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Protocolos Comunitários: Multiculturalismo

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Protocolos Comunitários: Multiculturalismo em foco 
Igor Alexandre Pinheiro Monteiro1 
 
Resumo: Este trabalho terá o condão de analisar os Protocolos Comunitários, 
inicialmente, no âmbito do Protocolo de Nagoia e, posteriormente, em uma perspectiva 
mais abrangente, discutindo esse instrumento como um meio de efetivar a cidadania da 
comunidade, gestão territorial e sobre a consulta livre, prévia e informada, nos moldes da 
Convenção 169 da OIT, com embasamento no Protocolo Comunitário do Bailique, no 
Amapá. Tais temas são abordados no trabalho com o objetivo de formular uma espécie 
sistema de relacionamento interna e externa, de acordo com os povos e comunidades 
tradicionais, tais como o Poder Público e pesquisadores que possam vir a buscar dialogar 
com os mesmos. Para dar suporte teórico buscamos o filósofo político Charles Taylor 
para a discussão acerca do reconhecimento adequado, de acordo com sua teoria, no que 
tange ao reconhecimento da cultura minoritária no plano social. Deste modo, os 
Protocolos Comunitários seriam os meios pelos quais os agentes externos poderiam 
conhecer o modo de vida de cada comunidade visando um reconhecimento correto e, 
assim, possibilitar o melhor diálogo. Como metodologia, foi empreendida pesquisa 
bibliográfica acerca do tema, bem como pesquisa de campo ao Arquipélago do Bailique, 
no Amapá. Por fim, chegou-se à conclusão de que os Protocolos Comunitários podem 
servir como um conglomerado de informações sistematizadas e resumidas de determinada 
comunidade de seu modo de agir e deliberar baseado em um sistema de direito 
consuetudinário pré-estabelecido e que difere do estatal, bem como o acesso e repartição 
de benefícios dos conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade trazida pelo 
Protocolo de Nagoia. 
Palavras chave: Multiculturalismo; Reconhecimento; Protocolo Comunitário do Bailique. 
Este documento tendrá la facultad de examinar los protocolos comunitarios, inicialmente 
en el marco del Protocolo de Nagoya y posteriormente en una perspectiva más amplia, la 
discusión de este instrumento como un medio para la realización de la ciudadanía de la 
comunidad, la gestión de la tierra y la consulta libre, previo e informado en la línea del 
Convenio 169 de la OIT, con base en el Protocolo Bailique Comunidad en Amapá. Estos 
temas se tratan en el trabajo a fin de formular una especie de régimen interior y las 
relaciones exteriores, de acuerdo con los pueblos y comunidades tradicionales, como el 
gobierno y los investigadores que pueden buscar el diálogo con ellos. Para dar soporte 
teórico que buscamos filósofo político Charles Taylor a la discusión sobre el 
reconocimiento adecuado, de acuerdo con su teoría, cuando se trata del reconocimiento 
de la cultura minoritaria en términos sociales. Por lo tanto, los protocolos comunitarios 
sería el medio por el cual los extranjeros podían conocer la forma de vida de cada 
comunidad dirigidas a un reconocimiento correcto y así permitir un mejor diálogo. La 
metodología se llevó a cabo la literatura sobre el tema, así como la investigación de campo 
al Archipiélago Bailique en Amapá. Finalmente, llegamos a la conclusión de que los 
protocolos comunitarios pueden servir como un conglomerado de información 
sistematizada y se resume en una determinada comunidad de su manera de actuar y 
 
1 Acadêmico do curso de Bacharelado em Direito pela Faculdade de Castanhal - FCAT 
decidir sobre la base de un sistema de derecho consuetudinario preestablecido y que se 
diferencia del estado, así tales como el acceso y distribución de beneficios de los 
conocimientos tradicionales asociados a la biodiversidad provocada por el Protocolo de 
Nagoya. 
Palabras clave: Multiculturalismo; Reconocimiento; Protocolo Comunidad Bailique. 
1. Introdução 
O presente trabalho tem como objetivo apresentar brevemente o Protocolo de 
Nagoia (PN), remontando à Convenção de Diversidade Biológica (CDB), a criação do 
texto e as necessidades que giravam em torno de sua criação, levando-se em conta que tal 
instrumento veio em complementação à CDB, no que tange ao seu terceiro objetivo, a 
regulamentação do acesso e repartição de benefícios. No texto do Protocolo, mais 
especificamente no artigo 12, os Protocolos Comunitários (PC) são citados como 
instrumentos adequados à sistematização das informações acerca dos procedimentos a 
serem adotados em casos de acesso e repartição de benefícios dos conhecimentos 
tradicionais associados à biodiversidade. 
