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Abibiman Shaka Touré Três Garveyitas, Quatro Harlemitas

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1 | TRÊS GARVEYITAS, QUATRO HARLEMITAS 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Copyright © 2021 por Editora Poder Afrikano 
 
É permitida a reprodução parcial ou total desta, desde que citada a fonte. 
 
Título: Três Harlemitas, Quatro Garveyitas 
___________________________________________________________ 
Organização: Abibiman Shaka Touré 
Arte: imagem retirada da internet 
 
Obs.: 
 
Material complementar versão pdf 
 
Povo Preto, Pan-Africanismo e Poder Preto 
Editora Poder Afrikano, 2021 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
“A caneta é mais poderosa que a espada. Mas a língua 
é mais poderosa que as duas juntas.” 
 
Marcus Garvey 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
“Por causa de meus escritos e discursos, nós fomos capazes 
de construir uma grande organização de mais de 2.000.000 
de membros.” 
 
Marcus Garvey 
 
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Três Garveyitas, Quatro Harlemitas... 
 
»Garvey disse que devemos obter o conhecimento de si mesmo, e 
educar, e definir a nós mesmos... Malcolm X disse que, de todos os 
estudos, o estudo da história é o que melhor nos recompensa – e 
Kwame Ture, que devemos usar a história em nosso benefício. 
Amos Wilson vai dizer: “Se quisermos determinar o destino, 
devemos determinar a história!”« 
 Em nosso texto de apresentação/introdução ao livro 
‘Consciência Afrikano-Centrada Versus Nova Ordem Mundial: 
Garveyismo na Era do Globalismo’ (GEG) – apresenta a filosofia e 
opiniões de Marcus Garvey – e introduz ao pensamento do grande 
Amos Wilson –, dissemos que a ênfase era dada ao aspecto teórico. 
De Garvey a Malcom – de Malcolm X a Kwame Ture, e deste a 
Amos – que retorna ao primeiro, neste livro poderoso. No resumo 
das ideia, a gente sempre volta à Garvey – tal como Malcolm X, 
que em seus últimos dias passa a enfatizar a filosofia do 
Nacionalismo Preto – tal como Kwame Ture dizendo que, tanto 
CLR James como Padmore ou Du Bois, a gente sempre volta ao 
Pan-Afrikanismo, como entendido em seu sentido mais amplo, pro 
qual o Garveyismo tanto contribuiu – não é aleatório que Malcolm 
tenha deixado pro último capítulo da autobiografia estas palavras: 
 
(...) pode haver alguma solidariedade preto-e-branco antes de 
haver primeiro uma solidariedade preta? Se estão lembrados, 
na minha infância sofri influência dos ensinamentos 
Nacionalistas Pretos de Marcus Garvey – os quais, de fato, 
me disseram haverem sido a causa do assassinato de meu pai. 
Mesmo quando era um seguidor de Elijah Muhammad, estava 
perfeitamente consciente de como as filosofias políticas, 
econômicas e sociais Nacionalistas Pretas tinham o poder de 
incutir nos homens pretos a dignidade racial, o estímulo e a 
confiança de que a raça preta precisa atualmente para deixar 
de ficar de joelhos, para ficar de pé e erguer a cabeça, livrar-
se dos ferimentos passados e assumir a posição que cabe a si. 
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O grifo é nosso: “de pé”!... E de Hubert Harrison a Malcolm X, a 
solidariedade preta deve vir antes de qualquer suposta fraternidade 
em branco e preto, e isso por si só evidencia – deveria, ao contrário 
do que querem alguns – que Malcolm X caminhava, cada vez mais, 
no sentido do Pan-Afrikanismo, sob a ideologia do Garveyismo. 
Conclusão: Malcolm X foi um Garveyita (e Garveyita, não “ista” – 
se diz Israelitas, não Israelistas – ele é Harlemita, não Harlemista – 
o primeiro é muito mais amplo do que segundo; que, como “ismo”, 
não pode passar de teoria: é superá-la, e não estamos filosofando. 
 Recapitulando, Garvey é citado só em outros dois momentos – 
e um de passagem, no meio do livro. Não à toa o nome de Garvey 
não é usado em vão em sua autobiografia, ele só é citado em três 
momentos, como dizíamos – o Irmão Malcolm deixou pra citar o 
homem somente no primeiro e no último capítulo, Alfa e Ômega, 
se isso não fosse falar grego... Harlemita, o quinto capítulo, é onde 
aparece essa passagem, sempre lembrando do seu pai, Garveyista 
engajado que fora – dizendo que ele 
 
descrevia o Harlem com orgulho, mostrando-nos fotografias 
de imensos desfiles dos partidários de Marcus Garvey. 
 
Cremos que esse tipo de relato deva convencer o leitor. Cremos, 
não: é o próprio Malcolm quem faz a conexão com o bairro preto, 
Garvey e seu próprio pai. Do último capítulo para o primeiro, 
vamos fazer uma pausa no capítulo Harlemita, onde ele introduz a 
história deste que já foi considerado o bairro mais preto do mundo: 
 
