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Tópicos de Vida e Obra de Aristóteles Por João R. A. Borba (João Borba) Sumário Por que é difícil entender o conjunto da obra de Aristóteles?...............................................................2 O que costuma ser considerado mais importante no pensamento de Aristóteles?.............................2 Quais são as principais críticas de Aristóteles a Platão?.........................................................................4 Aristóteles ainda é um filósofo jusnaturalista como Platão ou já podemos considerá-lo um filósofo do direito histórico-sociológico?..............................................................................................................6 Aristóteles tinha uma visão mais realista das coisas que Platão?.........................................................6 Com base em todas as suas pesquisas, Aristóteles chegou a alguma conclusão universalmente válida a respeito da justiça?......................................................................................................................8 Existe uma teoria dos processos de transformação em Aristóteles?..................................................10 Como é a teoria de Aristóteles sobre os processos de transformação que precisamos observar no mundo?....................................................................................................................................................12 Como são os conceitos de "ato" e "potência" em Aristóteles, e de que modo ele trabalha com esses conceitos?................................................................................................................................................13 Das "4 causas" de Aristóteles, o que são as "causas materiais" e de que modo ele trabalha com esse conceito?..........................................................................................................................................18 Das "4 causas" de Aristóteles, o que são as "causas eficientes" e de que modo ele trabalha com esse conceito?..........................................................................................................................................19 Das "4 causas" de Aristóteles, o que é a "causa formal" e de que modo ele trabalha com esse conceito?..................................................................................................................................................20 Das "4 causas" de Aristóteles, o que são as "causas finais" e de que modo ele trabalha com esse conceito?..................................................................................................................................................21 Como acontece a ação conjunta das "4 causas" de Aristóteles?.........................................................22 O que é "primeiro motor" na teoria de Aristóteles, e de que modo ele trabalha com esse conceito? ..................................................................................................................................................................23 De que modo "potência" e "ato" e as "quatro causas" interferem no desenvolvimento do ser humano e na questão da justiça?...........................................................................................................24 Como o conceito de "causa final" se relaciona à justiça e à felicidade? Existe uma causa final universalmente válida para toda a humanidade?.................................................................................25 Qual a importância da participação política para os seres humanos, segundo a teoria de Aristóteles? O que é o bem comum?.....................................................................................................26 Para Aristóteles, justiça e bem comum podem variar de uma sociedade para outra?......................27 De que modo o conceito de justiça de Aristóteles se aplica à prática de nossas virtudes morais?. .29 De que modo o conceito de justiça de Aristóteles se aplica em sentido geral (ou universal) às relações entre cada cidadão e as leis de sua cidade?...........................................................................30 De que modo o conceito de justiça de Aristóteles se aplica em sentido particular aos casos injustiça distributiva?..............................................................................................................................32 De que modo o conceito de justiça de Aristóteles se aplica em sentido particular aos casos de injustiça corretiva?..................................................................................................................................33 Como a justiça aparece na reciprocidade entre os profissionais no campo econômico?.................39 Se os seres humanos são sociais e exprimem seus pensamentos discorrendo sobre eles com palavras, Quais os diferentes tipos de discurso examinados por Aristóteles?...................................40 BIBLIOGRAFIA.........................................................................................................................................42 1 POR QUE É DIFÍCIL ENTENDER O CONJUNTO DA OBRA DE ARISTÓTELES? Aristóteles escreveu sobre muitos assuntos, e é bastante difícil conseguir entender de que modo exatamente todo esse material forma um único conjunto coerente, porque ao longo do tempo, muitos de seus textos se perderam, restando apenas partes incompletas e anotações de seus alunos. Além disso, sua obra foi passando por situações que ajudaram a distorcer o seu entendimento pelos estudiosos. Ele dividiu sua obra em duas partes, uma que ele passava para o público em geral, fazendo parecer que era apenas um seguidor de Platão que detalhava um pouco melhor a obra do mestre, e outra que passava somente para os seus alunos, onde mostrava bem mais do seu próprio pensamento. Quando morreu, seus textos mais profundos (aqueles que não mostrava para o público em geral) ficaram guardados na adega da casa de um amigo e aluno chamado Corisco, para serem emprestadas e lidas pelos antigos alunos. E quando vários desses alunos morreram e o grupo se desfez, esses textos ficaram esquecidos naquela adega por trezentos anos. Durante todo esse tempo, os únicos textos de Aristóteles que foram ficando conhecidos eram aqueles em que ele mais parecia próximo de Platão, distorcendo a imagem da filosofia aristotélica. Depois disso, a partir da metade do Séc. I d.C., começou a acontecer o contrário: os textos que estavam na adega de Corisco foram recolhidos e levados para uma biblioteca pública, mais tarde acabaram sendo levados a Roma, para serem estudados em conjunto com aqueles textos mais platônicos. Mas esses novos textos de Aristóteles causaram tanta sensação, que os estudiosos aos poucos foram esquecendo ou ignorando a importância daqueles textos mais platônicos dele que conheciam antes. Além de tudo isso, já desde o começo, conforme a obra de Aristóteles foi sendo editada, os editores foram fazendo muitas e profundas alterações, recortando os textos, mudando de posição, acrescentando comentários pessoais que davam outra interpretação etc. Mais adiante, durante a Idade Média, nem tudo o que Aristóteles escreveu era aceitável para a Igreja, e novas distorções foram feitas nas edições de seus livros. E finalmente, temos o problema de que as pessoas não costumavam ler Aristóteles na língua original, e sim em traduções para o árabe, o hebraico e o latim da Igreja, e em todos os três casos as traduções não eram sempre fiéis. Como se não bastasse, quando a partir de Thomás de Aquino, por volta dos séculos XI-XII, Aristóteles passou a ser considerado pela Igreja como "Autoridade" importante, seus textos (traduzidos, editados etc.) — ou melhor, as partes consideradas aceitáveis deles — passaram a ser lidos de maneira dogmática, como se dissessem verdades inquestionáveis. Isso provocou mais distorções, pois como filósofo que era, muito do que Aristóteles dizia era dito como forma de provocar o leitora pensar e raciocinar junto com ele, e não como informação definitivamente "verdadeira" em sentido completo e absoluto. Ele procura nos fazer acompanhar o seu processo de raciocínio — precisamente para que possamos examinar o que diz com senso crítico. Não pretende apenas apresentar um caminho "pronto" com resultados "prontos" a serem seguidos ou, ainda pior, venerados. Em outras palavras, houve fidelidade demais a textos que originalmente foram escritos para serem pensados, e não para serem simples e diretamente matéria de crença. O QUE COSTUMA SER CONSIDERADO MAIS IMPORTANTE NO PENSAMENTO DE ARISTÓTELES? Ao final de todo esse percurso (que não deixou de incluir também incêndios e outros acidentes pelos quais partes importantes da obra desse filósofo foram se perdendo), Aristóteles acabou se tornando conhecido principalmente por duas construções teóricas dele: a lógica; e os fundamentos metafísicos que criou para estudar principalmente o mundo físico. Segundo Marilena Chauí, o papel da lógica é o de (...)nos mostrar o que é o pensamento pensando, quais são as operações e as formas que o pensamento possui, que regras e normas ele segue ao pensar, independentemente do conteúdo pensado(...) (...) Quando observamos a classificação aristotélica das ciências, percebemos que a lógica não faz parte de nenhuma ciência. O motivo é simples: a lógica não é o conhecimento teorético nem prático de nenhum ser, de nenhum objeto. O que é a lógica? Como indica o termo grego que foi dado ao conjunto dos escritos lógicos de Aristóteles, órganon1, a lógica é um instrumento do pensamento para pensarmos corretamente. Não se 2 referindo a nenhum ser, a nenhuma coisa, a nenhum objeto, a lógica não se refere a nenhum conteúdo, mas à forma ou às formas do pensamento ou às estruturas do raciocínio em vista de uma prova ou de uma demonstração. (...) A lógica é o que devemos estudar e aprender antes de iniciar