os respectivos Desvios Padrões (DP) nos momentos pré retreinamento (Média RP), onde os padrões de contato inicial eram feitos naturalmente no retropé, e pós retreinamento (Média MP), onde os sujeitos alteraram os padrões de contato inicial para mediopé/antepé através do biofeeedback visual em tempo real. A coluna da direita mostra a porcentagem da diminuição do Pico de Aceleração Positiva da Tíbia (%↓PAPT)......................................... 81 TABELA 5 - Cadência (passadas/min) dos corredores, antes (RP) e após (MP) a intervenção com as palmilhas...................................................... 84 TABELA 6 - Angulações médias de cada mensuração de cada sujeito no momento do contato inicial. Contato Inicial com Retropé (CI RP), pré retreinamento e Contato Inicial com Mediopé/antepé (CI MP), pós retreinamento. Desvio Padrão (DP)................................. 86 LISTAS DE SÍMBOLOS t - tempo [s] L - comprimento [m, cm] m - massa [kg] F - força [N] d - distância [m, cm, mm] v - velocidade [km/h] V - voltagem [V] A - área [mm²] LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS FRVS - Força de Reação Vertical do Solo IMC - Índice de Massa Corporal DMO - Densidade Mineral Óssea MID - Membro Inferior Direito MIE - Membro Inferior Esquerdo MMII - Membros Inferiores PAPT - Pico de Aceleração Positiva da Tíbia IC - Intervalo de Confiança cc - Corrente Contínua ca - Corrente Alternada RP - Retropé MP - Mediopé SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................ 19 1.1 OBJETIVOS ...................................................................................................... 20 1.1.1 Objetivos específicos.........................................................................................20 1.2 DELIMITAÇÃO DA TESE...............................................................................21 1.3 ESTRUTURA DA TESE .................................................................................. 21 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA .................................................................. 22 2.1 BIOMECÂNICA DA CORRIDA .....................................................................22 2.1.1 Ciclo da marcha e corrida ..............................................................................23 2.1.1.1 Fase de apoio da corrida .................................................................................... 27 2.1.1.2 Fase de balanço da corrida ............................................................................... 29 2.1.2 Padrão de contato inicial ................................................................................ 29 2.2 RETREINAMENTO DA CORRIDA ............................................................... 32 2.2.1 Retreinamento com biofeedback de espelho ................................................. 35 2.2.2 Retreinamento com biofeedback auditivo ..................................................... 37 2.2.3 Retreinamento com biofeedback visual ......................................................... 38 2.3 LESÕES POR ESTRESSE NA TÍBIA ............................................................ 42 2.3.1 Etiologia das lesões e fatores de risco ............................................................ 44 2.4 AVALIAÇÃO CINEMÁTICA DA CORRIDA ............................................... 45 2.5 ACELERÔMETRO: CONCEITOS BÁSICOS.................................................49 2.5.1 Pico de aceleração positiva da tíbia..................................................................51 3 METODOLOGIA............................................................................................53 3.1 DESENVOLVIMENTO DO CIRCUITO ELETRÔNICO E DA.... ...........PALMILHA INSTRUMENTADA................................................................... 53 3.1.1 Etapas de desenvolvimento da palmilha ....................................................... 53 3.1.2 Princípios de funcionamento do dispositivo .................................................. 54 3.1.3 Testes eletrônicos e mecânicos de funcionamento ........................................ 63 3.2 CALIBRAÇÃO DO ACELERÔMETRO ..........................................................66 3.3 DELINEAMENTO DA PESQUISA E COMPOSIÇÃO DA AMOSTRA ....... 68 3.3.1 Composição da amostra e avaliação inicial ................................................... 68 3.3.2 Protocolo experimental...................................................................................69 3.4 COLETA DE DADOS..................................................................................... . 72 3.5 ANÁLISE ESTATÍSTICA ................................................................................ 79 3.6 CONSIDERAÇÕES ÉTICAS............................................................................79 4. RESULTADOS................................................................................................80 4.1 ANÁLISE DA ACELEROMETRIA DA TÍBIA..............................................80 4.1.1 Análise da acelerometria de um corredor com grande diminuição do PAPT.................................................................................................................82 4.1.2 Análise da acelerometria de um corredor com pequena diminuição do PAPT.................................................................................................................82 4.2 ANÁLISE DA CADÊNCIA...............................................................................83 4.3 ANÁLISE DAS VARIAÇÕES CINEMÁTICAS APÓS OOO ............RETREINAMENTO.........................................................................................84 5. DISCUSSÃO....................................................................................................89 6. CONCLUSÃO .................................................................................................93 REFERÊNCIAS .............................................................................................. 94 ANEXO A ......................................................................................................103 APÊNDICE A................................................................................................105 APÊNDICE B.................................................................................................108 APÊNDICE C................................................................................................109 APÊNDICE D................................................................................................111 APÊNDICE E................................................................................................116 19 1 INTRODUÇÃO A incidência de lesões na corrida varia de 19% a 84% e essa porcentagem não tem diminuído nos últimos 30 anos (NAPIER et al, 2015). Entre as lesões mais comuns estão a síndrome do estresse tibial medial e a fratura por estresse da tíbia, que possuem relação com uma ineficiente absorção de impacto na corrida e totalizam aproximadamente 9% do total (TAUTON et al, 2002). As fraturas por