eu tinha conversas compridas, sobre tudo, com os verdadeiros 
veteranos, que estavam no Harlem desde que os Negros 
haviam começado a se instalar ali. 
 E essa foi na verdade a minha maior surpresa: saber que o 
Harlem nem sempre fora uma comunidade de Negros. 
 Descobri que fora inicialmente povoado por holandeses. 
Depois começaram a chegar ondas gigantescas de imigrantes 
pobres, esfarrapados e famintos da Europa, trazendo em 
bolsas e sacos nas costas tudo o que possuíam no mundo. Os 
alemães foram os primeiros, os holandeses se afastaram para 
lhes dar lugar e o Harlem tornou-se alemão. 
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 Depois chegaram os irlandeses, fugindo da escassez da 
batata e da grande fome em sua terra. Os alemães se 
afastaram, olhando desdenhosamente para os irlandeses, que 
tomaram conta do Harlem. Em seguida, vieram os italianos; a 
mesma coisa aconceteu: os irlandeses se afastaram. Os 
italianos estavam com o Harlem quando os judeus 
começaram, a desembarcar dos navios... e os italianos se 
mandaram. 
 Hoje, os descendentes desses mesmos imigrantes estão 
tratando de correr o mais depressa possível para escaparem 
dos descendentes dos Negros que ajudaram a descarregar os 
navios de imigrantes. 
 Fiquei aturdido quando os veteranos Harlemitas me 
contaram que enquanto as ondas de imigrantes se sucediam os 
Negros já estava na cidade de Nova Iorque desde 1683, sendo 
isolados em guetos por toda a cidade. Ficaram primeiro na 
área de Wall Street; depois, foram empurrados para 
Greenwich Village. O regúgio seguinte a área da 
Pennsylvania Station. E depois, na última parada antes do 
Harlem, o gueto preto foi concentrado em torno da 52nd 
Street, que por isso recebeu o nome de Swing Street, um 
apelido e uma reputação que perduraram por muito tempo 
depois que os Negros se foram. 
 Em 1910, um corretor imobiliário Negro conseguiu de 
algum modo alojar duas ou três famílias Negras num prédio 
de apartamento judeu no Harlem. Os judeus deixaram aquele 
prédio e depois o quarteirão, e mais Negros chegaram para 
ocupar os apartamentos vagos. Não demorou muito para que 
os quarteirões inteiros de judeus se mudassem e mais Negros 
viessem a tomar os lugares vazios, até que rapidamente o 
Harlem se tornou como é hoje: virtualmente todo preto. 
 
*** 
 
Naquele tempo... Harlem era o lugar, a maior concentração de 
pretos fora da África. A 125th Street era mais que uma rua, era uma 
“rodovia cultural” – para usar a expressão de John Henrik Clarke 
se referindo ao Nilo de outrora. Talvez você já viu algum registro 
por James VanDerZee das demonstrações públicas da UNIA ali. 
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 Da 125th Street com a “Sétima Avenida”, até a 135th Street com 
a Lenox Avenue: aqui é o coração do Harlem. Nessas esquinas, 
oradores como Hubert Harrison fizeram história – auto-falantes 
humanos como Pork Chop Davis, viraram lenda; é seu o slogan: 
“Não compre onde você não pode trabalhar!”... A histórica livraria 
do Sr. Michaux – e Amos fala tanto de um como de outro... –, 
facilmente você encontra registros do Irmão Malcolm discursando 
– a fachada de fundo e o famoso letreiro da livraria do Sr. 
Michaux: “A Casa do Bom Senso, Lar da Propaganda Adequada.” 
John Henrik Clarke esteve lá: »Os palestrantesda Lenox Avenue 
eram considerados palestrantes juniores ou “universitários”. Os 
Oradores da Sétima Avenida eram os oradores graduados – a elite. 
Você tinha que falar primeiro na Lenox Avenue. E poderia fazer 
isso por anos antes de chegar à Sétima Avenida.« Outros oradores 
incluiam Ras DeKiller, que o Dr. Clarke acredita que se tornou o 
modelo para o locutor de rua de Ralph Ellison em Invisible Man. 
Na Sétima Avenida, Arthur Reed era rei, e treinou um jovem 
chamado Ira Kemp – que assumiria o trono. Outro Harlemita, (e 
não é preciso nascer no Harlem para ser um Harlemita, Malcolm é 
prova maior disso...) Kwame Ture ambienta, em sua autobiografia, 
que foi na 125th que ele pode “sintetizar as contradições entre o 
nacionalismo da 125th e o materialismo dialético dos grupos de 
estudos marxistas”, mas ele viu algumas contradições nesta teoria. 
E essas contradições seriam superadas pelo nacionalismo da 125th: 
 
Foi uma descoberta tão reveladora que, por um tempo 
considerável, as críticas eram impensáveis. (É claro que o 
termo Eurocêntrico não estava no meu vocabulário.) Mas, 
assim como na questão da religião, pude sentir que algo 
importante estava faltando nesse sistema “universal” 
contínuo. De alguma forma, isso não levou em consideração 
seriamente os ritmos e a presença histórica do meu povo. 
 [§] (...) Na 125
th
 Street, descobri o elemento que faltava. E 
essa descoberta foi tão emocionante quanto a outra. Aqui, os 
palestrantes também falaram sobre luta política, libertação e 
revolução, mas em termos muito diferentes. Essa “história” 
não apenas nos incluía, era toda sobre nós. A África, a 
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diáspora Africana, o mundo Africano e os revolucionários 
Africanos eram seu assunto e preocupação. 
 
