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E - B O O K B P O S O I T O M I T O S D A L E G A L I Z A Ç Ã O D A M A C O N H A 1 CURSO “OS OITO MITOS DA LEGALIZAÇÃO DA MACONHA” COM PROFESSOR MARCUS VINICIUS LINS BONS ESTUDOS! O curso Oito Mitos da Legalização da Maconha tem como intenção preencher uma lacuna importante na discussão sobre a legalização das drogas. Atualmente, vemos apenas um dos lados se manistando sobre essa possibilidade. Mas será que a legalização é tão simples assim? Será que não tem mais nada a dizer sobre esse tema? A verdade é que legalizar a maconha envolve vários riscos à saúde, e muitos interesses financeiros e ideológicos. SINOPSE A HISTÓRIA DA MACONHA AULA 1 E - B O O K B P O S O I T O M I T O S D A L E G A L I Z A Ç Ã O D A M A C O N H A 4 Hoje eu apresentarei, no Núcleo de Formação da Brasil Paralelo, o curso “Os oito mitos da legalização da maconha”. É um tema muito polêmico, mas é necessário discutirmos, e devemos fazê-lo jogando aberto, abordando efetivamente as questões que envolvem essa droga, pois observamos que os debates atuais não tratam de todos os aspectos relacionados à legalização. Assim que começou o curso, eu fui pesquisar a respeito da legalização da maconha, porque senti uma necessidade de compreender melhor esta questão. No decorrer dessa busca, foi ficando claro que as coisas não eram tão simples como estavam dizendo: um senso comum que acabou se formando contagiou aspectos do debate e os deixou para trás, e precisávamos resgatá-los porque a legalização afetará você, a sua família, a sociedade. Também durante minhas pesquisas, constatei que ainda não temos no Brasil literatura a respeito da legalização da maconha. O estudo que vou desenvolver aqui com vocês teve como base dois principais livros. Eles me serviram como um esqueleto e, a partir deles, fui fazendo um paralelo com a realidade brasileira. O primeiro é Os Sete Mitos da Legalização1 da Maconha de Kevin Sabet. Ele é um estudioso do tema que mora no Colorado, Estados Unidos, e eu o considero hoje a maior referência mundial sobre o assunto. Pesquisando na internet, encontrei uma palestra dele2 em São Paulo, com tradução simultânea, na qual ele faz referência ao livro. Desenvolvi este curso a partir do material dele e acrescentei um oitavo mito para tratar especificamente da questão da violência no Brasil, pois é um aspecto muito importante para nós. O segundo livro, que dá 1 SABET, K. Reefer Sanity: Seven Great Myths About Marijuana. Second Edition. United States: Beaufort Books, 2018. Kevin Sabet (1979) é Ph.D. e Mestre em Política Social pela Universidade de Oxford. Ele é considerado um dos maiores especialistas em políticas de droga e, por sua atuação na área, tornou-se referência mundial em pre- venção. É co-fundador do Projeto SAM – Smart Approaches to Marijuana. 2 A palestra ocorreu durante o evento “O Impacto da Legalização das Drogas”, organizado pela Associação Pau- lista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM), no dia 23 de agosto de 2014, no Palácio dos Bandeirantes, em São Paulo. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=pKQGG09utss&feature=emb_title. Acesso em: 30 jan. 2021. INTRODUÇÃO E - B O O K B P O S O I T O M I T O S D A L E G A L I Z A Ç Ã O D A M A C O N H A 5 o conteúdo desta primeira aula, escrito por Alex Berenson3, foi um best- seller nos Estados Unidos. Chama-se Tell Your Children: The Truth About Marijuana, Mental Illness, and Violence Hardcover (Fale a Verdade para as crianças: sobre a violência, a doença mental e a marijuana). Eu não prometo que, no fim deste curso, você terá mudado totalmente de ideia — quem sou eu para exigir isso e impor um tipo de pensamento —, mas não tenho dúvida nenhuma de que, após assistir a essas quatro aulas, você pensará muito, mas muito mesmo, sobre se devemos ou não legalizar a maconha no nosso país. 1.1. Estrutura do Curso Eu preparei o curso para vocês da seguinte forma: A primeira aula é a história da maconha. Eu acrescentei este tema ao curso por considerá-lo muito importante. Depois que você estuda a história da maconha, de como foi evoluindo o uso da maconha, no século XX principalmente, fica fácil perceber o arco da narrativa e como ele foi moldado com o tempo, sobretudo nos famosos anos 60. Você perceberá que tudo o que vivemos hoje foi pensado por alguém lá trás. Não sabemos disso, parece que é um dado tirado da realidade quando, na verdade, é algo pensado com um objetivo. Essa aula é fundamental para encaixar em todos os demais mitos que trato nas aulas seguintes. A segunda aula iniciarei tratando do uso da maconha no Brasil, do levantamento nacional feito para saber qual é a porcentagem de usuários no nosso país, para então abordar os mitos. O primeiro mito é o de que a maconha realmente não faz mal e não vicia. Será que a maconha é inofensiva? Será que não vicia? O segundo mito é sobre o uso medicinal da droga. Este tema é muito importante. É necessário legalizar a maconha para produzirmos remédios à base de Cannabis? Será que existe maconha 3 Alex Berenson (1973), ex-repórter do The New York Times, é autor de vários romances. Seu livro Tell Your Chil- dren: The Truth About Marijuana, Mental Illness and Violence gerou controvérsias devido às suas afirmações de que a cannabis causa psicose e violência. E - B O O K B P O S O I T O M I T O S D A L E G A L I Z A Ç Ã O D A M A C O N H A 6 medicinal? Na terceira aula abordarei o terceiro mito: a legalização do álcool e do tabaco fortalecem o caso da maconha. Escutamos muito o argumento de que se a cerveja e o cigarro são legalizados, por que não a maconha. Com isso entramos no estudo do lobby da maconha — há muito dinheiro envolvido, não é pouco — no mundo, no Brasil e durante a pandemia. Veremos como eles tentam sempre se aproveitar de situações que fragilizam a sociedade para vender a ideia de que a legalização da maconha é um ganho social. E no fim desta aula tratarei do quarto mito: o imposto da maconha legalizada custeará a prevenção e o tratamento dos usuários. Quando defendem a legalização alegam, em seguida, que o dinheiro do imposto sobre a maconha subsidiará o usuário, porque é uma questão de saúde e segurança públicas. Por fim, na quarta aula, que considero a principal, e é a que todo mundo espera, trato do quinto mito: inúmeras pessoas estão atrás das grades por portar ou fumar maconha. É o famoso “encarceramento em massa”. Será que o fato de a pessoa portar e fumar a maconha a leva a ser presa? Falaremos sobre encarceramento e os números de presos. O sexto mito: a legalização da maconha diminuirá de forma considerável o poder do tráfico de drogas e a violência nas ruas. Este - eu posso garantir - foi o argumento que mais ouvi e diante do qual eu efetivamente balançava, porque venho de uma cidade muito violenta. Sempre ficava pensando que se a legalização diminuir o número de mortes, há um ganho nisso. Eu perdi amigos para a violência urbana e, quando perdemos amigos próximos desta maneira, esse é um argumento que nos faz pensar. Mas vamos estudar para saber se isso de fato acontece. O sétimo mito (este também ouvimos muito): Uruguai, Holanda, Portugal e Estados Unidos são exemplos exitosos da legalização. Será que eles são? E o oitavo mito (este é o clímax): prevenção, intervenção e tratamento sem a legalização estão fadados ao fracasso. Quando falamos em como lidar com as drogas, escutamos que só existe E - B O O K B P O S O I T O M I T O S D A L E G A L I Z A Ç Ã O D A M A C O N H A 7 um caminho, e este caminho jamais passa pela proibição da venda. Eu não tenho dúvida nenhuma de que vocês vão se surpreender com o conteúdo e de que terão condições de discutir com qualquer pessoa sobre a legalização, com dados e informações, fazendo com que o debate sobre esse assunto seja muito mais honesto. A BREVE HISTÓRIA DA MACONHA Como chegamos até aqui? Comochegamos ao ponto de a legalização da maconha estar sendo a panaceia para a solução desse problema? Estamos vendo um país atrás do outro legalizando — e no caso dos Estados Unidos, os estados, pois a lei é estadual. A título de curiosidade, a primeira vez que se documentou a maconha foi em um guia medicinal chinês escrito há cem anos antes de Cristo4. Este manual já advertia que o fumo da maconha fazia com que as pessoas ficassem agressivas e vissem demônios. Obviamente não retraçarei a história desde então até aqui. Darei um salto para o século XIX, período no qual dois países, bastante distintos e distantes, com muito pouco em comum, foram muito importantes para o atual debate sobre essa droga. 2.1. O Caso do México O primeiro é o México. A planta entrou no país com a chegada dos espanhóis que utilizavam as fibras para fazer corda e armamento de navios, mas as pessoas que trabalhavam nos portos e os mais pobres passaram a fumar a floração. Com o tempo, o uso da maconha foi se espalhando pelo México e, no século XIX, os problemas começaram a aparecer. Algumas manchetes dos jornais do fim desse século já alertavam sobre os efeitos da maconha: 4 Trata-se de uma farmacopeia chinesa também conhecida como Shen-nung Pen-tsao Ching. É o primeiro guia de referência abrangente sobre ervas e drogas alguma vez criado. E - B O O K B P O S O I T O M I T O S D A L E G A L I Z A Ç Ã O D A M A C O N H A 8 “Outro assassinato provocado pela marijuana” El Imparcial, 17 de junho de 18975 “Um maconheiro anarquista” El Imparcial, 11 de janeiro de 18976 “Mastigou a orelha da mulher” Mexican Herald, 19037 As pessoas fumavam e tinham surtos psicóticos: “Loucos por causa da marijuana” El Imparcial, 8 de junho 19048 “Assassinato de um ministro protestante” El Imparcial, 16 de fevereiro 19069 “Cidade de Juárez é palco de espetáculo atroz” El Diario, 3 de janeiro 191310 5 Home Grown: Marijuana and the Origins of Mexico’s War on Drugs, Isaac Campos, pp. 265, 2014. 