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MULTICULTURALISMO E EDUCAÇÃO INCLUSIVA Profa. Radila Fabricia Salles Prof. Marcelo dos Santos Matos 2021 AULA 1 O PROCESSO DE SOCIALIZAÇÃO E ASSIMILAÇÃO DA CULTURA. Para iniciar nossa disciplina devemos compreender que a cultura não se refere apenas ao conhecimento formal que as pessoas adquirem ao longo de suas vidas, mas, também, ao modo de vida de um povo – suas crenças religiosas; suas idéias políticas; seus sistemas filosóficos; suas teorias científicas; suas atividades econômicas; suas tradições e costumes; seu vestuário e culinária; seus papeis sociais e valores morais; etc., assim como à rede de significados que está por trás dessas relações e práticas sociais. A definição de cultura ganha um novo contexto após os escritos de “Culture e Society” do teórico dos Estudos Culturais Ingleses Raymond Williams, em 1958. De acordo com Williams há uma ligação entre cultura, história e sociedade. Portanto, o multiculturalismo potencializa as relações entre esses eixos. De acordo com o grupo de Estudos Culturais Ingleses as práticas culturais são objeto de estudo a partir de um olhar sobre estas práticas como representações simbólicas e materiais. Porém, o âmbito econômico não rege sozinho às determinações sobre a cultura. A questão sobre a cultura e, por conseguinte, ao multiculturalismo, a partir de um processo cíclico de transmissão e recebimento de influência das relações político-econômicas. Para essa visão se dá o nome de “autonomia relativa”. Edgar Morin, em 1962, de acordo com Mauro Wolf, foi um dos teóricos que inauguram o olhar sobre os Estudos Culturais a partir da definição do objeto de estudo ser a identificação das novas formas de cultura da sociedade contemporânea. O multiculturalismo, inserido nesse contexto, potencializa a complexidade da análise. Para Morin, a complexidade é uma característica do humano. Ao tentar simplificar as coisas cai no erro da superficialidade e incompletude. De acordo com o autor francês, a “complexidade do real” é atingida por meio do “pensamento multidimensional”. E é a partir desse olhar múltiplo que podemos atingir territórios teóricos próximos da complexidade do multiculturalismo que é uma fenômeno da globalização. SOBRE ÁFRICA E BRASIL Membro da Academia Brasileira de Letras, Alberto da Costa e Silva é diplomata e historiador. Foi representante do Brasil na Nigéria por muitos anos e recentemente, numa entrevista para a BBC Brasil Costa e Silva fez a seguinte declaração: “Temos que estudar o continente africano não como um capítulo à parte, um gueto. A história da África está incorporada à história do mundo, porque ela foi parte e é parte da história do mundo. Que a história do negro no Brasil não seja isolada, como se o negro tivesse sido um marginal. O negro foi essencial na formação do Brasil”. Com isso ele mostra que o multiculturalismo é uma questão de reconhecimento também sendo que, de acordo com Graça Proença, todas as culturas que buscaram relações recíprocas com outras culturas evoluíram suas sociedades, tanto na produção artística como no entendimento do mundo. Raymond Williams também corroborava com tal afirmação. A IDENTIDADE SOCIOCULTURAL DO SER HUMANO (O processo de Socialização) Quando um ser humano nasce, podemos dizer que ele é apenas um corpo biológico provido de alguns poucos instintos necessários à sua sobrevivência: chorar ao sentir fome ou sede, dor ou frio; sugar o leite materno; realizar necessidades fisiológicas e movimentos motores involuntariamente como os de agitar as pernas e os braços em resposta a algum estímulo do meio externo, ou virar a cabeça na direção da sonoridade de um barulho, por exemplo. Nesta fase inicial de seu ciclo vital, o bebê é extremamente depende da presença de seres humanos mais experientes para que tais instintos sejam prontamente atendidos quando de suas manifestações. Na medida em que vai crescendo e tomando consciência de si e dos outros, o ser humano vai interagindo com um mundo que já existia antes dele, e aqueles instintos, tão necessários nos primeiros anos de sua vida, vão sendo moldados em função das exigências culturais presentes no interior da sociedade em que vive. Aos poucos, vai percebendo que chorar para saciar a fome não é mais tão eficiente, porque vai entendendo que existem horários padronizados para a alimentação. Percebe também que suas necessidades fisiológicas não podem ser realizadas em qualquer lugar, descobrindo, a partir da intervenção de outras pessoas, que existe um lugar específico onde tais necessidades podem ser satisfeitas sem constrangimentos. Um conjunto variado de outras formas de se comportar lhe vai sendo apresentado, de modo a ajustar-se aos padrões culturais predominantes em sua atmosfera social. Dizemos, assim, que o ser humano vai ingressando gradualmente num mundo dominado por maneiras de pensar, de agir e de sentir anteriores ao seu nascimento, e as quais lhes são transmitidas através de um longo processo de aprendizado que o acompanha do nascimento até boa parte de sua vida adulta. De acordo com este raciocínio, desconstruímos a idéia segundo a qual o comportamento humano advém de sua natureza biológica, uma vez que não trazemos em nosso código genético – ao contrário dos outros animais – os padrões de comportamento que nos guiarão no percurso de nossas vidas em sociedade. Não pretendemos, com isso, – como já salientamos na aula anterior – negar a nossa estrutura biológica, mas insistir no fato de que os seres humanos constroem suas próprias naturezas, ou seja, suas próprias formas de comportamento. Embora seja possível dizer que o homem tem uma natureza, é mais significativo dizer que o homem constrói sua própria natureza, ou mais simplesmente, que o homem se produz a si mesmo. [...] É preciso deixar claro que a afirmação segundo a qual o homem se produz a si mesmo de modo algum implica uma espécie de visão prometeica do indivíduo solitário. A auto-produção do homem é sempre e necessariamente