Tal foi a atmosfera, notadamente de florescimento e efevercência 
cultural Afrikana – de Garvey a Malcolm... – de Kwame a Amos... 
Por exemplo, é daqui que Carlos Cooks levaria adiante o slogan 
“Compre preto”, após a deportação de Garvey. O Dr. Clarke não se 
deu bem com Carlos Cooks: “muito arrogante” – mas o reconhece 
“e um bom orador.” Imagina alguém dizendo para o Dr. Clarke: 
“este homem é uma vergonha para a pele que usa.” O Dr. Clarke 
diz ainda que Cooks interpretou mal o Garveyismo; mas reconhece 
que ele tinha um segmento do Movimento de Garvey consigo. 
 Enquanto as mulheres pretas seriam as responsáveis (e este é o 
argumento central de Keisha N. Blain em seu livro) por levar o 
Nacionalismo Preto até a década seguinte, após a deportação de 
Garvey, Cooks manteria a chama do Garveyismo acesa – tal como 
Du Bois a do Pan-Afrikanismo outrora (no entendimento de 
Kwame Ture. Você não precisa concordar). O Radicalismo Preto, 
de Henry Highlant Garnet a Bruce-Grit, de Hubert Harrison a 
Garvey, ganhou novo fôlego, nos idos de 1940-50, com o homem... 
Carlos Alexander Cooks, no melhor estilo Pork Chop – e nós 
afirmamos isso até com um certo grau de certeza –, goste ou não, 
foi um dos mais relevantes nacionalistas pretos entre 1940 e 1960 e 
a ascenção do Honorável Elijah Muhammad, pelo menos em 
termos de propaganda. Com a dramática despedida de Garvey, 
Cooks assumiu, sob pano de fundo Vermelho, Preto e Verde da 
nossa bandeira, e seguiu, o oficial da Legião Africana, presidente 
da Divisão Avançada da UNIA, para ser um dos responsáveis pela 
criação do Marcus Garvey Day (aqui pra nós, Dia de Garvey), 
mantendo a tradição dos desfiles e demonstrações públicas para 
gerar (no dizer de Abiṣogun) consciência por impacto... 
 O Movimento Pioneiro Nacionalista Afrikano foi fundado por 
ele no Harlem, e ele popularizou o slogan – baseado na frase de 
Garvey, “Seja Preto, compre Preto, pense Preto e tudo o mais se 
encarregará por si próprio.” – “Compre Preto!” Como intelectual, 
ele entendeu que não podíamos avançar com a palavra “negro”, 
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ainda que grafada em maiúsculo. Éramos nós, cada vez mais 
próximos de reconhecer que somos Afrikanos – agora com ‘k’... 
 Voltando a Kwame Ture, ele conta, ainda em sua autobiografia, 
que foi naquela livraria que lhe foi apresentada, pelo Sr. Michaux, 
a obra redentora de George Padmore – ‘Pan-Africanismo ou 
Comunismo?’ – também foi ali que Shirley Graham conheceu o 
homem de quem receberia o sobrenome... Ele lembra que, como 
um “movimento de massas” arrebatador, naturalmente o 
Garveyismo influenciaria uma variedade imensa de homens...: 
 
Foi quando ele falou que esteve no Harlem na época do jovem 
Garvey. Que ele achava que Garvey era um grande homem. 
Que ele tinha ouvido Garvey falar e até mesmo uma vez feito 
uma modesta contribuição financeira para o movimento 
Garvey. Ei, você sabe que isso me surpreendeu. Quer dizer, 
aqui estava eu recebendo dos outros líderes exatamente o 
oposto do que agora ouvia do próprio Ho Chi Minh. 
 
De Hitler a Ho Chi Minh, a propósito – enquanto o primeiro é tido 
por Kwame Ture como “o maior branco” – este último foi um dos 
incentivadores para Kwame Ture – então Stokely Carmichael – ir 
de volta à África: o jovem Stokely Carmichael pegaria o primeiro 
nome de Kwame Nkrumah (também outro frequentador costumaz 
da African National Memorial Bookstore, tomando lições com o 
Dr. Clarke...) e o segundo de Sékou Touré; daí, Kwame Ture. 
 Quem escreveria um livro sintetizando as contradições que 
Kwame Ture viu na teoria marxista – e que incentivou o livro a ser 
publicado – também em autobiografia, andando entre aquelas ruas, 
sem querer acaba nos situando...: “Dessa vez, o discurso era sobre 
o homem que o senhor Michaux tanto idolatrava, Marcus Garvey 
(...) A África era o berço da humanidade. Todos os Africanos 
deviam ter orgulho de si mesmos, dizia o orador. Enquanto os 
Negros não percebessem que precisavam ajudar uns aos outros, 
permaneceriam acorrentados. Outros oradores discorriam sobre 
Marcus Garvey e seu plano de criar um império na África.” – é 
Carlos Moore... no melhor estilo Detroit Red, andando pela rua – e 
o orador: “Olhem só pro senhor Negro! Ele nem sabe que é um 
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africano perdido!” – “Ei, senhor Negro! Tá fugindo é de si mesmo! 
Pare pra pensar! Pare um pouquinho pra pensar, senhor Negro!”... 
 Como um dos predecessores da UNIA, muito do programa e 
plataforma que mais tarde seria incorporado por Garvey fora antes 
posto em prática por Hubert Harrison. JA Rogers, se referindo ao 
“Sócrates Preto” – como viria a ser chamado por John G. Jackson 
(e ambos emprestaram sua escrita pro Negro World), observa que 
“É permitido que indivíduos de valor genuíno e imensas 
potencialidades, que dedicam suas vidas ao progresso de seus 
semelhantes, passem despercebidos e não recompensados da cena, 
enquanto outros, inferiores a eles em capacidade e altruísmo, é 
comum receber elogios, riquezas e distinções – mas nunca deixa de 
chocar, exceto o cínico afirmado. Aqueles com um senso de certo e 
errado. . . . sempre sentirá que não deveria ser assim. . . .” 
 O imperativo moral se coloca: “Harrison não era apenas o 
principal intelecto Afro-Americano de seu tempo, mas uma das 
maiores mentes da América (...) nenhum dos líderes Afro-
Americanos de sua época possuía um programa mais saudável e 
eficaz” – e esse programa tinha como slogan “Raça Primeiro”. 
Harrison foi o primeiro a usar a palavra-conceito “Negro”, com ‘n’ 
maiúsculo. Um trabalho de cunho acadêmico que cuida de 
biografar o irmão – tradução livre, ‘Hubert Harrison: A Voz do 
Radicalismo do Harlem’ – é a leitura recomendada aqui: 
 