estresse da tíbia especificamente representam de 20 a 49% de todas as fraturas por estresse em corredores (BRUKNER et al, 1996; MATHESON et al, 1987) e o período de recuperação pode superar 14 semanas (ARENDT et al, 2003). Apesar do longo período de afastamento a taxa de recidiva é alta, ultrapassando 36% dos casos (HAURET et al, 2001; MILGROM et al, 1985). Existem diversos fatores associados ao desenvolvimento de fraturas por estresse: volume e intensidade de treinamento, superfície do terreno na corrida e dieta. Alguns estudos sugerem também, que a mecânica da corrida pode ser um fator de risco para desenvolvimento dessas fraturas (CROWELL, DAVIS, 2011). Por ser um esporte de impacto repetitivo, as lesões na corrida são vistas como resultado de sobrecargas ocasionadas por microtraumas acumulativos (HRELJAC, 2005). Muitos estudos prospectivos têm documentado a presença de alterações mecânicas nos corredores que desenvolvem lesões na corrida e esses achados sugerem relação causal entre mecânica anormal da corrida e as lesões subsequentes. Davis et al (2004) sugeriram que corredores que apresentavam reação ou fratura de estresse na tíbia tinham um maior Pico de Aceleração Positiva da Tíbia (PAPT) e maior Força de Reação Vertical do Solo (FRVS), tanto nas medidas da média como as instantâneas. Essas variáveis influenciam a absorção da carga pelos membros inferiores, com isso a modificação desse mecanismo responsável pela absorção da carga pode diminuir o risco dos corredores desenvolverem as lesões de estresse na tíbia. Corroborando com esses achados, um estudo retrospectivo de Milner et al (2006) conclui que corredores com histórico de fratura de estresse da tíbia apresentavam um maior pico de aceleração positiva da tíbia. Para minimizar essas alterações, alguns pesquisadores têm utilizado dispositivos externos para fornecer biofeedback visual e/ou auditivo para reeducar a mecânica dos 20 corredores, que utilizam as informações fornecidas pelos dispositivos para corrigir ou melhorar alguns parâmetros da corrida (AGRESTA, BROWN, 2015). Entre as variáveis usadas para analisar a carga de impacto durante a corrida, a taxa média de carga vertical aparece como importante fator de risco relacionado às lesões em corredores (NAPIER et al, 2015). Vários estudos para retreinamento de corrida através de biofeedback visual e auditivo evidenciaram sucesso na diminuição das forças verticais de reação do solo. Porém a maioria dos estudos utilizaram dispositivos de alto custo (esteira com plataforma de força e acelerômetros, ambos com necessidades de hardware e software) para realização do biofeedback, além da necessidade de que os participantes realizassem o retreinamento dentro dos laboratórios. Pelo alto custo dos dispositivos disponíveis e pela dificuldadeem encontrar laboratórios que possibilitem esse retreinamento de corrida, a maioria dos corredores que sofrem com essas lesões por estresse ficam impossibilitados de receberem essa conduta. Com isso, o desenvolvimento de aparatos com custo acessível para essa população se torna necessário. As palmilhas instrumentadas com sensores de contato e luzes de LED possibilitam a realização do retreinamento em qualquer esteira e com um custo bem menor, tornando esse tipo de conduta muito mais acessível a clínicos e corredores. 1.1 OBJETIVO GERAL Desenvolver um dispositivo com palmilhas instrumentadas que permita realizar retreinamento de corrida através de biofeedback visual em tempo real fora do ambiente laboratorial, que seja acessível na prática clínica e que tenha baixo custo. 1.1.1 Objetivos específicos - Viabilizar um dispositivo de custo acessível que seja eficiente no retreinamento para diminuição do impacto em membros inferiores durante a corrida e que seja acessível a clínicos e corredores. - Avaliar a influência aguda do dispositivo nos picos de aceleração positiva da tíbia e nas angulações articulares durante a fase de apoio da corrida. 21 1.2 DELIMITAÇÃO DA TESE Esse estudo delimita-se a avaliar a viabilidade e a efetividade aguda de um dispositivo desenvolvido através de palmilhas para gerar biofeedback visual em tempo real para alterar o padrão de corrida. 1.3 ESTRUTURA DA TESE No Capítulo 1 são feitas as considerações iniciais com uma introdução sobre lesões relacionadas à absorção ineficiente de impacto na corrida, incidência de lesões, fatores de risco e retreinamento de corrida com diferentes tipos de biofeedback, explicitando a importância de popularizar esse tipo de abordagem. São apresentados também os objetivos, além da delimitação da tese. No Capítulo 2 é apresentada uma fundamentação teórica sobre a biomecânica da corrida e os tipos de análise cinemática, acelerometria, as lesões da corrida relacionadas ao estresse na tíbia, os diferentes tipos de biofeedback utilizados para retreinamento de corrida e a alteração de padrão de contato inicial. No Capítulo 3 é apresentada a metodologia do trabalho, a composição da amostra, protocolo de retreinamento e o desenvolvimento, a montagem e os testes das palmilhas instrumentadas. No capítulo 4 são apresentados os resultados das coletas da acelerometria da tíbia e das análises cinemáticas da corrida no plano sagital direito antes e após a intervenção com as palmilhas instrumentadas. O quinto capítulo apresenta as discussões sobre a efetividade do retreinamento e as respectivas alterações nos parâmetros da corrida correlacionando os dados com trabalhos prévios. O sexto capítulo apresenta a conclusão. O trabalho é finalizado com a apresentação das referências bibliográficas, anexo e apêndices. 22 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 2.1 BIOMECÂNICA DA CORRIDA O estudo da biomecânica da corrida engloba o conhecimento da estrutura, função e capacidade dos membros inferiores e demais cadeias cinéticas responsáveis pela nossa movimentação. Embora dois indivíduos não compartilhem da mesma anatomia, força ou qualidades proprioceptivas, existem muitas semelhanças a serem compreendidas no que diz respeito ao papel do ciclo de funcionamento de cada indivíduo para diagnosticar e tratar lesões que ocorrem durante a corrida (NICOLA, JEWISON, 2012). O grande aumento no interesse pela prática da corrida provocou um avanço comparável em relação a avaliaçôes biomecânicas e às pesquisas sobre o tema. Isto tem sido potencializado por avanços técnicos, incluindo câmeras mais rápidas e sistemas de marcadores que eliminam a necessidade de digitalizar os vídeos manualmente, quadro a quadro. O crescimento dessa área tem sido estimulado pelo grande crescimento do número de participantes de corridas de rua desde o final dos anos 60 e início dos anos 70 (NOVACHECK, 1998). Com a popularidade da corrida, o aparecimento de muitas lesões crônicas passou a ser frequente, sobretudo pelo uso excessivo e repetitivo dos membros inferiores, técnicas inadequadas de treinamento, ou uma combinação desses dois fatores. Fraturas de estresse são apenas um dos exemplos de lesões crônicas que podem ocorrer devido a essas sobrecargas repetitivas. Para entender a causa das lesões na corrida é necessária uma compreensão básica da biomecânica da corrida (THORDARSON, 1997). Partindo do príncípio de que uma maior compreensão da biomecânica irá melhorar o diagnóstico e aconselhamento dos corredores, o dilema para as últimas duas a três décadas tem sido estudar por que e como as lesões ocorrem (NOVACHECK, 1998). 