um empreendimento social. Os homens em conjunto produzem um ambiente humano [e o repassa às gerações mais jovens], com a totalidade de suas formações socioculturais e psicológicas. Peter Berger e Thomas Luckmann In: “A construção social da realidade”, Vozes, 1985, p. 72-5. Desse modo, dizer que os seres humanos, em conjunto e ao longo da história, produzem ambientes humanos e os repassam às gerações seguintes, significa dizer que esse mundo é aprendido e interiorizado por meio de inúmeras situações de aprendizagem denominadas de socialização1. De acordo com os sociólogos Brigitte Berger e Peter Berger, a socialização é o processo pelo qual o indivíduo aprende as regras básicas de seu universo social, assimilando o modo de vida de uma determinada sociedade. O foco principal de todo e qualquer processo de socialização está na interiorização da cultura da sociedade em que nasce e cresce o indivíduo humano. Dito de outro modo: é pela socialização que o mundo social – com seus diversos significados, hábitos de vida, regras, normas e valores morais, por exemplo – penetra na mente do indivíduo e passa a fazer parte de seu mundo interior. Os conteúdos e as formas de socialização não são os mesmos para todas as sociedades, uma vez que cada organização social tem uma cultura própria e uma maneira de transmiti-la igualmente específica. É importante destacar, nesse sentido, que no interior de uma mesma sociedade há diferenças nos conteúdos e nas formas de socialização. Quanto a isto, tomemos como exemplo o nosso país: indivíduos que nasceram e cresceram na Região Nordeste compartilham um modo de vida diferente daqueles que nasceram e cresceram na Região Sul, embora as duas regiões façam parte do Brasil. É só observarmos o sotaque que logo identificaremos em qual região foi socializado o indivíduo Isso significaque [os conteúdos e as formas de] socialização varia[m] de sociedade para sociedade, ou mesmo de um grupo social para outro dentro da mesma sociedade. Pois certos valores, símbolos e significados sociais interiorizados por uma criança fazem parte apenas da cultura do grupo ao qual ela pertence, ou da sociedade em que ela vive. O costume pelo qual as mulheres usam véu para cobrir o rosto em lugares públicos, por exemplo, é uma das características de certas sociedades de maioria muçulmana do Oriente Médio. Em contraste com ele, saias curtas e decotes acentuados fazem parte da indumentária das mulheres nas sociedades ocidentais. Pérsio Santos de Oliveira In: “Introdução à Sociologia”, Ática, 2011, p. 42-3 1 O termo socialização também pode ser compreendido como enculturação. Este termo é utilizado como maior frequência nos estudos antropológicos. O processo de socialização acontece em todos os espaços da sociedade, envolvendo e formando os indivíduos como seres socioculturais. Nesse processo, vale destacar a ação de alguns agentes de socialização, como a família, a escola, os grupos de amigos, os meios de comunicação e a religião, por exemplo. Os agentes de socialização se referem a contextos sociais através dos quais a interiorização dos padrões culturais de uma sociedade se realiza, ou seja, são espaços privilegiados para a aprendizagem dos modos de ser específicos de grupos nos quais se inserem os indivíduos e da sociedade em que vivem. O primeiro espaço de socialização é a família, e é nela que aprendemos as primeiras regras e valores morais do nosso grupo particular e da nossa sociedade. Na escola, aprendemos outras regras, valores e maneiras de comportamento social. A esses aprendizados se somam outros, advindos das relações que construímos com os nossos grupos de amigos, da influência dos meios de comunicação e da religião. Peter Berger e Thomas Luckmann, dois sociólogos já mencionados, diferenciam dois tipos de socialização: a primária e a secundária. A socialização primária prepara o indivíduo para desenvolver os procedimentos básicos da vida cultural de sua sociedade: regras, normas e valores morais comuns à totalidade dos membros de uma mesma organização social. Já a socialização secundária diz respeito àqueles aprendizados relacionados ao modo de vida de um grupo ou categoria social especificamente. Podemos citar, como exemplo de socialização secundária, o aprendizado de uma profissão qualquer, para a qual se faz necessária a assimilação das regras, normas e valores que a caracterizam. Por fim, é pela socialização que nos tornamos membros de uma determinada sociedade e assimilamos sua cultura. É este processo, portanto, que propicia a construção da nossa identidade sociocultural, como também nos permite aprender os padrões culturais de outras sociedades. A HUMANIDADE, PRODUTO DE CULTURA. Somos uma espécie humana com sua especialidade própria, a origem da vida foi a mesma para todos, porém, ao longo do tempo, cada espécie diversificou e traçou sua história própria. “Diferença”; A diferença está na Cultura. Somente os humanos fazem CULTURA. A cultura traz a idéia da Superioridade. “Somente os Humanos produzem-na; A capacidade de raciocínio, a linguagem, construção e uso de ferramentas, postura ereta, elasticidade comportamental (modo como os seres humanos comportam-se), é o que fazem dos seres humanos singulares e distintos.” Entre os animais racionais, não há consenso comum entre. Experiências demonstram a capacidade de raciocínio entre animais, outros na área da linguagem. A chave para conhecer as origens dos seres humanos está na descoberta da origem da cultura. NA EVOLUÇÃO DA ESPÉCIE HUMANA TEMOS: HOMO HÁBILIS- homem hábil (habilidades, capacidades...) HOMO ERECTUS- homem ereto- os responsáveis pelas primeiras evidências de fabricação de ferramentas e uso do fogo HOMO SÁPIENS- Humano Moderno, homem sábio. O surgimento do homem se deu através de um processo muito longo no tempo. A postura ereta foi determinante. Nossa SOBREVIVÊNCIA foi possível pelo desenvolvimento da capacidade de SIMBOLIZAÇÃO, a criação de ferramentas, ao uso cada mais aprimorado da linguagem ao