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Diversidade Biológica, Evolução e Conservação das Espécies Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Prof. Ms. Claudio da Cunha Revisão Textual: Profa. Ms. Fátima Furlan Bases históricas do pensamento evolutivo • Introdução • Pré-evolucionismo: dificuldades para sua aceitação e ensino • Criacionismo, fixismo e “design inteligente” • As evidências iniciais da evolução biológica: tempo geológico e registro fóssil • Processo de fossilização · Aprender os principais conceitos sobre evolução biológica e o processo de transformação histórica que permitiu modificar um pensamento criacionista cristalizado por milênios para uma nova forma de interpretar o mundo e os enormes ganhos científicos e sociais derivados desse conquista. · Ver o processo de descobertas da paleontologia e os processos formadores dos fósseis, peças chave para a compreensão da origem do planeta e dos seres vivos. OBJETIVO DE APRENDIZADO É de fundamental importância que você compreenda e se posicione na linha do tempo histórico em que ocorreram as sequências de descobertas necessárias para que o conceito de evolução biológica fosse finalmente compreendido e os motivos que impediam o seu afloramento na ciência moderna. ORIENTAÇÕES Bases históricas do pensamento evolutivo UNIDADE Bases históricas do pensamento evolutivo Contextualização Qualquer profissional da área das ciências biológicas deve compreender de forma clara, o conceito de evolução biológica inserido no contexto histórico. Dentre todos os ramos científicos, a evolução biológica é a que sofre mais ataques e contestações, por motivos geralmente ideológicos, sem uma base concreta de fatos. Não há religiões contestando publicamente a geografia, a matemática ou a química, mas ser contra a evolução biológica é uma questão de princípio básico para inúmeras crenças, como uma espécie de “questão de honra”. Para os profissionais que se dedicarão à pesquisa, os conceitos evolutivos são constantemente evocados para explicar os mais diferentes processos biológicos, passando inclusive pela área da saúde, de maneira semelhante à microbiologia, ignorada por séculos. Qualquer tipo de concurso que o estudante ou profissional venha a prestar na área, terá provavelmente questões envolvendo o tema e os diferentes processos tecnológicos e científicos necessários para sua comprovação. Aos profissionais que se dedicarem ao ensino, provavelmente enfrentarão em algum momento, alunos, pais, responsáveis ou outras pessoas envolvidas com a vida escolar ou o cotidiano dos educando, que possuem linhas filosóficas ou religiosas contrárias ao conceito e o ensino da evolução biológica. Nesse momento é fundamental que o profissional esteja munido de argumentações sólidas, evitando assim qualquer tipo de desgaste desnecessário e perdas na relação ensino-aprendizagem. Aprenda também como se formam os diferentes tipos de fósseis assistindo ao vídeo sobre os diferentes processos de fossilização. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=an0uErs72P8 Ex pl or 6 7 Introdução Antes de iniciar nossa jornada, vamos definir o significado de evolução. Caso você tenha ouvido falar que evolução é a teoria que diz que o homem descende do macaco, está na hora de rever conceitos e mudar preconceitos. Vamos estudar os conceitos acadêmicos, científicos e os populares, que atrapalham sua compreensão. O primeiro grande erro se dá desde o início do surgimento das descobertas que levaram ao evolucionismo, quando a ideia e foi lançada para o público. De maneira equivocada confundem-se dois conceitos semelhantes evolução e progressão. Progredir significa avançar para algo melhor. Evoluir significa mudar (do latim, “evolvere”, mudar, mexer), de onde derivam as palavras portuguesas “revolver” e “remexer”, ou seja, quando se diz que os seres vivos estão em um processo evolutivo continuo, o que deve vir à mente, é que mudanças ocorrem através do tempo de geração em geração, pelos princípios de variabilidade genética e hereditariedade, comuns a todos os seres vivos. Você leitor, é geneticamente diferente de seus pais e irmãos, assim como serão seus descendentes. No mundo popular, quando se fala em evolução, o ouvinte geralmente imagina