uma investigação filosófica ou científica, pois somente ela pode indicar qual é o tipo de proposição, de raciocínio, de demonstração, de prova e de definição que uma determinada ciência deve usar. Por esse motivo, a lógica é dita uma disciplina vestibular2. Um conhecimento que deve anteceder aos outros conhecimentos, sendo por isso uma propedêutica (de pro, antes de, em favor de, e paideía: propaideía). A lógica é uma disciplina que fornece as leis ou regras ou normas ideais do pensamento e o modo de aplicá- las na pesquisa e na demonstração da verdade. Nessa medida, é uma disciplina normativa, pois dá as normas para bem conduzir o pensamento na busca da verdade. (CHAUÍ, Marilena. Introdução à história da filosofia: dos pré-socráticos a Aristóteles. São Paulo: companhia das Letras, 2002, p. 357) E ainda segundo Marilena Chauí, logo mais adiante: A lógica é também uma disciplina da prova, pois estabelece os fundamentos necessários de todas as demonstrações ou de todos os raciocínios demonstrativos de caráter universal e necessário. Dada uma certa hipótese, a lógica permite verificar suas consequências necessárias; dada uma certa conclusão, a lógica permite verificar se é verdadeira ou falsa. (CHAUÍ, Marilena. Introdução à história da filosofia: dos pré-socráticos a Aristóteles. São Paulo: companhia das Letras, 2002, Cap. 5, p. 358) A lógica de Aristóteles aparece em cinco textos, três mais importantes e dois introdutórios. Os três mais importantes são: Primeiros analíticos; Segundos analíticos e Tópicos e refutações sofísticas. Em seus estudos sobre lógica, Aristóteles desenvolveu, entre outras a idéia de que é preciso estudar as coisas separando o que é essencial nelas, aquilo sem o que elas não poderiam existir do modo como são, e o que é “acidental”, isto é, o que só está ligado a elas por causa de certas circunstâncias de momento. Pelo mesmo raciocínio, levanta a idéia de que é preciso não confundir o que as coisas são por sua natureza e que as define, com o modo ou maneira como elas se apresentam, isto é, as qualidades ou adjetivos que podemos atribuir a elas, e que servem para descrevê-las. Para Aristóteles, descrever o modo como algo aparece não é exatamente o mesmo que definir o que uma coisa é em sua essência e por sua natureza. Mas o mais importante da lógica de Aristóteles, como se percebe claramente no que Marilena Chauí diz a respeito, está no fato de criar regras para o pensamento se tornar perfeitamente coerente e exato. Para Aristóteles, o raciocínio perfeito era uma questão de gramática. Seguindo uma gramática perfeita, era possível raciocinar perfeitamente. Nos dias atuais, a lógica já não é mais exatamente aquilo que Aristóteles havia criado. Na verdade, o próprio Aristóteles nunca chegou a usar para aquilo o nome de “lógica”. Conforme Marilena Chauí, Convém lembrarmos que não só o termo órganon não foi usado por Aristóteles, como também ele não usou o termo “lógica”, palavra empregada pela primeira vez pelos filósofos estóicos e por Alexandre de Afrodisia. A palavra empregada por Aristóteles foi analíticos, analytikós, do verbo anatyo, que significa: desfazer uma trama, desembaraçar fios, desembaraçar-se de laços, dissolver para encontrar os elementos, examinar em detalhe e no pormenor, remontar às causas ou às condições. Os Analíticos buscam os elementos que constituem a estrutura do pensamento e da linguagem, seus modos de Operação e de relacionamento. (CHAUÍ, Marilena. Introdução à história da filosofia: dos pré-socráticos a Aristóteles. São Paulo: companhia das Letras, 2002, Cap. 5, p. 357) A partir dessa mesma ideia de se criar as regras necessárias para um raciocínio perfeito, a Lógica (disciplina que acabou adotando oficialmente esse nome) foi mais tarde se desenvolvendo em outra direção, e hoje, as regras usadas em lógica geralmente já não são mais as de Aristóteles (embora ainda usemos algumas regras importantes formuladas originalmente por ele). 3 Para se tornar ainda mais coerente e exata do que na formulação original de Aristóteles, a lógica acabou se deslocando da gramática para a matemática: a matemática passou a ser entendida pelos lógicos como uma espécie de língua artificial que tem uma gramática própria, ou em outras palavras, passaram a usar as regras da matemática como uma espécie de gramática mais perfeita que a de todas as línguas que conhecemos, inclusive a língua original que Aristóteles usava para raciocinar e escrever. Com base nisso, passaram a entender a lógica como uma língua artificial que permite desenvolvermos raciocínios absolutamente exatos e coerentes (tão exatos e coerentes quanto os da matemática). Tudo passou a ser uma questão de traduzir os pensamentos nessa língua para deste modo corrigi-los, e calcular consequências e conclusões desses pensamentos. Aí temos todo um lado do que se tornou mais conhecido em Aristóteles: embora os lógicos tenham mudado bastante o seu modo de pensar nesse assunto de lá para cá, ele é considerado sempre como o “pai” ou “fundador” da lógica. De um lado, com a criação da lógica, Aristóteles, como se vê, parece um filósofo completamente voltado para o pensamento racional, preocupado com a exatidão e a coerência do que dizemos e pensamos a respeito das coisas. Mas de outro lado, como as noções metafísicas que usa para estudar o mundo físico são muito eficazes e realmente ajudam muito na observação, descrição e comparação dos processos de transformação que acontecem no mundo material, esse mesmo filósofo parece ser a origem do pensamento empírico que mais tarde, no século XV, veio a aparecer com Maquiavel e Francis Bacon (aliás, Maquiavel era conhecido como um profundo estudioso de Aristóteles). O empirismo de Maquiavel e Bacon parece ser de certo modo uma radicalização de Aristóteles, pela qual acabam dando menos atenção para os fundamentos metafísicos da observação, e mais para a própria observação e comparação direta dos fatos, embora essa observação não deixe de estar marcada por noções que lembram as de Aristóteles. Além da lógicae do estudo dos processos empíricos de formação e desenvolvimento das coisas, ficaram famosas principalmente a ética de Aristóteles (que pode ser encontrada em seu livro Ética a Nicômaco) e a sua filosofia política (encontrada principalmente no livro A política), que deriva dessa teoria dos processos de desenvolvimento, aplicada ao que seria o desenvolvimento dos seres humanos na vida em sociedade. Com todas as perdas e distorções que a filosofia aristotélica sofreu ao longo da História, hoje é difícil articular de maneira perfeitamente coerente esses dois lados de Aristóteles, o Aristóteles da lógica e o da observação empírica dos processos de formação e desenvolvimento das coisas. QUAIS SÃO AS PRINCIPAIS CRÍTICAS DE ARISTÓTELES A PLATÃO? Segundo Marilena Chauí, de modo geral, Aristóteles critica a teoria das formas (ou ideias puras) de Platão dizendo que essa teoria é incapaz de resolver os problemas que quis enfrentar, porque não consegue explicar satisfatoriamente a unidade essencial que estaria por detrás das coisas, e que deveria servir de base para um conhecimento universal e necessário a respeito delas. O principal problema estaria no fato de Platão considerar as formas (ou ideias puras) como substâncias verdadeiras completamente independentes do mundo material: ao separá-las do mundo material (...) num mundo inteligível eterno à parte, Platão impossibilitou que elas pudessem explicar o mundo sensível, pois nada há em comum entre eles. O sensível se reduz a uma aparência degradada ou a uma deformação do inteligível e o filósofo é convidado a abandoná-lo em lugar compreendê-lo. Epistemologicamente, a teoria das Idéias é inútil. (CHAUÍ, p.352) (...) recorrendo à existência das ideias como entidades separadas do sensível, estamos condenados a não conhecer as coisas sensíveis, pois tudo que as faz ser sensíveis não pode ser conhecido (não há ideias com as propriedades sensíveis, senão também seriam sensíveis e não ideias) e tudo o que delas podemos conhecer é que possuem em comum com as ideias, de modo que delas conheceríamos seus aspectos ou finalidades não- sensíveis. (CHAUI, p. 355) Em outras palavras, a única coisa que poderíamos conhecer do mundo sensível a partir de Platão seria aquilo que ele tem de comum com as formas ou ideias puras, ou seja, justamente... aquilo em que o mundo sensível já não é mais mundo sensível! — segundo Aristóteles, isso quer dizer que não estaríamos conhecendo 4 o mundo sensível do modo como ele realmente é. O mundo das Ideias é, no fim das contas, um mero duplo verbal do mundo sensível, uma duplicação irreal, desnecessária e perigosa, pois torna o nosso mundo e a nossa vida sem sentido. Aristóteles se esforçará para mostrar que o inteligível está no sensível, que é possível uma ciência verdadeira do sensível, isto é, um conhecimento universal e necessário das coisas sensíveis. (CHAUÍ, p. 355) Citando o estudioso Jean Bernhardt, Marilena Chauí conclui que a principal diferença entre Aristóteles e Platão está no fato de que Platão tentava explicar por que o mundo sensível é como é encontrando uma resposta fora dele, e Aristóteles, ao contrário, busca o sentido do mundo sensível nele próprio. Platão dizia que só podemos compreender alguma coisa do mundo sensível porque em nossa mente, no corpo que temos neste mundo físico, ainda existe uma reminiscência (um resto, uma lembrança) do tempo em que ainda estávamos forma do corpo e do mundo sensível, quando éramos pura forma (ou essência, ou ideia pura... aquilo que os cristãos mais tarde vão chamar de “alma”), quando ainda não havíamos “encarnado”. Platão trabalha com a ideia de reencarnação, e de que a cada nova reencarnação, se tivermos treinado bem a nossa alma para isso, vamos ter aprendido a lidar melhor com o corpo e o mundo sensível para sabermos como separar nele aquilo que é inteligível, ou seja, as ideias ou formas que, nesse mundo, não aparecem em estado puro. Para