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1 DIREITO CIVIL – FLÁVIO TARTUCE AULA I - DATA: 23.03.2021 RESPONSABILIDADE CIVIL 1. Conceitos iniciais relativos à responsabilidade civil. O possuidor de um direito se relaciona juridicamente com toda coletividade. A lei impõe a essa coletividade um dever jurídico de abstenção, isto é, ninguém pode praticar atos que venham a causar lesões a direitos patrimoniais ou extrapatrimoniais desse titular. A responsabilidade civil surge justamente em face do descumprimento obrigacional, podendo ser em decorrência de uma regra estabelecida em um contrato ou em decorrência de determinada pessoa ter deixado de observar um preceito normativo que regula a vida. No primeiro caso, temos a responsabilidade civil contratual ou negocial. No segundo caso, temos a responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana. Quanto à origem (Existem duas modalidades): a) Responsabilidade civil contratual ou negocial: é aquela relacionada ao inadimplemento de uma obrigação prevista em um contrato (arts. 389, 390 e 391, CC) b) Responsabilidade civil extracontratual ou Aquiliana: fundada no ato ilícito (art. 186, CC) ou no abuso de direito (art. 187, CC). ✓ No Código Civil de 1916, a responsabilidade civil extracontratual estava baseada em um único conceito: ato lícito (art. 159, CC/1916). ✓ No Código Civil de 2002, a responsabilidade civil extracontratual está baseada em dois conceitos: ato ilícito (art. 186, CC) e abuso de direito (art. 187, CC). 2 Seguindo um posicionamento de Direito Civil Constitucional, a função da responsabilidade civil será de dar mais concretude às normas constitucionais, como a Dignidade da Pessoa Humana (art. 1º, III, CF/88) e o solidarismo constitucional (art. 3º, I, CF/88). Neste azo, a vítima é a principal personalidade da responsabilidade civil da codificação atual. As regras devem ser interpretadas de modo a preservar o interesse da vítima. Assim, convencionou-se o Princípio da Reparação Integral, segundo o qual há necessidade de indenizar todos os danos suportados pela vítima, sejam eles materiais, morais, estéticos, vinculados à perda de uma chance, etc. a) Ato ilícito (art. 186, CC): O ato ilícito é praticado quando alguém atua contrariamente ao previsto na norma jurídica, ocasionando uma conduta denominada antijurídica ou ilícita (ato ilícito lato sensu). No direito civil, o ato ilícito é aquele comportamento que, além de transgredir uma norma jurídica, gera um resultado danoso para alguém (ato ilícito stricto sensu). Ademais, o ato ilícito pode ser civil, penal ou administrativo. O art. 186 do Código Civil prevê o ato ilícito civil puro ou indenizante. Na classificação de Pontes de Miranda, há três modalidades de ilícito: 1º) Ilícito indenizante: relacionado à responsabilidade civil. 2º) Ilícito nulificante: gera a nulidade do negócio jurídico (art. 166, inc. II, CC). 3º) Ilícito caducificante: gera a perda de direitos, como ocorre na perda do poder familiar. Previsão legal: CC, art. 186: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.” 3 Onde está escrito “e” no art. 186 do atual Código Civil, estava escrito “ou” no Código Civil de 1916 (art. 159). Agora os requisitos são cumulativos, sem os quais não seria possível configurar o ato ilícito. A segunda diferença é que a codificação atual permite a reparação do dano moral puro, sem a necessidade de repercussão patrimonial, ou seja, é o dano exclusivamente moral. “Ato ilícito civil = violação de um direito (dever) + dano”. Essa é a principal mudança na conceituação do ilícito civil, confrontando-se os dois códigos. Atenção: Sem dano, não há ilícito civil nem dever de indenizar (art. 927, caput, CC). Cuidado: A menção ao dano moral puro não é novidade do Código Civil de 2002, pois já estava na CF/1988 (art. 5º, V e X). Exemplo: dirigir bêbado, por si só, não é ilícito civil. Entretanto, atropelar alguém é ilícito civil e gera o dever de indenizar. O art. 186 do Código Civil de 2002 adotou o modelo culposo de responsabilidade subjetiva, pois faz referência ao dolo (ação ou omissão voluntária) e também à culpa em sentido estrito (negligência e imprudência). Conforme art. 935 do CC e interpretação do STJ, somente na hipótese de a sentença penal