uma progressão, ideia reforçada pelos meios de comunicação de massa, que o autor desse material chama de “evolução pokemoniana”, em que os personagens de um desenho animado muito popular “evoluiam”, aumentando progressivamente seus superpoderes, ou em filmes que apresentam um futuro em que os macacos atingiram inteligência semelhante à humana. Pura ficção. Infelizmente, é dessa ideia errônea e superficial que surgem pessoas que ouvem e repetem que a evolução é uma teoria que diz que macacos um dia vão “evoluir” para formas humanas, assim como creem alguns que os humanos vão um dia evoluir para formas semelhantes à de extraterrestres com grandes cabeças e corpos pequenos, já que os “ETs”, são mais o evoluídos do que nós. Figura 1: A mais famosa e errônea descrição da evolução. A figura 1 acima é um dos grandes ícones associados com a evolução e também a imagem que acabou por fixar um conceito absolutamente errôneo para a compreensão da evolução: uma progressão em linha reta, do “pior”, para “melhor”. Os mecanismos evolutivos não atuam dessa forma. 7 UNIDADE Bases históricas do pensamento evolutivo Um ser vivo sempre é produto de um processo evolutivo, ou seja, todos os seres que estão vivos no momento presente são evoluídos; alguns mais parecidos com seus ancestrais remotos e outros mais modificados através do tempo. Cada ser vivo é uma mistura de características ancestrais (primitivas) herdadas com pouca ou nenhuma alteração a partir de ancestrais remotos e de características derivadas, que sofreram mudanças mais recentes Não podemos dizer que uma espécie viva é primitiva, embora suas características possam sê-lo (Futuyma,1992). Quando se quer dizer que um ser vivo é mais “evoluído” do que outro, diz-se que ele possui características mais alteradas pelo tempo, mais derivadas, em determinado aspecto, mas não mais evoluído no sentido de progresso, algo superior em relação ao inferior. Características podem permanecer inalteradas por longos períodos caso sejam positivas para a sobrevivência. As estruturas do DNA e do RNA são tão positivas para a sobrevivência e reprodução, que permanecem praticamente inalteradas desde os primórdios do planeta. O cérebro humano é mais complexo que de outros animais, mas cada um está adaptado e “evoluído” para exigências do seu ambiente. Um chimpanzé possui um sistema de memória de curto prazo muito superior ao nosso em relação à capacidade de memorizar alimento nas matas com um rápido olhar, mas nós possuímos atributos diferentes dos deles, que nos são mais favoráveis, como a capacidade de associação simbólica. Muitas espécies mantêm características semelhantes aos seus ancestrais remotos através do tempo sendo então chamados de “fósseis vivos”, tendo como exemplo, os samambaiaçus e o Celacanto, peixe crossopterígio que possui nadadeiras com ossos, semelhante aos peixes ancestrais que originaram os animais terrestres de quatro patas (tetrápodes). Figura 2: O peixe ilustrado é um Latimeria chalumnae, ou celacanto, espécie única que vive em águas profundas do Oceano Índico. Dentro de suas nadadeiras existem ossos semelhantes aos encontrados nos ancestrais dos tetrápodes, apresentando então uma série de características primitivas que o torna um “fóssil vivo”. A evolução não muda um indivíduo “para melhor” nem o faz de forma instantânea. Os processos evolutivos atuam sobre as populações através do tempo, alterando os seres vivos de modo geralmente lento, com raras exceções registradas em que uma mutação gênica ou cromossômica pode produzir alterações rápidas em um indivíduo que, as transmite aos seus descendentes. 8 9 Diz-se que as aves evoluíram a partir de répteis, ou seja, são seres cujas populações sofreram modificaçõesa partir de um ancestral, através do tempo. Consideramos aqui, de forma simplista, o seguinte conceito: População é um conjunto de seres da mesma espécie, que se entrecruzam e produzem descendentes férteis.Ex pl or A evolução não é uma teoria, mas um fato que pode parecer tão estranho para alguns quanto à descoberta de que a terra é redonda, para tantos, há séculos atrás. O processo evolutivo jamais deixará de existir enquanto existir vida no planeta, e a cada geração, os seres vivos apresentam pequenas mudanças que podem