Platão, no fundo, o mundo sensível não é realmente inteligível, ele não pode ser entendido. Só pode ser captado com as sensações. O que achamos que entendemos do mundo sensível (ou material) na verdade são as formas que ele vai assumindo. A teoria da reminiscência de Platão é justamente a teoria de que, na verdade, só podemos entender algo dessas formas que se misturam com a matéria no mundo sensível porque ainda temos em nós alguma lembrança de uma situação, antes desta vida, em que estávamos em contato direto com um mundo só de ideias puras (ou formas puras, separadas de toda a matéria). Ainda com base em Jean Bernhardt, Marilena Chauí afirma que: (...) Aristóteles afasta a reminiscência como causa da busca verdade que nos arrastaria para fora e para longe de nosso mundo, o único real. Para Aristóteles, trata-se de mostrar, em primeiro lugar, que o próprio movimento é racional e pode ser explicado de modo universal e necessário, e, em segundo, que, no mundo sensível, o particular (que muda sem cessar) e o universal e necessário (que permanece sempre idêntico a si mesmo) estão entrelaçados, sendo tarefa da filosofia demonstrar como esse laço é possível, qual sua causa e qual sua significação racional. (...) Aristóteles afirma, contra Platão, que existe toda uma região da vida humana que permanece contingente e particular (ética, política, técnica) e nem por isso seria sem sentido e irracional. Platão havia tentado fazer da ética e da política ciências teoréticas1, universais e necessárias. Para ele a ideia do Bem como universal e necessária, a ideia da Justiça como universal e necessária e o comando da razão sobre o indivíduo e sobre a Cidade fariam da ética e da política ciências teoréticas. Pelo contrário, diz Aristóteles, as ações humanas, mesmo quando feitas por uma vontade racional, permanecem contingentes2, dependem de escolhas e de situações concretas e não há como submetê-la, à ideia universal do Bem e da Justiça. Será pelo conhecimento de ações boas Justas3 que definiremos o Bem e a Justiça como valores ou regras gerais de conduta, e não o contrário. (CHAUÍ, p. 356) Segundo Aristóteles, então, como podemos descobrir a forma pura das coisas? — Observando o modo como essas coisas vão se desenvolvendo ao longo do tempo, e comparando-as umas com as outras. Se acompanharmos com cuidadosa observação o modo como uma semente vai se transformando em árvore, e depois compararmos esse processo com outros processos pelos quais diferentes sementes foram se transformando em árvores, poderemos perceber que essas sementes todas se desenvolvem em uma mesma direção. Sabemos que elas nunca se desenvolvem até atingirem a forma pura, completa e perfeita de uma árvore na sua essência, a “ideia pura” de árvore, do modo como Platão exigia. Não se desenvolvem até esse ponto porque não deixam de ser árvores materiais, e portanto imperfeitas. Mas isso não impede de raciocinarmos a partir da nossa observação e comparação de todos esses processos de desenvolvimento semelhantes, e chegarmos a uma conclusão correta a respeito de como seria essa forma pura se essas árvores pudessem se 5 desenvolver até esse ponto. Isso quer dizer que, usando a observação e o raciocínio, podemos visualizar como seria o resultado final e mais completo de um processo, mesmo que todos os processos semelhantes que observamos nunca tenham atingido esse resultado final, completo e ideal. Portanto, ao contrário do que Platão imaginava, podemos sim estudar os processos de desenvolvimento das coisas neste mundo a partir da própria observação desses processos, e não necessariamente tentando formar em primeiro lugar uma definição clara do que seriam aquelas formas puras para as quais esses processos avançam sem nunca atingi-las. Como podemos ver, então, as formas puras das coisas, para Aristóteles, realmente não são realidades independentes que existem em uma espécie de mundo ideal fora deste: elas são apenas aquilo que podemos concluir que seria o desenvolvimento completo, ideal, “perfeito” e irrealizáveldas coisas. E para tirarmos essa conclusão a respeito do que seria esse desenvolvimento completo, “perfeito” e ideal, é preciso observarmos como é que as coisas vão se desenvolvendo de fato no mundo sensível. ARISTÓTELES AINDA É UM FILÓSOFO JUSNATURALISTA COMO PLATÃO OU JÁ PODEMOS CONSIDERÁ-LO UM FILÓSOFO DO DIREITO HISTÓRICO-SOCIOLÓGICO? Por ter valorizado deste modo os costumes, e pensado as leis e a justiça a partir deles, Aristóteles pode ser considerado, até certo ponto, como o primeiro filósofo a ter seguido, no campo jurídico, o que hoje podemos chamar de Sociologia do Direito, ou talvez de "Direito Histórico-sociológico". Essa linha de pensamento jurídico, atualmente, valoriza aqueles direitos que nascem não da natureza humana ou de algum sentido natural de justiça, nem das leis oficialmente decretadas ou dos órgãos oficiais responsáveis por elas, mas dos próprios costumes de uma sociedade, como criação coletiva do povo, criação que vai se formando e se alterando conscientemente ou não, geração após geração. Mas é preciso um pouco de cuidado ao se colocar Aristóteles nessa categoria dos "jus-sociólogos". É preciso um pouco de cuidado com isso porque apesar de realmente ter começado a raciocinar nessa direção, e demonstrar isso em sua sólida atitude de pesquisa dos costumes sociais ao examinar os sistemas políticos e as leis das diferentes sociedades de sua época, mostrando a força dos costumes sobre a evolução dessas leis e sistemas políticos... apesar de tudo isso enfim, Aristóteles nunca deixou de ser em grande parte, ainda e sempre, um aluno de Platão. Nunca se desviou por inteiro dos ensinamentos do seu mestre, não se pode dizer que tenha sido completamente original em relação a ele. Assim como Platão, Aristóteles continuou sempre em busca do ideal, do perfeito, e tendendo a ver essa perfeição em um certo sentido de unidade, ou pelo menos no sentido de um todo coerente em que tudo se encaixa com perfeição. E continuou vendo essa perfeição nas formas puras das coisas, em oposição à noção de que a matéria é necessariamente imperfeita. Aristóteles se diferenciou de Platão por considerar essas formas "puras" como produto do raciocínio especulativo (seguindo as regras da lógica e desenvolvido a partir da observação dos fatos), e não como realidades que existiriam separadas da matéria, em um mundo à parte. Para Aristóteles, toda matéria real tem forma e toda forma real tem matéria. Mas ele não deixou de atribuir um papel importante àquelas formas "puras" quase platônicas que se pode encontrar raciocinando a partir do que se observou na realidade. Mais do que isso: no campo jurídico, Platão pode ser considerado o primeiro grande jusnaturalista, o primeiro a buscar um sentido de justiça natural, uma verdadeira e profunda natureza da justiça. E Aristóteles, apesar de sua clara tendência para algo novo — a valorização da criação social e coletiva no campo jurtídico através dos costumes — nunca deixou de demosntrar ao mesmo tempo e combinada com isso uma forte tendência jusnaturalista como a de seu mestre Platão. ARISTÓTELES TINHA UMA VISÃO MAIS REALISTA DAS COISAS QUE PLATÃO? Das várias coisas que se podem contar sobre a vida de Aristóteles, uma é especialmente relevante para compreendermos melhor sua obra e sua importância. É o seguinte: ao contrário de seu mestre Platão, que (no livro A república) idealizou a utopia política de uma sociedade quase perfeita para ser comparada com as cidades reais, de modo que fosse possível usar essa 6 comparação para corrigir as leis, os governos e os costumes das cidades reais a fim de torná-las melhores, Aristóteles valorizava muito mais a observação dos fatos. Platão procurava superar os erros e ilusões provocados pelo nosso excesso de confiança nos sentidos. Julgando que a visão, a audição, o tato, o paladar e o olfato nos enganam, acreditava que através de um diálogo racional seria possível uma pessoa atenta ir corrigindo esses erros e ilusões da outra. Essa pessoa estaria assumindo a posição de mestre orientador nesse diálogo, mesmo que provisoriamente, fazendo perguntas que ajudassem a outra a se orientar, as duas pessoas poderiam trocar de posição depois, se fosse o caso. Achava que desse modo era possível depurar a razão, purificá-la, ir limpando-a a cada passo dos erros e ilusões dos sentidos na busca da verdade, que seria a forma ideal e perfeita das coisas. É por esse caminho, por exemplo, que deve ter chegado até a sua imagem do que seria uma república ideal e perfeita — pelo menos para seres imperfeitos como nós, humanos, que não somos puramente espirituais e vivemos presos às imperfeições do nosso corpo e do mundo material ao redor dele (o que quer dizer na verdade que esta república ideal seria apenas quase perfeita). Platão nos apresenta essa sua imagem da república ideal, quase perfeita (ou a mais perfeita possível para seres materiais e imperfeitos como nós) no livro mais famoso de sua fase de maturidade: A República (o mesmo livro em que encontramos seu famoso Mito da Caverna, criado para ajudar a explicar esse processo de busca das verdades perfeitas e ideais). Platão achava que somente conhecendo a verdade perfeita e ideal das coisas seria possível percebermos com clareza quais os defeitos das coisas que existem no mundo ao nosso redor, para podermos ir corrigindo esses defeitos cada vez mais em direção ao ideal perfeito de cada coisa. O mesmo raciocínio valia em relação à busca de uma república ideal, que seria também a república mais perfeitamente justa possível. Platão partia dessa utopia de uma república ideal — à qual chegou raciocinando em diálogo junto a seus alunos e colegas filósofos — para ir comparando as sociedades reais de sua época com essa utopia, e ir tentando corrigi-las cada vez mais nessa direção, até aonde fosse possível. (Na verdade, Platão considerava a versão utópica, perfeita e ideal das coisas, mais real do que a própria "realidade" das coisas do mundo à nossa volta, que para ele pareciam apenas sombras, imitações superficiais, de suas versões ideais e perfeitas, que só existiriam fora deste mundo, em um plano espiritual e superior.) Aristóteles não era muito chegado a utopias e ideais de perfeição, a menos que esses ideais partissem de uma realista e cuidadosa observação dos fatos, que nos mostrariam inclusive até onde poderíamos chegar em nosso esforço para melhorarmos as coisas, e a partir de onde nossos esforços seriam um puro desperdício. Porque há momentos em que as condições reais (no mundo material à nossa volta mesmo) são mais favoráveis ao aperfeiçoamento das coisas, e momentos em que tudo parece estar em decadência, piorando. 