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ISSN 2447-0716 Alm. Med. Vet. Zoo. 14 Liguori HK, Eneas MD, Ignácio FS. Distocia em cadelas - revisão de literatura. Alm. Med. Vet. Zoo. 2016 jun 2 (1): 14-19. DISTOCIAS EM CADELAS - REVISÃO DE LITERATURA DYSTOCIA IN DOGS - REVIEW Hillary Ketherine Liguori*, Marilia D’Elia Eneas*, Fernanda Saules Ignácio†. RESUMO O atendimento em cadelas para diagnóstico de distocia é uma rotina na clínica de pequenos animais, assim como o diagnóstico de gestação. Algumas raças como as braquicefálicas apresentam alto risco de distocia. As formas mais frequentes são de origem materna ou fetal ou até mesmo relacionada a alterações hormonais, nutricionais e endócrinas durante a gestação, que podem ser diagnosticadas por exames sanguíneos, radiográficos ou ultrassonográficos. Casos de distocias podem ser tratados de forma medicamentosa ou por meio de intervenção cesariana. O objetivo deste estudo é revisar as possíveis causas de distocias em cadelas, além dos métodos diagnósticos e terapêuticos. Palavras-chave: Reprodução, gestação, cesariana. ABSTRACT Dystocia is diagnostic commonly done by small animals clinician as well as pregnancy diagnosis. Some breeds like brachycephalic are usually at high risk of dystocia, however in other breed can also occur. The most common forms are of maternal or fetal origin or even related to hormonal, nutritional and endocrine changes during pregnancy, which can be diagnosed by blood analysis, X-ray or ultrasound exams. In cases of dystocia, can be treated medically or by caesarean intervention, always with previous surgical anesthetic care, due to reduced blood perfusion, the intervention may predispose a decrease in blood oxygenation postpartum in dogs. The objective of this study is to deepen the knowledge about causes of dystocia in bitches, being necessary to know about pregnancy and childbirth changes of this kind, so that the necessary interventions are carried out in time. Keywords: Reproduction, pregnancy, cesarean section. INTRODUÇÃO Distocia é definida como uma dificuldade de nascer ou a inabilidade materna em expelir os fetos pelo canal do parto, sem assistência. O parto anormal ocorre quando há falha em iniciar o nascimento no momento correto, ou devido a inabilidade ou incapacidade em expulsar o feto, seja ela de origem materna ou fetal (1,2). Em média 75% das distocias em cadelas são de origem materna e 25% de origem fetal (3). Qualquer fator que interfira na saúde da mãe influenciará o parto (4). Ocorre de forma mais frequente em cadelas do que em gatas e, de modo geral, apresenta incidência de 5%, podendo atingir a 100% em algumas raças, sendo mais comum nos animais de alta linhagem, quando comparados aos sem raça definida (5). Portanto, o atendimento veterinário torna-se de extrema importância, para a sobrevida da mãe e dos fetos, com acompanhamento prévio da gestação e até mesmo cesarianas de urgência ou emergência. * Discente do curso de Medicina Veterinária - Faculdades Integradas de Ourinhos - FIO/FEMM. Email: mariliade13@gmail.com † Docente do curso de Medicina Veterinária - Faculdades Integradas de Ourinhos - FIO/FEMM mailto:mariliade13@gmail.com ISSN 2447-0716 Alm. Med. Vet. Zoo. 15 Liguori HK, Eneas MD, Ignácio FS. Distocia em cadelas - revisão de literatura. Alm. Med. Vet. Zoo. 2016 jun 2 (1): 14-19. Entre as causas mais comuns de distocia destacam-se a inércia uterina e alterações da estática fetal (1,6), por isso, o acompanhamento do médico veterinário durante a gestação é uma importante medida preventiva para futuros problemas com a mãe e com o feto. Alguns sinais específicos de anormalidades podem indicar a ocorrência de distocia, como esforços vigorosos por 20 a 30 minutos sem a saída fetal, intervalo de mais de duas horas entre os fetos, feto aparentemente preso no canal do parto e parcialmente visível, remoção de filhotes mortos e sinais de doença materna como angústia ou inesperada perda de sangue (7). O tempo de gestação das cadelas é de 63 dias em média, com variação de 56 a 72 dias, quando calculado da data da primeira cobertura. Essa grande variação deve-se ao longo período de comportamento estral na espécie canina. Variações gestacionais foram descritas relacionando-se ao porte e à raça dos animais (8). A manutenção da gestação na cadela é dependente da secreção ovariana de progesterona (P4) pelo corpo lúteo (CL) ao longo da gestação. A receptividade à implantação do embrião é dependente da P4 (9). Ainda não se conhece, de forma clara e definitiva, qual o fenômeno indutor do início