ou não ser úteis para sua sobrevivência. Importante! Evolução biológica é um processo de mudança natural que ocorre através dos mecanismos de variabilidade genética e hereditariedade comuns a todos os seres vivos. Se certa variedade é mais apta para sobreviver em certas condições, essa característica genética determinada terá uma maior chance de ser repassada para um maior número de descendentes, tornando-se cada vez mais comum nas populações. Se a variedade for negativa, provavelmente desaparecerá, e se for neutra, pode permanecer de forma silenciosa através das gerações. Importante! Na física e na química, quando uma teoria se mostra suficientemente poderosa e aceita como explicação geral para certo fenômeno matematicamente mensurável, ela pode ser chamada de “lei”, como a lei geral dos gases ou a lei da termodinâmica. Porém, esse termo não é aplicado nas ciências biológicas. As descobertas e percepções de Einstein sobre a relação entre matéria e energia, bem como a possibilidade de transformar uma em outra, como ocorre nas reações nucleares das usinas ou bombas atômicas não são contestadas como simples hipóteses, mas continuamos chamando o corpo principal da ideia como “teoria da relatividade”. Como poucas pessoas são capazes de compreender a relatividade, sua contestação é praticamente zero. Infelizmente, a “teoria da evolução”, embora tão factual e comprovada quanto à “teoria da relatividade”, descreve e analisa os seres vivos que nos cercam e acaba por mexer com o próprio ego inflado dos seres humanos, gerando contestações com bases puramente emocionais. Para a maioria das pessoas, é claro que um avestruz é parente próximo das emas, que o cavalo é parente do jumento, mas dizer que humanos são parentes de macacos, embora seja óbvio, deixa de ser óbvio por motivos não racionais. A ciência moderna parte do pressuposto da falseabilidade, ou seja, a ciência precisa obrigatoriamente passar por questionamento. Assim, o ceticismo é uma ferramenta do método científico e não deve ser confundido com uma posição 9 UNIDADE Bases históricas do pensamento evolutivo ideológica de fé. A dúvida é inerente ao processo científico, e no mundo acadêmico, uma tese deve ser defendida, pois será atacada por outros cientistas que a analisam, fazendo parte corrente do método. Popularmente, quando uma pessoa é chamada de cética, dá margem ao conceito de “ateu”, e por consequência sem valores morais, gerando um preconceito irracional contra a ciência e os profissionais da área, particularmente contra os biólogos evolucionistas. Pré-evolucionismo: dificuldades para sua aceitação e ensino Ás vezes, em nossas conversas cotidianas nos perguntamos como era a vida de nossos ancestrais, sem as tecnologias modernas como celulares e computadores, ou ainda, como era a vida sem energia elétrica e suas tecnologias básicas como geladeiras e lâmpadas. Aprofundando se no tempo, como deveria ser a vida sem vasos sanitários, talheres, medicamentos e outras maravilhas nem tão modernas assim, que faltam para tantos? É curioso imaginar nossos ancestrais imaginando a Terra plana, quadrada, com o sol e os outros planetas girando ao seu redor junto com todo o resto do universo, e estrelas «coladas» em uma abóbada celeste. Hoje, sabemos que estamos em um sistema solar de uma galáxia com muitos bilhões de estrelas semelhantes ou não ao nosso sol, em um universo com bilhões de galáxias já observadas, espalhadas em um espaço aparentemente infinito. Porém, a descoberta de outras galáxias foi feita por Hubble na década de 40 do século 20, enquanto ainda ocorria a segunda guerra mundial. Se voltarmos a pouco mais de um século no tempo, estaríamos em um país onde a escravidão era legal, o analfabetismo era o estado educacional mais comum, predominantemente rural, sem noções básicas de higiene e inserido em um mundo que ainda ignorava a existência de micro-organismos. Um ou dois séculos podem parecer muito tempo para a vida de um ser humano, mas para a história, é um espaço de tempo relativamente curto. Pode-se dizer sem a menor sombra de dúvida que os conhecimentos e avanços tecnológicos dos últimos dois séculos, superam em muito, todo conhecimento e tecnologia criada desde os primeiros registros do Homo sapiens no