absolutória fundamentar-se na inexistência do fato ou na negativa de autoria está impedida a discussão no juízo cível. A decisão fundamentada na falta de provas aptas a ensejar a condenação criminal não restringe o exame da questão na esfera cível. Além disso, para que a sentença criminal produza efeitos no juízo cível, é necessário que ela já tenha transitado em julgado. ATENÇÃO! Ato ilícito = Ato jurídico + Contrariedade ao direito Dever objetivo de reparar = Ato jurídico + Contrariedade ao direito + Prejuízo 4 Ato ilícito: É a conduta humana que infringe a ordem jurídica, violando direitos alheios e causando danos pessoais e/ou patrimoniais a uma vítima. b) Abuso de (do) direito (art. 187, CC) Previsão legal: CC, art. 187: “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.” Nelson Nery Jr e Rosa Maria de Andrade Nery entendem que para a configuração do abuso de direito, é necessária ser a conduta praticada de maneira excessiva pela pessoa, extrapolando o direito que possui e atuando em exercício irregular de direito. Logo, não há de se falar em elemento culpa na sua configuração, basta que a conduta extrapole os parâmetros expressos no artigo 187 do CC. O abuso de direito é um ilícito equiparado (“Também comete ato ilícito...”). ✓ O art. 187 do Código Civil adotou a Teoria dos direitos subjetivos: “o meu direito termina onde começa o seu direito” (facultas agendi). Trata- se do exercício irregular ou imoderado de um direito, presente quando o sujeito excede manifestamente três parâmetros: • Fim social ou econômico (função). • Boa-fé. • Bons costumes. Os três parâmetros são cláusulas gerais (conceitos abertos). Enunciado 413 da V Jornada de Direito Civil, que diz: “Os bons costumes previstos no art. 187 do CC possuem natureza subjetiva, destinada ao controle da 5 moralidade social de determinada época; e objetiva, para permitir a sindicância da violação dos negócios jurídicos em questões não abrangidas pela função social e pela boa-fé objetiva”. Conceito de Limongi França: o abuso de direito é lícito quanto ao conteúdo e ilícito quanto às consequências (ilícito impuro). A ilicitude está na forma ou no modo de execução do ato. Fórmula: lícito + abusivo(a) = ilicitude. Exemplo: greve + abusiva = ilicitude. Outros exemplos de abuso de direito: • Publicidade abusiva (art. 37, CDC): viola os valores sociais. • Abuso no processo (lide temerária, “assédio processual”) (arts. 79 a 81, CPC/2015). • Abuso no exercício da propriedade ou ato emulativo (“aemulatio”) (art. 1.228, §2º, CC e art. 1.277, CC). Assim, ampliou-se o conceito de ato ilícito para considerar como fator de indenização por responsabilidade civil aquele ato praticado em exercício irregular de direitos, isto é, o ato era originariamente lícito, contudo, foi exercido fora dos limites impostos para o seu fim econômico ou social, pela boa-fé e os bons costumes. Enunciado 49: A regra do art. 1.228, § 2º, do novo Código Civil interpreta-se restritivamente, em harmonia com o princípio da função social da propriedade e com o disposto no art. 187. Questões importantes: 1ª) O abuso de direito exige dano? Para os fins de responsabilidade civil, SIM (art. 927, caput, CC). Para outros fins, NÃO: tutela inibitória, por exemplo (art. 497, §único, CPC). 6 2ª)O abuso de direito exige culpa? A posição amplamente majoritária afirma que não, pois o art. 187 do Código Civil adotou o modelo de responsabilidade objetiva, não se exigindo dolo ou culpa. Basta a conduta irregular. (Enunciado n. 37, I Jornada de Direito Civil). Enunciado 37, I JDC: “A responsabilidade civil decorrente do abuso do direito independe de culpa e fundamenta-se somente no critério objetivo-finalístico.” Dessa forma, o entendimento majoritário na doutrina é no sentido de que o abuso de direito é pautado na responsabilidade objetiva, ou seja, independentemente de culpa. Flávio Tartuce também traz em sua obra o abuso de direito em relação ao spam, no denominado direito digital. O spam são mensagens eletrônicas recebidas de maneira indesejada sem a solicitação da pessoa. O ato de envio constitui abuso de direito, bem como as eventuais consequências que isto ocasiona, tendo em vista que o usuário não forneceu seu endereço de e-mail, e mesmo assim, recebe variados