Os Protocolos Comunitários podem ser entendidos como meios de 
positivação, através de um documento, do direito consuetudinário, via de regra, 
transmitidos oralmente durante gerações. Deste modo, capacita os povos e comunidades 
tradicionais a dialogarem com os agentes externos em paridade de posições. 
Com a proposta de dar um aporte teórico ao assunto, foram expostos ao debate 
o filósofo político comunitarista Charles Taylor acompanhado de sua teoria acerca da 
Política de Reconhecimento, discutindo acerca do liberalismo tradicional e propondo um 
novo modelo de liberalismo que atenda às diferenças. 
Deste modo, propomos que os Protocolos Comunitários sejam entendidos 
como um meio de se entender o povo ou comunidade tradicional que está transmitindo 
seu modo de vida tradicional, através deste instrumento sistematizado, a fim de que 
tenham respeitadas suas especificidades, de modo a poder discriminar positivamente e 
proferir um reconhecimento correto, de acordo com o pensamento de Taylor. 
Por fim, a proposta de reconhecimento ganha aporte prático na discussão de 
cidadania através dos Protocolos Comunitários, abrangendo seu objetivo inicial, de 
regular as relações de acesso e repartição de benefícios para temas como gestão territorial, 
uso dos recursos naturais e consulta prévia. 
2. O Protocolo de Nagoia e a Lei 13. 123/15 
A base do Protocolo Comunitário remonta à Convenção de Diversidade 
Biológica, no Rio de Janeiro, durante a Conferência do Rio, em 1992. Os três pilares 
principais da Convenção são a conservação da biodiversidade, a repartição equitativa de 
benefícios e o uso sustentável dos recursos genéticos. A Convenção considera material 
genético “todo material de origem vegetal, animal, microbiana ou outra que contenha 
unidades funcionais de hereditariedade”, bem como recursos genéticos contendo 
“material genético de valor real ou potencial” (MMA , 2000). 
A CDB reconhece que todas as nações são usuárias e provedoras de recursos 
genéticos e, deste modo, exige a criação de condições a facilitar o Acesso e Repartição 
de Benefícios (ABS) e não impor restrições contrárias à Convenção, tanto que em seu art. 
8º, j, a previsão é expressa no sentido da obrigação do utilizador dos conhecimentos 
tradicionais (CT) em repartir benefícios. 
Ainda em seu texto, os artigos 15.1 e 15.7 reconhecem os direitos soberanos 
dos estados em regular o acesso aos recursos genéticos, bem como o direito de estipular 
como ocorrerá o compartilhamento de benefícios desta utilização. No caso das pesquisas 
científicas envolvendo conhecimentos tradicionais e recursos genéticos é obrigatória a 
participação plena do país provedor, de modo a garantir o retorno dos benefícios a este, 
como repartição de benefícios. 
No artigo 15 da Convenção é requisito essencial para o acesso aos 
conhecimentos tradicionais e recursos genéticos o consentimento prévio fundamentado 
do país provedor. Significa que o ABS fica condicionado ao aceite do provedor, que será 
negociado com termos e condições mutuamente acordados. É dever, portanto, de cada 
país formular as regras e procedimentos a serem aplicadas em casos de ABS, com a 
exigência de que sejam justos e não arbitrários na concessão do acesso aos recursos 
genéticos. 
O acesso ao conhecimento tradicional associado à biodiversidade é de grande 
valor para diversas instituições de pesquisa e empresas em razão de suas pesquisas, muitas 
vezes,seculares, resultantes de uma íntima relação com o meio ambiente. Deste modo, as 
técnicas desenvolvidas pelos povos e comunidades tradicionais (PCT) são alvo de 
grandes interesses. A fim de aumentar a proteção desses conhecimentos a CDB impõe o 
dever de serem preservados e respeitados as práticas e conhecimentos tradicionais, de 
modo a garantir a conservação e utilização sustentável da biodiversidade, bem como a 
repartir equitativamente os benefícios obtidos através do CT (GROSS, 2013) 
Ocorre que com toda a visibilidade dada pela CDB os recursos genéticos e 
conhecimentos tradicionais ficaram, de certa forma, desprotegidos, já que não existia um 
regimento específico para a matéria. Logo, problemas como a “biopirataria” ficaram 
latentes. 