Em 1917, quando a “Grande Guerra” se desenrolou no 
exterior, junto com tumultos raciais, linchamento, segregação, 
discriminação e ideologia da supremacia branca em casa {i.e., 
EUA}, Harrison fundou a Liberty League e o The Voice. Eles 
foram, respectivamente, a primeira organização e o primeiro 
jornal do “MovimentoNovo Negro”, e logo foram seguidos 
por A. Philip Randolph e Chandler Owen do Messenger, o 
Crusader de Cyril Briggs e Negro World de Marcus Garvey. 
 
Dos nomes citados acima, destacamos Cyril Briggs e lebramos 
(George Wells Parker e) Timothy Drew (...) da organização de 
Noble Drew Ali (...) sairia Fard Muhammad, fundador da NOI (...) 
nomes como Clarence 13X (...) Moorish Science Temple of 
America (...) Nuwaubian Nation, possíveis graças aquele ambiente. 
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*** 
 
Dada esta reprodução ininterrupta do GEG (cf. p. 48-52), e porque 
nós não tratamos – não tanto quanto gostaríamos – de Malcolm X e 
Kwame Ture em nosso texto de apresentação/introdução, por aqui 
o faremos, visando preencher as possíveis lacunas deixadas por lá. 
Até aqui pudemos, como nosso leitor já deve ter percebido, trazer 
mais informações sobre o Harlem, do radicalismo à Renascença, ao 
Novo Negro – movimentos inspirados no Movimento de Garvey. 
De quebra, vamos explanar a filosofia final de Malcolm X. Em 
esquema: filosofia = Nacionalismo Preto; ideologia = Garveyismo. 
 E prosseguindo, por fim, do fim pro começo da autobiografia, 
já na primeira aparição de Garvey, o Irmão Malcolm é revelador – 
e profético, tendo em vista o fim destes três homens...: 
 
Quando minha mãe estava grávida de mim, ela me contou 
mais tarde, um grupo de cavaleiros da Ku Klux Klan 
encapuzados galoparam até nossa casa em Omaha, Nebraska, 
uma noite. Ao redor da casa, brandindo suas espingardas e 
rifles, eles gritaram para que meu pai saísse. Minha mãe foi 
até a porta da frente e a abriu. De pé onde eles podiam ver sua 
condição de grávida, ela lhes disse que estava sozinha com 
seus três filhos pequenos e que meu pai estava fora, pregando, 
em Milwaukee. Os homens da Klan gritaram ameaças e 
advertências para ela de que era melhor sairmos da cidade 
porque “o bom povo branco cristão” não admitiria que meu 
pai “criasse problemas” entre os “bons” Negros de Omaha, 
com suas pregações de “volta à África” de Marcus Garvey. 
 Meu pai, o Reverendo Earl Little, era um ministro Batista, 
um organizador dedicado da U.N.I.A. (Universal Negro 
Improvement Association) de Marcus Aurelius Garvey. Com 
a ajuda de discípulos como meu pai, Garvey, de seu quartel-
general no Harlem de Nova York, estava levantando a 
bandeira da pureza da raça preta e exortando as massas 
Negras a retornarem à sua terra natal ancestral Africana – 
uma causa que fez de Garvey o homem preto mais 
controverso da terra. 
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Kwame Ture vai dizer: “Se conhecesse o Irmão Malcolm X, 
saberia que sua ideologia básica era o Garveyismo. Seu pai era um 
Garveyista. Sempre devemos entender a nossa história, porque 
veremos como ela se movimenta – de Garvey ao pai de Malcolm, 
para Malcolm, em linha.” – se, antes de dizer isso, ele havia dito 
que “Se voltarmos à nossa história, notaremos que os grupos que 
obtém maior sucesso em nossa comunidade – são os grupos que 
lidam com a questão da terra, da classe e da raça.” E prossegue, 
dizendo: “O Honorável Marcus Garvey se organizou em torno do 
conceito de terra em 1922 – ‘de volta à África’. Marcus Garvey 
teve a maior organização neste país e entre o Povo Preto. Nenhuma 
outra organização passada ou presente conseguiu atingir a do 
Honorável Marcus Garvey, simplesmente porque ele lidou com a 
questão da raça e com a questão da classe.” – e ele vai concluir, 
dessa forma: “A segunda maior organização que tivemos, a maior 
da nossa comunidade hoje, são os muçulmanos, novamente, porque 
estão tentando lidar com a questão da terra, da raça e da classe. 
Qualquer organização que se autodenomina uma organização 
revolucionária deve lidar com a questão da terra.” P. 165 (GEG): 
 