23 2.1.1 Ciclo da marcha e da corrida O ciclo da marcha ou da corrida pode ser definido como a série de movimentos de uma extremidade inferior que inicia no contato inicial do pé com o solo e finaliza quando este mesmo membro toca o solo novamente no final do ciclo. O ciclo é separado por duas fases distintas, a fase de apoio e a fase de balanço (DICHARRY, 2011). A fase de apoio ocorre durante o contato entre o pé e o solo. Quando um membro está na fase de apoio, o outro está na fase de balanço. A corrida se diferencia da marcha, pois possui uma fase de flutuação em que os dois membros não estão em contato com o solo enquanto que a marcha possui uma fase em que os dois pés estão em contato com o solo (NICOLA, JEWISON, 2012). A Figura 1 ilustra a diferença. Figura 1 – Comparação temporal da marcha e da corrida em diferentes velocidades. Fonte: Adaptado de Novacheck (1998). Na marcha, a fase de apoio totaliza aproximadamente 60% de todo ciclo e a fase de balanço os outros 40% (DUGAN, BHAT, 2005). Diferentemente da corrida, a caminhada apresenta a fase de duplo apoio, quando ambos os pés estão em contato com o solo. O duplo apoio ocorre durante os 10% iniciais e finais da fase de contato, e entre essas duas fases há o apoio simples, período de tempo em que a extremidade 24 contralateral está na fase de balanço. A fase de apoio é subdividida em quatro fases, e começa com o contato inicial do membro no solo (OUNPUU, 1994). A primeira fase é a resposta à carga, seguida pelo médio apoio, apoio terminal e pré balanço. A fase de balanço começa na retirada dos dedos e é subdividida em balanço inicial, balanço médio e balanço terminal (THORDARSON, 1997). O ciclo da marcha está resumido na Figura 2. Figura 2 – Fases do ciclo da marcha Fonte: Adaptado de Thordarson (1997). A diferença entre andar e correr fica caracterizada quando os períodos de duplo apoio durante a fase de contato do ciclo da marcha, quando ambos os pés estão simultaneamente em contato com o solo, são substituídos pelos períodos de dupla flutuação no início e no final da fase de balanço da corrida, quando nenhum dos pés está tocando o solo (NOVACHECK, 1998). O ciclo da corrida também é dividido em fase de apoio e balanço. A fase de apoio é subdividida nas fases de absorção e propulsão, e a fase de balanço nas fases de balanço inicial e terminal. O início e o final de cada fase de balanço correspondem a um período de dupla flutuação, em que nenhum dos membros está em contato com o solo. Portanto, por definição, a fase de apoio deve 25 representar menos de 50% do ciclo de corrida para permitir este período de flutuação. Com um aumento na velocidade, há uma redução na fase de apoio e um aumento no tempo de balanço, o que também resulta em uma fase de dupla flutuação mais longa (THORDARSON, 1997). O ciclo da corrida está ilustrado na Figura 3. Figura 3 – Fases do ciclo da corrida Fonte: Adaptado de Thordarson (1997). À medida que a velocidade da corrida aumenta, a fase de apoio torna-se mais curta. Portanto, os velocistas têm uma porcentagem menor da fase de apoio durante um ciclo da corrida. Além disso, o comprimentodo passo e a cadência são aumentados durante a corrida em comparação com a caminhada (DUGAN, BATH, 2005). O comprimento da passada é a distância do contato inicial de um pé até que o mesmo pé entre novamente em contato com a superfície do terreno. O comprimento do passo é a distância entre o contato inicial de um pé e o contato inicial subsequente do pé oposto. Cadência é o número de passos durante um determinado período de tempo. O aumento da velocidade ocorre inicialmente pelo aumento do comprimento do passo e, posteriormente, pelo aumento da cadência. À medida que a cadência, o comprimento do passo e da passada aumentam, a velocidade e as forças de reação do solo também aumentam (OUNPUU, 26 1994). Isso tem implicações no aumento do estresse absorvido pelos membros inferiores e no risco de lesões. A marcha apresenta uma base mais larga durante o contato inicial, ou seja, uma distância maior entre as bordas medianas dos calcanhares (NICOLAS, JEWISON, 2012). 2.1.1.1 Fase de apoio da corrida A fase de apoio (Figura 4) tem início com o contato inicial, seguida pelo médio apoio e finaliza com a retirada dos dedos (BRUKNER, KHAN, 1998). Diferentes grupos musculares, ossos e articulações estão agindo em cada uma dessas fases, no momento do contato inicial, os músculos, tendões, ossos e articulações do pé e do membro inferior funcionam para absorver o impacto do pouso (DUGAN, BHAT, 2005). A absorção do impacto é facilitado pela ação da articulação subtalar, que provoca a pronação do pé e pela fáscia plantar que se alonga para permitir que o pé se expanda e absorva a aterrisagem (PERRY, 1983). Ocorre uma dorsiflexão ao nível do tornozelo, acompanhado de flexão do joelho e movimento estabilizador com pouca mudança de angulação do quadril, todos envolvidos na distribuição da força de impacto através da cadeia cinética fechada que ocorre no início da fase de apoio. Os músculos reto femoral e gastrocnêmios transferem a energia de impacto de distal para proximal, através do tornozelo, joelho e quadril (PRILUTSKY, ZATSIORSKY, 1994). Quando a fase de apoio avança para o médio apoio, o pé começa a se mover da pronação para a supinação, se preparando para a retirada dos dedos. Os músculos isquiotibiais, reforçados pelo recrutamento dos gastrocnêmios e sóleo, se contraem para iniciar a propulsão do médio apoio até a retirada dos dedos. Em conjunto é gerado torque de extensão do quadril e flexão plantar do tornozelo, finalizando a fase de apoio e dando início à fase de balanço (NICOLA, JEWSEN, 2012). 27 Figura 4 – Fase de apoio do ciclo da corrida. A- contato inicial. B- médio apoio. C- retirada dos dedos. Fonte: autor. 2.1.1.2 Fase de balanço da corrida A fase de balanço do ciclo da corrida (Figura 5) ocorre quando uma extremidade inferior se move através do ar desde a retirada dos dedos até o contato inicial (BRUKNER, KHAN, 2008). Quando ocorre a retirada dos pés e se inicia a fase de balanço, o reto femoral e o tibial anterior são os músculos mais ativos. Os isquiotibiais e extensores de quadril estão ativos desde o final da fase de balanço até a fase final de apoio (NOVACHECK, 1997). A fase de flutuação inclui a rotação anterior da pelve ipsilateral e flexão do quadril causada pelo músculo psoas e outros músculos pélvicos, que associados à ativação do core permitem a inclinação da pelve. O reto femoral está ativo durante a fase de balanço médio e o quadríceps inicia sua ativação durante o balanço terminal (NICOLA, JEWISON, 2012). Os isquiotibiais são estirados à medida que o joelho vai estendendo no final da fase de balanço, ficando nesse momento mais suscetíveis às lesões (SCHACHE et al, 1999). No balanço terminal começa a descida do pé em direção ao solo e o membro contralateral está finalizando a fase de apoio. Os adutores permanecem ativos tanto na fase de apoio quanto na fase de balanço da corrida (NICOLA, JEWISON, 2012). 