Para complementar, principalmente, o art. 15 da CDB, diversos países uniram 
esforços para a criação de um regime internacional que abrangesse o ABS 
detalhadamente. Foi então que em 2010 o texto final do Protocolo de Nagoia foi entregue. 
O Brasil assinou o PN em 2011, entretanto, devido a conflito de interesses no Congresso 
Nacional o Protocolo não foi ratificado. 
As comunidades que antes eram invisibilizadas e seus conhecimentos 
desprezados têm a oportunidade de garantir o respeito às suas tradições e sua cultura por 
meio do reconhecimento do valor inestimável de seus serviços ambientais e 
conhecimentos tradicionais. 
Portanto, o Protocolo de Nagoia consiste em uma regulamentação específica 
do Acesso e Repartição de Benefícios, tratada como objetivo da Convenção da 
Diversidade Biológica e, portanto, o primeiro tratado ambiental multilateral com o 
condão de facilitar o investimento em pesquisas envolvendo recursos genéticos e 
conhecimentos tradicionais, fomentando uma utilização racional da biodiversidade. 
(GROSS, 2013). 
3. Os Protocolos Comunitários 
Os Protocolos Comunitários ganham forma e importância no Protocolo de 
Nagoia. Previsto expressamente o artigo 12.1, o texto exige que as partes observem os 
“protocolos e procedimentos comunitários, conforme aplicável, com respeito ao 
conhecimento tradicional”, além da legislação doméstica e “leis costumeiras das 
comunidades indígenas e locais” (MMA , 2014). 
Pode-se definir, portanto, os PCs como “estatutos com regras e 
responsabilidades, nas quais as comunidades estabelecem seus direitos consuetudinários 
sobre os recursos naturais da terra, conforme suas leis consuetudinárias, nacionais e 
internacionais” (SWIDERSKA, 2012). Os procedimentos e regras internas dos PCTs, 
quase sempre transmitidos oralmente, utilizados para regular a conduta interna das 
comunidades e com agentes externos, bem como gestão territorial são os chamados 
direitos consuetudinários. Ao reunir essas informações em um documento escrito que 
transmita fielmente as leis internas dos PCTs o direito consuetudinário se solidifica em 
Protocolo Comunitário, de forma a reger o tratamento de agentes externos com as 
comunidades. 
As partes ficam obrigadas a respeitarem os costumes tradicionais dos PCTs 
e, a partir daí, cria-se um patamar de discussão equitativo, ou seja, reduz drasticamente 
as chances dessas comunidades serem vítimas da biopirataria ou que tenham seus 
costumes violados por terceiros de má-fé, ainda que ocorram tais ilicitudes o PC os 
respalda em seus direitos. 
Os protocolos comunitários são desenvolvidos por meio de um processo 
participativo em que podem ajudar a proteger os direitos dos PCTs aos seus recursos 
naturais e conhecimentos; construir as próprias regras e regulamentações visando a 
conservação da biodiversidade e promoção do uso sustentável desta (SWIDERSKA, 
2012). Além disso, deve ser pensado também como um instrumento para regular a 
consulta livre, prévia e informada (CLPI), de acordo com a Convenção 169 da OIT, tendo 
em vista que o ABS só pode ser concedido após o consentimento prévio e fundamentado 
concedido pelos provedores. 
Através deste instrumento os PCTs revertem o processo “cima-baixo” que os 
usuários, geralmente grandes empresas de cosméticos e governo, estão acostumados. Não 
há imposição por esses agentes aos provedores, que passam a deter o poder decisório no 
processo de ABS (SWIDERSKA, 2012). 
Tal como é dito na cartilha Metodologia para Construção de Protocolos 
Comunitários, criado pela Rede Grupo de Trabalho Amazônico (Rede GTA), “a 
construção de protocolos comunitários tem como objetivo empoderar povos e 
comunidades tradicionais para dialogar com qualquer agente externo de modo igualitário, 
fortalecendo o entendimento da comunidade dos seus direitos e deveres e estabelecendo 
a importância da conservação da biodiversidade e de seu uso sustentável. ” (REDE GTA, 
2015) 
Tal como afirma Swiderska (2012) sobre os protocolos comunitários, que, 
regulando um método de CLPI, 
permite que as comunidades tomem decisões caso a caso sobre 
propostas de desenvolvimento ou projetos, com base em uma rol grande 
de informação prévia, assim como discussões e deliberações a nível 
comunitário. Fundamentalmente, o CLPI permite às comunidades 
negar o consentimento ou vetar propostas – sem isso, as comunidades 
têm uma influência muito mais limitada sobre a tomada de decisões.2 
A Consulta livre, prévia e informada garante aos PCTs o direito de vetar ou 
embargar o acesso ao conhecimento tradicional com a emissão de uma negativa de 
consentimento fundamentado, de modo que não deve ser arbitrário, ou mesmo de retirar 
o consentimento já concedido se o usuário estiver contrariando as cláusulas mutuamente 
acordadas (SWIDERSKA, 2012). 