estabelecimento de regras de solidariedade e de sociabilidade – o que entendemos por cultura. O aprimoramento do uso de ferramentas (mãos). Quanto mais sofisticadas as ferramentas, maior elaboração mental, e, maior precisão das mãos. A postura ereta possibilitou um desenvolvimento da laringe, permitindo a emissão dos sons e posterior articulação das palavras. Através da fala o (homo erectus) que aprimoramos a fabricação de ferramentas, a habilidade manual e a capacidade de nos comunicar. A evolução da linguagem oral permitiu um significativo aumento das atividades cooperativas e desenvolvimento de famílias e comunidades, trazendo vantagens evolutivas. Para Capra “o papel crucial da linguagem na evolução humana não foi a capacidade de trocar idéias, mas o aumento da capacidade de cooperar...” Para Guertz, “a cultura é produto do humano, mas o humano é também produto da cultura”. Ele assegura a sobrevivência dos humanos, à capacidade de articulação e fabricação de símbolos. Questões de Identidade Uma das questões principais quando se fala de multiculturalismo é a questão da identidade. A relação do “eu” com o mundo, com o outro e com o próprio indivíduo torna-se um caminho que passa por várias concepções de identidade. Segundo Stuart Hall essas diferentes concepções de identidade são as dos sujeitos do iluminismo, sociológico e pós-moderno. A identidade do sujeito do iluminismo tinha como característica o individualismo. O mundo girava em torno do “eu” e a identidade era única, do início ao fim da vida. Nesta concepção a previsão de formas de pensamento e olhar do mundo se tornam estático e passada de geração para geração. O sujeito do Iluminismo estava baseado numa concepção da pessoa humana como um indivíduo totalmente centrado, unificado, dotado das capacidades de razão, de consciência e de ação, cujo “centro’ consistia num núcleo interior, que emergia pela primeira vez quando o sujeito nascia e com ele se desenvolvia, ainda que permanecendo essencialmente o mesmo. (HALL, 2001, p.10) A identidade do sujeito sociológico se baseia na influência que podemos receber do núcleo social de convívio. A identidade é uma só mas pode mudar a partir da mudança do grupo social. Neste sentido, a identidade se forma a partir da interação do “eu” com a sociedade a qual estou inserido. A relação como os mundos culturais exteriores influenciam a minha identidade que mantêm um diálogo contínuo com as diversas identidades que o multiculturalismo proporciona contato. Assim, o mundo pessoal e público cria um elo de influências mútuas saindo de um olhar individualista do mundo para uma concepção social de identidade do ser no mundo. A noção de sujeito sociológico refletia a crescente complexidade do mundo moderno e a consciência de que este núcleo interior do sujeito não era autônomo e auto-suficiente, mas era formado na relação com “outras pessoas importantes para ele”, que mediavam para o sujeito os valores, sentidos – a cultura – dos mundos que ele/ela habitava. (HALL, 2001, p.11) Por fim, a concepção mais contemporânea de identidade é a do sujeito pós-moderno. Nesta a abordagem a identidade torna-se o resultado de processos mais complexos sendo inclusive inserida numa análise de crise de identidade do sujeito pós-moderno. Isso pelo fato desta concepção de identidade ser caracterizada pela existência de multi-identidades e, muitas vezes, simultâneas e tendo algumas ainda temporárias. Essa forma fugaz de transformação do ser o torna imprevisível. Inaugura uma identidade formada historicamente e não mais biologicamente como nas concepções anteriores. O sujeito previamentevivido com tendo uma identidade unificada e estável, está se tornando fragmentado; composto não de uma única, mas de várias identidades, algumas vezes contraditórias e não-resolvidas. Correspondentemente, as identidades, que compunham as paisagens sociais “lá fora” e que asseguravam nossa conformidade subjetiva com as “necessidades” objetivas da cultura, estão entrando em colapso, como resultado de mudanças estruturais e institucionais. O próprio processo de identificação, através do qual nos projetamos em nossas identidades culturais, tornou-se mais provisório, variável e problemático. Esse processo produz o sujeito pós-moderno, conceptualizado como não tendo uma identidade fixa, essencial ou permanente. A identidade torna-se uma “celebração móvel”: formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpretados nos sistemas culturais que nos rodeiam. (Ibid. p.12-13) O sujeito pós-moderno se caracteriza pelo pensamento fragmentado e dentro de uma sociedade com as instituições sociais enfraquecidas. Portanto, sua legitimação identitária se dá de uma forma multifacetada e temporária caindo no que Hall sublinha como crise de identidade do sujeito pós-moderno. Essa concepção se aproxima muito da realidade cultural e da constante miscigenação que é a realidade do nosso país. DIVERSIDADE CULTURAL E PLURALIDADE DE INDIVÍDUOS A cultura é constituída pelo conjunto dos saberes, fazeres, regras, normas, proibições, estratégias, crenças, idéias, valores, mitos, que se transmite de geração em geração, se reproduz em cada indivíduo, controla a existência da sociedade e mantém a complexidade psicológica e social A cultura mantém a identidade humana naquilo que tem de específico. As culturas são aparentemente fechadas em si mesmas para salvaguardar sua identidade singular. Mas, na realidade, são também abertas; integram nelas não somente os valores e técnicas, mas também idéias, costumes. As assimilações de uma cultura a outra são enriquecedoras. O ser humano é ao mesmo tempo singular e múltiplo. Dissemos que todo ser humano, tal como o ponto de um holograma, trás em si o cosmo. Devemos ver também que todo ser, mesmo fechado na mais banal das vidas, constitui ele próprio um cosmo. Trazem em si multiplicidades interiores, personalidades virtuais, uma infinidade de personagens quiméricos, uma poliexistência no real e no imaginário. ETNOCENTRISMO E