planeta. Dessa forma, não é difícil encontrar pessoas que não acreditam na evolução biológica, pois se trata de um ramo da ciência razoavelmente jovem, quando comparado, por exemplo, com a geometria, a filosofia e a matemática, que remontam a séculos antes de Cristo. No mundo pré-evolucionista, os fatos são tomados como vontade divina, na qual é possível descrever e nomear, sem, no entanto, perguntar o porquê dos fenômenos, assim como quais os mecanismos impulsionadores. Havia seres vivos bons e úteis associados ao bem, e seres maus e inúteis, associados com o mal. 10 11 Figura 3: Carl Lineu, “pai da taxonomia” era criacionista, já que em 1753, o evolucionismo ainda não estava claro. Ao entrar em contato com uma diversidade inexplicável de seres vivos, criou teorias que corroboravam o dilúvio. Organizou a classificação dos vegetais por estruturas reprodutivas (flores) utilizado até hoje. Sua obra é inestimável para a biologia, embora tenha sido construída sob padrões fixistas. Fonte: Wikimedia Commons Antes do evolucionismo, a atividade naturalista no ramo biológico era bastante restrita, concentrando-se na busca de novas espécies, coleta, descrição, nomenclatura (taxonomia) e conservação em coleções particulares ou em museus. Um estereótipo que se perpetuou na literatura brasileira, pode ser encontrado no clássico Inocência, de Visconde de Taunay, mostrando um cientista ingênuo caçador de borboletas a procura de uma nova espécie. Após o surgimento do evolucionismo, demarcado a partir da publicação do livro Filosofia Zoológica de Jean Baptist Lamarck, em 1809, passamos a fazer perguntas sobre a natureza, obtendo respostas muito intrigantes, que se expandiram em novos e mais complexos conhecimentos, iniciando uma corrida intelectual nova e desafiadora. O pai da taxonomia, Carl Lineu, percebeu a grande variedade de plantas, suas pequenas variações em diferentes populações e admirou-se com a incrível adaptação dos seres vivos aos padrões ambientais, ou seja, já tinha em mente os princípios da genética, da fisiologia e da ecologia, mas o padrão de pensamento daquele momento histórico (1753) baseado no fixismo, impedia o salto intelectual, mantendo-o em uma luta interna para corroborar as novas descobertas com o advento mitológico do dilúvio, sua crença. Do ponto de vista educacional, a evolução biológica é muitas vezes colocada como uma mera curiosidade e não como teoria unificadora. Ao falharmos no ensino de evolução, deixamos em desconhecimento que a produção agrícola, a agropecuária, a domesticação de animais e plantas, a produção de medicamentos, o controle de doenças na prática médica, as novas tecnologias de biologia molecular entre tantos avanços, são produto direto dos conceitos de evolução biológica. 11 UNIDADE Bases históricas do pensamento evolutivo Além de ser relativamente jovem, variados fatores, influenciam a baixa aceitação pública da evolução biológica. Um deles está no seu grau de complexidade e a sua condição de fenômeno, de processo em andamento. A botânica estuda plantas, a zoologia os animais, mas a evolução estuda os processos formadores das plantas e animais. Comparandocom uma fábrica, podemos descrever facilmente uma matéria-prima como o látex e um produto acabado, como um pneu. Podemos mostrar uma foto ou uma amostra do produto, o que é fácil e materialmente palpável. Descrever todo o processo produtivo, do plantio da árvore, biossíntese, passando pelas modificações químicas que transformam o látex em borracha, até o produto final em funcionamento em nossos veículos, é muito mais complexo. O processo evolutivo ocorre em nível molecular, invisível, nos processos de seleção dos melhores genes e nos processos que induzem a variabilidade genética controlada. Olhar o produto acabado sem pensar no processo é muito mais simples. Observar a estrutura e o funcionamento do cérebro humano causa estupefação. É difícil não ficar emocionalmente envolvido quando se analisa a fundo tamanha maravilha da natureza. Analisar a evolução do sistema nervoso desde os primeiros neurônios que surgiram nos celenterados há cerca de 650 milhões de anos, até o cérebro dos vertebrados é uma jornada intelectualmente desafiadora. Outra armadilha está no conceito de utilitarismo da