O Brasil, apesar de não ter ratificado o Protocolo de Nagoia, editou este ano 
a Lei nº. 13.123/15, chamada de Marco da Biodiversidade, que regula dispositivos da 
Convenção de Diversidade Biológica, dispondo acerca do acesso ao patrimônio genético, 
proteção e acesso ao conhecimento tradicional associado e sobre a repartição de 
benefícios, além de prever expressamente, no art. 9º, §1º, IV, a utilização de protocolos 
comunitários para o diálogo entre usuários e provedores de recursos genéticos e 
conhecimentos tradicionais. A referida lei revogou a Medida Provisória nº. 2.186-16, de 
2001, que tratava de temas transversais à repartição de benefícios. 
Os protocolos comunitários ganham legitimidade junto ao Estado com a 
edição da supramencionada lei, tendo, inclusive definindo os protocolos comunitários 
como sendo “norma procedimental das populações indígenas, comunidades tradicionais 
ou agricultores tradicionais que estabelece, segundo seus usos, costumes e tradições, os 
mecanismos para o acesso ao conhecimento tradicional associado e repartição de 
benefícios” (BRASIL, 2015). 
Com o Protocolo, a floresta deixou de ser vista como um bem ambiental 
improdutivo e fez com que o capital, antes inimigo da manutenção da floresta “em pé”, 
 
2 Tradução livre. 
se tornasse aliado da preservação do meio ambiente. Assim, passa a ser viável preservar 
a floresta, pois esta gera lucro com atividades de grande valor econômico. A 
biodiversidade e os povos e comunidades tradicionais se tornam atores principais, para o 
cenário econômico nacional e internacional, desse novo mecanismo de exploração 
econômica sustentável, sendo capaz de aliar o desenvolvimento regional e proteção 
ambiental, atento às novas tecnologias e uso racional dos recursos naturais (ACADEMIA 
BRASILEIRA DE CIÊNCIAS, 2008) 
Deste modo, os PCs têm o condão de capacitar os povos e comunidades 
tradicionais a negociar ou mesmo conversar igualitariamente com atores externos de 
grande poder aquisitivo e político de modo a garantir as regras consuetudinárias, agora 
estruturadas em documento escrito abrangendo temas como gestão territorial, ABS e 
CLPI. 
4. Reconhecimento em Charles Taylor 
Charles Taylor trata da questão do Multiculturalismo e do reconhecimento na 
atual conjuntura mundial, em que as sociedades estão a se tornar cada vezmais plurais e 
se vêem em conflito quando as demandas das minorias afetam os direitos individuais da 
maioria. Deste modo, propõe uma forma de liberalismo capaz de “enxergar” as diferenças 
e pensar em políticas de inclusão da cultura minoritária na sociedade respeitando as suas 
especificidades, que vem a chamar de Liberalismo Multicultural (TAYLOR, 1994). 
Para que isso ocorra sem grandes problemas o autor discute a possibilidade 
de haver uma mudança na forma como a cultura hegemônica trata as minorias, pois 
acredita que o liberalismo praticado em grande parte do mundo seria cego às diferenças. 
Nessa forma de liberalismo, Taylor (1994) afirma que há uma exigência de tratamento 
igual entre os cidadãos, abrindo pouca ou nenhuma margem ao tratamento desigual, o 
qual chama de Política de igual dignidade. Assim, o Estado passa a tratar todos como 
iguais no plano social na tentativa de ser o mais justo possível, tendo em vista que 
concederia direitos iguais a todos. 
Ocorre que o autor aponta um problema: nem todas as pessoas ou grupos são 
iguais entre si, pois possuem suas próprias especificidades e devem ser respeitadas. A 
essas questões intrínsecas a cada grupo e suas especificidades Taylor chama de 
autenticidade, que consiste na ideia de “identidade individualizada”. Através dela, cada 
indivíduo ou grupo cria uma identidade própria (TAYLOR, 1994). 