RELATIVISMO CULTURAL 1. UM PRECONCEITO RENITENTE Etnocentrismo é um preconceito que cada sociedade ou cada cultura produz, ao mesmo tempo que procura incutir, em seus membros, normas e valores peculiares. Se sua maneira de ser e proceder é a certa, então as outras estão erradas, e as sociedades que as adotam constituem “aberrações”. Assim o etnocentrismo julga os outros povos e culturas pelos padrões da própria sociedade, que servem para aferir até que ponto são corretos e humanos os costumes alheios. Desse modo, a identificação de um indivíduo com sua sociedade induz à rejeição das outras. O idioma estrangeiro parece “enrolado” e ridículo; seus alimentos, asquerosos; sua maneira de trajar, extravagante ou indecente; seus deuses, demônios; seus cultos, abominações; sua moral, uma perversão etc. É verdade que os povos mais primitivos têm uma forte rejeição etnocentrista dos povos circunvizinhos. Porém nada se compara com o etnocentrismo combinado com o sentimento de superioridade que o grupo ou a nação dominante dedica aos dominados e oprimidos. Considerá-los sub-humanos, ou seres humanos de segunda classe, é pretexto e efeito de uma relação de dominação. Decerto, o preconceito etnocentrista nunca é inocente, como certos antropólogos deixam entender. É pernicioso, por trazer no seu bojo um elemento da mais alta periculosidade: a negação do “Outro” enquanto tal. E nega-o por senti-lo como uma ameaça à sua própria maneira de ser, e mesmo ao seu ser. E como a melhor defesa é o ataque, pode partir para a eliminação física do Outro. Isso aconteceu, parece, com outras espécies do homo sapiens que nossos antepassados enfrentaram na pré-história. Talvez tenha sucedido o mesmo com a população africana a que pertenceu “Luzia” - nossa mais recente descoberta arqueológica -, quando levas humanas mongólicas invadiram as Américas. Perto de nós, foi a “solução definitiva” que Hitler quis dar ao problema judaico e Slobodan Milosevic adotou, em relação aos bósnios e kosovares, com sua famigerada “limpeza étnica”. Nosso século se destacou por seus etnocídios e massacres. Mas a rejeição do Outro, combinada com a dominação, assume também outra forma: não tirar a vida do Outro, mas apenas a diferença, ou seja, extirpar-lhe a alteridade que o constitui como Outro, assimilando-o e reduzindo-o à imagem e semelhança do Mesmo. Os colonizadores europeus, menos tolerantes que os impérios romano e mulçumano, tenderam a homogeneizar as populações que dominavam. No mundo ibérico, os judeus foram obrigados a tornar-se “cristãos novos” para salvarem a vida ou o patrimônio. E ainda há uma forma mais sutil e oportunista de lidar com o Outro: conservar- lhe a alteridade, mas, então, fazendo dela pretexto para oprimi-lo. A diferença torna-se título que legitima a dominação e exploração, já que demonstra uma degradação da condição humana; por isso, merece um estatuto de inferioridade e de discriminação. Por exemplo, maior esforço na produção, menor fatia na distribuição, privação do poder decisório; não ter a plenitude dos direitos do cidadão; ser considerado como objeto e não como sujeito da história. Esse esquema é a matriz básica das diversas formas de opressão ou dominação entre sexos, raças, nações. O preconceito etnocentrista, chegado a tal ponto, produz suas ideologias que justificam essa “negação do Outro”. Para sua elaboração, não faltam “intelectuais orgânicos” que tecem teorias e tratados a serviço da dominação: onde se mistura a pseudociência com uma certa grandiloqüência como o apelo a um destino excelso, no verso de Virgílio “Tu regere império populos, Romane, memento” ou as tiradas de Kipling sobre “o fardo do homem branco”. São ideologias que justificam as práticas de discriminação e as políticas de opressão. 2. IDEOLOGIAS ETNOCENTRISTAS Há toda uma linhagem de ideologias desse tipo, pois diante das mudanças culturais, o etnocentrismo tem de recorrer a outras motivações para justificar-se na “consciência social que sempre mente a si mesma” (Marx). a) Na época dos descobrimentos, exaltava-se a supremacia da cristandade e sua missão de dilatar “a fé e o império”. Para isso, faziam-se “súbditos del rey” nações e povos livres à custa de muito massacre. Os missionários iam com os conquistadores, para extirpar cultos e costumes “ímpios e monstruosos”, pois os pagãos estariam sob o poder de Satanás, do qual tinham de ser libertados a todo custo, inclusive pela escravidão aos colonizadores. Algumas vozes se levantaram contra tal situação, como Bartolomeu de las Casas, mas os poderosos não as escutaram. b) Depois veio a Época das Luzes, o racionalismo triunfante, o cientismo deslumbrado. O que agora desqualifica o Outro não é seu caráter de “incréu” e “gentio”, mas seu atraso em relação à civilização ocidental que se autoproclamou a suprema realização do espírito humano. Então a motivação colonialista era espargir as Luzes da Cultura e do progresso sobre os continentes bárbaros e, em nome disso, a burguesia triunfante européia praticava, nos outros continentes, opressão política, pilhagem econômica, destruição maciça das culturas. Massacres memoráveis, rebeliões sufocadas em banhos de sangue não conseguiam despertar a indignação das “reservas morais” das sociedades que se beneficiavam com a exploração. c) Essa ideologia da “Supremacia espiritual do Ocidente” tinha um aliado mais prosaico: o racismo, que, embora formulado compretensões científicas, não passava de uma tosca ideologia da supremacia da raça branca. As outras raças situavam-se no meio do caminho, entre os primatas superiores e o homem europeu, essa sumidade de inteligência e de humanidade. O “eurocentrismo” está longe de ser superado: domina até a mentalidade de filósofos e teólogos europeus destacados que ainda hoje alinham argumentos para mostrar o que para eles é obvio: a superioridade européia d) Outra ideologia etnocentrista, que esteve muito em moda como falsa evidência pseudocientífica, foi o evolucionismo cultural. Constrói uma escala em que o