7 De modo que o aristotelismo nos conduz à noção (um tanto mais pessimista, mas talvez mais sensata) de que existem situações nas quais se torna mais necessário nos esforçarmos com bom senso para frear a decadência das coisas, dentro dos limites do possível, ou esperarmos essa fase de decadência passar, ao invés de ficarmos tentando avançar sozinhos e isoladamente em busca de utopias, nadando contra toda uma maré de situações que nos estão puxando na direção oposta. Platão, por exemplo, tentou corrigir os rumos do desenvolvimento da cidade de Siracusa educando o filho do tirano dessa cidade para que no futuro, quando a criança crescesse e assumisse o trono, se tornasse um rei mais justo... mas entrou em choque com a formação que pai, tirano da cidade, queria dar ao próprio filho, e os resultados foram desastrosos (desastrosos aliás para o próprio Platão, principalmente). Ao invés de examinar as sociedades reais a partir de alguma utopia, como neste caminho de seu mestre Platão, e insistir contra tudo e todos na busca da realização dessa utopia ou de algo aproximado, Aristótelespreferiu dar mais atenção aos fatos, à realidade do modo como está configurado o mundo ao nosso redor. O que ele fez, então? Ao invés de formular a utopia de uma sociedade mais justa, tratou em primeiro lugarde viajar por toda a Grécia examinando os costumes, as leis e o governo das mais variadas cidades, e pesquisando a história desses costumes, leis e governos em cada uma delas. Chegou inclusive a escrever muito sobre isso, embora nem todos os seus textos tenham chegado inteiros e legíveis até nós. E só depois de todo esse estudo, analisando suas anotações sobre o que aprendeu nessas viagens, e comparando cuidadosamente todo esse material, examinando o que cada cidade apresentava de melhor e de pior em sua história e em sua organização social e política, foi que começou a pensar no que seria o melhor para uma cidade humana, o ideal, o perfeito. Como resultado, a teoria política de Aristóteles é mais maleável que a de seu mestre Platão, e também muito mais realista, se adaptando às diferentes condições sociais e políticas dos mais variados povos, sem deixar de ter um posicionamento crítico e o ideal de uma sociedade melhor e mais justa. COM BASE EM TODAS AS SUAS PESQUISAS, ARISTÓTELES CHEGOU A ALGUMA CONCLUSÃO UNIVERSALMENTE VÁLIDA A RESPEITO DA JUSTIÇA? Depois de toda essa sua pesquisa em diversas cidades da Grécia, comparando a maneira como cada uma dessas sociedades entende a justiça, e a forma de organização política e jurídica com a qual cada uma delas procura buscar na prática essa justiça, Aristóteles chegou a um conceito de justiça que parece ser aceitável como válido para todas essas diferentes sociedades que examinou — e que por isso, tem grandes chances de acabar valendo universalmente para toda e qualquer sociedade do mundo, já que as sociedades pesquisadas para chegar a isso forma muitas e muito diferentes umas das outras. 8 Esse conceito de justiça ao qual Aristóteles chegou pode ser resumido aproximadamente assim: Justiça é o que caracteriza aquela situação em que cada um dos envolvidos recebe equilibradamente o tanto que se ajusta melhor a ele (ou dizendo de outro modo "tanto quanto merece"), nem mais nem menos — seja das coisas boas seja das ruins. Nesse sentido podemos considerar injusta aquela situação em que acontece um desequilíbrio, com a pessoa recebendo mais do que lhe cabe ou menos do que lhe cabe... um desequilíbrio entre o que a pessoa merece e o que ela recebe. A cada um cabe aquilo que se lhe ajusta melhor, ou em outros termos, aquilo que merece. Se aumentamos o que um recebe, para sermos justos temos que aumentar na mesma proporção o que o outro recebe. Se diminuimos também. a justiça, neste sentido, é uma questão de mantermos uma proporção justa entre os ganhos e perdas dos envolvidos. (...) o justo é o proporcional e o injusto é o que viola a proporção. Assim, o injusto pode ser demais ou de menos; (...) quando a injustiça é feita, o autor tem demais e quem sofre a ação tem de menos do bem em questão; no caso de um mal, é o inverso. ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. In MORRIS, Clarence (Org.). Os grandes filósofos do direito.São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 9. Aristóteles também chegou à conclusão de que existem três diferentes âmbitos de aplicação desse conceito, três diferentes tipos de situações às quais devemos aplicar a justiça, e que é preciso adaptar esse conceito a cada uma dessas aplicações da justiça para que ele funcione realmente bem na prática. Os três diferentes âmbitos em que Aristóteles julga que se deve aplicar a justiça são os seguintes. Ela deve ser aplicada: 1 - Devemos aplicar a justiça (de acordo com aquele conceito) ao modo como praticamos as nossas virtudes morais no dia a dia, em nossas relações com outras pessoas. 2 - Devemos aplicar a justiça em sentido geral (ou universal) ao exame do modo como um cidadão qualquer, de um Estado qualquer dotado de leis, se relaciona com essas leis de seu Estado. 3 - Devemos aplicar a justiça, em sentido particular, aos diferentes casos específicos de injustiça que podem ocorrer na vida social. E esses casos específicos de injustiça estão subdivididos por sua vez em duas categorias: • a) casos em que houve distribuição injusta de alguma coisa (boa ou ruim) para um grupo de pessoas, que são casos nos quais será preciso aplicar o que Aristóteles chama de "Justiça distributiva" (adaptando o conceito de justiça a esse tipo específico de situação); e • b) casos em que alguém agiu sobre outra pessoas (ou houve uma interação entre as pessoas) com resultado injusto para algum dos dois lados, que são casos nos quais será preciso aplicar o que Aristóteles chama de "justiça corretiva" (adaptando o conceito de justiça a esse outro tipo específico de situação). 9 EXISTE UMA TEORIA DOS PROCESSOS DE TRANSFORMAÇÃO EM ARISTÓTELES? É importante notar que, segundo Aristóteles, para observarmos os fatos não basta descrevê-los do modo como estão aparecendo para nós no momento presente. Quando foi examinar todas as cidades que examinou, por exemplo, não se contentou em descrever os costumes e leis que existiam nessas cidades na época em que estava vivendo nelas ou visitando-as. Para Aristóteles, o mundo ao nosso redor e todas as coisas que existem nele (incluindo nós mesmos) estão sempre em processo de transformação. De modo que observar os fatos significa observar também, e principalmente, de que modo esses fatos estão se alterando e mudando ao longo do tempo. É interessante notar que essa abordagem de Aristóteles é bem mais pessimista que a de seu mestre Platão. Mas é importante notar também que apesar disto, Aristótes não abre mão de considerar a versão perfeita das coisas como uma referência fundamental para entendermos como é que elas se transformam ao longo do tempo. Porque na visão de Aristóteles, todas as transformações possíveis só podem ocorrer em duas direções ou numa combinação delas. Só em duas direções ou numa combinação delas? Como assim? Não há outra possibilidade? Não, não há — É que ou as coisas estão tomando forma cada vez mais (e isto quer dizer se aperfeiçoando, assumindo melhor suas formas), ou estão perdendo forma (e isso quer dizer decaindo, se "corrompendo", se desmanchando, se tornando cada vez mais imperfeitas)... ou então, estão perdendo uma forma enquanto vão tomando ao mesmo tempo uma outra forma. 10 O mesmo vale para os costumes e as leis de uma sociedade, se pensarmos que estariam na sua forma mais perfeita se fossem costumes e leis perfeitamente justos. É especialmente interessante notar isto: que Aristóteles, com seu modo de examinar os fatos, constrói uma bem elaborada teoria dos processos, isto é, de como as coisas se desenvolvem ao longo do tempo. (...) o mais importante é conceber o movimento como um processo causal de atualização de potencialidades em direção a uma finalidade determinada, isto é, a realização da forma. (CHAUÍ, Marilena. Introdução à história da filosofia: dos pré-socráticos a Aristóteles. São Paulo: companhia das Letras, 2002, Cap. 5, p. 399) Nessa teoria, que pode ser considerada uma teoria dos processos, e que serve para ajudar na observação empírica e na compreensão do modo como se formam e se desenvolvem as coisas no mundo, Aristóteles trabalha com as noções de ato e potência; com quatro causas que fazem com que as coisas existam (causa geradora de efeitos, causa material, causa formal e causa final); e com a noção de primeiro motor. (O modo como ele trabalha com essas noções será examinado neste artigo mais adiante.) Embora não seja costume estudar a teoria da justiça de Aristóteles pensando nisto, o fato é que essa teoria dos processos presente em Aristóteles realmente afeta, e a fundo, sua filosofia ético-jurídica, que pode ser melhor compreendida se levarmos isso devidamente em consideração. Tudo isto reforça o que já dissemos: que para Aristóteles não basta observar as coisas do modo como aparecem agora para nós. Significa também que para é preciso avançar rumo a um estudo histórico a respeito dos processos de desenvolvimento das coisas nas épocas em que elas estiveram de fato se aperfeiçoando, e a respeito