28 Figura 5 – Fase de balanço do ciclo da corrida. A- balanço inicial. B- balanço médio. C- balanço terminal. Fonte: autor. 2.1.2 Padrão de contato inicial Existem três padrões diferentes de contato inicial: com retropé, em que o contato inicial é feito em alguma região do calcanhar ou terço posterior do pé; com o mediopé, em que o calcanhar e a região abaixo do quinto metatarso fazem contato simultaneamente; e com o antepé, em que o contato inicial é feito na metade anterior do pé (HASEGAWA et al, 2007). Na maioria das vezes, os corredores fazem contato inicial com retropé e atacam o solo com a região lateral do calcanhar e com o pé em supinação (NICOLA E JEWISON, 2012). A Figura 6 ilustra os três padrões de contato inicial. Figura 6 – Padrões de contato inicial. A- retropé, B- mediopé, C- antepé Fonte: Larson (2014). 29 Os indivíduos que habitualmente correm descalços aterrisam com o antepé no contato inicial da corrida. Em contrapartida, os corredores que usam tênis de corrida tendem a fazer o contato inicial com o calcanhar (LIEBERMAN et al, 2010). Durante o ciclo da corrida, o pé absorve até três vezes o peso corporal ao atingir o solo, por isso os calçados de corrida foram criados para amortecer o impacto no pé e permitir a neutralização de certas diferenças biomecânicas em corredores, objetivando com isso a prevenção de lesões. No entanto, novas evidências sugerem que esses calçados inibem a pronação adaptativa durante a fase de apoio, o que seria um fator protetivo dos corredores (VORMITTAG et al, 2009), e diminuem a eficiência metabólica e mecânica na corrida (PRILUTSKY, ZATSIORSKY, 1994). Fazer a aterrisagem no mediopé ou no antepé durante a corrida, normalmente vista em corredores descalços, ajuda a dissipar as forças de impacto em maior extensão do que aterrisar no calcanhar. Isso ocorre já que o pé fica com um maior grau de flexão plantar no contato inicial, bem como os músculos do tornozelos mais ativos. Em contraste, os tênis com amortecimento no calcanhar podem reduzir a necessidade de dorsiflexão de tornozelo em cinco graus, facilitando o contato inicial com calcanhar. Durante a aterrisagem com retropé, o tornozelo é mais rígido e incapaz de distribuir as forças de impacto como nos contatos iniciais com o mediopé ou antepé. Isto se deve à incapacidade de absorver as forças de impacto através da dorsiflexão do tornozelo (contração excêntrica do tríceps sural) e flexão do joelho (contração excêntrica do quadríceps). Isto implica também que os corredores que não utilizam calçados de corrida e que não ajustem sua aterrisagem para o mediopé ou antepé, tenham um risco aumentado de desenvolverem lesões por estresse pela maneira com que as forças do impacto são absorvidas (LIERBERMAN et al, 2010). Os corredores com um padrão de contato inicial com antepé e mediopé apresentam aumento da flexão plantar do tornozelo e um aumento do ângulo de flexão do joelho no contato inicial (DE WITS et al, 2000). Outros estudos sobre padrão de contato inicial indicam que a maioria dos corredores que utilizam calçados fazem contato inicial com o retropé, com porcentagens que variam de 74,9% dos corredores de uma meia maratona de elite (HASEGAWA et al, 2007), até mais de 90% dos corredores recreativos em eventos de maratona (KASMER et al, 2013). 30 Vários fatores podem influenciar o padrão de contato inicial de um corredor. Muitos estudos de corrida apontam que a porcentagem de corredores que não fazem contato inicial com o calcanhar aumentou entre os corredores mais velozes, sugerindo um efeito na melhora da velocidade (HAYES, KAPLAN, 2012). O tipo de superfície onde é realizada a corrida também influencia no padrão de contato inicial, no asfalto 76,7% dos corredores descalços são mais propensos a fazer o contato inicial no antepé e 23,3% no retropé. Já na grama, 54,3% dos corredores descalços fazem contatoinicial com o retropé e 45,7% com o antepé (NIGGS, 2010). Gruber et al (1997) verificaram que apenas 20% dos corredores que utilizam calçado de corrida adotaram um contato inicial com mediopé ou antepé quando corriam descalços sobre uma superfície macia, em contrapartida 65% desses corredores adotavam uma aterrisagem com mediopé ou antepé ao correrem descalços sobre uma superfície dura. Um padrão de contato inicial com o retropé tem um impacto transitório característico no gráfico da força de reação vertical do solo (Figura 7) e não é tipicamente visto (Figura 8) em um padrão de contato inicial com mediopé ou antepé (CAVANAGH, LAFORTUNE, 1980). Esse impacto transitório está associado às altas taxas de sobrecarga, já que as estruturas viscoelásticas do sistema músculo-esquelético não respondem bem a estas cargas impulsivas (MILNER et al, 2006). Figura 7 – Gráfico ilustrando impacto transitório causado pelo contato inicial com retropé. Fonte: Adaptado de Lieberman (2016). 31 Radin et al (1971) observaram que cargas impulsivas causavam fraturas de estresse na tíbia de coelhos. Esse mesmo grupo de pesquisa constatou que a cartilagem articular também é afetada por essa carga impulsiva. Embora não houvesse danos na cartilagem bovina com cargas lentas e repetitivas, a adição periódica de cargas de impacto levou a um desgaste rápido da cartilagem (RADIN, PAUL, 1973). Esses estudos com animais foram a base científica para a associação entre altas taxas de carga e lesões músculo- esqueléticas (DAVIS et al, 2015). Figura 8 – Gráfico ilustrando ausência do impacto transitório no contato inicial com mediopé ou antepé. Fonte: Adaptado de Lieberman (2016). Em um estudo retrospectivo com 52 corredores de elite, Daoud et al (2011) concluíram que a incidência de lesões em corredores competitivos é alta, porém os corredores com contato inicial em retropé tem taxas significativamente maiores em relação os corredores que iniciam o contato com mediopé e antepé. Porém citam no artigo que a alteração indiscriminada do padrão de contato inicial de retropé para mediopé pode aumentar a incidência de lesões no tríceps sural, tendão do calcâneo, fáscia plantar e músculos e ossos do pé. Já que aumentam a demanda dessas estruturas na absorção do impacto da corrida. 