europeu ou o wasp americano ocupam o lugar mais alto, como culminação do processo que percorrem os povos inferiores – em etapas ou estágios cujo dinamismo converge para a sociedade e cultura mais perfeita. A diversidade de culturas é ilusória; o que sucede é que algumas estão na infância ou adolescência da evolução humana – selvagens, bárbaros e civilizados -, sucedem-se como as idades do indivíduo. Nada mais natural de que os adultos tutelem populações de cultura infantil e que a plena autonomia espere pela maturidade cultural. AVATARES DO ETNOCENTRISMO O etnocentrismo não é somente esse “ovo de serpente” donde eclode tais ideologias e políticas; é também um tema que se presta a variações numerosas em vários registros. É camaleônico, recorre a camuflagens e mimetismos: apresenta-se sob formas benignas em que parece irreconhecível, ao assumir a aparência de seu contrário. Há maneiras de “valorizar”, de “promover” que são mais eficazes para descaracterizar o Outro do que um combate franco. Por exemplo, a folclorização, a beleza do morto, de que fala Michel de Certeau, o exotismo, o romantismo são variantes da mesma atitude; saborear ou “curtir” a diferença que constitui o Outro, como uma curiosidade, como “atração turística”, como espetáculo ou “show” surrealista, instigante por ser “insólito”, e mesmo, fantástico. A cultura diferente não é tomada a sério, mas como uma diversão dos espectadores que a consomem: e quase sempre as imitações da cultura popular criam personagens cômicos, o que vale dizer que, no fundo, considera-se a cultura alheia hilariante ou ridícula. Isso ocorre desde os fabulosos relatos de viajantes e missionários, passando pelo indianismo romântico de Gonçalves Dias, até as butiques de arte indígena da FUNAI, as novelas da TV como Aritana e culmina na indústria turística em que o dinheiro suscita contrafações da cultura popular “para inglês ver”. É sempre a mesma atitude etnocentrista que aprece interessar-se pelo Outro, mas de fato o desrespeita, ao tomá-lo como espetáculo e objeto de consumo e não como sujeito cujas práticas sociais são ricas de sentido e encontram seu lugar e compreensão no “conjunto complexo” que constituem como elemento de uma cultura. O interesse da antropologia pela diversidade de povos e culturas nada tem a ver com essa avidez pelo exótico; sua base é o relativismo cultural que considera, como sociedades alternativas e culturas tão válidas quanto as nossas, esses povos cuja própria existência questiona nossa maneira de ser, quebrando o monopólio, que comumente nos atribuímos, da autêntica realização da humanidade no planeta. RELATIVISMO CULTURAL Enquanto o etnocentrismo é um preconceito, e suas derivações doutrinárias (racismo, evolucionismo cultural etc.) são ideologias (consciência falsa e falsa ciência), o relativismo cultural pertence à esfera da ciência. Por um lado, é resultado de muita pesquisa: surgiu depois que a antropologia adotou como método a observação participante; quando quis ir além da etnografia descritiva e da etnologia histórica e comparativa e tratou de compreender, isto é, de produzir conceitos, construir modelos que dessem conta da diversidade das sociedades e culturas. Não foi pura coincidência que outras ciências do homem que então se estabeleciam (lingüística, psicanálise, análise marxista das formações sociais) tivessem atitude análoga na abordagem dessas “totalidades complexas”, cujas articulações, sintaxe, significação tratavam de detectar. Cada época tem suas “revoluções científicas”, suas “rupturas epistemológicas”, deslocando a problemática e exigindo nova metodologia que corresponda aos objetos novos que a teoria define. Por outro lado, o relativismo cultural é teoria: instrumento de análise e meio de produção de conhecimentos, que, aplicando-se a outros conhecimentos (etnográficos, históricos, etnológicos), produz conhecimentos novos, fazendo avançar a ciência como tarefa humana jamais concluída, de tornar inteligível a totalidade do real. Podem também chamar, se preferem, o relativismo cultural de hipótese de trabalho fecunda, um pressuposto ou postulado de base. Depois de Popper, isso não tem quase importância. Nem por isso deixa de ser um ponto de partida teórico, donde se formula a problemática e o objeto é pensável. Essa “teoria geral da relatividade das culturas” modificou nosso olhar sobre as sociedades, como a relatividade de Einstein nos fez ver de modo novo a natureza física. A noção de relativismo cultural abrange três significados a) Todo e qualquer elemento de uma cultura é relativo aos elementos que compõem aquela cultura, só tem sentido em função do conjunto; que sua validade depende do contexto em que está inserido, de sua posição em meio de outros níveis e conteúdos da cultura de que faz parte. b) As culturas são relativas; não há cultura, nem elemento dela, que tenha caráter absoluto, que seja, em si e por si, a perfeição. Será certa e boa para a sociedade que a vivencia e à medida que nela se realiza e em que a exprime. Não há, pois, um padrão absoluto para julgar “a priori” o certo e o errado, o belo e o feio entre as culturas, pois cada uma traz em si mesma seu padrão de medida. c) As culturas são equivalentes e, portanto, não se pode fazer uma escala em que cada cultura receba uma “nota”, de acordo com o critério que defina o que é mais ou menos perfeito. Falsa, portanto, a velha concepção em que a diversidade se alinhava desde uma suposta infância até a maturidade humana. O relativismo não é só uma suspensão de juízo, devido a não se encontrar critério decisivo para classificar as culturas; é mais que isso: afirma positivamente que uma cultura é tão válida como outra qualquer, por ser uma experiência diversa que o ser social faz de sua humanidade. As culturas são variantes, alternativas, distintos modos como o verbo “ser homem” é conjugado na sincronia do espaço e na diacronia da história. Como a forma verbal do indicativo não é mais certa ou errada que a do subjuntivo, nem o