dos processos de decadência das coisas nas épocas emque elas estavam piorando cada vez mais. No caso do estudo das sociedades, e do grau de justiça que existe nelas em cada época, do grau de justiça que estava presente em seus costumes e suas leis em cada época, seria preciso examinar historicamente e sociologicamente os períodos de desenvolvimento e de decadência desses costumes e leis em cada uma dessas diferentes sociedades. Mais do que isso: segundo Aristóteles, é precisamente a partir dessa observação dos fatos e do modo como vão se desenvolvendo ou decaindo que podemos tentar raciocinar e prever o que seria esse estado de perfeição ideal, se fosse possível eles continuarem apenas se desenvolvendo até o seu estado de perfeição. O que significa que para ele não basta apenas dialogarmos racionalmente com pessoas amistosas e 11 interessadas na busca da verdade para conseguirmos formular o que seria a versão perfeita e ideal de alguma coisa. O único modo de formular isto, então, seria justamente partir, em primeiro lugar, da observação dos fatos. E depois raciocinar (logicamente, e não necessariamente em diálogo) a partir dos processos de transformação que observamos nos fatos. Por isso, se queremos formular uma noção do que seria a perfeita justiça, precisamos em primeiro lugar, e cuidadosamente, observar e descrever os processos de desenvolvimento e decadência dos costumes e leis de um povo em relação à justiça. Mas a partir de qual noção de justiça, se vamos fazer essas observações justamente para buscarmos o conceito de uma justiça perfeita? — A resposta de Aristóteles é interessante: devemos começar levando em consideração o modo particular pelo qual o próprio povo da cidade busca a justiça. Isto em última análise significa começar pelo respeito à opinião do próprio povo de cada cidade em relação às épocas em que seus costumes e leis eram "mais justos" e às épocas em que os costumes e leis decaíram e se tornaram "menos justos". Só depois de examinarmos e compararmos a história dos costumes e das leis de diversos povos segundo a maneira como cada um deles se esforça em busca da justiça (respeitando portanto a opinião diferente de cada povo a respeito de qual o caminho para a justiça) é que poderemos tentar formular algum conceito de justiça de valor universal, algo que seria considerado acaitável como "justo" para todos os povos estudados, e que portanto estaria provavelmente mais próximo da verdade, mais próximo de uma justiça ideal e perfeita para todos. COMO É A TEORIA DE ARISTÓTELES SOBRE OS PROCESSOS DE TRANSFORMAÇÃO QUE PRECISAMOS OBSERVAR NO MUNDO? A teoria dos processos de Aristóteles se utiliza de seis conceitos que indicam que coisas devemos observar nesses processos de transformação quando os examinamos: de um lado, um par de conceitos que são os de ATO e POTÊNCIA; de outro lado, quatro conceitos que se referem às causas de o processo existir e se desenrolar do jeito como ele existe e se desenrola diante de nós — esses últimos quatro são os conceitos que definem as famosas "QUATRO CAUSAS" da teoria de Aristóteles: as causas materiais, formais, eficientes e finais. Mas além desses seis conceitos que indicam o que é que precisamos observar quando examinamos um processo de transformação, Aristóteles também trabalha com um conceito especial que ajuda a entender essa noção de "perfeição" que serve de referência para todas as transformações no mundo — já que (lembremos mais uma vez) tudo o que se transforma ou está assumindo mais perfeitamente uma forma, ou está perdendo a forma (que vai ficando cada vez mais imperfeita), ou está tomando uma forma conforme vai perdendo outra ao mesmo tempo. Esse sétimo conceito, especial, é o conceito de "PRIMEIRO MOTOR". Se os outros seis conceitos (ato e potência e as 4 causas) indicam o que devemos observar quando examinamos um processo que está acontecendo diante de nós, o conceito de "primeiro motor" é diferente. Não vamos conseguir perceber o primeiro motor simplesmente observando o modo como os fatos se desenrolam, porque ele indica a absoluta perfeição (se assemelhando muito ao conceito que Platão tem do Bem, ou "supremo Bem") e jamais poderíamos encontrar essa perfeição no mundo ao nosso redor, onde tudo está em transformação. As coisas mudam e se transformam no mundo justamente porque são imperfeitas. Estão se aprefeiçoando ou perdendo o grau de aperfeiçoamento que tinham atingido antes, e por isso é que estão mudando. O primeiro motor é perfeito e não muda. Mas esse conceito de um "primeiro motor" ajuda a entendermos de modo coerente de que maneira as coisas vão se transformando, já que vão se transformando justamente em direção a ele (em direção à perfeição) ou se afastando dele (se afastando da perfeição). A perfeição é o "primeiro motor" porque é a primeira coisa, a que está lá parada e faz todas as outras coisas se moverem em relação a ela. E como não podemos chegar a esse conceito de absoluta perfeição observando os fatos, já que todos os fatos que podemos observar são imperfeitos e estão em processo de mudança, então só podemos chegar a esse conceito do que é o "primeiro motor" (a perfeição absoluta) através do raciocínio. 12 O que vamos fazer agora é examinar com mais detalhe esses processos de transformação dos quais Aristóteles fala, e entender de que modo esses conceitos todos ajudam a termos uma noção mais clara e precisa do que é que precisamos observar quando estamos observando o desenrolar desses processos. COMO SÃO OS CONCEITOS DE "ATO" E "POTÊNCIA" EM ARISTÓTELES, E DE QUE MODO ELE TRABALHA COM ESSES CONCEITOS? Segundo Aristóteles, tudo no mundo está em processo de formação e desenvolvimento (tomando formas aos poucos) ou então está regredindo e perdendo as formas, se desmanchando — a palavra que Aristóteles usa para essa regressão é “corrupção”, ele diz que as coisas vão se formando até um certo ponto, que é o máximo de desenvolvimento que elas podem atingir, depois vão “se corrompendo”, se desfazendo. A forma, diz Aristóteles, é imutável, pois os quatro elementos, os gêneros e as espécies, e a essência de um indivíduo determinado não podem alterar-se sem desaparecer. Ora, sabemos, por experiência, que as coisas mudam e que os seres mudam de forma, isto é, se trans-formam. A semente é uma forma que se transforma em árvore; o ovo é uma forma que se transforma em pássaro; a madeira é uma forma que se transforma em mesa, em cadeira, porta; o feto é uma forma que se transforma em criança; etc. Por que há mudança ou devir? Responde Aristóteles: porque é da natureza da matéria alterar-se, mudando de forma. Assim, o princípio da mudança (do devir ou do movimento, kínesis*) é a matéria. Por isso os seres compostos de matéria e forma mudam. Quando uma coisa está se transformando em outra, podemos dizer que a forma que ela possuía antes está se corrompendo, e uma nova forma está se desenvolvendo no lugar. Tudo o que existe sempre tem o potencial de assumir alguma outra forma. (CHAUÍ, p. 395) Por exemplo: a semente de cerejeira tem o potencial de se transformar em um brotinho de árvore (um broto de pé de cereja). Se o que existe aqui e agora, “no ato”, é só a semente, Aristóteles costuma dizer que “em ato” ela é só uma semente, mas “em potencial” ela é uma árvore. O mesmo podemos dizer de um brotinho de árvore, por exemplo um brotinho de pé de cereja. "Em ato" ele é apenas isto que estamos vendo agora: um brotinho de pé de cereja. Mas potencialmente já é uma cerejeira madura, isto é, já tem o potencial de (no futuro) se tornar uma cerejeira madura. Isso quer dizer que, para Aristóteles, o potencial das coisas já está “embutido” nelas, faz parte delas. A semente já é de saída “potencialmente” uma árvore, porque ela já está em processo de desenvolvimento, e é nesse sentido que ela está se desenvolvendo, no sentido de assumir a forma de uma árvore. 13 http://www.projetoquem.com.br/edicao/broto%20de%20%C3%A1rvore%20virando%20%C3%A1rvore Faz parte do processo de desenvolvimento da sementeque ela se torne uma árvore, por isso podemos dizer que ela já é, “potencialmente”, uma árvore, ou que, sendo uma semente “em ato” (aqui e agora, na realidade, do modo como a percebemos), ao mesmo tempo ela já é uma árvore em potencial — mas só em potencial. Se no meio desse mesmo caminho uma semente de cereja, por exemplo, tem o potencial de tomar a forma de brotinho de cerejeira, depois esse brotinho de cerejeira terá o potencial de tomar no futuro a forma de uma árvore madura do tipo "cerejeira". A semente de cereja tem o potencial de se transformar nessas duas coisas: em um brotinho de cerejeira e (depois) em uma árvore madura do tipo "cerejeira". Observando o modo como uma semente ce cerejeira vai se desenvolvendo e tomando forma ao longo do tempo, e todos os potenciais que vão se realizando a partir dela um depois do outro, depois ficará mais fácil prevermos a sequência de potenciais que irão sendo realizados a partir de uma outra semente d mesmo tipo, isto é, uma outra semente de cereja. Porque se essas sementes que estamos comparando são essencialmente iguais, se são do mesmo tipo, isto é se são ambas sementes de cereja, devem seguir aproximadamente o mesmo caminho de desenvolvimento, passando pelas mesmas fases, isto é, realizando no caminho aproximadamente a mesma sequência de potenciais um após o outro (passando pela fase de "brotinho de cerejeira" antes de atingir a fase de "árvore madura" por exemplo. Como as coisas no mundo são sempre imperfeitas, sempre feitas de material imperfeito por assim dizer, elas nunca estão com sua forma "completa" e "perfeitamente" realizada. A forma que elas assumem no mundo nunca chega a ser a forma ideal e perfeita que podemos prefer qual seria. Aristóteles entende isso como se ainda faltasse algo para o processo atingir seu ponto de equilíbrio na transformação desse material todo em uma forma mais completa e menos imperfeita que a atual, o que significa uma forma mais equilibrada e definida, e por isso, com mais poder de ação, com mais energia em sua ação sobre o que existe ao seu redor. Só que sempre vai haver alguma energia que ainda não entrou em ação, que ainda é apenas um potencial, ou por assim dizer, que ainda está passando (ainda não passou completamente) à ação, porque ainda não tomou completamente uma forma capaz de agir. Sempre vai haver alguma coisa ainda incompleta na forma atual (na forma que foi assumida até aqui e que já está em ato). Porque tudo é feito de alguma coisa, tudo é feito de algum material, tudo tem algum conteúdo, alguma composição. E esse material ainda não age sobre o mundo ao seu redor, o que age sore o mundo ao redor é a forma que ele vai tomando, conforme ela vai aparecendo em seus contornos, em suas fronteiras com o mundo ao redor. 