6 Op cit., pp. 265. 7 “An August 1903 report from the Mexican Herald offers a case in point: Yesterday morning Corporal Victoriano Reyes of the second cavalry arrived at his home in Tacubaya after smoking a ‘marihuana’ cigarette with some friend and began to beat his wife because she had not bathed his pet dog. The woman cried for help and then the mad soldier bit her, severing her right ear and a large part of the left cheek. At that moment a gendarme ap- peared on the scene, but Reyes attacked him and bit a large slice of flesh from his arm. The gendarme had to call another policeman by firing his pistol and after half an hour’s struggle the rabid corporal was taken in a straight jacket to the police station”. Op cit., pp. 99. “Um relatório do Mexican Herald de agosto de 1903 oferece um caso em questão: Ontem pela manhã o cabo Vic- toriano Reyes da Segunda Cavalaria chegou em sua casa, em Tacubaya, após fumar um cigarro de maconha com um amigo e começou a bater em sua esposa porque ela não tinha dado banho no seu cachorro de estimação. A mulher gritou por socorro e o soldado louco a mordeu, arrancando-lhe a orelha direita e grande parte da boche- cha esquerda. Nesse momento apareceu um militar em cena, mas Reyes o atacou e mordeu uma grande fatia de carne do braço. O militar teve de chamar outro policial disparando a sua pistola e, depois de meia hora de luta, o cabo raivoso foi levado em uma camisa de força para a delegacia.” (Tradução do transcritor) 8 Op cit., pp. 264. 9 Op cit., pp. 265. 10 Op cit., pp. 264. E - B O O K B P O S O I T O M I T O S D A L E G A L I Z A Ç Ã O D A M A C O N H A 9 “O raciocínio desaparece de uma maneira absoluta na hora que se fuma marijuana” El País, 7 de abril de 191311 Podemos observar que, no fim do século XIX e início do século XX, já se sabia que a maconha causava muito mal. Os médicos mexicanos, preocupados com isso, resolveram realizar uma pesquisa, com oitocentos pessoas, sobre os efeitos da maconha. Esse estudo, publicado no Boston Medical and Surgical Journal, demonstrou uma correlação persistente entre surtos psicóticos e o uso da Cannabis. Foi o primeiro estudo do México12, já em 1908. Na época, essa dura reação médica junto à opinião pública causou efeito. Os mexicanos de maneira geral não tinham nenhum problema em utilizar ervas psicodélicas, pois, nos rituais religiosos, os xamãs usavam peyote e sálvia, cujos efeitos são psicotrópicos. Porém, a maconha provocava surtos psicóticos. Em virtude da pressão dos médicos e da mídia informando os efeitos deletérios da maconha, em 1920, o governo mexicano proibiu o seu uso. 2.2. O Caso da Índia O outro país, que também no fim do século XIX começava a apresentar problemas, é a Índia, então colônia britânica. Diferente do México, há muito tempo os indianos tinham o costume de se consumir a maconha, e este consumo se dava de três maneiras: o primeiro, o bhang, com baixo teor de TCH, que, depois de triturado tudo da maconha, eles misturavam em uma bebida e tomavam em eventos religiosos; o segundo, a ganja, o fumo da floração da maconha, com alto teor de THC, consumido usualmente; e o 11 Op cit., pp. 261. 12 “A particularly interesting piece of evidence on this was offered in 1908 by an American physician working in a Durango mining camp. In a paper published in the Boston Medical and Surgical Journal and the New England Journal of Medicine, Dr. I. S. Kahn argued that cases of hysteria and mania were extremely common around the camp”. Op cit., pp. 177. “Uma evidência particularmente interessante sobre isso foi oferecida em 1908 por um médico americano que trabalhava em um campo de mineração em Durango. Em um artigo publicado no Boston Medical and Surgical Journal e no New England Journal of Medicine, Dr. I. S. Kahn argumentou que os casos de histeria e mania eram extremamente comuns em torno do campo.” (Tradução do transcritor) E - B O O K B P O S O I T O M I T O S D A L E G A L I Z A Ç Ã O D A M A C O N H A 10 terceiro, o charas, feito a partir da resina da maconha, também chamado “haxixe indiano”, contendo altíssimo teor de THC. Em 1860, começou uma movimentação de médicos britânicos sobre o impacto do uso da maconha nas internações psiquiátricas. Os hospitais psiquiátricos estavam muito cheios, e havia uma grande desconfiança de que a causa era a maconha. Como isso chamou a atenção, o governo britânico pediu um relatório sobre o uso da maconha na Índia. E qual era a preocupação do governo britânico? A taxação da maconha era uma dos principais fontes de receitas governamentais na Índia e a proibição significaria uma perda considerável de dinheiro. Convocaram então uma Comissão Indiana das Drogas, composta de quatro britânicos e três indianos, para tratar do tema e dar uma resposta à questão da maconha. A decisão final: apenas aumentar os impostos para diminuir o consumo sem proibir o uso. Porém, essa decisão não foi unânime. Dos sete membros, dois indianos votaram contra o relatório porque a grande maioria dos médicos britânicos consultados era favorável à proibição imediata do ganja e do haxixe devido ao alto teor de TCH e à taxação apenas do bhang, cujo teor era baixo. Contudo, essas distinções dos três tipos de uso da droga foram ignoradas no relatório — o que dava uma falsa impressão de que a maconha possuía baixo potencial nocivo — e optaram por taxar tudo. Ou seja, o dinheiro falou mais alto (como vocês verão no decorrer das aulas, no fundo só o dinheiro importa). Com o passar do tempo, restou provado que aumentar a taxação não desencorajou o consumo. Para se ter uma ideia, por volta de 1920, 30% das interações nos hospitais psiquiátricos indianos tinham relação com o uso da maconha. Observa-se, portanto, que esses dois países já mostravam a existência de problemas no uso da maconha. Ela não era inofensiva. Porém, o alerta foi desdenhado, pois o dinheiro faloumais alto. E - B O O K B P O S O I T O M I T O S D A L E G A L I Z A Ç Ã O D A M A C O N H A 11 2.3. O Caso dos Estados Unidos Na década de 1930, a maconha chega nos Estados Unidos e começa a fazer barulho. Mas Harry J. Anslinger13, o comissário do escritório federal sobre drogas, se antecipa. Para evitar que o problema se tornasse gigante nos Estados Unidos, ele alertou sobre os perigos da maconha, apresentando as pesquisas que mostravam os efeitos deletérios da maconha e incentivando a mídia a publicá-los, com o objetivo de fazer a opinião pública ficar contra o uso da maconha e proibir o uso. Em 1937 ele alcança o intento. No dia 2 de agosto deste ano, o Presidente Franklin Roosevelt14 resolveu multar toda pessoa que fumasse maconha nos Estados Unidos, o que equivalia à proibição. A impressão que ficou é a de terem vencido essa guerra contra a maconha. Ledo engano. A famosa década de 1960 chegou e provou justamente o contrário. Para melhor entender onde a maconha entra nesse contexto, eu preciso antes falar um pouco sobre o chamado “marxismo cultural”. Desde o século XX, a União Soviética estava incomodada. Por quê? De uma maneira bem simples: segundo o marxismo clássico, a sociedade está fundada em duas estruturas, a infraestrutura e a superestrutura, e, para criar uma nova sociedade totalmente diferente dessa pequeno-burguesa, era necessário tomar a infraestrutura (meios de produção, fazendas, fábricas) para que a superestrutura (religião, família, direito) viesse abaixo. No entanto, isso não aconteceu. Eles tomaram as fábricas e as fazendas e a superestrutura continuou como estava. Surge então, na década de 1920, um grupo de estudiosos muito inteligentes financiado pelo capitalismo. Esse grupo cria a famosa Escola de Frankfurt15, que tinha ligação direta com a União Soviética, 13 Harry J. Anslinger (1992-1975) foi um Comissário do Serviço de Narcóticos dos Estados Unidos, cargo criado du- rante a gestão do presidente Herbert Clark Hoover. 14 Franklin Roosevelt (1933-1945), político norte-americano e 32º Presidente dos Estados Unidos. Dentre as suas ações contra as drogas, Roosevelt pressionou o presidente Getúlio Dornelles Vargas a proibir a venda de cigarrilhas de maconha em nosso país, que eram livremente comercializados. À época, a marca Guarany era a mais vendida. 15 Escola de Frankfurt é uma vertente de teoria social e de filosofia. Inicialmente consistia de cientistas sociais marxistas dissidentes que acreditavam que alguns dos seguidores de Karl Marx tinham se tornado repetidores de algumas ideias marxistas. Muitos deles admitiam que a teoria marxista clássica não explicava adequadamente o turbulento e inesperado desenvolvimento de sociedades capitalistas no século XX. Críticos tanto do capitalismo e do socialismo da União Soviética, os seus escritos apontaram para a possibilidade de um caminho alternativo para o desenvolvimento social. E - B O O K B P O S O I T O M I T O S D A L E G A L I Z A Ç Ã O D A M A C O N H A 12 e começa a rever através da teoria crítica (a dialética do esclarecimento), a maneira de criar uma nova sociedade. Max Horkheimer16, Herbert Marcuse17 e outros têm um olhar diferente. Para eles, a questão não é você pegar a infraestrutura, e sim a superestrutura. Portanto, estava na hora de começar a questionar a família, a religião, de entrar na cultura, infiltrando-se em Hollywood e nas editoras. Apenas modificando a superestrutura é que é possível mudar a sociedade. A Escola de Frankfurt foi crescendo e chega a seu ápice na década de 60, quando se passa a contestar tudo o que é burguês, ou como costuma dizer, tudo o que é branco, hétero, capitalista e opressor. Todos os hábitos e costumes do que consideravam o status quo tinham de ser combatidos. E qual eram as drogas da burguesia? Cerveja, uísque, cigarro e charuto. E foi uma efervescência essa década. Nos Estados Unidos, houve Woodstock e o envolvimento na Guerra do Vietnã. Esta era combatida internamente com uma propaganda massiva dizendo que era um erro dos Estados Unidos se meterem nela. Sabemos que, quando os Estados Unidos saíram da região, o comunismo se expandiu e matou milhões de pessoas. Mas a mídia já estava tomada e as pessoas acreditavam naquilo que ela dizia. Na França, o Maio de 68 com o lema “É proibido proibir”. Tudo tinha de ser diferente. Aquela juventude revoltada queria romper com o paradigma burguês. E se vocês observarem as fotos de Woodstock, a droga que as pessoas usavam era a maconha. A maconha então vira um símbolo da paz (e é até hoje). A pessoa que fuma maconha é relaxada, não quer saber de briga, é diferente do burguês, do capitalista malvadão, que fica tomando uísque, fumando charuto e oprimindo as pessoas. Eles venderam essa imagem e - o pior - colou. Eu sempre digo: enquanto as outras drogas têm usuários, a maconha tem militantes políticos. Nada disso foi por acaso, foi pensado, e temos de 16 Max Horkheimer (1895-1973), sociólogo e filósofo alemão, foi um dos fundadores da Escola de Frankfurt. Dentre seus trabalhos mais importantes, encontra-se Dialética do Esclarecimento (1947), escrito em colaboração com Theodor Adorno. 