Você vê nas organizações de Marcus Garvey e Elijah 
Muhammad, não apenas organizações centradas em alguma 
preocupação especial, apenas preocupadas com empregos ou 
apenas com os aspectos legais do povo preto, ou só com a 
educação do povo preto, mas organizações preocupadas com 
todos aspectos que tinham a ver com o avanço do povo preto. 
Nas organizações de Marcus Garvey e Elijah Muhammad, nós 
vemos o avanço de uma cultura, não apenas de uma ideologia 
política, mas de uma cultura completa que se preocupava com 
a reconstrução da família, a educação de seus filhos, o 
desenvolvimento de um sistema econômico – em última 
análise, com o desenvolvimento de uma nação e o 
desenvolvimento de um povo. Portanto, o verdadeiro 
nacionalista vê uma unidade e uma relação entre as coisas e 
reconhece que todos os aspectos importantes para o avanço de 
nosso povo devem ser desenvolvidos, bem falados e 
relacionados entre si. Existe então uma unidade entre o 
desenvolvimento econômico, social e psicológico. 
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Ainda, em outra ocasião, Kwame Ture define a essência do Pan-
Afrikanismo – é a nossa definição aqui: nada menos que uma visão 
de conjunto da África e do povo Afrikano, perspectiva de unidade 
em casa e no exterior, cuja ligação é a experiência em comum e 
comunidade histórica compartilhada, complicado? Simples assim, 
 
Marcus Garvey nunca pôs os pés na África – e o Irmão 
Malcolm foi tratado como um resplendido Príncipe Africano. 
 
No ensaio ‘Do Poder Preto ao Pan-Africanismo’, Kwame Ture 
baseia seu Pan-Afrikanismo em Vincent Bakpetu Thompson – 
‘África e Unidade: A Evolução do Pan-Africanismo’. Ao contrário 
das “correntes de pensamento” que defendem uma cisão entre o 
Pan-Afrikanismo como movimento de ideias e pan-africanismo 
como movimento político moderno – sua perspectiva é mais ampla, 
abrangente, digamos, holística... ela preza o todo pelas partes. 
 Dwayne Wong, um escritor Pan-Afrikano, conta que foi 
informado da invenção do Pan-Africanismo por Omali Yeshitela, 
do Movimento Uhuru. Esta corrente se aproxima em muito da de 
Vincent Bakpetu Thompson, que serviu de base para os discursos 
de Kwame Ture, que até o fim da vida trabalhou na difusão do 
Pan-Afrikanismo. Tal perspectiva valoriza sua evolução histórica. 
Se o tempo histórico se movimenta de um jeito diferente, o que era 
informação antes, agora aparece como desinformação. Buscando 
corrigir o curso dessas narrativas, o que o irmão faz é ir direto aos 
dados: nesse cenário, Du Bois não é pai do Pan-Afrikanismo, como 
querem alguns; nem mesmo Sylvester-Williams, criador da 
Associação Pan-Africana, receberia esse título: “Ele deu o nome ao 
pan-africanismo, mas o conceito existia muito antes de 1900.” 
 Até então, tudo ok, porque o próprio Kwame Ture sempre dizia 
– sobre o Pan-Afrikanismo, que ele “nos foi dado há muito tempo.” 
 Por exemplo, foi um médico e advogado nascido nas Bahamas, 
Joseph Robert Love, quem organizou uma filial da Associação na 
Jamaica, ele que viria a influenciar fortemente o evangelho de 
Marcus... que estudou sua oratória, mas travou no primeiro debate 
público na Jamaica – e à convite de um futuro inimigo, também em 
seu primeiro discurso nos Estados Unidos, chegou a cair do palco! 
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 Voltando a Kwame Ture, já vimos o irmão declarando sua 
filiação ideológica ao nacionalismo da 125th Street. Kwame Ture 
também frequentou a Escola de Ciências do Bronx, bem como a 
livraria do Sr. Michaux, o livreiro Garveyita histórico do Harlem. 
 Enquanto aluno da Howard University, ele relata que foi em 
um debate entre Malcolm X e Bayard Rustin que se deu a 
superação em definitivo das contradições teóricas marxistas; ele 
pode presenciar, posicionado da primeira fila, de frente para o 
Irmão Malcolm – driblando a administração da universidade 
históricamente preta (HBCU, na sigla em inglês), sob o pretexto de 
realizar encontros estudantis alinhados com a política de tão 
prestigiada instituição... se não fosse o contrário, como veremos:Tivemos muitos problemas com a Howard University, com a 
administração dos estudantes. Eles haviam reprimido muita 
atividade intelectual que poderia ter ajudado na libertação da 
mentalidade dos alunos. Então, criamos o timpo de atividade 
que precisávamos como ativistas estudantis. E pensamos... 
Pensamos e montamos um projeto chamado: Project 
Awareness. E nós escrevemos a proposta do Projeto 
Conscientização; Michael Thelwell, naquela época, pertencia 
ao jornal da escola; eu acho que o jornal se chamava Hilltop. 
E ele também fazia parte do nosso grupo. E escrevemos um 
grande projeto com moldes intelectuais o suficiente para levar 
as pessoas a debater as ideias que poderiam estimular a 
universidade. E a administração ficou muito feliz, eles até 
concordaram com isso. Como você sabe, eles disseram: 
“finalmente, eles vão deixar todos esses problemas com 
ativismo e fazer algum trabalho intelectual e acadêmico 
sério.” Então, eles assinaram. E Thelwell enviou um 
comunicado de imprensa para, eu acho, o Washington Post e 
outros jornais; e também alguns comunicados de imprensa 
para as universidades: George Washington University, 
Georgetown University e American University. E els 
receberam alguns comentários, e todos diziam: “Howard está 
fazendo isso.” Então, o Washington Post, nesta linha, 
publicou uma grande história sobre a Howard University, 
dizendo como aquela administração era liberal. 
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Na Biblioteca Nacionalista Preta PPPAPP – link entre colchetes 
{https://cutt.ly/smCtMAK} – ‘As armadilhas do liberalismo’ e o 
discurso na HBCU Morgan State, sobre a importância das 
definições, podem ser encontrados. Prosseguindo, 
 