do trabalho de parto e por que, ao término do período gestacional, desencadeia-se a sequência de eventos endócrinos que, aliados aos estímulos nervosos e forças mecânicas, determinam a expulsão dos produtos (5). Objetiva-se com esse estudo aprofundar o conhecimento sobre as causas de distocias em cadelas e, revisar os conceitos sobre a gestação e alterações durante o parto nesta espécie, para que as intervenções necessárias sejam realizadas a tempo. REVISÃO DE LITERATURA 1. Distocias A distocia em cadelas é de comum ocorrência, podendo variar de 5% a 100% em determinadas raças (10). A distocia ocorre por uma dificuldade de efetivação de um parto natural, sem intervenções e, podem ocorrer devido a um retardamento no desencadear do parto ou até a completa inaptidão em parir. Podem ser classificadas em distocia de origem materna ou fetal (11). 1.1 Distocia de origem materna Pode ocorrer este tipo de distocia com maior frequência em fêmeas primíparas ou com múltiplos fetos (12). Dentre as principais causas de distocias de origem materna podemos destacar a inércia uterina, estreitamento das vias fetais moles e duras, torção uterina e contrações excessivas (13). A inércia uterina primária corresponde a falha em expulsar fetos pelo canal do parto, o qual não apresenta irregularidades, exceto pela incompleta dilatação da cérvix (14). A inércia uterina secundária ocorre após prolongada contração uterina sem sucesso em expulsar um feto que oclui o canal do parto, ou todos os fetos ainda no útero. Ocorrendo assim, fadiga da musculatura uterina após as contínuas contrações. Tanto na inércia uterina primária quanto na secundária, a musculatura uterina normalmente falha em responder à administração de ocitocina (14,15). Algumas raças proporcionam maior predisposição à distocia, como raças braquicefálicas (ex.: Bulldogs e Pugs) (16). Além disso, algumas alterações do aparelho genital podem influenciar na expulsão fetal, como obstrução do canal vaginal (podendo ser por fratura prévia de pelve), prolapso vaginal e uterino e persistência do hímen (14,15,16). ISSN 2447-0716 Alm. Med. Vet. Zoo. 16 Liguori HK, Eneas MD, Ignácio FS. Distocia em cadelas - revisão de literatura. Alm. Med. Vet. Zoo. 2016 jun 2 (1): 14-19. Torção ou ruptura uterina podem ocorrer em diferentes graus, sendo mais frequentes após administração de ocitocina em dose exagerada, realizada por pessoas inexperientes, sem a orientação de um médico veterinário (17). Dentro outras causas maternas, podemos citar vagina dupla, vulva infantil, estenose vaginal, vagina hipoplásica, hiperplasia de assoalho vaginal, vulvovaginite, presença de septo vaginal, dor, medo (inibição do parto espontâneo), excesso de gordura perivaginal, histerocele gravídica e placentite (14). 1.2 Distocia de origem fetal As distocias de origem fetal podem ser provocadas por deficiência de corticosteróides adrenais do feto, tamanho do feto determinado pela raça ou gestação prolongada, ascites, anasarca e hidrocefalia ou alterações na estática fetal. Anomalias fetais congênitas e posicionamento fetal incorreto, impedem o desencadeamento do parto ou resultam em obstrução do canal do parto (18). Desenvolvimentofetal anormal como monstros fetais, fetos com hidrocefalia, Schistosomus reflexus ou fetos edematosos, podem resultar em distocia obstrutiva (15,17). A estática fetal deve ser conhecida para facilitar a descrição da entrada do feto no canal do parto, podendo ser dividida em apresentação, que corresponde a relação entre o eixo espinhal da mãe e do feto; longitudinal ou transversal caracterizando a parte do feto que está entrando no canal do parto; e anterior ou posterior (longitudinal) e dorsal ou ventral (transversal). Outro fator é a posição, relação do dorso (longitudinal) ou cabeça (transversal) do feto aos quadrantes da pelve materna; sacro, íleo e púbis (18,19). Estática fetal anômala corresponde a alterações na apresentação, posição e/ou na postura do feto durante o parto, as quais podem predispor à distocia. Apesar de a apresentação longitudinal posterior ser considerada normal no parto em cadelas, partos prolongados e distócicos tem sido associado a esse tipo de apresentação (14). 