natureza e sua causalidade, que permeia o olhar humano sobre a natureza. Não se deve partir do pressuposto que os seres vivos servem para alguma coisa, para um fim específico, colocados no mundo particularmente para nos servir. As estruturas que observamos nos seres vivos não necessariamente possuem uma função prática no tempo presente. Os seres vivos simplesmente são o que são. É muito confortável imaginar que as aves cantam para nos alegrar ou que as árvores da espécie Hevea brasiliensis produzem o látex para que nós humanos possamos fabricar pneus para nosso conforto, ou ainda que o criador do universo fez todos os seres da Terra apenas e tão somente para nosso uso (direito divino de uso). Esse tipo de raciocínio, denominado antropocentrismo, além de intelectualmente raso, tem um custo muito elevado e está levando o nosso planeta ao colapso por superexploração. Criacionismo, fixismo e “design inteligente” Outro grande entrave para o reconhecimento da evolução biológica não parte da ausência de conhecimentos, mas de dogmas religiosos. Nesse momento, iniciam-se disputas ideológicas que não envolvem fatos concretos, mas orientações de crença. De forma alguma, devem ser colocados em disputa, os fatos reais e mensuráveis (fósseis, genética clássica, similaridade de DNA) contra valores sociais que são intrinsecamente morais, e descrevem condutas em diferentes sociedades. Ou seja, a ciência e a religião tratam de coisas distintas: a um cabe o mundo material e ao outro, o mundo espiritual, e devem caminhar paralelamente. 12 13 Cabe salientar que a população do planeta é composta de bilhões de pessoas que não seguem os preceitos ocidentais, mas como nós fazemos parte da cultura judaico-cristã, vamos tomar como base a nossa história, particularmente a história europeia, da qual derivamos. O conceito de mudança através do tempo choca-se contra um conceito ocidental milenar, o fixismo. O fixismo parte do conceito histórico bíblico, de que todos os animais derivam de uma criação divina em um único momento específico (criacionismo), ou ainda do grupo de animais sobreviventes de uma total destruição do planeta (dilúvio). Associados com outras simbologias (“nada há de novo sob o sol”), o fixismo não aceita a mudança dos seres vivos através do tempo, por um preceito religioso. Portanto, o fixismo deriva do criacionismo. Cada sociedade tem seu meio de explicar a origem do universo, e logicamente, cada cultura vai acreditar que a sua é a versão verdadeira e que o criacionismo de outros povos é apenas mitologia. É sempre positivo lembrar que os bilhões de cristãos derivam do judaísmo, baseado no antigo testamento bíblico. Curiosamente, os judeus são milenarmente os mantenedores das sagradas escrituras, sem, entretanto criar embate contra a ciência moderna, sendo detentores de grande parte das descobertas científicas mais notáveis e incontáveis prêmios Nobel. Fixismo: conceito baseado na ideia de ausência de mudança através do tempo. Criacionismo: interpretação da criação do mundo baseada em intervenção divina.Ex pl or Figura 4: Giordano Bruno, queimado vivo em 1600 por não aceitar o dogma religioso da Terra como centro dos sistemas solar e do Universo. Fonte: leiturasdahistoria.uol.com.br 13 UNIDADE Bases históricas do pensamento evolutivo O direito de professar qualquer religião ou fé é garantido pela constituição brasileira, sendo também definido que o estado brasileiro é laico, ou seja, oficialmente a educação formal (dever do estado) não deve ser definida por preceitos de nenhuma doutrina religiosa. Saiba mais sobre Giordano Bruno, queimado vivo por defender o heliocentrismo. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=7o-hwM38QDwEx pl or No século XX, várias religiões assumiram a evolução biológica e conseguiram separar os valores morais dos mecanismos que regem a natureza, como é o caso da religião católica, que hoje assume a evolução biológica como um mecanismo sob a vontade divina. Formas semelhantes de pensamento podem ser encontradas, com defensores em várias sociedades e países. O termo inglês “Intelligent Design” ou projeto inteligente, ou design inteligente, procura por uma via quase científica, descrever os fenômenos da natureza guiados por Deus. O movimento é cristão, derivado dos Estados Unidos da América, e que vem ganhando muitos adeptos. Historicamente naquele país, a disputa criacionismo versus evolucionismo, tem um grande aporte de recursos financeiros derivados de religiões cristãs, garantindo grande influência política sobre o currículo escolar, incluindo várias tentativas de proibir o ensino de evolução biológica nas escolas ou de tornar o ensino criacionista obrigatório nas aulas de ciências, o que se mostrou pouco produtivo para a sociedade, com reflexos que incluem o Brasil na mesma linha de doutrina. O design inteligente não possui respaldo científico, pois se baseia em uma doutrina de fé, e embora se defina como ciência, é considerado no meio acadêmico como uma pseudociência. As evidências iniciais da evolução biológica: tempo geológico e registro fóssil O que hoje chamamos de biologia, nasceu de um ramo da ciência denominado história natural, em que o profissional denominado naturalista possuía conhecimentos muito amplos aplicados aos fenômenos da natureza. Conforme o volume de conhecimentos foi a aumentando, foi necessário separar os ramos das ciências da terra no que hoje denominamos geologia das ciências que envolviam os seres vivos, surgindo a biologia. Grandes expedições exploratórias foram feitas no mundo ainda em descoberta. No Brasil, muitas delas ganharam notoriedade mundial, com os trabalhos de Von Martius, Spix, Von Humboldt e Langsdorff. 14 15 Figura 5 : Chironectes palmata, a cuíca d’água, descrito na expedição do naturalista Georg H. von Langsdorf ao Brasil a partir de 1827 ; a cuíca é um marsupial brasileiro, aquático, com seis dedos, parente dos cangurus australianos. A diversidade tropical recém-descoberta e o parentesco entre os animais da América, da África e Austrália colocava em dúvida a interpretação literal do dilúvio e dos casais sobreviventes que repovoaram o planeta. (expedição Langsdorff ) Durante os séculos 17, 18 e 19, os naturalistas foram acumulando evidências que demonstravam que os seres vivos mudam através do tempo, e principalmente, de que o planeta Terra é muito mais antigo do que se supunha até então, contestando assim os preceitos religiosos do fixismo, dominantes até aquele momento. Segundo estudos teológicos feitos a partir da genealogia de Jesus, de Noé e Abraão até Adão, o Arcebispo James Usher, publicou em 1620, “Sacred Chronology” (Cronologia Sagrada) que definia o ano de 4004 a.C. como a data oficial da criação do mundo (Gênesis). Essa data foi assumida como fato e a sua contestação era bastante difícil. Para os naturalistasfoi ficando cada vez mais evidente que o mundo não podia ter sido criado apenas 4 mil anos antes de Cristo, dadas as crescentes descobertas de seres vivos muito diferentes dos atuais. Não era mais possível explicar dinossauros como seres diluvianos, como até hoje tentam explicar os criacionistas mais extremistas. Restos fossilizados de seres vivos sempre foram encontrados, mas geralmente eram considerados como erros na natureza na tentativa de formar seres vivos ou como restos do dilúvio, entre outras explicações, que envolviam forças malignas que colocavam dúvidas sobre a fé e retiravam os fiéis do caminho. A observação de camadas de rochas que se sobrepõem e que apresentam únicos e diferentes tipos de fósseis levou à percepção de que conforme nos aprofundamos nas camadas de rocha, mais antigas elas são, até que desaparecem completamente os registros de animais terrestres, seguidos de grandes períodos de vida restrita em ambientes aquáticos até seres muito simples e o total desaparecimento do registro da vida em um passado mais remoto. O estudo e análise dessas camadas e do tempo associado são denominados estratigrafia. Um estrato geológico é uma camada de 15 UNIDADE Bases históricas do pensamento evolutivo rocha que corresponde a certo período do passado, medido pelo tempo geológico. O principal nome na sistematização dos fósseis, incluindo a percepção de extinções causadas por grandes tragédias e mudanças climáticas através do tempo foi Georgers Cuvier (1769-1832), fundamental na sedimentação do pensamento evolucionista. O tempo geológico utiliza escalas de milhares, milhões e bilhões de anos, enquanto o tempo cronológico que utilizamos é