Eu vou continuar. Nós e a administração fomos elogiados 
pelo Washington Post depois da aprovação do projeto. O 
nosso primeiro debate foi Malcolm X versus Bayard Rustin. 
Claro que aquilo era importante. Uma vez que a 
administração descobriu que seria o Malcolm X, quero dizer, 
eles não sabiam o que fazer. Eles não o queriam lá, então eles 
já estavam derrotados naquilo. E não havia nada que 
pudessem fazer. E Bayard Rustin foi trazido. O debate foi 
importante para nós na NAG, o grupo de ação não-violenta, 
naquela época, entorno do SNCC. Porque havia grandes 
divisões e Bayard Rustin e Malcolm X representavam estas 
divisões, as concepções que buscavam a solução. É claro que 
a abordagem de Bayard Rustin tinha um compromisso total 
com a não-violência, assim como uma filosofia com o 
objetivo de se integrar ao sistema capitalista americano, por 
ora ele quase questionava o sistema capitalista, mas não em 
um grau profundo. Malcolm, é claro, era totalmente o oposto 
disso, ele não se enxergava na filosofia da não-violência, 
chegando ao ponto de denunciá-la como uma tática, se assim 
quiséssemos entender; ele chamava por choques violentos e 
armados contra o sistema capitalista americano e rejeitava 
veementemente a integração a este sistema, pois defendia a 
separação para com ele, enquanto buscava a sua destruição, 
seja através das próprias mãos de Deus, como ele próprio 
dizia. (...) 
 
No que pese, devemos reconhecer, com algum risco de erro, que, 
enquanto um esbarra na religião – ainda que tenha dito que, “de 
todos os estudos, o histórico é o que melhor nos recompensa” –, 
por outro lado nosso mentor no mínimo vacila quando persiste em 
trabalhar em determinados termos, quando insiste em falar em 
“socialismo científico”, mesmo sabendo a confusão que gira em 
torno de tal conceito – e ainda que diga que “a confusão é o maior 
inimigo da revolução”. É duro dizer, mas se alguém tem que dizer, 
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que sejamos nós. Que adianta defender esse eterno retorno... ao 
Pan-Afrikanismo – “Porque compreendo tão claramente os fatores 
anteriores, as raízes ancestrais do problema, concluí que a solução 
deve ser o Pan-Africanismo. Todo mundo – Du Bois, Padmore ou 
quem quer que seja – sempre volta finalmente ao Pan-Africanismo. 
(...) Eu acho que, em termos de realidade e história, e minha 
própria ideologia, todo o movimento que estamos construindo em 
termos de Nacionalismo Preto, desde os protestos por café até o 
Poder Preto, leva direto ao Pan-Africanismo. Sempre voltamos a 
isso.” – para, no fim das contas, confundir seus caminhos com o do 
“socialismo científico”? – “Pan-Africanismo é: a total libertação e 
unificação da África através do socialismo científico”... 
 E estas seriam conclusões emocionadas; se você consentiu, 
você caiu no sofisma... da desconstrução. E isso tudo é intencional, 
não passa de manobra intelectual, como são malabarismos teóricos 
toda tentativa de afastar o Pan-Afrikanismo de uma perspectiva 
Garveyista; se o próprio Garvey não o nega, mas diz que Du Bois 
não merece tal rótulo. Se Malcolm deixou explícito sua aposta no 
Nacionalismo Preto, e em essência aspirava ao Pan-Afrikanismo, 
lógico que Kwame Ture sabia das armadilhas do nominalismo: 
vamos além das palavras, Família! – às Ideias! Voltando ao irmão 
– na ocasião, em uma entrevista para a grande Judy Richardson: 
 
(...) Assim, o debate entre Malcolm X e Bayard Rustin teve 
um profundo efeito sobre o grupo de ação não-violenta e, 
consequentemente, sobre o SNCC, por causa do papel que a 
ação não-violenta desempenhava e, obviamente, por causa do 
papel que o SNCC desempenhava no país. 
 Judy: Você fala de qual papel? Volte um pouco. 
 Stokely: Bem, em primeiro lugar, tivemos o 
enfrentamento do nacionalismo versus o não-nacionalismo ou 
a integração direta. Teve a questão da determinação, todos os 
problemas dos valores da sociedade estavam sendo postos na 
mesa naquele momento. E por isso o debate contribuiu para 
explicar a todos nós essas questões e estabelecermos uma 
linha nítida entre aqueles de nós que realmente se tornaram 
inquestionáveis nacionalistas em oposição aos não-
nacionalistas. E, a partir deste nacionalismo, se você olhar 
20 | TRÊS GARVEYITAS, QUATRO HARLEMITAS 
 