Afirma, ainda, que a identidade é formada no reconhecimento, que se daria 
em dois momentos distintos: primeiro no plano íntimo, em que o reconhecimento ou não 
dos agentes importantes na formação do selfie o influenciam; e no plano social, o 
reconhecimento adequado, ou não, do restante da sociedade. O problema, para o autor, 
consiste no reconhecimento do plano social do Liberalismo de igualdade, levando em 
conta que nega qualquer diferença entre as culturas. Assim, o plano social tende a 
influenciar negativamente na formação da identidade das minorias, discriminando-as. 
Com esse tipo de atitude a tendência é que interiorizem uma visão depreciativa de si 
próprios (TAYLOR, 1994). 
Isso ocorre, pois, para Taylor, a formação da identidade não é monológica, 
mas dialógica. Os processos de reconhecimento influenciam diretamente na formação do 
selfie e, se esse diálogo for depreciativo por meio de um reconhecimento incorreto esse 
indivíduo seria relegado a uma situação de “cidadania de segunda classe” (TAYLOR, 
1994). 
Taylor explica essa relação afirmando que: “de acordo com esse ponto de 
vista, aqueles que, devido à pobreza, se veem sistematicamente impedidos de usufruírem 
ao máximo dos seus direitos de cidadania têm sido relegados para um estatuto de segunda 
categoria e necessitam de uma ação de compensação através da igualdade” (TAYLOR, 
1994, p. 67). 
A solução seria, portanto, pensar em uma forma de reconhecimento em que 
as especificidades fossem respeitadas e resultassem em políticas de discriminação 
positivas, tal como as ações afirmativas já conhecidas: cotas étnicas em empregos, 
universidades como medidas paliativas e temporárias a fim de equilibrar as diferenças 
entre grupos hegemônicos e minorias. 
Assim, o reconhecimento correto, para Taylor (1994), seria aquele capaz de 
identificar as necessidades específicas de cada grupo e trata-los de formas diferenciadas, 
garantindo o respeito à multiculturalidade presente no plano social e ampliando o modo 
de ver o diferente a fim de admitir o igual valor entre as diversas culturas. Este método 
Taylor (1994) chamou de fusão de horizontes, no qual as culturas seriam capazes de 
ampliar seus critérios de análise do outro e reconhecerem mutuamente entre si, sem 
dependência de um só lado em ser reconhecido. 
5. Respeito às diferenças através dos Protocolos Comunitários 
De posse de um breve conhecimento acerca da ideia de reconhecimento em 
Taylor e no que consiste o Protocolo Comunitário, passamos a discutir o cerne deste 
estudo: o reconhecimento através dos protocolos comunitários. 
Os protocolos comunitários podem ser vistos como uma imposição dos PCTs 
aos agentes externos, tais como empresas de pesquisa e o Estado que buscam dialogar 
com os mesmos, a respeitarem seu modo de vida tradicional, processo decisório e ABS 
adotado por elas e detalhado em um instrumento que sistematiza o direito 
consuetudinário. 
Por vezes o Estado tende a adotar políticas universais para os PCTs, ou seja, 
sem respeitar as especificidades de cada uma delas. Como visto acima, em Taylor, essas 
políticas tendem a ser homogeneizadoras, sendo a identidade de cada grupo prejudicada 
para se adequar àquelas exigências. 
O debate acerca do direito “arcaico” versus o direito aberto às mudanças fica 
bem nítido nas palavras de Marcos Vinício Feres e João Vitor de Freitas Moreira (2009): 
Nesse contexto de reprodução do arcaico jurídico, acaba-se por impor 
uma lógica da dominação ocidental sobre povos tradicionais os quais 
são submetidos aos dogmas tradicionais do direito privado. O instituto 
do contrato, por exemplo é uma típica categoria do direito privado, que 
foi absorvido, sem qualquer crítica, pelo sistema de propriedade 
intelectual. Mas como seguir o geral e o abstrato, desconsiderando as 
narrativos do particular, acarreta em uma interpretação cômoda, 
fechando o direito em si mesmo com os seus próprios significados e 
soluções, aplicar uma categoria do privado fruto de uma racionalidade 
instrumental europeia ocidental em uma comunidade tradicional que 
não compartilha desse mesmo ethos é afirmar uma interpretação 
cultural vertical, que solapa qualquer relação diferencial, igualando, 
no âmbito do Direito, sujeitos distintos a categorias iguais. (grifo 
nosso) 
Um corte relevante para ilustrar o modus operandi do Estado ao agir vendado 
às diferenças entre os grupos sociais e da forma como impõe uma noção de direito 
alienígena a esses grupos trazemos o pensamento de Pierre Bourdieu, sociólogo francês, 
que trata, principalmente, da relação do Estado com os indivíduos de forma crítica 
(BOURDIEU, 1996). 