composto de minutos, dias e anos. O planeta Terra foi formado a cerca de 4,5 bilhões de anos e o Homo sapiens aparece nos registros fósseis entre 180 e 200 mil anos. Compreender o tempo geológico é um dos mais difíceis degraus para subir até o entendimento real da evolução biológica, dado o nível de abstração necessário. Unidades de tempo Evolução da vida Eon Era Período Ma Época Fa ne ro zo ico Ce no zo ico Quartenário 18 Holoceno Desenvolvimento do Homem Pleistoceno Terciário 65,5 Plioceno Idade dos Mamíferos Mioceno Oligoceno Eoceno Paleoceno Extinção dos dinossauros e muitas outras espécies M es oz oi co Cretáceo 145,5 Idade dos Répteis Primeiras plantas com flores Primeiros pássaros Dinossauros dominantes Jurássico 199,6 Triássico 245 Pa leo zo ico Permiano 299 Idade dos Anfíbios Extinção de trilobitas e muitos animais marinhos Primeiros répteis Grandes pântanos de carvão Anfíbios abundantes Primeiros insetos fósseis Primeiras plantas terrestres Primeiros peixes Trilobitas Primeiros organismos com conchas Carbonífero 359 Devoniano 416 Siluriano 443 Ordoviciano 488 Idade dos InvertebradosCambriano 542 Pr ot er oz oi co Pré-Cambriano 2500 Primeira fauna de metazoários grandes Primeiros organismos multicelulares Ar qu ea no 4030 4565 Primeiros organismos unicelulares Idade mínima da crosta Origem do Sistema Solar Figura 6: Tempo geológico, estimado em milhões de anos (Ma) Fonte: educacao.uol.com.br 16 17 Observando-se a estratigrafia e seus fósseis, pode-se perceber que ocorreu um grande período em que só eram registrados fósseis de peixes, seguida por um grande período em que ocorria apenas peixes e anfíbios, seguindo-se um período com peixes, anfíbios e répteis no mesmo estrato. Logo depois, surgem os primeiros registros de mamíferos e posteriormente de aves. Ou seja, podemos reconstruir temporalmente a evolução da biodiversidade dos vertebrados e dos grandes grupos de classificação, com anfíbios derivados a partir de peixes, répteis a partir de anfíbios e os dois grupos de animais de sangue quente (endotérmicos), surgindo em tempos diferentes, a partir de ancestrais diferentes. Primeiro, os mamíferos no período Triássico e depois, as aves no período Jurássico, a partir de ancestrais semelhantes aos dinossauros bípedes. A chamada “Era dos Répteis”, o Mesozóico, é a mais famosa pela diversidade de dinossauros, sendo composta pelos períodos Triássico, Jurássico e Cretáceo, que durou no conjunto, cerca de 180 milhões de anos e terminando com o famoso evento do asteroide que caiu na Terra produzindo uma das grandes extinções em massa, marcando o início do Cenozóico, com predomínio de aves e mamíferos. A Era dos peixes e dos anfíbios não conseguiu o sucesso de atenção atingido pela Era dos répteis. Da mesma forma, a conquista do meio terrestre seguiu uma sequência de grandes grupos vegetais: as briófitas (musgos), seguidas pelas pteridófitas (samambaias, avencas, cavalinhas), ambas sem sementes e com dependência da água para reprodução, pois possuem gametas livre-natantes, seguidas pelas gimnospermas que já apresentam sementes, porém não possuem frutos (pinheiros, Cycas, Ginkgo) e mais modernamente as angiospermas, plantas com flores e frutos contendo sementes. Há vários vídeos o sobre tempo geológico, alguns mais curtos outros mais completos. Busque no you tube o tema tempo geológico. Disponível em: https://goo.gl/l6hr9v Ex pl or Apenas no século XX, com o surgimento da física nuclear, é que se pode fazer a datação das rochas com a precisão, a partir do decaimento nuclear natural ou meia vida de elementos radioativos (radiometria), fenômeno que transforma elementos químicos em outros menores, como o teste potássio 40 que decai para argônio 40 a cada 1,25 bilhão de anos e permite datações muito antigas, com essa restrição de tempo. Importante! O famoso teste do carbono 14 analisa a matéria orgânica e diretamente a partir da fixação dos isótopos de carbono do ar durante a fotossíntese, marcando o tempo “próximo”, com precisão máxima de 50 mil anos. É muito utilizado em arqueologia, mas pouco em paleontologia, que trabalha com um passado mais remoto e pouquíssimo material realmente orgânico. Importante! 