convites para aderir a planos, jogos, serviços, etc. O STJ (3a Turma. REsp 1467888-GO, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 20/10/2016, Info 592) decidiu que caracteriza abuso de direito ou ação passível de gerar responsabilidade civil pelos danos causados a impetração do habeas corpus por terceiro com o fim de impedir a interrupção, deferida judicialmente, de gestação de feto portador de síndrome incompatível com a vida extrauterina. Em recente caso analisado pelo STJ (3a Turma, REsp 1817845-MS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Rel. Acd. Min. Nancy Andrighi, julgado em 10/10/2019, Info 658), o Tribunal decidiu que a prática de sham litigation (litigância simulada) configura ato ilícito de abuso do direito de ação, podendo gerar indenização por danos morais e materiais. Isto é, o ajuizamento de sucessivas ações judiciais, desprovidas de fundamentação idônea e intentadas com propósito doloso, pode 7 configurar ato ilícito de abuso do direito de ação ou de defesa, o denominado assédio processual: 2. Elementos da responsabilidade civil ou pressupostos do dever de indenizar São quatro elementos: • Conduta humana. • Culpa “lato sensu” ou em sentido amplo. • Nexo de causalidade. • Dano ou prejuízo. 2.1. Conduta humana A conduta humana pode ser fundida com a culpa em um só elemento subjetivo, no entender de alguns doutrinadores. No entanto, a conduta humana vai ser vista neste tópico separadamente da culpa, para melhor tratar sobre o conteúdo. A conduta humana pode ser: • Por ação (culpa in comittendo) = Regra. • Por omissão (culpa in omittendo) = Exceção. Exemplo: omissão de socorro. Na omissão, para que o agente responda, é necessário provar: 1º) Que o ato deveria ser praticado (omissão genérica). 2º) A omissão em si (omissão específica). Ademais, o artigo 942, caput, do CC traz em seu bojo o Princípio da Responsabilidade Civil Patrimonial, no qual os bens do responsável pela conduta geradora de prejuízo a outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado. Se a ofensa tiver mais de um autor, todos vão responder de forma solidária pela reparação. Exemplo de questão de prova (concurso da Magistratura/SP – 2011) Um condomínio edilício responde pelo roubo ou pelo furto de veículo 8 praticado no seu interior? Em regra, não, pois não há um dever legal de evitar o fato. O STJ entende que o condomínio só responde se houver previsão na convenção ou, eventualmente, se houver um comprometimento com segurança especializada (STJ – Ag.Rg. no Ag. 1.102.361/RJ). A regra no sistema é a responsabilidade por ato próprio. Exceções: a pessoa pode responder por: • Ato de terceiro (arts. 932 e 933, CC) • Ato do animal (art. 936, CC). Responsabilidade objetiva • Fato da coisa (arts. 937 e 938, CC). • Produto ou serviço (CDC). A voluntariedade diz respeito ao controle da vontade humana na conduta. Portanto, não se pode falar em reparação de lesão decorrente de força natural, a exemplo das descargas elétricas. Por fim, é válido tratar da responsabilidade civil indireta, como exemplo dos pais que respondem civilmente pelos atos de seus filhos menores. 2.2. Culpa “lato sensu” ou em sentido amplo A culpa “lato sensu” ou em sentido amplo engloba dois conceitos: a) Dolo: ação ou omissão voluntária (ato intencional). O dolo é caracterizado pela intenção do agente, que age com o fito de prejudicar outrem. Se existir o dolo, deverá ser aplicado o princípio da reparação dos danos (artigo 944, CC), isto é, todos os danos suportados pela vítima serão indenizados. Diante disso, se o dolo estiver presente, em regra, não poderemos tratar da culpa concorrente da vítima ou de terceiros. Mas o que seria culpa concorrente da vítima? A resposta é encontrada na leitura do artigo 945 do Código. 