 
para o Comitê de Coordenação Estudantil Não-Violento, você 
vai ver que o grupo de ação não-violenta da D.C., fez questão 
de trazê-lo. É a partir deste evento que podemos datar o 
momento exato que o nacionalismo fincou a sua raiz profunda 
e se tornou dominante dentro do grupo de ação não-violenta. 
Foi a partir do debate de Malcolm. 
 Judy: E qual foi sua opinião pessoal? 
 Stokely: Bem, eu trabalhava no Projeto Conscientização. 
E eu me lembro muito bem ter dito para eles que precisava 
fazer todo o meu trabalho antes de Malcolm X chegar. Eu 
dormiria no chão. Lamberia os envelopes. Mas na noite que 
Malcolm X fosse falar, eu não teria nenhum trabalho a fazer. 
Pois eu estaria sentado na audiência. Na verdade, eu tinha 
lugares reservados na frente, você sabe, e o espaço estava 
cheio. No início, eles pensaram que eu não conseguiria entrar. 
Mas eu havia reservado os lugares desde que comecei a 
trabalhar no projeto. Eu me sentei na frente durante todo o 
debate. Fiz todo o trabalho para o Comitê. Mas eu estava na 
frente durante todo o debate. Na verdade, a Nação do Islã, em 
seu jornal “Mohammed Speaks”, estampou a minha foto. 
Ninguém sabia quem eu era até aquele momento. Você sabe, 
me colocaram como se eu fosse um estudante entusiasmado 
com a apresentação de Malcolm. E Malcolm concluiu o seu 
trabalho. Bem, no meu caso, depois disso, sempre que eles 
diziam qualquer coisa para mim, eu simplesmente usava do 
recurso de citar as ideias de Malcolm. Ele nos deu todos os 
argumentos intelectuais e abriu o caminho para que 
pudéssemos apresentar, claramente, uma base intelectual para 
um nacionalismo e uma capacidade de quebrar todos os 
argumentos em contradição com isso. Malcolm abriu o 
caminho e, o mais importante, abriu mão da não-violência 
como sendo uma arma legítima na luta pelos direitos 
humanos. 
 
Esquematizando: entendemos oGarveyismo como uma ideologia 
(opinião formada) sintetizado em ‘A Filosofia e Opiniões de 
Marcus Garvey: ou, África para os Africanos’. Suas opiniões (ou 
“doxa”) são reflexos da assim entendida ideologia do Garveyismo. 
21 | TRÊS GARVEYITAS, QUATRO HARLEMITAS 
 
 
 O Garveyismo é anterior à publicação do primeiro volume. 
Garveyismo está nas páginas do Negro World, antes ainda em seus 
discursos nas esquinas do Harlem, clamando de pé, raça poderosa! 
O fracasso das primeiras investidas só fez foi fortalecer o homem. 
E uma vez que a filosofia questiona quem somos, de onde viemos e 
para onde vamos – a ideologia tem as respostas. E “Todo homem 
tem direito à sua Própria Filosofia e às Suas Próprias Opiniões.” 
 Malcolm X fornece a pista final: Nacionalismo Preto como 
filosofia – ele fala da filosofia econômica do nacionalismo preto e 
da filosofia política do nacionalismo preto, em termos, no discurso 
‘O voto ou a bala’, traduzido pelo Grupo de Estudos Kwame Ture 
(GEKT) pra página Povo Preto, Pan-Africanismo e Poder Preto. 
Como este discurso, também foram difundidos os seus discursos 
‘Do Poder Preto ao Pan-Africanismo’ e ‘Pan-Africanismo’, dentre 
inúmeros outros – por exemplo, seu debate versus Molefi Asante, 
transcrito na íntegra; onde ele fala de Pan-Afrikanismo como 
objetivo – embora Asante nos permita enxergá-lo como filosofia. 
Consequentemente, quando falamos de Nacionalismo Preto como 
filosofia e Garveyismo como ideologia, é que nossa base é sólida. 
 Pan-Afrikanismo, no entanto, não será atingido com palavras 
tão somente: requer a construção da nação, melhor dizendo das 
nações Afrikanas por todo o globo (p. 166, 205), sob um programa 
unificado. Nacionalismo – e Nacionalismo Preto – como filosofia; 
Pan-Afrikanismo, objetivo: só o poder, e Poder Preto, é a salvação. 
 Esse exercício serve não só pra fornecer antíteses em defesa da 
difusão do Pan-Afrikanismo porque este tenha sido uma reação à 
escravidão e colonialismo europeu; fosse assim, não chamaríamos 
pan-africanismo, seria anti-eurocentrismo – ou “antirracismo”; não 
precisaríamos anunciar o Poder Preto, mas apenas denunciar a 
supremacia branca... De forma que Amos Wilson surge, diante dos 
nossos olhos, e parece superar, quando na real sintetiza, a 
contribuição destes dois gigantes – Malcolm X e Kwame Ture. 
 Como Abiṣogun (2019) sugere, é avançar com “teses e esboços 
de teses”, cientes de que nós devemos nos colocar para além de 
antíteses, como teses em si e para si – mais que uma reação, é 
sobre entrar em ação, é sobre ser solução, e não mais problema... e 
se você não faz parte de um grupo, certamente faz parte do outro. 
22 | TRÊS GARVEYITAS, QUATRO HARLEMITAS 
 
 
 Argumentum ad nauseam, que fique entendido: como definido 
por Molefi Asante, religião não passa de deificação do 
nacionalismo dos outros – ou mais amplamente, como definido por 
Josef ben-Jochannan, citado pelo Dr. Clarke: “Religião é a 
deificação da cultura de um povo.” Quando WD Fard Muhammad 
pegou e fez uma releitura do islã, contra o cristianismo branco – 
onde a salvação se encontrava à luz dos problemas causados pela 
religião dos escravos – é sobre isso. Em 1963, Malcolm X 
declarava, sobre Elijah Muhammad, que “Ele nos ensina que a 
religião do islã é a única religião que irá incutir em nosso povo o 
incentivo para nos ficarmos em nossos próprios pés” (grifo nosso). 
 A perspectiva aqui é de agência, protagonismo, papo de ser 
sujeito histórico e tal... depois é causar: “Está lançada a tese!” – 
pois nosso dever, enquanto juventude, é ousar memo... Por razões 
históricas, no problemático “passado”, tínhamos o poder preto; o 
poder branco se impôs, como antítese. Tencionou, tencionou, até 
que gerou uma síntese – ao que temos o poder branco como tese. 
Como antítese ao atual poder branco – como tese – o poder preto 
deverá gerar, por sua vez, uma síntese última: o Poder Afrikano! 
Como Abiṣogun em seu primeiro livro (2019), iniciando cada 
paragrafo afirmando, de maneira categórica, “O Pan-Africanismo” 
– como Amos Wilson fala, contra o falso nacionalista, no tópico 
“O Verdadeiro Nacionalista” –, é o que veremos, respectivamente: 
 