17 UNIDADE Bases históricas do pensamento evolutivo Processo de fossilização A palavra fóssil deriva do latim fossile, aquilo que está enterrado. De maneira geral os fósseis são restos e evidências de seres vivos que viveram no passado. São normalmente encontrados encravados em rochas. Podem ser muito variados, como ossos, ovos, dentes, escamas, troncos, folhas, grãos de pólen (palinologia), pegadas, marcas de urina (urólitos), fezes (coprólitos) ou o produto de sua decomposição (ex. petróleo, derivado principalmente de fitoplâncton). Fitoplâncton é o conjunto de algas microscópicas extremamente abundantes, em suspensão na água, base das cadeias alimentares dos ambientes aquáticos. Reservam energia absorvida na fotossíntese na forma de óleos. Ex pl or O cientista especialista em fósseis é denominado paleontólogo e a ciência é a paleontologia. Figura 7: Madeira petrificada. Na realidade não há mais nenhum resto orgânico do vegetal. As células foram preenchidas por sedimentos e também a celulose foi substituída por partículas minerais dissolvidas na água/lama. Fonte: Wikimedia Commons Os processos de fossilização também são muito variados, resultando em fósseis muito distintos. A madeira de uma árvore pode ser “petrificada”, com a completa substituição da matéria orgânica por minerais quando fossilizada em meio aquoso rico em minerais ou por outros processos sob pressão e poucos minerais solúveis, dar origem ao carvão mineral, que preserva a base de carbono e o seu poder energético (calórico), como no carvão vegetal comum. A arqueologia estuda os restos humanos, particularmente sob a ótica cultural e social , em um tempo mais recente, geralmente na ordem de séculos e milênios. A paleoantropologia estuda os mais antigos ancestrais do Homo sapiens. Ex pl or Originalmente desprezados ou associados com forças demoníacas, os fósseis começaram a ganhar relevância com os estudos de Robert Hook, que utilizando microscópios, definiu claramente em 1705, a origem orgânica do carvão mineral, apresentandomicroscopicamente as estruturas celulares típicas dos vegetais. 18 19 Estudou também os moluscos fósseis denominados amonitas, descrevendo como ocorre o processo de fossilização, com a lenta a substituição da matéria orgânica por minerais presentes na lama que sepultou os seres vivos e que posteriormente transformou-se em uma rocha sedimentar contendo o fóssil, processo popularmente chamado de petrificação, tendo como exemplo principal, as árvores petrificadas. Figura 8: Fósseis de amonitas. Descritos por Robert Hook, auxiliaram na descoberta dos processos de fossilização. Fonte: escuelacima.com O primeiro fóssil de “dinossauro” foi exposto em 1795, na Inglaterra, um Mosassauro, iniciando uma enorme curiosidade por parte do público e iniciando uma corrida de caçadores de fósseis, que os vendem para museus e colecionadores do passado até os dias atuais. Figura 9: Mosassauro, um grande réptil aquático ligado aos dinossauros. Primeiro fóssil de animal “monstruoso” exposto, iniciando uma longa sequência de descobertas. Fonte: Wikimedia Commons O Brasil possui grandes quantidades de sítios fossilíferos, destacando-se as maiores concentrações mundial de peixes fósseis, na Chapada do Araripe, no Piauí, de répteis voadores (pterossauros), no Ceará, e os maiores afloramentos de árvores petrificadas no Rio Grande do Sul. Além de dinossauros em muitos locais, com destaque para Minas Gerais. 19 UNIDADE Bases históricas do pensamento evolutivo Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Sites Fóssil de dinossauro é encontrado em obra no Triângulo Mineiro Notícias na imprensa brasileira sobre registros fossilíferos. http://goo.gl/awjbwi No rastro dos dinossauros Material auxiliar para aulas de ciências: Revista Ciência Hoje para crianças http://chc.cienciahoje.uol.com.br/no-rastro-dos-dinossauros/ Vídeos Fósseis e processos de fossilização Vídeo sobre o processo de fossilização. https://www.youtube.com/watch?v=an0uErs72P8 Leitura Os fósseis entenderam-se sempre do mesmo modo? Texto sobre a história da paleontologia. http://fossil.uc.pt/pags/entend.dwt 20 21 Referências CUNHA, Claudio da. Genética e Evolução Humana. Campinas, SP:Átomo, 2011. FUTUYMA, Douglas. Biologia Evolutiva. 3ª ed. Funpec, 2009. 21
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