17 Herbert Marcuse (1898-1998), sociólogo e filósofo alemão, naturalizado americano, pertencia à Escola de Frank- furt. Em seus escritos, fez críticas ao capitalismo, à tecnologia moderna, ao materialismo histórico e à cultura de entretenimento, argumentando que representavam formas de controle social. E - B O O K B P O S O I T O M I T O S D A L E G A L I Z A Ç Ã O D A M A C O N H A 13 combater isso. Foi grande o impacto dessa geração dos anos de 1960. Na década de 70, o número de usuários de maconha começa a explodir. Em 1973, um estudo da Gallup informou que 12% das pessoas declararam já ter fumado maconha uma vez na vida. Dois anos depois, o número aumentou para 30%, e entre jovens de 18 a 24 anos chegou a 50%18. Essa juventude não queria saber dos coroas caretas que só oprimiam e queriam guerra, ela queria fazer amor e paz, e a maconha era o símbolo disso. O ponto-chave, contra o qual brigamos até hoje — e é uma luta árdua, pois é difícil tirar isso do imaginário das pessoas —, é que houve uma glamourização da maconha. E muitos, à época, se aproveitaram da situação para fazer muito dinheiro. A revista High Times19 foi um marco na década de 1970. Ela foi criada por Tom Forcade20 com uma intenção muito simples: promover a legalização da maconha. Com uma tiragem muito alta (500.000 exemplares por mês), a High Times foi importantíssima para vender a ideia de que a maconha não fazia mal e era a droga da nova geração, uma geração totalmente diferente daquela corrupta, burguesa e opressora. Mas Tom Forcade pagou um preço pelo uso constante da maconha. Em dado momento ele passou a sofrer surtos psicóticos. Numa entrevista em 1978, ele reclamou: “As agências governamentais plantaram mulheres informantes para me ferrar e informantes em cargos de gerência na High Times. Eu tenho passado os últimos dez anos numa prisão — tenho estado sob estreita vigilância”. Forcade estava com mania de perseguição. Três semanas depois, ele se matou com um tiro na cabeça durante um surto. 18 “By march 1973, 12 percent of Americans surveyed by Gallup said they had used the drug at least once - a tripling in three years. Among young people, use spread even faster. Half off all Americans aged 18 and 24 used cannabis by 1975”. Tell Your Children: The Truth About Marijuana, Mental Illness, and Violence, Alex Berenson, p. 24, 2019. “Em março de 1973, 12% dos americanos entrevistados pela Gallup disseram que ter usado a droga pelo menos uma vez — o triplo em três anos. Entre os jovens, o uso se espalhou ainda mais rápido. Metade de todos os ameri- canos com idade entre 18 e 24 anos já haviam fumado maconha em 1975.” (Tradução do transcritor). 19 HighTimes: Guide to Growing Giant Plant, August, 2015.Disponível em: <https://archive.org/details/High_ Times_August_2015_USA/mode/2up> Acesso em: 9 fev. 2021. 20 Thomas King Forcade (1945-1978), também conhecido como Gary Goodson, [1], foi um jornalista americano e ativista dos direitos da maconha na década de 1970. Além de fundador da revista High Times publicou várias outras como Stoned, National Weed, Dealer. E - B O O K B P O S O I T O M I T O S D A L E G A L I Z A Ç Ã O D A M A C O N H A 14 Os seus amigos da revista, após a cremação, colocaram as cinzas dele num cigarro de maconha e foram fumar no topo do World Trade Center. É inacreditável, mas essa é a história desse sujeito que foi importante para o lobby da legalização da maconha. Nessa mesma época, outro personagem também muito importante para esse lobby estava aparecendo: Keith Stroup21. Em 1970 ele fundou a Organização Nacional pela Reforma das Leis sobre a Marijuana (NORML), com o objetivo de aumentar a adesão das pessoas à legalização. Até aquele momento, apenas 20% dos americanos eram favoráveis (notem como de 1970 para cá a aprovação foi aumentando, e tudo isso foi estudado, planejado e perseguido). A estratégia de Keith Stroup era a de vencer trincheira por trincheira. Com um passo de cada vez, eles conseguiriam legalizar as drogas, mas não sem um planejamento estratégico. E assim eles fizeram. O primeiro passo não era falar de legalização — algo mais difícil naquele momento —, e sim descriminalizar a maconha ou fazer com que a pena fosse tão pequena que na prática seria uma descriminalização. Isso deu certo, inclusive aqui no Brasil. A revista Times22 publicou, em 1973, uma reportagem mostrando que 691 pessoas estavam presas no Texas, cumprindo uma pena alta de nove anos apenas por portar maconha (Texas sempre foi duro, e acredito que sempre será), porém, a revista esqueceu de informar que somente dois estados americanos puniam a posse. De qualquer forma, eles omitiram intencionalmente para construir uma narrativa que se repete até hoje: o “fracasso da guerra às drogas” e o “encarceramento em massa”. Ou seja, é um absurdo prender todo mundo simplesmente por portar maconha, isso é uma questão de saúde pública, o usuário é doente e precisa de cuidado. 21 Keith Stroup foi diretor executivo da NORML até 1979, período durante o qual onze estados americanos adota- ram leis de descriminalização da maconha. 22 [12] “The 1973 Times Magazine article explained that 691 people were imprisoned in Texas on marijuana pos- session charges, with an average sentence of more than nine years. [...] By 1973, simple marijuana possession was a felony in only two states, Texas and Rhode Island”. Op cit., p. 25, 2019. “O artigo de 1973 da revista Times explicou que 691 pessoas estavam presas no Texas por acusações de porte de maconha, com uma sentença média de mais de nove anos. [...] Em 1973, o simples porte de maconha era crime em apenas dois estados, Texas e Rhode Island.” (Tradução do transcritor). E - B O O K B P O S O I T O M I T O S D A L E G A L I Z A Ç Ã O D A M A C O N H A 15 Percebam como isso é importante, como tudo o que vivemos atualmente foi planejado por lobistas que se aproveitaram das situações da realidade. Eles não estavam trabalhando com a realidade (nunca trabalharam) e sim com uma ideologia e uma visão de mundo, associando essa droga à ideia de outro tipo de sociedade que não tem nada a ver com a sociedade burguesa-capitalista. Eles criaram a narrativa do encarceramento em massa. Stroup dizia que a maconha não fazia mal, mas não era bem assim. Em 1981, em um evento na sua residência, as pessoas ficaram assustadas com ele. Ele se balançava tão obsessivamente numa cadeira de balanço que ela quebrou, e ele se levantou convencido de que naquele momento alguém tentava entrar na sua casa para assassinar sua filha. As pessoas tentaram dissuadi-lo de pegar o carro, mas não adiantou. Ele foi até lá e “salvou” sua filha. Em outra ocasião na residência dele, com todos os convidados já chapados antes do jantar, a esposa deixou o prato principal cair no chão e quebrou. Ele também não teve dúvidas: aquilo era um sinal para alertá-lo de que um amigo lá presente queria matá-lo e expulsou todos de sua casa. Mas as pessoas não falavam — e não falam — a respeito dos surtos psicóticos provocados pelo uso da maconha, então ele prosseguiu trabalhando. Em 1976, com a eleição de Jimmy Carter23, Stroup se achou o dono do pedaço após sua nomeação como um dos conselheiros sobre drogas do governo americano. Essa era a oportunidade de legalizar tudo. Isso é importante também porque, desde essa época, fica claro que o objetivo que não era legalizar apenas a maconha, mas todas as drogas. Mais uma vez repito: elas são o contraponto às drogas usadas pelo status quo. A questão deles não é a realidade, pouco importa o que causará à sociedade a legalização ou não. Na verdade, eles querem construir uma sociedade com novas drogas. Inclusive Stroup já considerava que, em algum momento, eles 23 James Earl Carter Jr. (1924), político, homem de negócios e filantropo americano, foi o 39º Presidente dos Esta- dos Unidos de 1977 a 1981. E - B O O K B P O S O I T O M I T O S D A L E G A L I Z A Ç Ã O D A M A C O N H A 16 mudariam o nome da organização para Organização Nacional de Reforma de Leis da Cocaína, pois o próximo passo era a cocaína. Em dezembro de 1977 ocorre um escândalo que o abalou muito. Na festa anual da NORML, em Washington, Bourne24, conselheiro de drogas da Casa Branca, e Stroup cheiraram cocaína juntos. Como Stroup não gostava de Bourne porque ele apoiava o combate às plantações da maconha nos países da América Latina, quando vazou a história, ele aproveitou o escândalo e não negou o fato. E Bourne realmente acabou saindo do governo. Contudo, esse episódio causou um