nominativo mais correto que o acusativo: tudo depende da construção da frase. O mesmo ocorre com as culturas e com seus elementos. Essa aproximação entre culturas e linguagem não é da ordem da metáfora; seria, antes, da ordem da metonímia, pois estão em relação de todo e parte. Não são apenas as palavras que são signos, mas, como Mauss tinha genialmente antecipado, é a totalidade dos elementos culturais que pertencem à esfera do signo e que deve ser estudada por uma semiótica. Participam daquela “arbitrariedade do signo lingüístico” de que falava Saussure. Já os sofistas gregos tinham partido da distinção entre Physis (natureza) e Nomos ou Thesis, todo o resto era arbitrariamente posto pela criação cultural. Claro que isso não contradiz a evidência de que há sociedades técnica e militarmente superiores a outras etc. Mas nada prova que o etnocida seja culturalmente superior à população massacrada; ou que Hitler e seus nazistas, por exemplo, sejam superiores às vítimas do Holocausto. CONSEQUÊNCIAS E REPERCUSSÕES DO RELATIVISMO CULTURAL Como se pode prever, suas consequências são diametralmente opostas às do etnocentrismo e suas repercussões são múltiplas. Vejamos algumas. a) Respeito sincero pela cultura e sociedade dos outrospovos. Não só está longe de tomar os costumes alheios como bizarros e grotescos, como faz o etnocentrismo (e a indústria turística), mas os considera comportamentos tão dignos como outros quaisquer, e tanto mais interessantes e capazes de nos ensinar algo de novo sobre o homem e a sociedade, quanto maior sua diferença em relação aos nossos. Como o lingüista encontra tanto mais interessante e instrutivo um idioma quanto mais diverso dos conhecidos. b) Um cuidado extremo com a objetividade. Cada traço cultural deve ser estudado no contexto da cultura a que pertence e não em referência à do observador. Para isso, tenta-se imergir na cultura diferente, para captar o sentido que a organiza. Nossa própria terminologia deve ser abandonada, por exemplo, nas relações de parentesco e em outros campos. Xamã não é o mesmo que feiticeiro, exu não é diabo, tupã não é Deus; totem e tabu não tem tradução. c) Recusa de interferir e de modificar costumes e tradições de um povo. Não tem sentido ensinar a um povo a “ser gente”: trata-se de aprender com ele – tal como se aprende um novo idioma -, o léxico e a sintaxe de sua cultura, descobrir-lhe os valores na beleza dos ritos, nas nuanças da língua, na narrativa dos mitos, no discurso dos sábios, no relacionamento entre parentes e amigos, ou entre o homem e a natureza, até que se revele por dentro esse conjunto peculiar onde tudo faz sentido, onde o ser humano se realiza de maneira diferente, mas não menos humana que a nossa. Possivelmente, até de modo mais harmonioso em suas dimensões básicas e estruturantes: relação homem/natureza e relação homem/homem. Outros “efeitos colaterais” ou repercussões podem ser atribuídos ao relativismo cultural: - O anti-colonialismo. Claro que os movimentos de libertação nacional não possuem como causa (ou fator) predominante um conceito da antropologia. Mas esse lhes deu importante contribuição, pelo menos à medida que tornou ilegítima, diante da opinião pública, a dominação colonial e ajudou a armar a luta ideológica – que dá suporte à luta política – entre os militantes da libertação; - O problema das minorias étnicas. É um problema análogo ao anterior. Sem dúvida, a nova valorização das culturas diferentes deu força ao movimento contra a opressão cultural que as maiorias exercem contra povos minoritários dentro de fronteiras nacionais (bascos, curdos, armênios etc); - Movimentos contra a discriminação. Nisso os negros americanos foram pioneiros na sua luta exemplar contra o preconceito racista. Mas qualquer forma de discriminação fica fragilizada à medida que se aprende a valorizar, ou pelo menos a respeitar, a multiforme diversidade humana. Surgiram também, com força, as subculturas e a contracultura, pois os padrões da sociedade ocidental são questionados em comparação com outra organização da vida individual e social, atestada por povos e culturas diferentes; - A luta pela libertação da mulher. Os estudos feitos sobretudo por antropólogas americanas mostraram quanto era preconceituosa e absurda a situação da mulher em nossas sociedades e como era urgente sua conquista da plena igualdade e do respeito por sua diversidade; - Novo rumo das missões. Missionários católicos foram muito influenciados pela Antropologia para corrigir o tradicional proselitismo que identificava evangelização com destruição radical das culturas diferentes, e adotaram a linha da assim chamada “inculturação”. EQUIVALÊNCIA NA DIFERENÇA: AS SOCIEDADES SÃO ALTERNATIVAS a) O problema. - Sem dúvida, o conceito de relativismo cultural parece um paradoxo e é criticado por muitos pensadores (sobretudo europeus, que não suspeitam que suas falsas evidências têm raízes num irredutível etnocentrismo). Devem-se esclarecer, pois, algumas dúvidas e acrescentar mais elementos para sua compreensão. Se uma sociedade não é superior à outra, como pode dominá-la com tanta facilidade? Nega-se que haja progresso na história humana e que esse chegue desigualmente às diversas sociedades? É evidente que, em determinado ponto ou aspecto, uma sociedade leva vantagem sobre outra, e a própria diferença implica que alguns traços estejam acentuados em umas e obliterados em outras. Ninguém pode negar que a civilização industrial tem uma tecnologia avançada como jamais existiu e que, entre as diversas sociedades de que se compõe, há grandes desníveis tecnológicos. Mas isso não garante que no conjunto – ou seja, como sociedade humana – ou na qualidade de vida, entendida como “quantum” de felicidade e bem estar pessoal e social que proporciona a seus membros, essa civilização seja superior a outras que existiram na história ou que ainda persistem em suas margens. b) Uma analogia. – Quanto ao “progresso”, deve-se abandonar a idéia atrasada de que se trata de