32 2.2 BIOFEEDBACK E RETREINAMENTO DE CORRIDA Biofeedback é uma técnica de autorregulação através da qual os pacientes aprendem a controlar voluntariamente o que antes eram processos involuntários do corpo. Normalmente esta intervenção requer equipamentos especializados para converter sinais fisiológicos em sinais visuais ou auditivos, e um profissional treinado em biofeedback para orientar a terapia. Usando uma tela como um monitor de computador, por exemplo, o paciente pode receber um feedback para ajudar a desenvolver controle e aprendizagem sobre sua fisiologia. Assim como olhar para um espelho permite ver e mudar posições, expressões, etc., o biofeedback permite que o paciente receba informações de seu corpo, direcionando-o para uma direção saudável. O treinamento com biofeedback pode ser usado em uma variedade de configurações a fim de melhorar o desempenho acadêmico, atlético ou corporativo, bem como melhorar a saúde e o bem-estar. Este treinamento pode seguir dois modelos de aprendizagem, o condicionamento operantante com aprendizado por feedback, que será abordado no próximo parágrafo, e a psicoterapia psicofisiológica. Ambos fornecem feedback para que o cliente aprenda técnicas ou estratégias que ajudem a corrigir quaisquer defeitos, disfunções ou alterações encontradas na avaliação inicial (FRANK et al, 2010). O condicionamento operante é um modelo de aprendizado que utiliza a consequência como meio de modificar a ocorrência de determinado comportamento. Esse modelo de condicionamento operante direto baseia-se unicamente no reforço do sinal vindo da tela, a fim de induzir os pacientes a mudar sua fisiologia. O terapeuta simplesmente está lá para explicar a informação que o equipamento de biofeedback está fornecendo e como ele se relaciona com a fisiologia do paciente (MCKEE, 2008). O biofeedback foi desenvolvido há aproximadamente 50 anos e possui aplicações documentadas para muitas desordens médicas, incluindo a medicina física. Para aprendizado motor, a metodologia do biofeedback é simples, o terapeuta posiciona um ou mais sensores em dispositivos externos ou pela superfície do corpo para mensurar processos fisiológicos específicos. Os sinais biológicos processados eletronicamente são repassados ao paciente através de sinais auditivos ou visuais, através disso é propiciada 33 ao paciente uma maior consciência das evoluções parciais ou totais sobre os processos biológicos (MOSS et al, 2003). O retreinamento com biofeedback para alteração da técnica de corrida pode ajudar a tratar as lesões em corredores reduzindo a carga em certos grupos musculares e articulares (FRANKLYN-MILLER, 2014). Esse tipo de conduta em corredores foi testada inicialmente por Davis (2005) que introduziu o conceito de reeducação da corrida com intuito de tratar lesões de membros inferiores em uma série de casos com cinco pacientes que relatavam dor. O processo envolveu (1) identificar as alterações mecânicas que poderiam contribuir para a sobrecarga tecidual; (2) estabelecer se a mecânica da corrida poderia ser alterada; e (3) facilitar as alterações mecânicas desejadas e incentivar a aprendizagem motora para garantir a manutenção dessas alterações. Vários estudos biomecânicos em indivíduos assintomáticos têm analisado as estratégias de retreinamento de corrida (incluindo alteração da cadência, padrão de contato inicial, angulações de quadril e joelho, posição do tronco, comprimento do passo e outras variáveis de carga de impacto) e verificaram mudanças na cinemática, cinética e eletromiografia (BARTON et al, 2016). Napier et al (2014) concluíram em uma revisão sistemática que algumas variáveis biomecânicas podem ser alteradas através da execução de retreinamento de corrida e citaram que a estratégia mais eficaz para reduzir as variáveis de carga de impacto, incluindo o pico de impacto vertical, a taxa de carga média e instantânea, foi através de biofeedback de informações cinéticas e cinemáticas em tempo real. Os resultados iniciais positivos alcançados pelos estudos de retreinamento de corrida de atletas lesionados são promissores. Porém, há necessidade de identificar os principais fatores biomecânicos que podem e devem ser alterados. Ou seja, é preciso definir quais são os aspectos biomecânicos que realmente estão contribuindo para o surgimento dos sintomas, e que, quando alterados, têm resultados clínicos positivos (HEIDERSCHEIT, 2011). Entre os parâmetros cinemáticos que foram alterados e tiveram benefícios relatados estão: adução do quadril (NOEHREN, 2011), comprimento da passada (HEIDERSCHEIT et al, 2011) e padrão de contato inicial (CHEUNG, DAVIS, 2011); a alteração da aceleração tibial foi um parâmetro cinético que também 34 apresentou benefícios nos estudos de retreinamento (CROWEL, DAVIS, 2011). Mas dada a interdependência desses fatores, é difícil mudar um parâmetro sem induzir a mudança de pelo menos um outro. Cheung e Davis (2011), apresentaram uma série de casos em que o padrão de contato inicial e o comprimento da passada foram modificados em três corredores com dor femoropatelar para melhora da dor e da função, porém não foi possível concluir se o parâmetro responsável pela diminuição da carga na fase de apoio e a melhora clínica dos corredores foi a evitação do padrão de contato inicial com o calcanhar ou a diminuição do comprimento da passada. Uma vez identificados os fatores biomecânicos que devem ser alvo de alterações clínicas é preciso verificar sua influência no custo energético e metabólico e nodesempenho do corredor. Geralmente os corredores usam a menor quantidade de energia metabólica e têm menor consumo de oxigênio quando estão correndo usando seu padrão preferido (CAVANAGH, WILLIAMS, 1982). Forçar um corredor a correr com uma técnica diferente da preferida por ele tem o efeito de aumentar o consumo de oxigênio, pelo menos a curto prazo, reduzindo assim o desempenho. Essa relação parece ser mais aparente em corredores de alto nível, que tiveram vários anos e quilômetros para apurar sua técnica. Nos corredores recreacionais, normalmente a grande maioria dos pacientes, as mudanças sutis no padrão de corrida têm um efeito mínimo sobre o consumo de oxigênio (HAMILL et al, 1995). O protocolo ideal de retreinamento ainda permanece desconhecido, vários estudos têm usado múltiplas sessões ao longo de várias semanas em um ambiente laboratorial, com orientações e feedbacks verbais, visuais ou auditivos. Para possibilitar que o corredor se auto-avalie e se corrija conforme necessário, os feedbacks são progressivamente diminuídos ao longo do período de retreinamento. Dependendo da magnitude da alteração sugerida, pode ser necessário um período de adaptação para que os tecidos do sistema músculo-esquelético suportem as novas cargas. O tempo de adaptação ideal para permitir uma alteração segura da técnica de corrida também é desconhecida e provavelmente não será constante entre os indivíduos (HEIDERSCHEIT, 2011). Existe uma enorme diversidade na literatura a respeito da frequência semanal e do número total das sessões de feedback. Com toda essa variabilidade, não há indicação clara de que um cronograma específico de feedback seja 35 superior a outro, uma vez que vários desenhos de estudo se mostraram eficazes na modificação positiva de variáveis cinemáticas e cinéticas dos corredores. No entanto, resultados superiores foram demonstrados quando os corredores receberam múltiplas sessões de feedback (AGRESTA, BROWN, 2015). A questão mais importante no que diz respeito ao retreinamento de corrida é determinar quais são os indivíduos que verdadeiramente serão beneficiados por essa conduta: corredores lesionados, corredores não lesionados, ou ambos. Em corredores lesionados ou com