9 Na responsabilidade civil, o dolo não é dividido como no estudo do direito penal (dolo eventual, dolo não eventual e preterdolo). Portanto, todos os conceitos de dolo condicionam ao agente arcar integralmente com o prejuízo. Observações: • “Culpa lata dolus aequiparatur”: a culpa grave equipara-se ao dolo. • Para o Direito Civil, havendo dolo ou culpa grave, os efeitos são os mesmos, aplicando-se a reparação integral dos danos (art. 944, caput, CC). • Para o Direito Civil, são irrelevantes os conceitos intermediários como o preterdolo e o dolo eventual. b) Culpa “stricto sensu” ou em sentido estrito: Chironi definia a culpa como a violação de um dever preexistente. No Direito Civil brasileiro, a culpa em sentido estrito está relacionada a três padrões de conduta: • Imprudência: falta de cuidado + ação (CC, art. 186). • Negligência: falta de cuidado + omissão (CC, art. 186). • Imperícia: falta de qualificação para o exercício de uma atribuição (CC, art. 951) Para Sérgio Cavalieri Filho existem três elementos que caracterizam a culpa: a) a conduta voluntária com o resultado involuntário; b) a previsão ou previsibilidade; e c) a falta de cuidado, cautela, diligência e atenção. Considerações: O art. 951 do Código Civil trata da responsabilidade civil dos profissionais da área da saúde – Exemplos: médicos e enfermeiros. Em regra, essa responsabilidade civil é subjetiva, pois eles assumem obrigação de meio (obrigação de diligência). Como exceção a essa regra, há a teoria de Demogue, a qual é muito aplicada pelo STJ. Segundo ela, se o profissional liberal assumir obrigação de resultado, haverá culpa presumida ou responsabilidade objetiva – Exemplo: médico cirurgião plástico estético. 10 Questão: Qual a diferença entre culpa presumida e responsabilidade objetiva? Tanto na culpa presumida quanto na responsabilidade objetiva o ônus da prova é invertido. Distinções: CULPA PRESUMIDA RESPONSABIIDADE OBJETIVA Responsabilidade com culpa (subjetiva). Responsabilidade sem culpa Se o réu provar que não teve culpa, ele não responde. Se o réu provar que não teve culpa, ele responde. Para não responder, ele deve provar uma excludente de nexo de causalidade. A culpa presumida era estudada, na vigência do CC/1916, em três modalidades: • Culpa “in vigilando”: na vigilância – Exemplo: pai em relação ao filho. • Culpa “in eligendo”: na escolha/eleição – Exemplo: empregador em relação ao empregado. • Culpa “in custodiendo”: na custódia de animal. Essas três modalidades, no Código Civil de 2002, passaram a ser hipóteses de responsabilidade objetiva, conforme artigos 932, 933 e 936. Portanto, elas foram banidas do sistema como sendo casos de responsabilidade por culpa presumida. O Código Civil de 2002 valorizou a classificação da culpa quanto ao seu grau (CC, arts. 944 e 945). Atenção! A doutrina majoritária entende que não se deve mais falar em culpa presumida, hipótese anterior de responsabilidade subjetiva. Assim, a culpa in vigilando e a culpain elegendo estão regulamentadas pelo artigo 932 do CC. O artigo 933 adota a teoria do risco, isto é, os casos mencionados serão de responsabilidade objetiva, não se discutindo culpa. 11 Em relação a culpa in custodiendo por ato de animal, o Código prevê, no artigo 936, a responsabilidade objetiva do dono do animal, salvo se houver situação de culpa exclusiva da vítima e força maior. Há 3 modalidades: • Culpa “lata” (grave): reparação integral dos danos. • Culpa “leve” (média): redução equitativa da indenização. • Culpa “levíssima” (menor grau): redução equitativa da indenização (maior) - In lex aqulia et levissima culpa venit – No sistema da responsabilidade extracontratual, o culpado responde até em caso de culpa levíssima. O art. 944, § único do CC trata da contribuição do agente causador do dano. O art. 945 do CC traz a verificação da contribuição causal da vítima para reduzir a indenização. É possível reduzir a indenização se houver: • Culpa concorrente da vítima. • Fato concorrente da vítima. • Risco concorrente da vítima. Essa redução serve tanto para a responsabilidade subjetiva quanto para a responsabilidade objetiva. Além disso, é possível verificar o percentual de contribuição causal. Enunciado 459 da V Jornada de Direito Civil: “A conduta da vítima pode ser fator atenuante do nexo de causalidade na responsabilidade civil objetiva.” Enunciado 630 da VIII Jornada de Direito Civil: “Art. 945: Culpas não se compensam. 