uma marcha em linha reta e implacável, como a “grande cadeia dos seres” do antigo evolucionismo. Acontece que, em biologia, a orogêneses foi abandonada, porque os seres vivos se “especiaram” em forma de radiações sucessivas, divergindo por caminhos diversos de adaptação externa (ao nicho ecológico) e adaptação interna (reformulando órgãos e funções). As sociedades também se especiaram, analogamente, em culturas diversas, cada uma desenvolveu uma especialização particular, e o resto do “organismo” social foi reordenado em função disso: como entre os homínidas, esqueleto e músculos foram reajustados para a posição ereta e a marcha bipedal. c) As civilizações em que vivemos são um episódio recente na história do homem no planeta: da ordem do último 0,5 por cento de sua duração como espécie. Especializaram-se na desigualdade entre seus membros, criando uma diferença de potencial que permitiu a acumulação de capital e exigiu a constituição de um “Estado” para garantir a ordem fundada na desigualdade. Por sua vez, esse acúmulo de capital e de poder possibilitou as maravilhas da civilização – palácios, pirâmides, acrópoles, exércitos e naus. Havia recursos disponíveis e estruturas organizacionais que os orientassem para fins pré-fixados. Populações cada vez mais numerosas foram sendo englobadas num mesmo complexo político-econômico, e a sucessão de impérios era também cumulativa pela anexação de povos, territórios e a pilhagem de recursos dos vencidos. Vemos, assim, as civilizações baseadas em três pilares: no econômico, a acumulação de capital; no social, a divisão em classes (dominada/dominante, senhores e escravos); no político, o “Estado” enquanto monopólio da coerção legítima. Podemos considerar a civilização uma síndrome sociocultural que constitui uma mutação básica, uma radiação adaptativa em direção a um rumo particular que tomou a história humana, o que acarretou muitos arranjos e reajustes estruturais – alguns, “desumanos” mas também essas criações de grande brilhantismo que vêm à nossa mente quando falamos em “civilizações”. Os povos que não tomaram esse rumo continuaram seu caminho de distribuição em lugar de acumulação de riquezas; de igualdade e solidariedade em vez de dominação de classe; de autodeterminação das unidades familiares em lugar da coerção pelo poder soberano do “Estado” que a todos subjuga. Esse tipo de organização social chegou a ser denominado “Sociedade contra o Estado” para significar que toda sua estruturação foi agenciada para excluir a dominação do poder político e deixar espaço à liberdade individual e familiar. Por outro lado, as sociedades chamadas “primitivas” se especializaram na busca da harmonia entre o homem e a natureza: num prodígio de adaptação, o esquimó prospera no círculo polar ártico, as tribos do deserto africano sobrevivem em desertos onde “civilizados” não agüentariam uma semana. É incalculável quanto isso exige de conhecimento minucioso da terra, da fauna e da flora, e de sua utilização técnica, alimentar e medicinal. Especializaram-se também em relações humanas, sobretudo na organização desistemas complexos de parentesco e aliança, unindo indivíduos em famílias, famílias em linhagens, clãs, aldeias e tribos. Organização de alta eficiência, que por vezes é objeto de reflexão explícita do grupo, a ponto de Lévi-Strauss chamar os aborígenes australianos “fundadores das ciências do homem e precursores de modelos matemáticos em antropologia”. O QUE É DIVERSIDADE CULTURAL? Para Anete Abramowicz (2006, p12) “diversidade pode significar variedade, diferença e multiplicidade. A diferença é qualidade do que é diferente; o que distingue uma coisa de outra, a falta de igualdade ou de semelhança”. Nesse sentido, podemos afirmar que onde há diversidade existe diferença. Marisa Vorraber Costa (2008) afirma que a diferença não é uma marca do sujeito, mas sim uma marca que o constituem socialmente, e se estabeleceu como uma forma de exclusão, ser diferente na educação ainda significa ser excluído e/ou ser subrepresentado nas instâncias sociais. Reconhecer que somos diferentes para estabelecer a existência de uma diversidade cultural no Brasil, não é suficiente para combater os estereótipos e os estigmas que ainda marginalizam milhares de crianças em nossas escolas e milhares de adultos em nossa sociedade. Maria Vera Candau (2005) afima que: “Não se deve contrapor igualdade a diferença. De fato, a igualdade não está oposta à diferença, e sim à desigualdade, e diferença não se opõem à igualdade, e sim à padronização, à produção em série, à uniformidade, a sempre o “mesmo”, à mesmice”. (CANDAU, 2OO5, p. 19). Reconhecer a diferença é questionar os conceitos homogêneos, estáveis e permanentes que excluem o ou a diferente. As certezas que foram socialmente construídas devem se fragilizar e desvanecer. Para tanto, é preciso desconstruir, pluralizar, ressignificar, reinventar identidades e subjetividades, saberes, valores, convicções, horizonte de sentidos. Somos obrigados a assumir o múltiplo, o plural, o diferente, o híbrido, na sociedade como um todo (CANDAU, 2005). Falar sobre diversidade não pode ser só um exercício de perceber os diferentes, de tolerar o “outro”. Antes de tolerar, respeitar e admitir a diferença é preciso explicar como essa diferença é produzida e quais são jogos de poder estabelecido por ela. Como nos alerta Tomaz Tadeu da Silva (2000), a diversidade biológica pode ser um produto da natureza, mas o mesmo não se pode dizer sobre a diversidade cultural, pois, de acordo com autor, a diversidade cultural não é um ponto de origem, ela é em vez disso um processo conduzido pelas relações de poderes constitutivos da sociedade que estabelece “outro” diferente do “eu” e “eu” diferente do “outro” como uma forma de exclusão e marginalização. Como alerta-nos Marisa Vorraber Costa (2008), identidade e diferença são inseparáveis, dependendo uma da outra. Elas são produzidas na trama da linguagem, a identidade e a diferença são construídas dentro