estrago ao lobby da maconha do qual o movimento demorou muito para se recuperar. As pessoas ficaram assustadas, foi se tornando claro que a questão não era o encarceramento em massa nem a guerra às drogas, e sim a legalização de uma droga para posteriormente legalizar as outras. Pesquisas realizadas no fim dos anos 7025 indicavam que a probabilidade de um jovem que chegava à universidade sem nunca ter fumado maconha usar cocaína era de 1/300 — ou seja, de cada 300 jovens que nunca tinham fumado maconha, apenas um cheiraria cocaína —, e no caso de jovens que já tinham fumado maconha, a chance era de 1/40. Notem como o usuário de maconha fica mais propenso ao uso de cocaína. As chances de ele vir a usar essa droga após entrar na universidade era muito maior. Esses estudos estavam assustando muito a sociedade americana. Em 1978, o New York Times26 publicou uma reportagem mostrando como 24 Peter G. Bourne (1939) é médico, antropólogo, autor e funcionário público internacional com experiência em vários cargos governamentais de alto escalão. No governo Jimmy Carter, Bourne foi nomeado Assistente Especial do Presidente para Assuntos de Saúde e Diretor do Gabinete da Política de Abuso de Drogas. Sob a sua liderança, o número de mortes por overdose de drogas caiu para o seu nível mais baixo em 30 anos. 25 “Other surveys showed that marijuana use strongly predicted cocaine use. A high school senior in 1980 who had never used marijuana had only a 1-in-300 chance of using cocaine, according to research from the National Institute on Drug Abuse. [...] If he’d smoked more than forty times, he had better than even odds”. Op cit., p. 55, 2019. “Outras pesquisas mostraram que o uso de maconha prenunciava fortemente o uso de cocaína. Um aluno do úl- timo ano do ensino médio em 1980 que nunca havia usado maconha tinha apenas uma chance em 300 de usar cocaína, de acordo com uma pesquisa do National Institute on Drug Abuse. [...] Se ele já havia fumado, a chance era de 1 em 40, muito maior do que a de seus pares.” (Tradução do transcritor) 26 “On March 30, 1978, the NewYork Times reported that in a test, three boys and a girl aged 11 to 14 had bought paraphernalia at several shops. ‘No salesman turned down the four customers as being too young, they reported, even though they looked barely their ages,’ the Times wrote”. Op cit., pp. 57, 2019. “Em 30 de março de 1978, o New York Times relatou que em um teste três meninos e uma menina de 11 a 14 anos compraram parafernália em várias lojas. ‘Nenhum vendedor rejeitou os quatro clientes por serem muito jovens, eles relataram, embora eles aparentassem ter pouca idade’, escreveu o Times.” (Tradução do transcritor) E - B O O K B P O S O I T O M I T O S D A L E G A L I Z A Ç Ã O D A M A C O N H A 17 era fácil crianças e jovens terem acesso à maconha e seus acessórios. Isso foi fatal, e a sociedade americana posicionou-se contra à legalização da maconha. Com isso, o movimento teve de dar um passo atrás e se recolheu. No início dos anos de 1980, Reagan é eleito. Nancy Reagan cria e defende o slogan Just say no (Apenas diga não). Eu era criança e me lembro bem dessa campanha. Parecia que estávamos ganhando a guerra contra às drogas, mas não. Nessa época o uso do crack aumentava nos Estados Unidos, causando grandes males por ser muito mais nocivo que a maconha e por gerar violência e guerra entre traficantes. Em 1991, a taxa de crimes violentos no país aumentou em 40%, chegando a 25 mil homicídios — um recorde para os Estados Unidos. Acharíamos ótimo se no Brasil ocorressem 25 mil homicídios por ano, mas para os americanos aquilo era realmente assustador. Mas não foi isso que efetivamente mudou as regras do jogo e a questão do lobby. Ao mesmo tempo que o crack provocava grandes estragos e a maconha era um mal menor, a epidemia da AIDS se alastrava pelos Estados Unidos e ceifava muitas vidas, sobretudo a de homossexuais e de usuários de drogas injetáveis. Quem vivenciou a década de 1980 sabe o quanto foi impactante ver artistas e amigos, do quais sempre gostamos e admiramos, adoecendo e morrendo de uma maneira muito dramática. Naquela época ser portador do vírus da AIDS era uma sentença de morte. Nesse cenário, aparece Ethan Nadelmann27 e muda a história do lobby. Ele aprendeu com os que vieram antes, viu onde eles erraram, e ele não iria errar. Ele viu que a explosão da violência relacionada ao crack, a disseminação do HIV alimentada pelo uso da heroína e as centenas de milhares de prisões apontavam para um caminho: guerra às drogas. Mas esta guerra era um erro insano, pois levava ao encarceramento em massa 27 Ethan A. Nadelmann (1957) é o fundador da Drug Policy Alliance, uma organização sem fins lucrativos que tra- balha para pôr fim à guerra contra as drogas. Descrito pela Rolling Stone como, “A força motriz para a legalização da maconha na América”, ele é um crítico e comentador de alto nível das políticas americanas e internacionais de controle de drogas. E - B O O K B P O S O I T O M I T O S D A L E G A L I Z A Ç Ã O D A M A C O N H A 18 enquanto as pessoas morriam. Em 1992, ele se reúne com George Soros28, fundador da Open Society e investidor de todos esses tipos de pauta para ganhar dinheiro. No entanto, ainda estava faltando o tiro de misericórdia para virar o jogo. A Califórnia era um dos maiores epicentros de HIV no mundo e também do consumo de maconha. Foi descoberto então que fumar maconha aliviava o sofrimento da pessoa que estava morrendo de AIDS. Imagine a situação: a pessoa está sofrendo, sentenciada à morte, e fumar maconha dava para essa pessoa um pouco de dignidade para que morresse sem sentir dor e com algum prazer. Como você vai combater isso? O que eles fizeram foi transformar a maconha em um remédio. Essa foi a virada, e a partir daí as coisas mudaram. Na década de 1970, eles juntaram a legalização da maconha com a legalização da cocaína, deu errado, agora eles aliaram a legalização da maconha ao remédio, a maconha passou de vilã à heroína que aliava o sofrimento das pessoas. Chegamos então na maconha medicinal. Com o apoio financeiro massivo, eles conseguem, em 1996, aprovar a Proposta 15, legalizando a maconha medicinal na Califórnia. Com muito dinheiro de lobistas e de George Soros, a proposta venceu com 55% dos votos válidos. A narrativa estava pronta, tudo estava se encaixando. E nos anos 2000 conseguimos fechar o arco: era um erro criminalizar a maconha por causa do encarceramento em massa; era um erro fazer guerras às drogas porque é uma questão de saúde pública; a maconha não fazia quase nenhum mal, e se o álcool e o cigarro eram legais, não havia razão alguma para proibir a maconha; agora a maconha era um remédio que, se não resolvia o problema, pelo menos aliviava o sofrimento das pessoas, então não podia ser algo proibido. Para finalizar esta aula, vou lhes contar a história de uma senhora muito boazinha para que tenham uma ideia de como é complicado ter 28 George Soros (1930), húngaro, naturalizado americano, é um investidor e filantropo conhecido por apoiar cau- sas políticas progressistas e liberais, para as quais distribui volumosas doações por meio da Fundação Open Soci- ety, fundada por ele. E - B O O K B P O S O I T O M I T O S D A L E G A L I Z A Ç Ã O D A M A C O N H A 19 uma opinião contrária à legalização da maconha. Ela chama-se Mary Jane Rathbun29. Pela foto vemos que ela parece a vovó do pão de queijo de tão boazinha. Em julho de 1992, a Califórnia parou para assistir a um xerife truculento do condado de Sonoma, no norte da Califórnia, prendendo essa senhorinha simpática e frágil que estava fazendo, na casa dela, brownie com maconha para levar aos doentes terminais de AIDS. Imagine que xerife malvado é este que prende uma velhinha frágil fazendo bolinho com maconha para entregar a pessoas que estavam morrendo. Como se combate isso? O resultado dessa narrativa de guerra às drogas e maconha medicinal foi que em apenas cinco anos, seis estados seguiram o mesmo caminho da Califórnia e legalizaram a maconha — a saber: Alasca, Colorado, Oregon, Nevada e Washington — e atualmente 30 dos 50 estados americanos permitem a maconha medicinal e nove admitem o uso recreativo. E em dezembro de 2020, a Câmara dos Estados Unidos aprovou em uma votação histórica o projeto de retirada da maconha da lista de drogas nocivas. Esperava-se que o Senado republicano barrasse isso, mas parece que também será favorável. Com a remoção da maconha do rol de narcótico perigoso, dentro de poucos meses ou um ano, o Congresso Americano votará pela legalização em todo país (nos Estados Unidos cada estado tem a sua própria legislação). Observem como isso foi sendo construído desde o século XIX. O objetivo é ir cada vez mais excluindo a maconha da lista dessas drogas perigosas em todo mundo. A Comissão para Narcóticos da Organização das Nações Unidas aprovou no dia 2 de dezembro de 2020, 29 Mary Jane Rathbun (1922-1999), popularmente conhecida como Brownie Mary, foi uma ativista dos direitos da maconha medicinal. Como voluntária hospitalar no San Francisco General Hospital, tornou-se conhecida por cozer e distribuir brownies de maconha a doentes com AIDS. Com o ativista Dennis Peron, ela fez lobby para a legalização da maconha para uso médico e ajudou a aprovar a Proposta P de San Francisco (1991) e a Proposta 215 da Califórnia (1996). Também contribuiu para a criação do primeiro dispensário médico de maconha nos Estados Unidos. Mary Jane Rathbun E - B O O K B P O S O I T O M I T O S D A L E G A L I Z A Ç Ã O D A M A C O N H A 20 a retirada da maconha para o uso medicinal da lista de drogas nocivas. Provavelmente veremos no futuro se alastrar cada vez mais o uso da maconha medicinal O percurso é sempre este: primeiro a maconha medicinal, depois a