14 Uma forma só poderia ser perfeita se fosse pura, sem nenhum conteúdo, se não fosse feita de mais material nenhum por dentro, se todo o seu material estivesse concentrado apenas nessa forma externa que está diretamente em contato com o mundo — e não existe nada no mundo que seja assim. Se existisse uma "forma pura" que não fosse feita de nada, que não tivesse nenhum conteúdo do qual ela é feita, ela também não teria nenhuma direção para onde ir se aperfeiçoando e se desenvolvendo, já não haveria mais nada nela para "tomar forma", pois sua forma já estaria completamente desenvolvida. Então podemos dizer que neste caso já não teria nenhum potencial para se transformar ou mudar de forma, nenhum movimento necessário para atingir o ponto de equilíbrio, porque a forma completa e equilibrada já teria sido atingida. Para todos os efeitos, podemos dizer que o material que está assumindo essa forma só terá energia para agir sobre o mundo na medida em que for assumindo uma forma, mas por outro lado podemos dizer que esse material tem uma outra espécie de energia, uma energia potencial, que é gasta no processo de desenvolvimento da própria forma que ele vai assumindo. O melhor, no entanto, é dizermos que essa energiapotencial não é exatamente "gasta" mas transferida para a superfície na qual a coisa tem contato com as demais coisas do mundo ao redor, transferida para a forma externa, na qual passa a ser uma energia de ação sobre o mundo. De certo modo podemos dizer então que esse material "é" a própria energia de mudança e desenvolvimento que a coisa tem, mas enquanto está levando a coisa a tomar forma, ainda não é a energia que a coisa tem para agir sobre o mundo, porque primeiro vai se transferir para a forma, se transformar em energia em ato, para só então agir sobre o mundo externo. Se fosse uma "pura forma" vazia, ideal e perfeita, sem nenhum conteúdo ou material para ser imperfeita, sem ser "feita" de nada por dentro, ela também não teria mais energia potencial interna nenhuma para se transformar em nada, não teria energia potencial interna para se aperfeiçoar mais porque já teria gasto toda a energia de desenvolvimento e tomada de forma possível e já teria se tornado perfeita. Mas por outro lado, uma forma assim pura teria a mais completa energia de ação sobre o mundo. E segundo Aristóteles, uma forma pura como esta agiria sobre o mundo como que "empurrando" a matéria de cada coisa para a tomada de forma. Isso significa empurrar as coisas no sentido de que elas avancem para a realidade e para mais perto da perfeição. A forma, por ser sempre um ato ou enérgeia, é o real (o atual); a matéria, por ser sempre uma potência ou dýnamis, é o virtual (o que está à espera de vir a ser). A cada momento, uma substância tem a realidade da sua forma e a possibilidade contida em sua matéria, de sorte que o que ela vier a ser, a nova forma que ela tiver, já está presente como uma possibilidade desta substância porque é uma potencialidade inscrita pela forma em sua matéria. O real é mais perfeito (acabado, atual) do que o virtual (inacabado, potencial) e por isso a forma é mais perfeita do que a matéria e a “empurra” para a atualização do possível. O devir é o movimento de passagem do virtual ao real e, a cada momento, um real contém virtualidades que deverão (ou poderão) ser atualizadas. (CHAUÍ, p. 398). Mas mas essa imagem do primeiro motor "empurrando" as coisas pode nos confundir. Porque o primeiro motor não está dentro das coisas, ele está fora das coisas, fora de tudo no mundo. Está fora do mundo material. E no entanto sua força "empurra" a matéria das coisas para fora em direção a uma perfeição como a sua, mesmo que elas não consigam chegar até esse ponto de perfeição. É verdade que Aristóteles, muito mais amistoso com o materialismo, já não é Platão, para quem cada coisa material tem uma forma pura e perfeita que está fora do mundo, em um plano puramente espiritual. É verdade que para Aristóteles essas formas puras e perfeitas de cada coisa não estão fora deste mundo, que para ele tais formas puras e perfeitas são "reais" apenas na cabeça de quem raciocina a respeito do processo de desenvolvimento das coisas, como uma espécie de conclusão lógica derivada da observação do próprio desenvolvimento material das coisas. Mas isto (infelizmente, do ponto de vista de materialistas como eu próprio aliás) não vale do mesmo modo para o que ele chama de "primeiro motor". Aristóteles acredita que não temos como deixar de concluir que o primeiro motor existe realmente como algo fora das nossas cabeças e do nosso raciocínio, e fora de todo o mundo material (equivalendo ao que seu mestre Platão chamava de "o Bem"). Então seria melhor pensarmos uma imagem da ação do primeiro motor sobre as coisas que possa esclarecer melhor como é que ele está fora delas e mesmo assim as "empurra" para fora, para a exteriorização de seus potenciais. 15 Então vamos lá: tentemos esclarecer melhor isto. Ora, dizer que o primeiro motor "empurra" as coisas em direção a uma perfeição como a sua (como faz Marilena Chauí por exemplo ao tentar explicar isto) é o mesmo que dizer que o primeiro motor "puxa" as coisas, atraindo-as magneticamente, porqueele é o modelo do equilíbrio e da perfeição em direção à qual elas vão quando estão sendo puxadas. Acho que essa imagem do primeiro motor "puxando" as coisas é mais esclarecedora do que a imagem do primeiro motor "empurrando-as", porque condiz melhor com a noção aristotélica de que o primeiro motor é em última instância a causa final de tudo. Podemos dizer então que o primeiro motor (a perfeição) está fora das coisas (que são imperfeitas), e age "puxando" a matéria (o potencial) das coisas em sua direção, o que significa puxá-la para fora, para a tomada de uma forma externa pela qual possam agir sobre o mundo ao redor com energéia atuante (com energia transferida da condição potencial e apenas virtual para o mundo externo e real, e assim colocada em prática). Deste modo, o primeiro motor age sobre cada coisa fazendo-a colocar para fora (colocar em prática) seu potencial, isto é, transferindo esse potencial de cada coisa para a forma externa dela, de modo a des-envolvê- la, desembrulhá-la, colocá-la para fora, colocá-la em ação no mundo. Voltemos ao nosso exemplo da semente ou do brotinho que vai tomando a forma de uma árvore. Dizer que uma semente é uma árvore em potencial é a mesma coisa que dizer que ela já está encaminhada no sentido de se tornar uma árvore, que ela provavelmente vai se tornar uma árvore, ou pelo menos tem a possibilidade de se tornar uma árvore. Porque ela tem uma dýnamis, uma dinâmica, que está empurrando ela nessa direção, na direção de tomar essa forma de maneira cada vez mais completa. Uma semente tem o potencial de se transformar em qualquer coisa? Não. Uma semente de árvore já é potencialmente uma árvore, embora ainda não seja isto na realidade (quer dizer, “em ato”). A dinâmica que ela tem nos materiais que a formam já está encaminhada nessa direção, já está pouco a pouco e cada vez mais tomando a forma de uma árvore madura (do tipo "cerejeira", que quisermos continuar no mesmo exemplo da semente de cereja, que toma a forma de um brotinho de cerejeira, para depois tomar a forma de uma árvore madura desse tipo). O brotinho de cerejeira, então, tem o potencial de se transformar numa cerejeira madura, por exemplo. Mas ele não tem de modo nenhum o potencial de se tornar por exemplo... um avião. Uma semente não é potencialmente um avião porque ela não está se desenvolvendo nesse sentido, não está de maneira nenhuma se desenvolvendo no sentido de se tornar um avião. A dinâmica ou movimento dos materiais que a formam não podem se desenvolver nessa direção. A direção que elas vão tomando conforme seus potenciais vão se realizando é outra. A experiência mostra, em primeiro lugar, que uma matéria não recebe qualquer forma — não é possível dar a forma da mesa à água ou ao fogo – mas recebe uma forma que lhe é adequada: e, em segundo, que os seres não mudam ao acaso, arbitrariamente, e sim de uma maneira regular, constante – a semente de uma oliveira não se transforma num pássaro ou num peixe, nem mesmo se desenvolve como uma outra espécie de árvore (não se torna uma macieira, por exemplo). (CHAUÍ, p. 395) 16 Nessa linha de pensamento de Aristóteles é possível até imaginarmos algo como uma espécie de massa de matéria sem forma, que inclusive não seria nenhum tipo de matéria em especial, mas puramente uma matéria básica de que todas as matérias seriam feitas... uma matéria básica e geral sem forma nenhuma, mas constantemente em movimento. Neste caso, teríamos algo que seria puro potencial, pura"dinâmica" (puro movimento), pura dýnamis como diz Marilena Chauí — algo que só pode ser imaginário aliás, porque para Aristóteles, no mundo sensível, que é o único mundo real que existe, não há matéria sem alguma forma (nem forma “pura”, sem matéria, como Platão imaginava... essa é uma diferença fundamental entre esses dois filósofos). Do mesmo modo como podemos imaginar uma matéria “pura”, sem forma, e que seria "pura dinâmica, puro movimento", podemos imaginar também uma “forma pura” de