12 Para os efeitos do art. 945 do Código Civil, cabe observar os seguintes critérios: (i) há diminuição do quantum da reparação do dano causado quando, ao lado da conduta do lesante, verifica-se ação ou omissão do próprio lesado da qual resulta o dano, ou o seu agravamento, desde que (ii) reportadas ambas as condutas a um mesmo fato, ou ao mesmo fundamento de imputação, conquanto possam ser simultâneas ou sucessivas, devendo-se considerar o percentual causal do agir de cada um.” Acrescenta-se que, em relação à culpa levíssima, a indenização deverá ser reduzida, seguindo o disposto no artigo 945 do CC, já que deve ser fixada de acordo com o grau de culpabilidade. O enunciado 455 da V Jornada de Direito Civil elucida que: Embora o reconhecimento dos danos morais se dê em numerosos casos independentemente de prova (in re ipsa), para a sua adequada quantificação, deve o juiz investigar, sempre que entender necessário, as circunstâncias do caso concreto, inclusive por intermédio da produção de depoimento pessoal e da prova testemunhal em audiência. Ressalta-se a divergência na aplicação dos artigos 944 e 945 para a responsabilidade objetiva. No primeiro momento, foi negada a aplicação pelo Enunciado 46 da I Jornada de Direito Civil, que dizia: A possibilidade de redução do montante da indenização em face do grau de culpa do agente, estabelecida no parágrafo único do 13 art. 944 do novo Código Civil, deve ser interpretada restritivamente, por representar uma exceção ao princípio da reparação integral do dano, não se aplicando às hipóteses de responsabilidade objetiva. Entretanto, na IV Jornada de Direito Civil foi aprovado novo enunciado alterando a redação do enunciado 46, suprimindo a parte final que tratava da não aplicação da res- ponsabilidade objetiva (Enunciado 380 do CJF/STJ). Assim diz: Atribui-se nova redação ao Enunciado n. 46 da I Jornada de Direito Civil, com a supressão da parte final: não se aplicando às hipóteses de responsabilidade objetiva. Jurisprudência: Exemplo 1: “Pingente de trem” – Culpa ou fato concorrente da vítima (REsp 226.348/SP). “Surfista de trem” - Culpa ou fato exclusivo da vítima (REsp 160.051/RJ) Exemplo 2: REsp 1.349.894/SP – Teoria do risco concorrente (caso de fraude bancária com contribuição causal do preposto do cliente pessoa jurídica). 2.3. Nexo de causalidade É o elemento imaterial da responsabilidade civil. É uma relação de causa e efeito entre a conduta e o dano (Aguiar Dias). ✓ É a relação de causa necessária entre a conduta e o dano. O nexo de causalidade é constituído do elemento imaterial que liga a relação de causa e efeito entre a conduta culposa e o dano suportado. Assim sendo, a responsabilidade civil não existe sem a relação de 14 causalidade ente o dano e a conduta do agente. Logo, se a causa não possuir relação com o comportamento do ofensor, inexiste relação de causalidade apta a fundamentar a obrigação de indenizar. O nexo funciona como um “cano virtual” que liga a conduta (”C”) ao dano (“D”). C D Questão: O que forma o nexo? • Na responsabilidade subjetiva: o nexo é formado pela culpa “lato sensu”, a qual engloba o dolo e a culpa em sentido estrito. • Na responsabilidade objetiva: o nexo é formado pela lei ou por uma atividade de risco (art. 927, parágrafo único, CC). Fatores obstativos do nexo: Funcionam como uma “rolha” dentro do “cano virtual”. Os fatores obstativos do nexo são também conhecidos como excludentes do nexo e se aplicam tanto à responsabilidade subjetiva como à objetiva. São fatores obstativos do nexo: • Culpa ou fato exclusivo da vítima – Exemplo: fumante (STJ – Informativo n. 432). • Culpa ou fato exclusivo de terceiro (alguém totalmente estranho à relação jurídica; sem culpa do agente) – Exemplo: acidente causado pelo criminoso que levou o veículo à mão armada. Neste caso, o dono do veículo não responde. • Caso fortuito e força maior (art. 393, CC). Segundo Orlando Gomes, Sérgio Cavalieri Filho, Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona: 15 ❖ Caso fortuito: evento totalmente imprevisível. ❖ Força maior: evento previsível, mas inevitável. Atenção! A culpa deve ser EXCLUSIVA da vítima ou de terceiros, pois, se houver culpa ou fato concorrente, o dever de indenizar permanecerá. Conforme visto, a culpa concorrente apenas ABRANDA a responsabilidade, isto é, minimiza o nexo de causalidade, incidindo a teoria da causalidade adequada. Questão: Na prática, como analisar tais conceitos? O STJ tem analisado esses conceitos de acordo com a tese de Agostinho Alvim (1949). Conforme o autor, somente é caso fortuito