recreativa, depois a cocaína e depois as demais drogas. Esse é o objetivo, e ele vem em uma embalagem muito bonita. Como combatemos isso?Há uma maneira de nos opor? Há, e vou mostrar como. Essa é a proposta do curso e, nas próximas aulas, vamos responder a esses oito mitos: (1) A maconha é inofensiva e não vicia. (2) É necessário legalizar a maconha para produzirmos medicamento à base da maconha. (3) A legalização do álcool e do tabaco fortalecem o caso da legalização da maconha. (4) O imposto da maconha legalizada vai custear a prevenção e o tratamento dos usuários. (5) Inúmeras pessoas estão atrás das grades por fumar ou portar maconha. (6) A legalização da maconha diminui de maneira considerável o poder do tráfico, diminuindo a violência na rua. (7) Portugal, Holanda, Uruguai e Estados Unidos são exemplos exitosos da legalização. (8) A prevenção e tratamento sem a legalização estão condenados a falhar. AULA 2 O PRIMEIRO E O SEGUNDO MITOS E - B O O K B P O S O I T O M I T O S D A L E G A L I Z A Ç Ã O D A M A C O N H A 22 INTRODUÇÃO Antes de começarmos a tratar propriamente dos mitos, quero mostrar um estudo30 feito na Universidade Federal de São Paulo pelo Ronaldo Laranjeira, um dos maiores especialistas do tema aqui no Brasil; ele fez o LENAD, que é o Levantamento Nacional de Álcool e Drogas; esse estudo mostrou muito sobre o universo da maconha no nosso país, no entanto, esse estudo é de 2012 e isso significa que podemos ter uma pequena variação do número de usuários no Brasil atualmente. Mas, de qualquer maneira, esse estudo é muito importante porque mostra qual é a porcentagem de homens e mulheres, e a idade que as pessoas entram e começam a usar a maconha. Isso é importante para vermos o número de usuários no Brasil e se, pelo número de usuários que há, justificaria a legalização; não é um dos mitos listados, mas uma das coisas que mais escuto é que muitas pessoas usam maconha Se você vai a algum show de rock — no Lollapalooza ou no Rock in Rio — ou se você vai na praia ou em um jogo de futebol, a impressão que temos é a de que um número muito grande de pessoas usa, mas será que isso é verdade? Nesse estudo que ele fez mostra que 7% das pessoas no Brasil já experimentaram a maconha, o que seria — lá em 2012 — cerca de 8 milhões de pessoas; e, destes 8 milhões, cerca de 42% utilizaram no último ano, então, o número de usuários que teríamos seria o de 3,4 milhões de pessoas. Agora vejamos a prevalência entre quem já utilizou uma vez na vida e quem utilizou no último ano: entre adolescentes, 4% já experimentaram a maconha e 3% fizeram uso no último ano; acerca das pessoas em geral, adultos, 7% das pessoas já utilizaram a maconha e 3% fizeram uso no último ano; então, o número está na média de 3%. E entre homens e mulheres? A porcentagem dos homens que usaram durante a vida é de 9,2%, já as mulheres, 2,8%; a média é de 7%. No último 30 Segundo Levantamento Nacional de Álcool e Drogas. Universidade Federal de São Paulo. 2012. Disponível em: <https://inpad.org.br/wp-content/uploads/2014/03/Lenad-II-Relat%C3%B3rio.pdf>. Acesso em: 02 fev. 2021. E - B O O K B P O S O I T O M I T O S D A L E G A L I Z A Ç Ã O D A M A C O N H A 23 ano 4,4% dos homens e 0,5% das mulheres, logo, as mulheres ainda usam relativamente pouco a maconha. Por região, o estudo mostrou que dentre as pessoas que fizeram uso pelo menos uma vez na vida, há 4,4% na região Norte, 4,1% no Nordeste, 6,5% no Centro-Oeste, 6,7% no Sudeste e 5,7% no Sul; no último ano, 2,7% na região Norte, 2% no Nordeste, 4,2% no Centro-Oeste, 2,5% no Sudeste e 2,1% no Sul — particularmente, fiquei impressionado com o Centro-Oeste, pois pensava que a região Sudeste seria maior. A próxima estatística é importante porque trata da idade em que a pessoa utiliza a maconha pela primeira vez: o estudo mostra que grande parte das pessoas utiliza a maconha pela primeira vez antes dos 18 anos, geralmente, entre os 14 e 18 anos; saber disso é fundamental para discutirmos a idade da legalização. Esse estudo, que fiz um breve en passant apenas para que tenhamos uma noção, mostra que estamos bem comparados a alguns países — ainda em 2012 — cuja porcentagem de usuários já era maior. Por exemplo, no Canadá seriam 14% de usuários — e eu tenho certeza de que hoje o número já é bem maior —, a Nova Zelândia seriam 13% e os Estados Unidos seriam 10% — esse 10% é de usuários. No Brasil, teríamos na data, apenas 3% de usuários. Mesmo que dobrássemos o número de usuários regulares para chegar a 6% no Brasil, esse número por si só não justifica a legalização; então, se uma pessoa falar que vale a pena legalizar porque muita gente fuma, sei que isso é mentira. Isso acontece porque no meio que ela convive as pessoas consomem; quem faz universidade sabe que muita gente usa, em certos círculos de amigos, no prédio onde você mora, na comunidade onde você vive, há focos de uso. Mas mesmo assim, se você pegar o Brasil como um todo, o número de usuários é muito pequeno. E - B O O K B P O S O I T O M I T O S D A L E G A L I Z A Ç Ã O D A M A C O N H A 24 PRIMEIRO MITO: A MACONHA É INOFENSIVA Vamos começar agora o primeiro mito da legalização da maconha: a maconha é inofensiva e não vicia. Será que isso é verdade? Em relação à dependência, é importante que se diga — e eu aprendi isso com o Ronaldo Laranjeira — que ela existe e é bastante comum; cerca de 1/3 dos usuários da maconha apresentam algum grau de dependência dessa droga. Observem como é grande a porcentagem: cerca de 1/3, e foi isso que esse levantamento do LENAD demonstrou. Daqueles 7% que já experimentaram maconha na vida, 42% utilizaram no último ano e, destes que utilizaram no último ano, 37% tem algum grau de dependência. Quais foram as perguntas que essa pesquisa fez entre adultos e adolescentes? A primeira pergunta: “Já achou que o uso estava fora de controle?”, para adultos, desses que utilizaram, 41% disse que sim; já entre os adolescentes, 18% disse que sim — adolescentes sempre acham que estão no controle de tudo, eu já fui jovem e sei disso. A segunda pergunta: “Já ficou ansioso ou preocupado com a ideia de não ter maconha?”, 36% dos adultos disseram que sim e 23% dos adolescentes também afirmaram que ficaram preocupados. A terceira pergunta: “Já se preocupou com o uso da maconha?”, 55% dos adultos disse que sim e 48% dos jovens confirmaram. A quarta pergunta: “Já quis parar?” Olha que interessante, 77% dos adultos que faziam uso regular disseram que sim e 70% dos adolescentes também disseram que sim também, quiseram parar e não conseguiram. A quinta pergunta: “Acha difícil ficar sem maconha?” Observamos que 54% dos adultos e 31% dos adolescentes dizem que sim — uma porcentagem bastante alta. Observem que existe sim um grau de dependência e ele é significativo. E - B O O K B P O S O I T O M I T O S D A L E G A L I Z A Ç Ã O D A M A C O N H A 25 Então, achar que fumar maconha não traz dependência para a pessoa é um erro: sim, a maconha vicia e vicia uma parcela considerável das pessoas que usa essa droga de maneira regular, portanto, a legalização vai fazer com que surjam mais dependentes dessa droga. Esse mesmo número se repete quando pegamos as pesquisas internacionais. Agora, um outro aspecto desse mito: a maconha é inofensiva. Alguns dizem: “Que isso?! A maconha não faz mal! O cigarro é muito pior para a saúde. Eu nunca vi ninguém morrer de overdose de maconha”. Eu também nunca vi ninguém morrer de overdose de cigarro, mas não me venham dizer que cigarro não faz mal. Mas vejamos se a maconha é inofensiva; peguei uma matéria31 do Jornal da Ciência que diz: “Usuários de maconha são cinco vezes mais propensos a desenvolver esquizofrenia”. Como já mostrei, a maconha causa surtos psicóticos, e isso está demonstrado desde o século XIX na Índia — na primeira aula eu citei — e no México. Isso é comprovado. Eu fui em uma palestra no Conselho Regional de Medicinado Estado do Rio de Janeiro (CREMERJ) e havia uma médica que era diretora ou dona de uma clínica de reabilitação; ela falou assim: “Senhores, eu poderia ser a primeira a falar que eu queria a legalização porque ia lotar a minha clínica e ganhar muito dinheiro com isso, mas não, eu não vou fazer isso porque eu sei quantas famílias sofrem, e eu não preciso disso, porque a minha clínica já está lotada”. Ouvi, em outra situação, um médico falando que se legalizássemos a maconha hoje, em pouco tempo não haveria leitos suficientes no SUS para receber todo mundo, porque a maconha provoca surtos psicóticos e esquizofrenia. Qual é discussão hoje? As pessoas que defendem a legalização costumam falar que a pessoa não desenvolve esquizofrenia, mas que, 31 Usuários de maconha são 5x mais propensos a desenvolver esquizofrenia. Jornal Ciência. Disponível em: <https://www.jornalciencia.com/usuarios-de-maconha-sao-5x-mais-propensos-a-desenvolver-esquizofrenia/?fb- clid=IwAR3f0jjTAnvjzKiaRCWeoCkeCiLS5d6tGs5O_f507Ms26G3X-zcc-9bQKyQ>. Acesso em: 02 fev. 2021. E - B O O K B P O S O I T O M I T O S D A L E G A L I Z A Ç Ã O D A M A C O N H A 26 tão somente, a maconha desencadeará a doença por uma predisposição genética. No entanto, li estudos dizendo que não, que podemos pegar toda a família da pessoa, cujos membros não tenham predisposição genética nenhuma, e, mesmo assim, o indivíduo pode ficar esquizofrênico; então, já há estudos nessa direção e essa afirmação de que a droga em si não criaria a esquizofrenia não é uma verdade absoluta. Outra notícia32 que a partir de agora será mais e mais comum: “Internação por surto psicótico ligado à maconha cresce 30 vezes em Portugal”, e ninguém fala disso. Essa aula aqui eu não estou falando especificamente de Portugal — falarei mais desse país na última aula —, mas observem que o surto psicótico ligado ao uso da maconha cresceu trinta vezes em Portugal. A matéria fala o seguinte: “Em Portugal, um estudo retrospectivo realizado nos hospitais públicos entre 2000 e 2015, relatou um aumento de 29,4 vezes no número de hospitalizações com o diagnóstico primário de transtornos psicóticos ou esquizofrenia associado ao uso da maconha. Esse aumento foi atribuído à alteração dos padrões do consumo da maconha na população, após a legalização para o uso recreativo”. Outro estudo33 também: “Como foi demonstrado por vários estudos conduzidos por David Ferguson, o uso da maconha pelos jovens está inerentemente associado a um altíssimo risco de manifestar sintomas negativos para a saúde como psicoses, esquizofrenias e depressão, e essas pessoas também são mais suscetíveis a cometer suicídio”. 