maior predisposição a lesões, a redução da carga mecânica para os tecidos envolvidos na corrida através de retreinamento orientado da técnica parece ter uma razão evidente. Se o corredor é sintomático, a resposta à mudança da técnica de corrida pode ser imediata e fornecer uma base sobre sua eficácia. Recomendar o retreinamento para corredores livres de lesões com o objetivo de prevení-las já é uma proposta mais desafiadora. Sem ter o histórico de sintomas para orientar a abordagem, a idéia seria essencialmente orientar os corredores de acordo com um padrão que tenda a minimizar as cargas biomecânicas específicas. Essa abordagem precisaria ser feita levando em consideração o estado musculoesquelético do indivíduo. Por exemplo, o que é ideal para um jovem adulto provavelmente não é para um corredor veterano, devido aos efeitos da idade sobre as tolerâncias mecânicas dos tecidos. Embora um padrão de funcionamento biomecanicamente eficiente possa ser definido, ele provavelmente precisará ser adaptado ao indivíduo. A suposição de que todos os corredores poderiam igualar o mesmo padrão ideal é irreal (HEIDERSCHEIT, 2011). 2.2.1 Retreinamento com biofeedback de espelho Willy et al (2012) pesquisaram sobre o efeito do retreinamento de corrida através de biofeedback visual com espelho em dez corredoras com dor patelofemoral. No total foram realizadas 8 sessões, 2 por semana durante 4 semanas, de feedback visual com espelho e verbal sobre o alinhamento das extremidades inferiores durante a corrida na esteira. A Figura 9 ilustra o protocolo de retreinamento com espelho. 36 Figura 9 – Protocolo de retreinamento de corrida com feedback visual com espelho. Fonte: Adaptado de Willy et al (2012). Durante as últimas quatro sessões, o feedback com espelho e verbal foram progressivamente removidos. Foram avaliados ainda: a mecânica do quadril durante a corrida, o agachamento unipodal e uma descida de degrau, sempre no pré e pós-treino. Os indivíduos retornaram às suas rotinas normais e as análises foram repetidas em 1 mês e 3 meses após a retreinamento. Após o retreinamento os sujeitos reduziram os picos de adução do quadril e da queda pélvica contralateral durante a corrida (Figura 10). Em 1 e 3 meses após a retreinamento, as melhoras mecânicas estudadas foram mantidas mesmo sem continuidade do feedback. Os indivíduos relataram melhora na dor e na função na reavaliação 3 meses após o retreinamento. Figura 10 – A: Imagem pré retreinamento; B: Imagem pós retreinamento de corrida com feedback visual com espelho. Fonte: Adaptado de Willy et al (2012). 37 Os autores concluíram que o retreinamento com espelho foi eficaz na melhora da mecânica da corrida e das medidas de dor e função. Para as tarefas não treinadas de agachamento unipodal e descida de degrau ficou evidente um melhor nível de aprendizagem motora. 2.2.2 Retreinamento com biofeedback auditivo Cheung e Davis (2011) publicaram um estudo sobre o efeito do retreinamento de corrida através de biofeedback auditivo na mudança de padrão de contato inicial. Três corredoras com dor femorapatelar unilateral e que apresentavam um padrão de contato incial no retropé foram submetidas a oito sessões de retreinamento por 4 semanas para modificação de padrão de contato inicial com feedback auditivo em tempo real através de um sensor de força colocado dentro do calçado (Figura 11). As forças de reação vertical do solo foram avaliadas durante a corrida por uma esteira rolante instrumentada com plataforma de força. Os sintomas da dor femoropatelar foram avaliados com 2 questionários validados. Os corredores foram avaliados antes, imediatamente após e 3 meses depois do retreinamento. Figura 11 – Dispositivo para feedback auditivo com transdutor de força localizado na região do retropé. Fonte: Cheung e Davis (2011). 38 Ao final do estudo os autores verificaram que o padrão de contato inicial foi alterado com sucesso, de retropé para um padrão com mediopé ou antepé, após o treino. Este novo padrão havia se mantido 3 meses após o programa. O pico de impacto vertical e as taxas médias de carga vertical foram reduzidos. Os sintomas relacionados a dor femoropatelar e as limitações funcionais associadas apresentaram melhora. Em contrapatida, apenas uma das participantes relatou melhora no desempenho após o treinamento, com diminuição do tempo de corrida de 10 quilômetros, as outras voluntárias apresentaram queda na performance. Essa série de casos forneceu dados preliminares que apoiam a investigação de intervenções que conduzam à modificação do padrão de contato inicial em corredores com dor femoropatelar. Wood e Kipp (2014) investigaram através de um estudo de sessão única, a viabilidade do uso de biofeedback de áudio gerado por acelerômetro para reduzir o PAPT durante a corrida. Os acelerômetros sem fio foram fixados na tíbia esquerda de nove corredores e os picos de aceleração durante a corrida foram coletados por um condicionador de sinais. Posteriormente a análise dos dados foi definido um limite para emissão de sinal sonoro durante o retreinamento. Cada corredor tinha um valor personalizado de acordo com seus picos e o volume dos sinais sonoros aumentava de acordo com os valores da aceleração, com isso os corredores foram instruídos a manter o volume o mais baixo possível. Os autores concluíram que os indivíduos foram capazes de reduzir significativamente o PAPT durante a exposição ao biofeedback de áudio. Além disso, uma sessão única de retreinamento com duas rodadas de 5 minutos de biofeedback foi suficiente para que os indivíduos mantivessemuma redução do PAPT mesmo após a retirada das informações sonoras em tempo real. 2.2.3 Retreinamento com biofeedback visual Crowel e Davis (2011) pesquisaram sobre a efetividade de um retreinamento de corrida com feedback visual através de acelerômetro colocado na tíbia. Participaram do programa de retreinamento dez corredores (6 do sexo feminino e 4 do sexo masculino) que apresentavam aceleração tibial positiva máxima superior a 8g, medida na avaliação inicial. Durante as sessões, os sujeitos correram em uma esteira rolante e receberam 39 feedback visual em tempo real de acelerômetros acoplados às suas tíbias distalmente (Figura 12). Os dados da aceleração tibial e da força de reação vertical do solo foram coletados durante as sessões de avaliação realizadas antes do treinamento, pós- treinamento e com um mês de acompanhamento. Figura 12 – A: acelerômetro acoplado na região anteromedial da tíbia. B: imagem do retreinamento com feedback em tempo real. Fonte: Crowel e Davis (2011). O gráfico do feedback fornecido pelos acelerômetros em tempo real ilustra a aceleração tibial dos sujeitos enquanto eles corriam na esteira. Os sujeitos foram instruídos a manter a sua aceleração tibial abaixo da linha horizontal verde definida a 50% dos seus valores de pico. A aceleração positiva máxima da tíbia, o pico de impacto da força vertical e as taxas média e instantânea de carga vertical foram todos reduzidos imediatamente após o retreinamento da corrida. A diminuição da aceleração da tíbia foi de quase 50%. As reduções nas taxas de carga vertical e no pico de impacto da força vertical foram de aproximadamente 30% e 20%, respectivamente. Estas reduções foram mantidas no seguimento de um mês após o retreinamento. Os autores concluíram que pelos resultados positivos, essa conduta pode reduzir o risco de fratura de estresse nos corredores. 