Esse autor introduz a ideia do poder simbólico, que consiste em uma forma 
de manipulação, invisível e quase imperceptível, decorrente dos instrumentos de 
comunicação e conhecimento, mas que age principalmente através do direito. O poder 
simbólico é capaz de impor aos cidadãos, de modo natural, um modo de pensar e agir. De 
pouco em pouco o Estado molda as pessoas sutilmente, ou seja, sem aplicar a força (física 
ou econômica) para obter tal resultado. 
Em resposta ao poder simbólico exercido pelo Estado, ou qualquer outra 
denominação que possa ser adotada, mas que tenha o mesmo fim, de impor 
silenciosamente um modo de agir ou pensar aos PCTs que os Protocolos Comunitários 
foram pensados. Em Taylor, como em Bourdieu, é evidente a ideia de Estado tendente a 
homogeneizar e direcionar os indivíduos ou grupos para onde quer que lhe convenha. 
De posse dos PCs as comunidades podem exigir que sejam levadas em 
consideração seus modos de vida e decisão tradicionais ao invés de se curvar às políticas 
de igualdade em busca de uma cidadania que não é ideal a sua cultura. A noção de 
cidadania pode mudar dentro de um mesmo país, de estado para estado ou de grupo para 
grupo, de modo que há a possibilidade de as Políticas Públicas não atenderem às 
necessidades de todos. A ênfase é dada aos PCTs, ao considerarmos que existe uma 
diversidade cultural imensa que claramente difere da cultura hegemônica e, portanto, as 
demandas necessárias à efetivação de suas cidadanias não são as mesmas dos grupos 
majoritários. 
Os PCs são, dessa forma, uma tática de defesa de seus direitos e um modo de 
determinar como será sua relação com o agente externo. Não obstante, podem ser 
utilizados de diversas outras iniciativas, tal como gestão territorial, ABS e CLPI Através 
desse valioso instrumento, os PCTs têm a oportunidade de terem respeitados seus direitos 
consuetudinários por quem quer que se relacionecom elas, pois cria um espaço de diálogo 
favorável ao livre debate entre usuário e provedor com poucas chances de manipulação 
ou hipossuficiência (PIMBERT, 2012). 
O Protocolo Comunitário pode ser entendido como o meio pelo qual os 
agentes externos identificam as especificidades de um grupo cultural minoritário e 
entendem a dinâmica social e o modo de vida tradicional que consta positivado por meio 
dele. A partir daí o usuário amplia sua gama de valores e passa a reconhecer o valor 
daquela cultura e os cuidados que deve ter ao interagir com ela baseados nas 
especificidades daquela comunidade identificadas no Protocolo Comunitário. 
As relações entre os PCT e os usuários ficam evidentemente mais justas, pois 
equipara as forças entre as partes e fortalece o diálogo e o Protocolo serve como meio de 
defesa de transgressões ao disposto no documento. 
6. O Protocolo Comunitário do Bailique e o respeito à identidade 
A metodologia utilizada na construção do Protocolo Comunitário do Bailique 
(PCB) está detalhada em uma cartilha confeccionada pelo Grupo de Trabalho Amazônico 
– GTA, sob o título Metodologia para Construção de Protocolos Comunitários, publicada 
em 2015, serve de parâmetro para a construção de outros PCs pelo Brasil e pelo mundo, 
já que altamente replicável e adaptável a diversos povos e comunidades tradicionais. 
Com atenção aos tratados internacionais, principalmente a CDB, PN e 
Convenção 169 da OIT e legislação nacional, como a Lei nº. 2.186-16/2001, os passos 
adotados pela equipe técnica do GTA para desenvolver o Protocolo Comunitário em 
conjunto com as comunidades do Bailique seguem requisitos como: Consentimento 
Livre, Prévio e Informado; capacitação para entender conceitos como o próprio PC, 
conhecimentos tradicionais, ABS e identidade. 