32 Internação por surto psicótico ligado à maconha cresce 30x em Portugal. Folha de São Paulo. 19 dez. 2019. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2019/12/internacao-por-surto-psicotico-liga- do-a-maconha-cresce-30-vezes-em-portugal.shtml?fbclid=IwAR3U67xKcNyY-52Ja-Ymt73ZbunVOXluGh- jUz9QJjssZqQIU4xUAaXvzNRw>. Acesso em: 02 fev. 2021. 33 Association of Cannabis Use in Adolescence and Risk of Depression, Anxiety, and Suicidality in Young Adult- hood. JAMA Network. 13 de fev. 2019. Disponível em: <https://jamanetwork.com/journals/jamapsychiatry/fullarti- cle/2723657>. Acesso em: 02 fev. 2021. E - B O O K B P O S O I T O M I T O S D A L E G A L I Z A Ç Ã O D A M A C O N H A 27 Os defensores da legalização falam que a maconha trata a depressão, e há — comentarei sobre isso no próximo mito — um componente na folha da maconha que, dependendo da dosagem e da maneira como é administrado, que pode até sim funcionar como um remédio, mas o uso indiscriminado da maconha não; se você fizer esse uso e fumar de qualquer maneira e exagerar na quantidade, pelo contrário, vai desencadear sim a depressão, surtos psicóticos, esquizofrenia e também a tentativa de suicídio. A maconha de inofensiva não tem nada. Outra notícia34: “No Colorado, as internações por ingestão de maconha triplicaram”. No Colorado, a droga foi legalizada e desde 2012 tem aumentado muito a internação pela ingestão da maconha. Esse curso tem tanto conteúdo que não há como vocês não rebaterem as pessoas que defendem a legalização; e só estou começando. Continuemos. Mais um estudo: “Maconha provoca modificações na estrutura cerebral e perda de memória de curto prazo”; a maconha afeta a maneira como o cérebro se desenvolve. Para um adolescente é sempre mais perigoso porque o cérebro dele está em desenvolvimento. “O uso crônico da maconha tem sido associado também a uma série de deficiências cognitivas, como diminuição da atenção, memória e atividades responsáveis pelo planejamento e execução de tarefas”, então, o QI daquele que usa maconha diminui. “De acordo com uma pesquisa do governo americano, jovens usuários desta droga tem quatro vezes mais chances de estarem entre aqueles com as notas mais baixas nas escolas”, portanto, aquele que fuma maconha na adolescência, provavelmente terá o seu desempenho acadêmico diminuído. A data de 20 de abril no horário das 16:20h35 ficou muito conhecida entre os usuários de maconha porque há uma história de que jovens na 34 No Colorado, as internações por ingestão de maconha triplicam. Storia. Disponível em: <https://storia.me/pt/ no-colorado-as-interna-oes-por-ingestao-de-maconha-triplicaram-1fjt/s>. Acesso em: 02 fev. 2021. 35 Em inglês a data representa um jogo de palavra entre os números 4 e 20: 4th April, 4: 20 PM, dito de outro modo, 4/20 4:20. E - B O O K B P O S O I T O M I T O S D A L E G A L I Z A Ç Ã O D A M A C O N H A 28 Califórnia se juntavam sempre às 16h20m para fazer o uso da maconha, então virou uma espécie de folclore e existem festivais sempre em 20 de abril às 16h20m. O estudo36 de Kevin Sabet, este que é uma referência para esse nosso curso, aponta que toda vez que acontecem esses festivais nessa data, acontece logo em seguida, quando as pessoas saem de onde elas estão e voltam para casa, um aumento de 12% no número de acidentes de carro, e as pessoas não falam disso. Em todo país que legaliza a maconha, há um aumento de acidentes de trânsito porque a maconha afeta a coordenação motora e isso ninguém comenta; as pessoas associam muito o ato de fumar maconha com o mesmo uso do cigarro. O que alguém que faz o uso do cigarro costuma fazer? Ele acorda, fuma um cigarro, pega o carro e não vai perder a direção do carro por fumar cigarro — ele pode ter câncer, mas não vai perder a direção do carro. Já aquele que fuma maconha, não só provavelmente terá câncer — como eu vou mostrar adiante —, mas também perde a coordenação motora. Isso é perigoso. Haverá Lei Seca de manhã para controlar quem fumou ou deixou de fumar? Podemos notar que a blitz da Lei Seca para o álcool acontece geralmente à noite, porque é perceptível que as pessoas bebem mais à noite. Agora, o hábito de fumar maconha é diferente, não segue esse ritmo da noite, é um vício que se prolonga pelo dia inteiro e aumenta o número de acidentes. Além disso, há estudos confirmando que o uso da maconha pode causar esterilidade, má formação no espermatozoide, câncer de testículo, câncer de pulmão, câncer de laringe; a fumaça da maconha torna o risco de câncer de pulmão 20 vezes maior. E as pessoas não falam disso, dizem que a maconha é remédio, mas ninguém fala que a fumaça da maconha pode tornar o risco de câncer de pulmão 20 vezes maior. 36 The April 20 Cannabis Celebration and Fatal Traffic Crashes in the United States. JAMA Network. Abr. 2018. Disponível em: <https://jamanetwork.com/journals/jamainternalmedicine/fullarticle/2672202>. Acesso em: 02 fev. 2021. E - B O O K B P O S O I T O M I T O S D A L E G A L I Z A Ç Ã O D A M A C O N H A 29 Em relação à fumaça da maconha, uma pesquisa37 canadense concluiu que ela: “Contém 50 a 70% de hidrocarbonetos mais cancerígenos doque a fumaça do tabaco. A fumaça inalada na maconha tem uma quantia de amônia igual à de 20 cigarros e os níveis de cianeto de hidrogênio e de óxido nítrico que afetam coração e pulmão apareceram em concentrações três a cinco vezes superiores ao cigarro”; esses pesquisadores do Canadá disseram que a maconha é tão ou mais prejudicial à saúde do que o cigarro. Especialistas da Fundação do Pulmão da Grã-Bretanha38 alertam que as pessoas estão subestimando os riscos que o consumo da maconha pode trazer para o sistema respiratório, o que se tornou uma tendência perigosa e alarmante. Já um trabalho39 do Einstein Medical Center mostra que “o uso contínuo de maconha eleva em 26% o risco de AVC e em 10% o de falha cardíaca”, e o pesquisador alerta: “Considerando dados pré-clínicos, minha previsão é que o uso recreacional pode causar severos problemas à saúde, não só ao sistema vascular.” É interessante falar nesse termo uso recreacional. Vocês já repararam que estão mudando esse termo? Recreacional dá uma ideia só de ficar doidão, agora costumam utilizar os termos uso medicinal e uso adulto da maconha, mas não se esqueçam de que quem começa a fumar maconha é o adolescente de 14 anos. Para os defensores da legalização, não importa a realidade, o que importa é a narrativa, importa encaixar isso porque a maconha é um símbolo, não é simplesmente uma droga. Houve um estudo40 realizado na Suécia no qual os pesquisadores avaliaram 45 mil homens que fizeram o serviço militar obrigatório no país entre 1969 e 1970 e acompanharam-nos até 2011; a pesquisa não era para 37 Cannabis and tobacco smoke are not equally carcinogenic. US National Library of Medicine National Insti- tutes of Heath. Disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1277837/>. Acesso em: 02 fev. 2021. 38 Malefícios da maconha são subestimados, diz estudo. Estadão. Disponível em: <https://saude.estadao.com.br/ noticias/geral,maleficios-da-maconha-sao-subestimados-diz-estudo,883111>. Acesso em: 03 fev. 2021. 39 Marijuana Use Associated with Increased Risk of Stroke, Heart Failure. American College of Cardiology. 09 mar. 2017. Disponível em: <https://www.acc.org/about-acc/press-releases/2017/03/09/14/05/marijuana-use-associat- ed-with-increased-risk-of-stroke-heart-failure>. Acesso em: 03 fev. 2021. 40 Como a maconha afeta o cérebro adolescente. Conselho Federal de Farmácia de Alagoas. 03 maio 2016. Disponível em: <http://www.crf-al.org.br/2016/05/como_a_maconha_afeta_o_cerebro_adolescente/>. Acesso em: 03 fev. 2021. E - B O O K B P O S O I T O M I T O S D A L E G A L I Z A Ç Ã O D A M A C O N H A 30 falar de maconha, mas para fazer um retrato de tudo: de como era a vida dessas pessoas, seus hábitos, e como aquilo as afetava durante o tempo. Eles foram acompanhados até 2011 e os pesquisadores registraram 4 mil mortes nesses 42 anos; aqueles que haviam feito uso pesado da maconha apresentaram risco 40% maior de morrer precocemente. E detalhe: nessa pesquisa, eles definiram uso pesado como aquele que tinha utilizado maconha 50 vezes durante a vida, mas a maioria das pessoas que eu conheço e que usam maconha fumam 50 vezes em uma semana. Então, entre aqueles que usam muita maconha, o sistema imunológico simplesmente deprime. O estudo também sugere que “o uso da maconha na adolescência pode estar relacionado ao maior risco de morte antes dos 60 anos”. Isso é impressionante, esse estudo saiu na revista Época41. O uso pesado da maconha faz deprimir o sistema imunológico de maneira geral e a pessoa simplesmente morre sem saber por que, e eu acredito que isso tem que ver com como a maconha do nosso tempo afeta o cérebro. Agora, vamos ver como o Conselho Federal de Medicina (CFR) se posicionou sobre a maconha; há a matéria42 no site do Conselho Regional de Medicina do Pará (CRM-PA) que diz que o Conselho Federal de Medicina e a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) apoiam o ministro e repudiam a regulação do plantio da maconha. O Conselho Federal de Medicina se posicionou contrário à regulação para fins medicinais: “O Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) publicaram, nesta quarta- feira (22), nota de apoio ao ministro da cidadania, Osmar 41 Como a maconha afeta o cérebro adolescente. Época. Disponível em: <https://epoca.globo.com/colu- nas-e-blogs/jairo-bouer/noticia/2016/05/como-maconha-afeta-o-cerebro-adolescente.html#:~:text=O%20uso%20 pesado%20de%20maconha,e%20do%20padr%C3%A3o%20de%20uso>. Acesso em: 03 fev. 2021. 