ou força maior o evento externo, o qual está fora do risco da atividade, o negócio ou do empreendimento. O evento interno, que está dentro do risco do negócio ou do empreendimento, não é caso fortuito nem força maior. Exemplos: Ex. 1: Assalto a ônibus: evento externo. A empresa de ônibus não responde (REsp n. 783.743/RJ). Exemplos: Ex. 1: Assalto a ônibus: evento externo. A empresa de ônibus não responde (REsp n. 783.743/RJ). Ex. 2: Assalto a banco: evento interno. O banco responde pelo assalto até o estacionamento (REsp n. 1.284.962/MG). Além desses limites, é evento externo e o banco não responde (“saidinha”). Ex. 3: Assalto a shopping center: evento interno até o seu estacionamento (REsp n.1.269.691/PB). Ex. 4: Ataque de psicopata a shopping (caso Mateus da Costa Meira): evento externo (REsp n. 1.164.889/SP e REsp n. 1.133.731/SP). Ex. 5: fraudes bancárias praticadas por terceiros são eventos internos. Súmula 479, STJ: “As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por 16 terceiros no âmbito de operações bancárias.” ✓ Obs.: Tem sido feita uma ressalva à Súmula 479 do STJ quando há culpa ou fato exclusivo do consumidor. Ex. 6: Assédio sexual em transporte público é evento externo (REsp 1.833.722/SP e REsp 1.853.361/PB). Ademais, as excludentes de nexo de causalidade servem para a responsabilidade subjetiva e responsabilidade objetiva, regra geral. Contudo, existem situações em que a culpa exclusiva de terceiro não afastará a incidência de responsabilidade civil, como no caso de transporte de pessoas,no qual o transportador deve responder perante o passageiro vitimado (artigo 735, CC). Portanto, é importante verificar o risco do empreendimento, ou seja, a atividade desenvolvida pelo responsável. Assim, se o fato estiver incluído como “risco do negócio”, deve o responsável arcar com as consequências. O enunciado 443 da V Jornada de Direito Civil diz que: O caso fortuito e a força maior somente serão considerados como excludentes da responsabilidade civil quando o fato gerador do dano não for conexo à atividade desenvolvida. Finalizando, o STJ editou a Súmula 479 que prescreve a responsabilização das instituições financeiras pelos danos gerados por fortuito interno relativo à fraude e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias. Exemplificando: roubos e furtos de talões de cheques, clonagem de cartão e fraude praticada na internet. Teorias quanto ao nexo de causalidade: • Teoria da equivalência das condições ou do histórico dos antecedentes (Teoria sine qua non): todos os fatos correlatos ao evento, 17 diretos ou indiretos, geram a responsabilidade civil. Não foi adotada no âmbito do Direito Civil, pois amplia muito o nexo de causalidade. Aborda que todos os fatos relativos ao evento danoso geram a responsabilidade civil. Para Tepedino, o dano não teria ocorrido se não fosse a presença de cada uma das condições que, no caso concreto, foram identificadas precedentemente ao resultado. Referida teoria não é aplicada atualmente, tendo em vista que amplia muito o nexo de causalidade. • Teoria do dano direto e imediato (CC, art. 403) (clássica): somente são reparáveis os danos que direta e imediatamente decorrem da conduta do agente – Agostinho Alvim, Moreira Alves, Gustavo Tepedino e julgados STJ e STF. Se ocorrer a violação do direito por parte do credor ou de terceiros, haverá a interrupção do nexo causal. Logo, inexistirá responsabilização do agente. Teoria presente no artigo 403 do Código. Para esta teoria, ganham relevo as excludentes totais de responsabilidade. • Teoria da causalidade adequada (CC, arts. 944 e 945) (contemporânea): Essa teoria surgiu na Alemanha, sendo desenvolvida por Von Kries e incrementada por Von Bar. A atribuição da responsabilidade civil e a fixação da indenização (“quantum”) devem ser adequadas às condutas dos envolvidos (agente e vítima) – Caio Mário, Sérgio Cavalieri, Enunciado 47, I Jornada de Direito Civil, e julgados do STF e STJ. Afirma que deve se identificar a causa que gerou o evento danoso. Tal teoria foi desenvolvida por Von Kries e acredita que somente o fato relevante ao evento danoso gera a responsabilidade civil. Flávio Tartuce também adota esta teoria.
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