Tais temas são tratados em oficinas de capacitação com a função de levar o 
maior número de informação possível aos comunitários. Como instrumentos de apoio são 
utilizadas cartolinas e banners impermeáveis, que possuem maior durabilidade e com as 
informações detalhadas e didaticamente sistematizadas. As lideranças locais levam o 
material de família em família explicando os conceitos e objetivos do trabalho para 
envolver e incentivar a participação de mais pessoas no processo de construção do PCB. 
Além disso, há o documento consulta, que reúne as respostas dadas pelas lideranças 
durante a oficina de diagnóstico sócio/econômico/ambiental/cultural das comunidades a 
fim de legitimar o ato e aparar as imperfeições por meio da manifestação de todos os 
comunitários que se demonstrarem interessados. 
Essa capacitação dos comunitários tem como objetivo faze-los entender o 
direito oficial, ou hegemônico, para que possam exigir do Estado a efetivação dos 
mesmos, bem como possam dialogar com pesquisadores e demais interessados em acessar 
seus conhecimentos em paridade de posições, ou seja, diminuindo o risco de que os 
agentes externos cometam abusos e os comunitários não saibam disso, como ocorre com 
frequência nas relações de acesso ao conhecimento tradicional, em que empresas 
remuneram os envolvidos de forma abusiva. 
Na referida oficina de diagnóstico das comunidades os temas da identidade, 
autodefinição, história das comunidades, organização, tomada de decisão, mapa mental 
do território, atividades rotineiras e uso sustentável são abordadas, que são questões 
abordadas por meio de perguntas simples, tal como disposta na cartilha (GTA, 2015, p. 
22-31): 
se alguém de fora lhe perguntar: quem é você? O que você diz? Como 
seus avós e pais se identificaram/reconheciam? (…) Como definir quem 
é da comunidade? (…) Quais as principais tradições da sua 
comunidade? (…) Você gostaria de mudar algo no sistema ou estrutura 
existente? Por quê? 
Essas perguntas e respostas têm papel fundamental ao envolver as 
comunidades na construção do Protocolo Comunitário, tal como os próprios dirigentes 
afirmam constantemente para os comunitários que o GTA está apenas servindo para 
auxiliar na construção do documento, mas que são de inteira responsabilidade das 
comunidades envolvidas o seu conteúdo e aplicação. 
A metodologia tem funcionado, se levarmos em consideração que há cada vez 
um maior número de pessoas participando das oficinas e encontrões, bem como opinando 
na construção do mesmo, ou seja, de fato estão construindo seu PC ao invés de serem 
meros agentes passivos no processo. Entretanto, o ponto principal para o debate do 
presente trabalho se dá no que tange ao conteúdo das respostas relativas à identificação e 
reconhecimento, assim como o respeito às respostas dadas pelos comunitários. 
Tal como dito anteriormente, o objetivo do PCB é inverter a ordem de tomada 
de decisão, assim, a construção “baixo-cima” do mesmo se torna evidente, ao contrário 
do que vemos em grande parte das políticas públicas e negociações envolvendo acesso 
aos conhecimentos tradicionais associados. O modelo didático de participação estimula 
ainda mais o interesse dos comunitários, com perguntas escritas em cartolinas pela 
organização e as respostas dos comunitários escritas em papeis ou proferidas oralmente e 
debatidas em conjunto com outros moradores torna palpável os princípios norteadores da 
democracia ambiental: a informação e participação ambiental. 
A justificativa vem da própria equipe do projeto (GTA, 2015, p. 22): 
Aqui se busca um entendimento sobre como os participantes se 
identificam em um contexto individual, para então levar essa discussão 
para a comunidade. É importante que seja uma atividade de auto-
identificação, sem que o facilitador influencie na resposta. A identidade 
é algo que é fluido e pode modificar com o tempo, principalmente frente 
a desafios. Por isso também, a auto-identificação pode vir em formato 
de várias respostas. Uma pessoa se identifica de vários modos. 
As respostas são diversas, mas todas com um pano de fundo em comum, que 
são agrupadas de acordo com as semelhanças e serão postas no Protocolo Comunitário. 
Os processos de tomada de decisão também são levados em consideração nas oficinas, 
sendo discutido em grupo os níveis de participação e como se dá a dinâmica envolvendo 
as decisões. Deste modo, o PCB não poderá estabelecer formas diferentes de tomada de 
decisão, pois geraria estranheza dos comunitários e fugiria totalmente da proposta de 
construção do documento. 