42 AFM e ABP apoiam ministro e repudiam regulação do plantio da cannabis. Conselho Regional de Medicina do Estado do Pará. 22 mai. 2019. Disponível em: <http://www.cremepa.org.br/cfm-e-abp-apoiam-ministro-e-repu- diam-regulacao-do-plantio-da-cannabis/>. Acesso em: 03 fev. 2021. E - B O O K B P O S O I T O M I T O S D A L E G A L I Z A Ç Ã O D A M A C O N H A 31 Terra, e posicionou-se contrário à regulação do plantio da Cannabis com ‘fins medicinais’. O CFM e a ABP também alertam que ‘o uso da Cannabis (maconha) ainda não possui evidências científicas consistentes que demonstrem sua eficácia e segurança aos pacientes. Desse modo, a regulação do plantio e uso dessa droga coloca em risco esse grupo, além de causar forte impacto na sociedade em sua luta contra o narcotráfico e suas consequências’”. Há outra matéria43 sobre a posição da Sociedade Brasileira de Pediatria e Associação Brasileira de Psiquiatria: “Até o momento não há evidência científica robusta (de classes I ou II) para o uso do canabidiol, um dos derivados da Cannabis sativa (maconha), no tratamento de transtornos clínicos, exceto as crises epilépticas de muito difícil controle e que não respondem às terapêuticas atuais. Esse é o principal alerta feito pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) após uma revisão de literatura científica recente dedicada ao tema.” Hoje, a maconha só é indicada para tratamento de crises epiléticas para crianças que não respondem a nenhum tipo de tratamento já existente. Já assisti a uma palestra de um médico, no CREMERJ, defendendo a legalização, e ele mostrou uma coisa que me impressionou muito, porque — é óbvio — eram crianças, e as imagens estavam autorizadas porque eram 43 Em nota conjunta, SBP e ABP fazem esclarecimentos sobre o uso do canabidiol no tratamento de crianças e de adolescentes. Sociedade Brasileira de Pediatria. 22 out. 2018. Disponível em: <https://www.sbp.com.br/impren- sa/detalhe/nid/em-nota-conjunta-sbp-e-abp-fazem-esclarecimentos-sobre-o-uso-do-canabidiol-no-tratamen- to-de-criancas-e-de-adolescentes/#:~:text=Painel%20do%20Usu%C3%A1rio-,-,Em%20nota%20conjunta%2C%20 SBP%20e%20ABP%20fazem%20esclarecimentos%20sobre%20o,de%20crian%C3%A7as%20e%20de%20adoles- centes>. Acesso em: 03 fev. 2021. E - B O O K B P O S O I T O M I T O S D A L E G A L I Z A Ç Ã O D A M A C O N H A 32 para fins de divulgação científica, nas quais as crianças com crises epiléticas severas, não conseguiam falar, não conseguiam fazer nada, só tinham crise epilética e nenhum remédio as ajudava; esse médico começa a utilizar o óleo da maconha como tratamento. Em três meses a criança leva uma vida normal, portanto, eu não tenho dúvidas de que a maconha funciona em casos específicos, mas as pessoas querem banalizar. E como os Estados Unidos regulamentam? A FDA só liberou como medicamento o Epidiolex, que também é para esse caso, transtornos de epilepsia que não responde a nenhum tipo de tratamento. Isso funciona, mas será que tudo é remédio? Vimos que a maconha vicia e tem um número considerável de pessoas viciadas, um terço das pessoas que usam regularmente, e ela faz muito mal, portanto, o primeiro mito já está explicado. SEGUNDO MITO: A MACONHA MEDICINAL O segundo é o seguinte: ela tem potencial medicinal, mas será que precisamos legalizara maconha para produzirmos um remédio à base de Cannabis? Será que temos de legalizar a maconha fumada — que todo mundo fuma — para transformar isso em um remédio? Pergunto porque é essa a questão; eles pegam casos de crianças como essas das quais falei como justificativa para legalizar a maconha fumada. A minha resposta é: óbvio que não, é evidente que não temos de legalizar a maconha fumada para produzir remédio à base de maconha porque, quando um medicamento é feito, ele tem um propósito definido: tratar uma doença específica. As doses são ajustadas e os efeitos colaterais são controlados — você sabe o que pode acontecer e o que não pode acontecer. Há uma dose geralmente pequena por um período e horário exato para tomar. Aqueles que querem legalizar a maconha fumada, certamente fumarão de maneira descontrolada, não se sabe a quantidade de THC e CBD que será consumido, então, isso não passa de um pretexto E - B O O K B P O S O I T O M I T O S D A L E G A L I Z A Ç Ã O D A M A C O N H A 33 para aqueles que não precisam. O lobista Keith Stroup, citado na primeira aula, na década de 70 disse: “Usaremos maconha medicinal como um disfarce para dar um bom nome à maconha”; é isto, eles já preconizavam essa justificativa desde a década de 70, mas não tinham ainda a janela de oportunidades que o HIV lhes abriu mais tarde: para as pessoas que estavam morrendo e sofrendo muito, a maconha dava pelo menos uma sensação de prazer. Estudos mostram que as pessoas que fazem uso da maconha medicinal, em sua maioria, são pessoas jovens, na faixa dos 30 aos 40 anos, que relatam dor na lombar e nas costas. Na Califórnia, simplesmente alguém se formava em Medicina, abria uma lojinha na praia, alguém chegava e falava: “Estou com uma dor nas costas danada”, ganhava uma carteirinha, comprava maconha e saía fumando. Eles querem maconha para isso. Eles se utilizarão do que para justificar? Do sofrimento de uma criança, criança essa que necessita de um remédio que efetivamente funcione e que temos de fazer de tudo para que ela consiga. Nesse livro que trata da história da maconha, essa parte também é mencionada, ele mostra que a proporção destes que prescrevem a maconha medicinal é gigantesca, então há aquela galera que é realmente ideológica, que vai prescrever a chamada maconha medicinal, o remédio fitoterápico, para a pessoa fumar. O que ganham com isso? Dinheiro. Dentre as mais de 400 substâncias que a maconha possui, há duas que são as principais e as mais faladas. A primeira é THC, o Tetra-hidrocanabidiol, uma substância que é responsável pela onda da maconha, em que a pessoa alucina, dá aquele relaxamento, mas também é a substância que causa a dependência e os principais danos. O THC é pesquisado até hoje porque é um potente antiemético, atua contra vômitos. Imaginem, naquela época, as pessoas com câncer fazendo quimioterapia ou tomando o coquetel anti-HIV, elas perdiam o apetite, emagreciam muito, e, com o remédio, melhoravam E - B O O K B P O S O I T O M I T O S D A L E G A L I Z A Ç Ã O D A M A C O N H A 34 desses sintomas. É a famosa larica, quem faz o uso da maconha, come até tijolo com feijão, porque dá fome mesmo e, portanto, pode ser usado dessa maneira. A segunda substância é o CBD, o Canabidiol, que é a principal substância, não dá onda, não causa nenhum tipo de dependência e é o que causa os maiores benefícios, então, o principal foco no estudo medicinal é o CBD, e você não precisa fumar maconha para isso, afinal, você pode tirar essa substância da folha da maconha e fazer o remédio, essa é a questão. Então, vimos que a maconha ajuda na redução da dor, no controle de espasmo, na melhora de apetite, no controle de vômito, na qualidade do sono, é um anti-inflamatório intestinal, combate a depressão, ansiedade, alívio da pressão no glaucoma, Síndrome de Tourette, artrite, Parkinson, Alzheimer. Alguns até poderão dizer: “Acabem com todos os remédios e vamos fumar maconha que resolve tudo!” e vocês acham que é brincadeira? Há uma matéria do UOL na qual é dito que maconha trata de acne a diabetes também, resolve tudo. Se pesquisarmos, notaremos que há, inclusive, casas fabricadas com tijolos feitos de maconha; a humanidade, para essas pessoas, só precisa de uma coisa: maconha. Sobre esse indivíduo que fez uma casa de maconha, imagino que coloque fogo na casa só para ficar completamente doidão cheirando o resultado. Isso é sério. Pode parecer que é brincadeira, mas o tema é tão ideológico — com muita especulação e muito pouca comprovação — que as pessoas pegam a especulação e vendem como verdade. Uma prova disso: um estudo44 produzido pela Universidade de New South Wales diz: “Novo Estudo diz que maconha medicinal não funciona para dor crônica”; a maconha, tão somente, dá uma sensação de torpeza, então, quem usa acha que se curou de uma dor crônica, mas apenas deixou de senti-la. O mesmo acontece com a bebida alcoólica, quando 44 Novo estudo diz que maconha medicinal não funciona para dor crônica. Super Interessante. 