de um discurso, por isso precisamos compreendê-las como são produzidas em locais históricos e institucionais por meio do discurso. Foucault argumenta que: [...] são os discursos eles mesmos que exercem seu próprio controle; procedimentos que funcionam, sobretudo, a título de princípios de classificação, de ordenação, de distribuição, como se tratasse desta vez, de submeter outra dimensão do discurso: a do acontecimento e do acaso.” ( FOUCAULT, 2002 p.21) MULTICULTURAL X MULTICULTURALISMO O que é MULTICULTURAL? É um termo qualificativo. Descreve as características sociais e os problemas de governabilidade apresentados por qualquer sociedade na qual convivem uma diversidade de comunidades que tentam construir uma vida em comum, sem perder a identidade original. Parte da concepção - uma das principais características das sociedades modernas/pós- modernas é a complexidade, a diversidade e a presença de múltiplos interesses e grupos sociais. Diferentes estilos de vida e valores diversificados. O que significa MULTICULTURALISMO? Corrente de pensamento crítico contemporâneo. Conectado aos debates sobre a diversidade cultural presente nas sociedades contemporâneas. Refere-se às estratégias e as políticas adotadas para administrar problemas de – diversidade e multiplicidade geradas pelas sociedades multiculturais. As principais críticas que fundamentam as o debate multicultural são: - Em relação a conceito de direito do liberalismo clássico. - Em relação à visão unidimensional do marxismo ortodoxo. O debate multicultural e a questão da diferença: Para entendê-lo, é necessário compreender, analisar, contextualizar os contextos históricos associados a uma tomada de consciência coletiva opositora a toda forma de “etnocentrismo”. Pontos de partida: Interpretar as relações sociais como relações interculturais – são as vivências culturais que moldam as interações sociais. E em como o Estado e a sociedade irão dialogar - criar mecanismos de promoção da inclusão social. Questionamento de análise teórica: Como garantir a unidade política e a igualdade de direitos para cidadãos cujas origens, crenças e valores fundamentais são tão diversos? Parte desse debate está vinculada a Declaração dos Direitos Humanos ONU, de 1948. Define os direitos humanos como direitos individuais e coletivos. Agenda internacional dos países membros a necessidade de incluir em suas constituições direitas vinculadas ao reconhecimento da diferença e dos particularismos. Com isso, inicia-se um debate encalorado no âmbito dos direitos humanos sobre: Universalidade X Particularismos Na arena política, o multiculturalismo assume a forma da política da diferença. Com ações voltadas para a inclusão dos grupos sociais numa reflexão política contrária a lógica do individualismo. Define-se por um sentido de identidades compartilhadas. Formada de indivíduos com consciência coletiva, mas que possui sua individualidade preservada. O multiculturalismo parte da seguinte postura política: A prática de reivindicar direitos de forma coletiva desestabiliza e coloca em xeque a filosofia liberal clássica que fundamenta o direito moderno. O que é GRUPO POLÍTICO no multiculturalismo? Direitos individuais X Direitos coletivos Assim, O multiculturalismo se opõe a premissa do pensamento liberal, ao afirmar a relevância e a legitimidade dos grupos na arena política. Como ocorre a disputa pelo poder entre os grupos sociais, partindo do pressuposto que não existe uma condição de homogeneidade em se tratando de interesses? Existem: Disputa pelo poder entre os diversos grupos identitários. E nesse rol, encontram-se grupos que sofrem maior pressão e opressão sociais que outros. A forma de mensurar ou de detectar a dominação se dá a partir: Análise das dificuldades de participação política desses grupos nos debates e em processos de decisão nacional e internacional. Foco de debate do multiculturalismo: A abordagem pela ótica da justiça e da inclusão. Falta de um debate mais aprofundado sobre: Disputa de poder e as relações de dominação nas sociedades contemporâneas por uma perspectiva da teoria política crítica. Três críticas a perspectiva multicultural: 1- debate teórico que tentam determinar os grupos que merecem acessar os direitos compensatórios. Determinar aqueles que vivem maior ou menor opressão. 2- relação entre diferença e igualdade. Ressalta as vantagens da diferença – como uma forma de barganhar recursos políticos e políticas públicas do Estado. Prefere reforçar o debate em torno da diferença e não aborda a questão da igualdade. 3 - acomodação entre os direitos de grupos e os direitos individuais. Opressão de um grupos social sobre outros grupos. Opressão dos grupos sociais em relação ao indivíduo. Diante das críticas e dos limites da teoria multicultural e da concepção teórica pós moderna, intelectuais esforçaram-se em introduzir novos elementospara incrementar o debate. Dada uma conotação mais crítica ao debate multicultural. Direitos humanos e multiculturalismo Uma frequente reflexão dos direitos humanos é de sua manutenção das diferenças culturais e um resultado que englobe a universalização humana dentro de um parâmetro democrático de participação como agentes ativos nas formulações destes direitos surgidos na modernidade. Neste contexto de olhar crítico perante a sua constituição, os direitos humanos, de acordo com o material didático do circuito difusão de cinema (p.7) com esta temática, do Ministério do Turismo de 2021, é definido assim: “São garantias que protegem os indivíduos e grupos contra ações que limitam as liberdades fundamentais e/ou ferem a dignidade humana. A construção desses direitos é fruto de um longo processo histórico permeado por violações de vários tipos. Os Direitos Humanos são inspirados no princípio de respeito e dignidade a todos os indivíduos. Todo ser humano possui direitos fundamentais, independente de cor, gênero, etnia, orientação sexual, língua e religião.
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