No Protocolo Comunitário do Bailique é montado de acordo com as respostas 
obtidas nas oficinas, a definição de quem pertence ou não às comunidades, abrangendo, 
inclusive, filhos de comunitários que moram fora do arquipélago e pessoas que vieram de 
outras localidades, mas que já se inseriram no contexto e cultura bailiquense; deliberam 
também a inclusão e exclusão de pessoas das comunidades, estabelecendo critérios 
específicos; os valores norteadores das comunidades; tomada de decisões, com 
autoridades comunitárias em áreas específicas, sendo conselheiros, líderes religiosos, 
professores, parteiras e as decisões tomadas em reuniões com os moradores em geral 
podendo participar das discussões; estabelecem também um Acordo de Convivência, que 
deve ser respeitado no processo de decisão; o uso dos recursos naturais também foi 
abordado no PC, estabelecendo regras para manejo do açaí, pesca de determinadas 
espécies, caça etc; além de pontos específicos que não foram debatidos até o momento 
da formalização do Protocolo Comunitário, mas que precisam de amadurecimento e 
discussão; e, por fim, o acesso ao recurso genético e conhecimento tradicional e repartição 
de benefícios, que tem procedimento específico e rígido (COMITÊ GESTOR DO 
PROTOCOLO COMUNITÁRIO DO BAILIQUE, 2015). 
Desde modo, podemos identificar os principais pontos do estudo teórico 
resumido anteriormente de Charles Taylor: a identidade e o reconhecimento. O Protocolo 
Comunitário funcionaria como uma janela, por onde quem está de fora da casa consegue 
ver dentro perfeitamentee, deste modo, identifica seus moradores e pode observar seus 
modos de agir para poder se relacionar com os mesmos corretamente. Sem a janela não 
se pode ver seus moradores e o que resta ao observador externo é agir de acordo com um 
padrão estabelecido por ele mesmo, baseado no seu relacionamento com os moradores 
das demais casas. 
7. Considerações Finais 
Foi possível, com esse estudo, entender como os Protocolos Comunitários 
podem ajudar a entender a dinâmica dos povos e comunidades tradicionais que os 
constroem e a auxiliar os agentes externos a desenvolver a melhor política de 
relacionamento com estes, e, em especial, o método adotado para a construção do 
Protocolo Comunitário do Bailique, que privilegia a capacitação dos comunitários a 
dialogar com o agente externo em paridade de posições. 
Com a possibilidade de os povos e comunidades tradicionais construírem seus 
próprios protocolos comunitários a fim de obter reconhecimento adequado dos agentes 
externos, os mesmos passam a gerir as relações com terceiros, assumindo o controle dos 
procedimentos e tendo a possibilidade de ter voz ativa no processo de tomada de decisões 
e negociações. 
A ideia de reconhecimento ganha força com a implementação dos protocolos 
comunitários em razão de se demonstrar um meio capaz de ampliar os horizontes daqueles 
que não pertencem àquelas minorias culturais tradicionais através do estudo do direito 
consuetudinário dos mesmos através deste instrumento de defesa que já nasce grandioso 
e com substanciais propostas de melhoria na garantia de direito e respeito mútuo entre 
diferentes. 
8. Referências Bibliográficas 
 
ACADEMIA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS. Amazônia desafio brasileiro do século 
XXI: a necessidade de uma revolução científica e tecnológica. 2008. Disponível em 
<http://www.abc.org.br/IMG/pdf/doc-20.pdf>. Acesso em 07 de novembro de 2015. 
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BRASIL. Lei 13.123, de 20 de maio de 2015. Regulamenta o inciso II do § 1o e o § 4o 
do art. 225 da Constituição Federal, o Artigo 1, a alínea j do Artigo 8, a alínea c do 
Artigo 10, o Artigo 15 e os §§ 3o e 4o do Artigo 16 da Convenção sobre Diversidade 
Biológica, promulgada pelo Decreto no 2.519, de 16 de março de 1998; dispõe sobre o 
acesso ao patrimônio genético, sobre a proteção e o acesso ao conhecimento tradicional 
associado e sobre a repartição de benefícios para conservação e uso sustentável da 
biodiversidade; revoga a Medida Provisória no 2.186-16, de 23 de agosto de 2001; e dá 
outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-
2018/2015/Lei/L13123.htm>. Acesso em: 17 setembro de 2015. 
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