13 jul. 2018. Disponível em: <https://super.abril.com.br/saude/novo-estudo-diz-que-maconha-medicinal-nao-funciona-pa- ra-dor-cronica/>. Acesso em: 03 fev. 2021. E - B O O K B P O S O I T O M I T O S D A L E G A L I Z A Ç Ã O D A M A C O N H A 35 alguém bebe muito, pode se machucar e nem sente, há também essa sensação de torpeza, mas ninguém diz que devemos beber meia garrafa de cachaça para aliviar dor crônica. Vocês entenderam como é o discurso? Sempre buscam um aspecto periférico da maconha para justificar o seu uso. Uma matéria45 do UOL fala isso: “De acne a diabetes: veja os principais efeitos terapêuticas da maconha”, é muita propaganda e, como eu já tenho falado, eles tentam imitar sempre os Estados Unidos. Na primeira aula tivemos notícia da narrativa construída nos Estados Unidos que, mais tarde, será importada para o Brasil; qual é uma das primeiras ideias que eles têm? Vamos utilizar a maconha para combater a dependência dos opiáceos; porque os Estados Unidos têm um problema muito sério com os opiáceos, remédios para dor crônica — a maioria desses artistas que morrem atualmente, notamos que a causa são estes remédios. Os pesquisadores notaram que a parte dos Estados Unidos que usava muita maconha não usava opiáceo, e a parte que usava opiáceo não usava maconha — não na mesma quantidade. Qual é a conclusão automática? Quem usa maconha não usa opiáceo e, considerando que opiáceos têm risco de overdose e morte, é melhor usar maconha para combater esses riscos. O que aconteceu? Aquilo que era só um momento, a crise do opiáceo estava avançando, depois de um tempo eles não disseram mais nada porque ficou comprovado que não havia esse contrabalanço entre os opiáceos e a maconha, mas esse mito continuou, e começaram o mito no Brasil com uma nova roupagem. O Brasil tem um problema muito sério de crack, então, o que esse pessoal pensou? Já vimos que quem fuma maconha não fuma crack, e quem fuma crack não fuma maconha. Notem que pode até ser assim, mas é, mais uma vez, especulação sem comprovação. Logo saiu um 45 De acne a diabetes: veja os principais efeitos terapêuticos da maconha. UOL. 13 dez. 2019. Disponível em: <https://www.uol.com.br/vivabem/noticias/redacao/2019/12/13/de-acne-a-diabetes-veja-os-principais-efeitos-tera- peuticos-da-maconha.htm>. Acesso em: 03 fev. 2021. E - B O O K B P O S O I T O M I T O S D A L E G A L I Z A Ç Ã O D A M A C O N H A 36 estudo realizado pela FAPESP que diz: “Estudo contesta uso da maconha no tratamento de dependência de cocaína”; aqui trata da cocaína, mas eles também falam do crack, porque eles queriam fazer a mesma coisa, apesar de já observarem que não funciona, eles usam sempre a maconha para tudo justificar. Saiu há pouco tempo uma matéria46 que diz: “Cientistas estudam meios de Cannabis ajudarno tratamento contra COVID-19 no Canadá”. Acreditam nisso? Quantos porcentos será que a maconha dá de eficácia? Outra pesquisa: “Igor e Olga Kovalchuk, ambos professores de Biologia da Universidade de Lethbridge na província de Alberta, escreveram um artigo afirmando que extratos específicos da planta são promissores como um tratamento adicional para a doença provocada pelo novo coronavírus. Além de professor, Igor também é CEO da empresa de pesquisa Pathway RX, voltada para o desenvolvimento de terapias personalizadas de Cannabis”. Ou seja, tratam tal indivíduo como pesquisador, mas se esquecem de que ele é um CEO doido para ganhar dinheiro com isso. O que ele quer fazer? Um cepacol de maconha, porque eles alegam que o seu uso tira toda a carga viral do COVID-19, mas a manchete diz: “Cientistas estudam meios da cannabis ajudar o tratamento…”; é sempre de uma maneira periférica, é sempre de uma maneira especulativa, sem comprovação, é sempre para colocar na mídia que a maconha faz bem para acne, COVID-19, diabetes, tudo. Quando estamos com dor de cabeça, é uma determinada substância que tomamos, quando estamos com crise alérgica, é outra substância; para qualquer problema de saúde, é recomendada uma substância específica para esse mal, mas já repararam que com a maconha não? A maconha serve para tudo. Esse tipo de discurso tem de despertar em nós, no mínimo, uma desconfiança, não podemos considerar que é real. Ela tem um potencial? 46 Cientistas estudam meios de cannabis ajudar no tratamento contra Covid-19, no Canadá. Extra. 21 maio 2020. Disponível em: <https://extra.globo.com/noticias/saude-e-ciencia/cientistas-estudam-meios-de-canna- bis-ajudar-no-tratamento-contra-covid-19-no-canada-24439576.html>. Acesso em: 03 fev. 2021. E - B O O K B P O S O I T O M I T O S D A L E G A L I Z A Ç Ã O D A M A C O N H A 37 Claro que tem! Para tudo? Evidentemente que não. Outra pesquisa47: “Estudo questiona eficácia de derivados da maconha para o uso psiquiátrico”. O que eles concluíram? “Notável ausência de evidência”; quando eles falam que a maconha será importante para o uso psiquiátrico, não é verdade. Também “Publicado nesta segunda-feira na revista médica The Lancet Psychiatry: ‘Há escassa evidência para sugerir que os canabinoides melhoram os transtornos de depressão’”. Muito pelo contrário, já foi comprovado, em outras pesquisas, que o uso da maconha faz com que a pessoa fique deprimida. Mas claro, eu não estou dizendo que se pegarem uma pequena quantidade de CBD e realizarem um estudo por um determinado período, não possa funcionar, pois o sistema canabinoide do cérebro trabalha com a variação do humor, pode ser que isso tenha algum efeito. Mas isso não acontece legalizando e fumando maconha, isso é só um pretexto e, no jornal, consta isso, que há uma “notável ausência”. Apesar de muitos falarem que o Brasil não regulamentou maconha, na verdade, nós já a regulamentamos no dia 3 de dezembro48 de 2019, quando a ANVISA regulamentou a chamada maconha medicinal. Mas tenho de deixar claro: não existe maconha medicinal, o que existe são remédios à base de canabinoides; a maconha medicinal é só um pretexto que Keith Stroup já falava na década de 70. Então, quando alguém falar para você sobre a maconha medicinal, saiba que não existe a maconha medicinal. Qualquer um pode tomar um remédio para dor à base de morfina, e nem por causa disso você vai fazer uso do ópio, simples assim. Osmar Terra fala que o veneno de cobra é utilizado para controlar pressão, mas ninguém anda por aí com uma cascavel no bolso. É o mesmo raciocínio. 47 Estudo questiona eficácia de derivados da maconha para uso psiquiátrico. O Globo. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/sociedade/estudo-questiona-eficacia-de-derivados-da-maconha-para-uso-psiquiatri- co-1-24047998>. Acesso em: 03 fev. 2021. 48 São Francisco proíbe fumar tabaco em apartamentos; maconha está liberada. UOL Notícias. 4 dez. 2020. Di- sponível em: < https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2020/12/04/sao-francisco-proibe-fumar-ta- baco-em-apartamentos-maconha-esta-liberada.htm>. Acesso em 15 fev. 2021. E - B O O K B P O S O I T O M I T O S D A L E G A L I Z A Ç Ã O D A M A C O N H A 38 E como foi a regulamentação? Foram regulamentados medicamentos com concentração de THC menor do que 0,2%, então, é muito pouca a concentração de THC; já os produtos com concentração de THC superior a esta porcentagem só poderão ser prescritos a pacientes terminais; neste caso, nota-se a questão da dignidade da pessoa humana, que é a mesma situação das pessoas que morriam em virtude do HIV. Isso é justo, quero colocar assim, pois não serei radical. Há também permissão legal para o caso de aqueles que tenham esgotado todas as alternativas terapêuticas de tratamento, o caso das crianças epiléticas citadas, que não tem mais alternativas e seu uso melhora a situação. Todos os remédios são distribuídos com receita, então não adianta mandar manipular nem plantar em casa. Essa questão de plantar em casa, tentam empurrar o tempo inteiro, tem um impacto muito negativo, mas não vamos tratar disso agora. Após a regulamentação da ANVISA, tivemos a PL 399/2015 retirada da pauta, pois este Projeto de Lei consistia na legalização da maconha, principalmente da maconha medicinal, em clubes de maconha — um negócio horroroso. Esse estudo de que estou tratando contribuiu com todos aqueles que trabalham nessa área e achei muito legal o que eles fizeram, porque a equipe do Ministério da Saúde percebeu que existem crianças que precisam desse remédio e que estes remédios precisam chegar a essas crianças; eles não apenas facilitarão a importação dos remédios, como também pegarão a lista de 8.000 crianças que precisam — não é um número muito grande — e darão de graça pelo SUS, assim, cala-se esse lobby que quer facilitar o uso da maconha utilizando-se dessas crianças que efetivamente precisam para forçar uma legalização. Então, cala-se essas pessoas e se disponibilizam os remédios com base na Cannabis para quem efetivamente precisa. A maconha medicinal é uma falácia, não existe maconha medicinal, não precisamos legalizar a maconha para ter os benefícios terapêuticos da Cannabis. AULA 3 O TERCEIRO E O QUARTO MITOS E - B O O K B P O S O I T O M I T O S D A L E G A L I Z A Ç Ã O D A M A C O N H A 40 INTRODUÇÃO Sejam bem-vindos à terceira aula sobre os oito mitos da legalização da maconha. Nesta aula, apresentarei o terceiro mito: a legalização do álcool e do tabaco fortalecem o caso da legalização da maconha. É muito comum, quando se fala sobre a legalização, ouvir alguém dizer: “Pare de ser hipócrita! Se o cigarro e o álcool são legalizados, por que a maconha não é legalizada, já que ela não faz mal e não vicia?”. A LEGALIZAÇÃO DO ÁLCOOL E CIGARRO Já vimos que a maconha vicia e não tem nada de inofensiva, mas não é esse aspecto que quero abordar. Trarei aqui uma reportagem que saiu em maio de 2018 em O Globo, cuja manchete dizia: “Álcool e tabaco são mais danosos do que qualquer outra droga, diz estudo49”. Vamos analisar o que diz a manchete. O álcool, como droga em si, tem mais potencial ofensivo do que a cocaína? Sabe-se que não. O tabaco causa mais danos do que o crack? Também se sabe que não. Ora, então por que a manchete diz isto? Simples: elas são mais danosas porque são legalizadas, as pessoas têm mais acesso a estas drogas. Pessoas do lobby costumavam dizer, embora tenham parado, porque agora ficou muito feio para eles, que quando se legaliza, o número de consumidores não aumenta, mas apenas aparecem os que fumavam escondidos, que agora podem comprá-la — isso é uma mentira da qual mais adiante tratarei. A verdade é que a população consome mais droga quando é legalizada, e quanto maior o consumo da droga, independentemente se em si é mais danosa ou
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