cada coisa, sem matéria, completa, estável e perfeita (imóvel porque sem nenhum material de que ela seja feita, sem nenhuma dýnamis ou movimento). Essa forma pura não é e não pode ser real no mesmo sentido que as coisas que existem no mundo sensível e material ao nosso redor, mas ela indica realmente o sentido no qual as coisas estão se desenvolvendo, na medida em que vão tomando forma... porque é justamente isso o que fazem quando estão se desenvolvendo: vão tomando forma. E neste sentido, a forma pura das coisas (sem algo que esteja tomando essa forma ou perdendo essa forma) não é mera fantasia: ela pode não ser algo realmente presente no mundo, mas indica o sentido real em que as coisas do mundo estão se desenvolvendo, um sentido que está inscrito nesse processo de s=desenvolvimento que na verdade as coisas são. Nas palavras de Marilena Chauí, se pensássemos na existência de formas puras sem matéria, estaríamos deixando de pensar como Aristóteles, e voltando a Platão. Na natureza, a matéria pura, sem nenhuma forma, totalmente indeterminada, não existe enquanto tal; a forma pura, sem nenhuma matéria, também não existe enquanto tal. Se a matéria pura sem forma e se a forma pura sem matéria existissem, voltaríamos a Platão. Para Aristóteles, só existem realmente na natureza a matéria com forma e a forma com matéria, pois só existem realmente as substâncias individuais que são compostas de matéria e forma. A matéria pura e a forma pura são conceitos que o pensamento estabelece para poder compreender a realidade. (CHAUÍ, p. 393) A mesma coisa pode ter vários potenciais: uma certa quantidade de madeira, por exemplo, tem o potencial de se tornar uma mesa, uma porta, uma estátua ou qualquer outro objeto de madeira que possa ser feito com ela... ...Mas não tem o potencial de se tornar algo que não seja feito de madeira de cerejeira, como uma canja de galinha ou uma camisa, porque canjas de galinha e camisas não são feitas de madeira. 17 Em suma: para observarmos um fato conforme ele vai passando por seus processos de transformação, tomando forma cada vez mais ou então decaindo e perdendo cada vez mais sua forma, precisamos sim observar qual é a "forma atual" que ele apresenta e pela qual podemos descreê-lo (observar o que existe "em ato" nele, aqui e agora diante de nós, a forma com a qual ele está no mundo e agindo sobre as coisas ao seu redor), mas não apenas isto... ...Não basta apenas obsevarmos a forma atual que a coisa apresenta (sua forma EM ATO), porque para compreendermos direito e a fundo o que está diante de nós (que na verdade é um processo) também temos que observar quais os seus potenciais, isto é, observar o modo como essa forma atual vai mudando ao longo do tempo.Temos que tentar captar quais os potenciais desse fato para podermos prever em que direções esse fato pode avançar conforme for se desenvolvendo ou decaindo, quais as formas que ele tem o potencial de ir tomando no futuro, conforme for se desenvolvendo ou decaindo. Só que além dessa questão dos potenciais que vão se realizando na coisa, precisamos saber que para algo realizar (Aristóteles dizia “atualizar”) algum dos seus potenciais, é preciso que essa realização do potencial seja causada pela conjunção de certos elementos. Quais elementos? É preciso que estejam presentes em conjunto 4 tipos de causas diferentes: a causa material; a causa geradora de efeito (geralmente chamada de “causa eficaz”, ou de “causa eficiente”); a causa formal; e a causa final. Sem elas processo nenhum pode se desenrolar, de modo que estão presentes em todo e cada processo que possamos observar no mundo. E em cada processo que formos examinar, então, precisaremos observar cuidadosamente de que modo exatamente cada uma desses elementos, cada uma dessas quatro "causas" de que Aristóteles fala, aparece ali. DAS "4 CAUSAS" DE ARISTÓTELES, O QUE SÃO AS "CAUSAS MATERIAIS" E DE QUE MODO ELE TRABALHA COM ESSE CONCEITO? Explicando isto do modo mais simples possível, podemosdizer que a causa material é uma das mais fáceis de se entender: o que Aristóteles chama de “causa material” das coisas é simplesmente aquilo de que elas são feitas. Assim, a causa material de uma camisa é o tecido de que ela é feita, a causa material de uma estátua é a pedra de que ela é feita, a causa material de uma música são os sons que ela utiliza, o ritmo etc., a causa material de um texto são as palavras utilizadas nele, e assim por diante. A matéria é a causa material dos seres ou aquilo de que a coisa é feita (a matéria de uma mesa é a madeira ou o ferro; a de uma estátua, o mármore ou o bronze; a de um discurso, as palavras; a de uma dança, o corpo do dançarino e seus os gestos; etc.). (CHAUÍ, p. 395) Por outro lado, se quisermos ir mais longe em nossas explicações quanto a isto, podemos lembrar (conforme uma nossa citação anterior de Marilena Chauí) que esses materiais de que as coisas são feitas — 18 pelo menos na medida em que sejam materiais no sentido realmente físico do termo, ou mais precisamente no sentido de materiais de algum modo sensíveis, que podemos captar pela visão, pela audição, pelo tato, pelo paladar ou pelo olfato — podem ser considerados também como dýnamis, isto é, como massas dinâmicas em movimento que vão assumindo e perdendo formas. Na verdade, podemos pensar na matéria sensível deste modo não porque seja um conceito de matéria física ou sensível especificamente da filosofia de Aristóteles, e sim porque essa era a compreesão normal da matéria física ou sensível na cultura grega em geral, na época desse filósofo. Apesar de hoje estarmos acostumados com a noção da matéria física como algo estático, parado, sem nenhuma dinâmica ou movimento, para aqueles gregos da antiguidade era diferente. Para eles a matéria era vista como algo em movimento e que estava sempre "brotando" do fundo da natureza para aparecer diante dos nossos olhos (e demais sentidos) e depois se desmanchando, como a água que brota de uma fonte. Na verdade antiga palavra grega phísis — de onde vem a atual palavra "físico" — queria dizer exatamente isso: uma fonte natural de água brotando por exemplo do chão. DAS "4 CAUSAS" DE ARISTÓTELES, O QUE SÃO AS "CAUSAS EFICIENTES" E DE QUE MODO ELE TRABALHA COM ESSE CONCEITO? A causa eficiente (causa geradora de efeito) é uma força externa que age sobre algo produzindo nesse algo algum efeito. Por exemplo, são as causas eficientes (forças externas) que fazem com que essa matéria (a causa material) comece a assumir uma forma que irá mudar mais e mais indo na direção àquela forma ideal perfeita que Aristóteles de “causa formal”, mas parando no meio do caminho (porque a perfeição é impossível neste mundo). A causa eficiente é mais ou menos aquilo que estamos acostumados desde Descartes a chamar simplesmente de “causa”. Ela é uma força externa que provoca algum efeito, alguma alteração, em alguma coisa. Só que na filosofia de Aristóteles, todas as outras condições necessárias para que uma coisa exista além de sua forma "em ato" no momento e de seus potenciais para o futuro — condições que precisamos observar nessa coisa para compreendê-la em seus processos de transformação — são tratadas “causas” da existência dessa coisa, e a presença de causas eficientes (externas) é apenas uma dessas condições que Aristóteles chama de "causas". Foi somente bem mais tarde, depois da Idade Média, que se começou a trabalhar (a partir do filósofo René Descartes) com a ideia de que, para explicar as coisas, não era preciso utilizar todos esses quatro tipos de “causas” de que Aristóteles falava: apenas um delas — a causa geradora de efeitos — era suficiente para explicar sozinha tudo o que quiséssemos. Resumindo todas essas condições, podemos dizer o seguinte. Existe a forma atual da coisa (a forma que está "em ato" na coisa no momento, agindo sobre as demais coisas que existem no mundo ao redor dela) e produzindo efeitos nessas outras coisas. Existem também os potenciais que podemos perceber nessa forma atual da coisa, se observarmos por algum tempo como essa coisa vai se desenvolvendo e como sua forma que está "em ato" vai se alterando. Existe também tudo aquilo de que essa coisa em processo de mudanças é composta (causas materiais que fazem parte dela). Existe aquela forma ideal perfeita em direção à qual podemos calcular que a coisa vai avançaçando em seu processo, conforme vai se desenvolvendo, mas que nunca poderá atingir (causa formal). E existem as forças externas (as causas eficientes) que interferem no processo, seja juntando na coisa todos os componentes necessários para formá-la e ajudá-la a ir tomando cada vez mais forma na medida em que vai se desenvolvendo, seja separando dela os componentes que a formam, desmantelando-a, dissolvendo-a e fazendo perder cada vez mais a forma que antes vinha tomando. Por último temos a causa final ou as causas finais, que costumam ser compreendidas como as "finalidades" da coisa. Elas consistem na verdade no papel (ou nos papéis) que a coisa vai passando a desempenhar no mundo ao seu na medida em que vai tomando alguma forma. Por exemplo: os materiais que formam uma cadeira, conforme vão sendo unidos para irem tomando essa forma de cadeira (graças à força de causas eficientes sobre eles, como a mão de obra de quem produziu a cadeira), vão conseguindo, com essa forma de cadeira, agir sobre outras formas ao redor e desempenhar um certo papel no mundo — no caso, romando a forma de cadeira, o conjunto todo passa a produzir na vida de certos seres humanos o efeito de 19 lhes permitir se sentarem com maior conforto do que se não existissem cadeiras. Para lembrar o que são as causas eficientes no meio de tudo isso, basta lembrar que elas são sempre forças vêm de fora, forças externas, que não fazem parte da coisa, mas agem sobre ela produzndo nela algum efeito, que pode ser favorável (talvez até fundamental) ou desfavorável no processo de tomada de forma dessa coisa. DAS "4 CAUSAS" DE ARISTÓTELES, O QUE É A "CAUSA FORMAL" E DE QUE MODO ELE TRABALHA COM ESSE CONCEITO? O que nos diz o livro de Marilena Chauí, é que para Aristóteles... A forma é a causa formal dos seres (a mesa é a forma da madeira ou do ferro; a estátua, a forma do mármore ou do bronze; uma tragédia, uma poesia épica ou um tratado de medicina ou de filosofia, são as formas de um discurso ou de um texto; a dança, a forma do corpo do dançarino, isto é, certos gestos feitos num certo ritmo e numa certa sequência; etc.). (CHAUÍ, p. 395) A partir desta compreensão da "causa formal" de Aristóteles como se fossem simplesmente as formas das coisas tal como as observamos, acabamos aproximando-o bastante de Maquiavel — que de fato foi um leitor assíduo de Aristóteles. Contudo é preciso considerar que Maquiavel desplatonizou bastante o Aristóteles original, que apesar de toda a sua valorização da experiência e da observação dos fatos nunca deixou de manter certas conexões com o indealismo platônico. E acontece que, na verdade, uma dessas conexões está precisamente nos detalhes do modo como Aristóteles trata a forma das coisas: porque ele separa a forma com que elas aparecem para nós (a forma atual que elas têm) da forma ideal ou perfeita para a qual se encaminham... Pois bem: o que considera como uma das "causas" do desenvolvimento das coisas não é a forma "atual" delas, não é a forma que elas têm em ato para quem as observa. Se quisermos ser realmente precisos, será melhor dizermos que, na verdade, quando Aristóteles fala em "causa formal" não está falando exatamente daquela forma atual, que está aparecendo ali, "no ato" diante de nós, agindo de algum modo sobre nós e sobre as demais coisas do mundo ao seu redor. Quando fala em "causa formal" ele não está falando exatamente da forma de cadeira que uma cadeira que está diante de nós apresenta, por exemplo, e que age sobre nós nos dando um lugar onde podemos nos sentar. Na verdade, quando fala em "causa formal", Aristóteles estáfalando sobre aquela forma pura, perfeita, sem nenhum conteúdo ou material, isto é, feita de nada, na direção da qual essa cadeira foi se desenvolvendo conforme estava sendo fabricada. Como já vimos, para Aristóteles tudo o que se desenvolve em alguma direção tomando uma forma cada vez mais completa está se desenvolvendo na direção de uma forma pura, perfeita que podemos raciocinar e prever mais ou menos qual seria — e esta é que é a causa formal da coisa. Mas a causa formal, isto é, a forma pura e perfeita que podemos raciocinar qual seria, é uma forma que nunca vai ser atingida de verdade, porque neste mundo não existe forma pura nenhuma, todas as formas são formas de alguma coisa, de algum material ou conteúdo que não é e nunca será perfeito. Tudo o que realmente podemos ver, ouvir, tocar, cheirar ou de que podemos sentir o gosto neste mundo, tudo o que podemos captar pelas nossas sensações físicas, é sempre imperfeito e tem sempre apenas uma forma atual (em ato), que por isso mesmo também é imperfeita, incompleta, e que é a que podemos captar com os nossos sentidos — como esta de que Marilena Chauí está falando na citação acima. A "causa formal" de uma coisa é a forma pura, perfeita e ideal que ela poderia ter se fosse possível para ela gastar toda a sua energia, isto é, gastar todo aquele material imperfeito e cheio de potencialidades de que é feita, transformando todo esse materia-potencial imperfeito em uma forma completa, perfeita e realizada. A "causa formal" de uma cadeira, por exemplo, não é pura e simplesmente a sua forma atual de "cadeira", mas aquela forma de uma cadeira pura e perfeita na direção da qual ela foi desenvolvida quando foi fabricada, mas que não pôde atingir (porque nunca poderia) de qualquer maneira. Platão chamava essas "formas puras" aristotélicas de "ideias puras" ou "essências", e dizia que elas estavam "em outro mundo", em um mundo todo feito de coisas puramente espirituais e perfeitas, sem 20 nenhuma materialidade imperfeita. Aristóteles já não acredita nesse "outro mundo" de que Platão falava. Mas nem por isso deixa de buscar a perfeição nas coisas. Para ele, essas "formas puras" são apenas o resultado de muitas observações e do raciocínio e não estão em "outro mundo" mas no destino, no caminho para o qual as coisas (que são na verdade processos) estão se encaminhando conforme se desenvolvem, e também estão nas conclusões que podemos tirar, no nosso pensamento, de tudo aquilo que observamos no mundo e a respeito do que fomos raciocinando para tirar essas conclusões. Em suma: observando o processo de desenvolvimento dos fatos e raciocinando a partir disto, podemos entender qual é o destino para o qual esses processos estão caminhando, qual é o sentido que está inscrito neles e para o qual eles estão apontando. E quando esse sentido é o de um aperfeiçoamento cada vez maior, o de tomada de uma forma cada vez mais completa e perfeita, o destino final que podemos concluir que está lá adiante como um alvo inatingível é, justamente, a causa formal desse processo. DAS "4 CAUSAS" DE ARISTÓTELES, O QUE SÃO AS "CAUSAS FINAIS" E DE QUE MODO ELE TRABALHA COM ESSE CONCEITO? A causa final é talvez a mais difícil de se explicar, e de todas as quatro causas, é a ela que Aristóteles parece dar mais importância. Acompanhemos a explicação de Marilena Chauí. Todo ser, diz Aristóteles, move-se ou muda porque aspira ou deseja a perfeição, isto é, realizar plenamente sua essência. Todo ser aspira à identidade total consigo mesmo. Assim, a primeira precondição para que a causa eficiente opere é dada pela causa final, ou seja, é porque a finalidade dos seres é realizar plenamente sua essência, aspirando pela identidade e pela imobilidade, que eles não cessam de mudar, pois, de mudança em mudança, cada ser se aproxima indefinidamente de sua finalidade ou de sua forma perfeita. Ora, se o princípio ou a causa mudança é a causa material – entendida como aquilo "a partir do que” há mudança –, mas também é a causa final entendida como aquilo "em vista de que" há mudança –, é preciso dizer que a matéria sempre possui um fundo que ainda não foi determinado pela forma ou que ela está sempre inacabada por uma falta de identidade que procura suprimir-se como falta ou carência de forma (...). A matéria mutável é uma imperfeição em busca da perfeição, um inacabamento em busca do acabamento. (CHAUÍ, p. 396) As coisas se transformam no sentido de irem assumindo cada vez mais completamente a sua identidade, isto é, as coisas vão tomando forma com o tempo, e se tornando aquilo que elas devem ser. Se elas chegassem a se completar, parariam de se transformar, mas esse processo de se completarem cada vez mais não acaba nunca. Sempre continua havendo um fundo de matéria que não assume aquela forma que o resto da matéria já assumiu, por isso tudo está sempre em movimento, em transformação, tomando formas. A causa final de uma coisa é a sua razão de ser, é a finalidade ou objetivo do seu movimento ou processo de transformação, por isso corremos o risco de confundir a causa final com a causa formal: afinal, as coisas não estão se transformando para assumirem no final das contas uma determinada forma, que é a sua forma mais completa? Ora, como um ser "sabe" qual é sua finalidade? Como um ser "conhece" sua perfeição imutável? Pela forma. A causa formal determina para um ser a perfeição ou o acabamento de sua essência. Isso significa, portanto, que a causa final exprime a causa formal como finalidade de uma coisa ou de um ser e guia as operações da causa eficiente. A causa final sendo aquilo em vista do que a coisa muda, Aristóteles afirma que essa causa é primeira ou a razão profunda da mudança. (CHAUÍ, p. 396) Mas é preciso notar que, se a causa final “exprime a causa formal como finalidade de uma coisa”, ela não “é” simplesmente a causa formal dessa coisa. A finalidade, ou causa final, não é exatamente a mesma coisa que a causa formal — caso contrário, Aristóteles falaria apenas três tipos de causas, e não em quatro. A causa final é o que orienta, aquilo que guia as operações da causa eficiente, é o objetivo delas, que pode ser sim simplesmente o de fazer com que certa matéria assuma uma certa forma, mas geralmente é mais do que isso. Se falarmos por exemplo em um vaso moldado em uma porção de barro, a forma do jarro é a causa final e o barro é a causa material, a causa eficiente é o trabalho do artesão sobre esse barro para dar a ele essa forma, mas a causa final, o objetivo desse trabalho, é criar um objeto que sirva para enchermos de terra e 21 plantarmos flores ou plantas nele. A causa formal é só o formato do vaso, a causa final é aquilo para que esse objeto serve: é um vaso, serve para cultivarmos alguma planta ou flor nele, e essa é a sua causa final. Na verdade, para Aristóteles, a forma (ou causa formal) é apenas a causa final “imediata” do movimento, porque o objetivo ou finalidade (a razão de ser) do movimento é sempre o de assumir uma forma, o movimento só ocorre como um movimento no sentido de assumir uma forma. Mas se, ao invés de pensarmos no movimento, pensarmos por exemplo na matéria (ou causa material), seremos obrigados a reconhecer que, segundo Aristóteles, a causa final (o objetivo, a finalidade, a razão de ser) da matéria não é realmente a forma, e sim o movimento, porque para Aristóteles, a razão de ser da matéria, o objetivo da existência da matéria, é manter as coisas em movimento. Uma vez que se não houvesse matéria, se só houvesse formas, não haveria necessidade de movimento para se tentar atingir essas formas modelando a matéria. Entretanto, apesar de toda essa dificuldade para definir o que é a causa final aristotélica, não é tão difícil assim reconhecer qual é a causa final de alguma coisa (ou quais são suas causa finais). Basta perguntar o seguinte: qual é o papel (ou quais são os papéis) que essa coisa exerce no mundo quando vai tomando forma e se tornando capaz de agir sobre
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