40 Clansey et al (2014) realizaram um estudo clínico randomizado para investigar se o retreinamento com biofeedback em tempo real reduziria as variáveis de carga de impacto na tíbia, previamente associadas ao risco de fratura do estresse da tíbia e se essas adaptações influenciariam na economia de energia durante a corrida. Vinte e dois corredores do sexo masculino foram distribuídos aleatoriamente em dois grupo. Um grupo retreinamento (n=12) e um grupo controle (n=10). O grupo que realizou o retreinamento com biofeedback em tempo real recebeu informações visuais para controlar o PAPT em valores ideais (Figura 13) durante seis sessões de 20 minutos de corrida em esteira, durante 3 semanas; enquanto o grupo controle aderiu ao mesmo treinamento, mas sem o biofeedback. As análises cinemáticas tridimensionais, cinéticas unilaterais e as medidas de economia de energia na execução da corrida foram realizadas antes, imediatamente após e depois de 1 mês do final dos retreinamentos. Figura 13 – Retreinamento com biofeedback com acelerômetro em tempo real. O círculo superior indica impacto alto, o do meio indica impacto médio e o inferior indica impacto aceitável. Fonte: Clansey et al (2014). Como resultado os autores encontraram reduções significativas no PAPT e nos valores médios e instantâneos de FRVS no grupo retreinamento em comparação com nenhuma alteração no grupo controle. Nas análises cinemáticas, foi observado um aumento significativo na flexão plantar do tornozelo no contato inicial e uma alteração significativa no padrão de contato inicial (de um padrão de ataque com retropé para 41 mediopé). Apesar dessas adaptações na mecânica da corrida, a economia de energia não foi afetada. Como conclusão sugerem que o retreinamento da marcha usando biofeedback visual em tempo real é uma estratégia efetiva para reduzir as cargas de impacto sem afetar negativamente a economia de energia. Chan et al (2017) publicaram o maior estudo clínico randomizado controlado sobre retreinamento de corrida com reavaliação dos corredores após um ano de seguimento. O objetivo foi avaliar as taxas de impacto antes e depois do programa de retreinamento e avaliar a eficácia do programa em reduzir a ocorrência de lesões relacionadas à corrida durante um período de observação de 12 meses. Foram recrutados 320 corredores novatos (com menos de 2 anos de prática de corrida) que após análise cinemática inicial foram randomizados em dois grupos, retreinamento e controle. O grupo retreinamento recebeu biofeeedback visual do pico de impacto vertical, registrado por plataforma de força numa esteira instrumentada (como ilustra a Figura 14), durante duas semanas num total de 8 sessões de treino em esteira. Os corredores eram orientados a reduzir o impacto vertical suavizando sua pisada. O grupo controle realizou treinos idênticos, porém sem o recurso do biofeedback visual. Figura 14 – Retreinamento com biofeedback com visualização do gráfico da FRVS em tempo real. Fonte: Chan et al (2017). 42 A cinemática da corrida dos sujeitos foi reavaliada após o retreinamento, e o histórico de lesões pós-treinamento foi monitorado com o uso de uma plataforma online durante o seguimento de 12 meses. Foi encontrada uma redução significativa das taxas de carga vertical no grupo que realizou o retreinamento, enquanto no grupo controle essas taxas foram semelhantes ou ligeiramente maiores. Em relação ao monitoramento das lesões nos 12 meses seguintes ao retreinamento, a ocorrência de lesão musculoesquelética relacionada à corrida foi de 16% e 38% nos grupos biofeedback e controle, respectivamente. Configurando um risco de lesão 62% menor em corredores que realizaram o retreinamento quando comparados ao grupo controle. Os autores concluem que um programa de retreinamento da corrida com biofeedback realizado por 2 semanas foi efetivo na redução do impacto vertical em corredores novatos e que a incidência de lesão foi reduzida em 62%. 2.3 LESÕES POR ESTRESSE NA TIBIA Os corredores de rua frequentemente sofrem lesões de estresse na tibia, o que implica em onsideráveis interferências no treinamento e nas competições. Estas lesões esqueléticas por sobreuso são o resultado da falha de adaptação óssea às cargas repetitivas ocorridas durante a corrida. O número de ciclos de carga necessários para iniciar o desenvolvimento da fratura de estresse está relacionado com a magnitude e a frequência da carga aplicada e com a capacidade do osso de resistir à essas forças (BRUKNER et al, 1999). Setenta e dois por cento de todas as fraturas de estresse em atletas ocorrem em corredores, o que causa uma paralisação imediata do treinamento. Metade dessas lesões ocorrem na extremidade distal da tíbia (MIZRAHI et al, 2000). Durante a corrida é gerada uma força de reação vertical do solo (FRVS) equivalente de 2 a 4 vezes o peso corporal (NIGG et al, 1995). A região distal da perna chega a receber entre 10,3 e 14,1 vezes o peso corporal em forças compressivas (SASIMONTONKUL et al, 2007). Com esse excesso de carga nos ossos longos dos membros inferiores (tíbia, fíbula, fêmur), existe um maior risco de fraturas de estresse (MIZRAHI et al, 2000). Um maior risco de lesões por sobreuso, como fraturas de estresse, também foi associado ao alto pico de aceleração positiva da tíbia no momento 43 do contato inicial da fase de apoio da corrida (Davis et al, 2004). Embora seja parcialmente atenuada pelas articulações e tecidos moles, uma força considerável ainda é transmitida aos ossos dos membros inferiores (MMII), o que resulta em deformação óssea e forças internas agindo sobre as unidades de área do osso. A tensão óssea pode tornar-se excessiva como resultado de aumentos na magnitude, na taxa e na frequência da carga. Nos seres humanos, a mensuração direta da tensão óssea tem restrições éticas e metodológicas, já que seria necessária uma cirurgia para introduzir esse tipo de sensor no osso. A FRVS e opico de aceleração positiva da tíbia fornecem medidas indiretas tanto da magnitude quanto da taxa de carga externa na extremidade inferior durante as atividades com suporte do peso corporal (BASSEY et al, 1997). Não está claro se as diferenças na FRVS são evidentes em atletas com e sem fraturas de estresse. Em dois estudos cruzados, Grimston et al (1991, 1994) encontraram diferenças significativas na FRVS nos corredores com e sem história de fratura por estresse. No estudo inicial, as forças foram maiores no grupo com histórico de fratura por estresse, enquanto que no estudo subsequente elas foram menores. Crossley et al (1999) não encontraram ligação entre FRVS e fraturas por estresse da tíbia em corredores do sexo masculino. Em contrapartida, em um estudo prospectivo, Davis et al (2004) mostraram que corredores com histórico de fratura de estresse tibial apresentavam maiores taxas médias e instantâneas de força de reação vertical do solo e maiores picos de aceleração positiva da tíbia em comparação com corredores sem histórico de fratura de estresse na tíbia. Seguindo a mesma linha, outros estudos retrospectivos também concluíram que maiores picos de força de reação vertical e de aceleração positiva da tíbia estavam presentes em corredores que tiveram histórico prévio de fratura de estresse tibial e outras lesões por sobreuso (HRELJAC et al, 2000; MILNER et al, 2006). Esses resultados conflitantes ressaltam a necessidade de investigações adicionais sobre a influência da FRVS em indivíduos propensos a fraturas por estresse (BENNELL, 2004). A capacidade do osso em resistir às deformações depende de vários fatores incluindo a massa mineral óssea e a geometria do osso. Teoricamente, uma baixa densidade mineral óssea (DMO) poderia contribuir para o desenvolvimento das fraturas por estresse, diminuindo a resistência do osso às cargas repetitivas. No entanto, 44 comparações da DMO local em indivíduos com e sem fratura por estresse têm sido inconclusivas (BRUKNER et al, 1999). A discrepância entre os resultados pode refletir diferenças nas populações, sexo, técnicas de medição e regiões ósseas. A relação entre a geometria óssea, a resistência óssea e as fraturas por estresse foi examinada em diversas populações, como recrutas militares masculinos (MILGROM, 1989) e femininos (BECK et al, 2000), e em corredores homens (CROSSLEY et al, 1999). Giladi e Milgrom (1999) fizeram um estudo utilizando radiografia convencional para medir a largura da tíbia em recrutas do sexo masculino e encontram uma incidência maior de fraturas por estresse nos indivíduos com menor largura tibial médio-lateral em comparação com aqueles com uma tíbia mais larga. Os resultados nas populações femininas são menos consistentes e limitados às recrutas militares (GIRRBACH et al, 2001). Embora haja alguma evidência de que diferenças geométricas consistentes com um osso mais fraco pode aumentar o risco de fratura por estresse em indivíduos que realizam atividade física intensa, isso não foi verificado nas populações atléticas femininas (BENNELL et al, 2004). 2.3.1 Etiologia das Lesões e Fatores de Risco Vários elementos extrínsecos e intrínsecos são considerados fatores de risco para fraturas de estresse da tíbia. Um elemento extrínseco é um fator externo que pode impor tensões adicionais sobre o osso durante a corrida. Alguns exemplos são: planilha de treinamento mal planejada, calçados inadequados e superfícies rígidas ou irregulares de corrida. Um elemento intrínseco é um fator interno que pode impor tensões adicionais ao osso. Exemplos de elementos intrínsecos incluem mecânica da corrida, variações anatômicas e fatores de saúde individuais, como osteoporose e baixa DMO (BOLTHOUSE et al, 2015). A mecânica inadequada da corrida é um fator intrínseco comum associado a fatores de estresse. A cinemática anormal durante a corrida também pode contribuir para a alteração dos padrões de carga na tíbia. Pohl et al (2008) identificaram aumento do momento adutor do quadril e o aumento da eversão do retropé como fatores preditores significativos das fraturas por estresse da tibia. Bennell e Brukner (2005) encontraram 45 redução no volume e na força muscular, particularmente do músculo tríceps sural, considerando esse como outro fator predisponente para fraturas de estresse. 2.4 AVALIAÇÃO CINEMÁTICA DA CORRIDA Muitos estudos recentes identificaram alteração da mecânica normal da corrida em indivíduos com lesões específicas (EDWARDS et al, 2009). Com isso, a análise de padrões de movimentos anormais durante a corrida pode ajudar na escolha de intervenções clínicas eficazes e auxiliar na prevenção de lesões (FERBER. McDONALD, 2014). Os sistemas de captura de movimento em 3 dimensões (3D), realizadas em laboratórios, são confiáveis na mensuração de muitas tarefas funcionais e podem determinar com precisão a cinemática multiplanar e multidimensional incluindo forças rotacionais nas articulações, e são considerados o padrão-ouro na avaliação de fatores de risco biomecânicos (MUNRO et al, 2012; NAKAGAWA et al, 2014; FORD et al, 2007). Alguns estudos concluem que as avaliações em 3D apresentam superioridade em relação às análises em 2D. Areblad et al (1990) concluiram que é aconselhável usar um modelo tridimensional ao estudar o movimento entre o pé e a perna durante a corrida. McLean et al (2003) relataram que erros na magnitude de 200% estavam presentes quando compararam ângulos 2D com ângulos 3D durante a subida lateral de degrau, salto lateral e corrida com mudanças abruptas de direção, mas que o padrão da forma das ondas angulares dos gráficos entre 2D e 3D foi semelhante. Cormack et al (2011) verificaram uma superestimação consistente das medidas de quadril e joelho usando uma abordagem 2D. No entanto, os sistemas de captura de movimento em 3D têm aplicação limitada no cenário clínico devido a alguns fatores como: os altos custos dos equipamentos, o tempo consumido na configuração do sistema, a dificuldade de posicionamento de múltiplos sensores eletromagnéticos que nem sempre se relacionam bem com o desempenho de tarefas funcionais e a dificuldade de utilização em testes de pré- temporada. As avaliações em 2D com câmeras de vídeo são uma solução potencial para as limitações como portabilidade, tempo, custo-eficácia e padronização nas avaliações 46 de movimento clínico acima mencionadas (SCHURR et al, 2017). As análises com imagens de vídeo podem ser feitas em clínicas de fisioterapia ou consultórios médicos e os resultados podem ser facilmente discutidos usando softwares ou aplicativos de telefone ou tablet. Além disso, esses sistemas de vídeo bidimensionais (2D) são portáteis, de baixo custo, tem rápida preparação e execução, e exigem pouco treinamento (MUNRO et al, 2012). Atualmente a grande maioria dos estudos utiliza métodos tecnológicos avançados, que são caros e incomuns na prática clínica padrão, mas embora algumas variáveis associadas às lesões necessitem de equipamentos de alta tecnologia, tais como esteiras instrumentadas e sistemas de captura de movimento tridimensional (3D), muitas das alterações cinemáticas identificadas em corredores com lesões podem ser medidas usando um sistema bidimensional (2D) mais simples, com análise de execução baseada em vídeo e outras ferramentas de baixo custo (SOUZA, 2016). O sistema de avaliação em duas dimensões (2D), com câmera única, é frequentemente utilizado no cenário clínico, pois exige menos marcadores, é muito mais barato, e necessita de menos espaço físico comparado ao sistema multicâmera em 3D. Assim, a compreensão da relação entre os sistemas de movimento 2D e 3D permite que os resultados das pesquisas sejam mais aplicáveis ao cenário clínico e proporcionem uma melhor compreensão do potencial erro associado a um sistema 2D. Estudos têm investigado a relação entre
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