O pan-africanismo entende que tudo é uma questão de poder. 
Os brancos, por questões históricas, possuem o poder branco. 
Os pretos, por questões históricas, perderam o poder preto. O 
pan-africanismo busca reconstruir o poder preto: e esta 
filosofia entende que todo o poder provém da terra; das 
riquezas materiais provenientes ou possibilitadas pela terra; 
por isso, reafirmamos mais uma vez que a terra ocupa um 
lugar de centralidade na agenda do pan-africanismo. Podemos 
encontrar este entendimento, o de que a terra é poder, nos 
pensamentos políticos de Marcus Garvey, Cheikh Anta Diop, 
Malcolm X, Frantz Fanon, Stokely Carmichael e Steve Biko – 
no nosso entendimento, estes pensadores compõem a base 
teórica, o núcleo duro, do nacionalismo preto e do pan-
africanismo por essência. 
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E já entrando na Teoria da Complementariedade Racial – TCR: 
 
Você costuma ouvir muitas pessoas dizendo que não é sobre 
poder preto, mas sobre poder verde, como se essas coisas 
pudessem realmente ser separadas. O caminho para o poder 
verde, ou qualquer cor monetária que você queira falar, é via 
o poder preto. Consequentemente, você verá nossos esforços 
para tentar combinar criação de riqueza e criação de empregos 
com avanço e desenvolvimento cultural. Não estamos 
escondendo nossa cultura; nós estamos projetando isso. 
 
Nós estamos projetando isso! Ou, como diz nosso mentor (KT): 
 
O Irmão Malcolm disse que nós necessitamos do 
Nacionalismo Preto. Mas o Nacionalismo Preto é 
Nacionalismo Africano; porque o Povo Preto é o Africano; e 
o Africano, é o Povo Preto. Assim, o Nacionalismo Preto do 
Irmão Malcolm é realmente um Nacionalismo Africano. 
Nacionalismo Africano encontra sua maior aspiração no Pan-
Africanismo. Assim, também, o Poder Preto realmente 
significa Poder Africano. A base do Poder Africano é a sua 
pátria-mãe, África. A fim de alcançar o Poder Africano, a 
Mãe-África deve ser forte. Para ser forte, ela deve estar 
unificada. (...) Assim que esse objetivo for alcançado, os 
Africanos de todo o mundo não só serão respeitados, mas 
terão o Poder Preto para exigir o respeito. 
 
Isso encontra fundamento no que Marcus Garvey disse lá atrás: 
“Até que a África esteja liberta nenhum africano em qualquer lugar 
do mundo jamais será livre ou respeitado!” 
 E Kwame Ture segue dizendo: “Este deve ser o nosso principal 
objetivo e deve ser implacavelmente angariado, não importa o quão 
sacrificante o seja. É um pré-requisito para a paz mundial.” 
 Ou como diria Nkrumah, seu mentor – trará “benefícios 
adicionais para o resto do mundo.” 
 
*** 
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E com esta introdução, fizemos a Sankofa... Fomos até o Harlem, 
ao berço do Nacionalismo Preto. Pudemos trazer relatos, tanto do 
Irmão Malcolm como de Kwame Ture. Dado o tom da exposição, 
podemos avançar pro próximo, e último, Garveyita: Amos Wilson. 
 Certamente nosso leitor notou como, ao falar de nacionalismo e 
não-nacionalismo (ou a integração direta), pode-se estabelecer um 
diálogo ancestral entre Kwame Ture e Amos Wilson – que fala, 
contra o falso nacionalismo e assimilacionismo/integracionismo, 
sobre o verdadeiro nacionalista, no GEG (cf. p. 154-159). 
 Se as semelhanças terminassem aí, poderíamos ser acusados de 
intersubjetividade... todavia, os fatos se apresentam como dados. 
 E olha que nós nem falamos do Harlem History Club… 
Negro Society for Historical Research… Association for the Study 
of African American Life and History… 
 O quartel general da UNIA era o Liberty Hall, o Hall da 
Liberdade ou “Salão da Liberdade”... você poderia imaginar que, 
emum prédio ao lado do famoso, e histórico, Teatro Apollo seria 
as instalações da gráfica de Amos Wilson? Saberia se tivesse 
adquirido o GEG. E é lá que você vai encontrar mais informações. 
 
 
 
A apresentação/introdução ao GEG tem quase 100 páginas, razão 
pela qual estas anotações posteriores não entraram na versão final. 
 Apresentação à filosofia e opiniões de Marcus Garvey, falando 
de sua filosofia da história/teoria da história cíclica, destacando seu 
talento como escritor e orador. 
 Introdução ao pensamento de Amos Wilson, apresentando uma 
de suas teorias, a Teoria da Complementariedade Racial – TCR, 
trazendo dados sobre sua vida e obra. 
 
Abibiman Shaka Touré 
EDITOR EXECUTIVO

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