2. Diagnóstico Algumas características da gestação canina são únicas quando comparadas com outras espécies. A determinação do tempo de gestação, o desenvolvimento embrionário e fetal, assim como mudanças durante a gestação na fisiologia materna é essencial para monitoração da gestação e no auxílio ao parto. Para um diagnóstico conciso deve-se saber o máximo possível de informações sobre o animal e a sua gestação, como idade gestacional sendo a principal para a escolha da conduta médica de diagnóstico e tratamento (20). Pode ser realizado o diagnóstico por meio da palpação abdominal entre 24° e 35° dias pós-cobertura. No segundo terço da gestação, a palpação abdominal é considerada um método preciso para diagnóstico positivo de gestação em 87 a 88% dos casos, e 73% preciso para diagnóstico negativo (21,22). Quando se desconfia de fetos em estática atípica, deve-se realizar radiografias abdominais, nas posições lateral e ventrodorsal após 45 dias de gestação. Sendo a radiografia ainda utilizada para contagem do número total de fetos e no caso de morte fetal é avaliada a presença de gás no interior do útero, além de sobreposição dos ossos do crânio fetal, denominado de sinal de Spalding, que se deve pela superposição dos ossos da calota craniana (15, 23). O exame ultrassonográfico é o exame de escolha para diagnóstico precoce de gestação em cadelas, e pode ser utilizado para determinar o tempo gestacional, o diâmetro das vesículas embrionárias, o diâmetro biparietal e o diâmetro abdominal fetal (14). Embora essas mensurações sejam vastamente utilizadas, é importante lembrar que a acurácia desse exame pode ser inferior a 50% quando as mensurações fetais são realizadas após o dia 39 da gestação. Além disso, como as fórmulas para cálculo da idade gestacional são adaptadas para ISSN 2447-0716 Alm. Med. Vet. Zoo. 17 Liguori HK, Eneas MD, Ignácio FS. Distocia em cadelas - revisão de literatura. Alm. Med. Vet. Zoo. 2016 jun 2 (1): 14-19. cadelas de várias raças, normalmente o resultado é apresentado com variação média de três dias. (10). O exame ultrassonográfico também é útil no diagnóstico de malformações fetais (14). A viabilidade fetal também pode ser avaliada, avaliando a frequência cardíaca, a movimentação espontânea e o peristaltismo intestinal fetal (24). O achado de peristaltismo intestinal fetal por meio de ultrassonografia pode estar relacionado com sofrimento fetal e risco perinatal acentuado, sendo necessária a intervenção cirúrgica imediata. 3. Métodos de tratamento da distocia 3.1 Tratamento não cirúrgico 3.1.1 Manobras obstétricas O tratamento manipulativo consiste na realização de manobras obstétricas manuais para a retirada de fetos que estejam ocluindo o canal do parto (15). Entretanto, devido ao estreito diâmetro do canal do parto, nem sempre se obtém sucesso com este tratamento (2,16). A utilização de lubrificantes é extremamente importante quando as manobras obstétricas são realizadas. O uso de instrumentos, como fórceps e pinças cirúrgicas, não é recomendado, exceto quando o feto a ser retirado já esteja morto, pois podem causar injúrias aos filhotes e traumas aos tecidos maternos (1,14). 3.1.2 Tratamento clínico A utilização de fármacos é indicada caso a fêmea estiver em boas condições clínicas, ausência de obstrução, se houver dilatação do canal do parto, se o tamanho dos fetos for proporcional ao diâmetro desse canal e se não houver estática fetal anômala (14). Utilizam-se drogas ecbólicas (que promovem contração uterina). A ocitocina sintética é primeiro fármaco de escolha, visto que é capaz de estimular e aumentar a frequência das contrações uterinas e favorecer a expulsão fetal. Embora o uso de ocitocina seja considerado seguro, alguns pesquisadores acreditam que altas e repetidas doses podem resultar em estímulo uterino acentuado e angústia fetal. Tal fármaco deve ser utilizado na dose de 5-20 UI por via intramuscular (IM) ou subcutânea (SC), em intervalos de 30 a 40 minutos, no máximo de três aplicações. Doses superiores às recomendadas podem causar tetania uterina, comprometer a oxigenação fetal e ocasionar ruptura uterina. Se usada durante a gestação, pode provocar descolamento placentário precoce, constrição dos vasos umbilicais, vasodilatação materna e hipertensão arterial (2,14,15). O gluconato de cálcio a 10% pode ser utilizado para promover aumento da força de contração uterina (2,16). Pode ser utilizado isoladamente ou concomitantemente à ocitocina. Deve ser utilizado na dose de 0,2 mL/kg por via intravenosa (IV) ou 1,0 a 5,0 mL/SC em cadelas. Quando usado por via IV, deve ser aplicado lentamente, durante três a cinco minutos. As doses totais recomendadas são de 2,0 a 20,0 mL. A administração deve ser lenta, sendo 1,0 mL/minuto, com necessidade de monitoração cardíaca durante todo o período de infusão (2,14). Embora seja recomendada por alguns autores, são raros os casos de cadelas em distocia com hipoglicemia. Porém, caso seja diagnosticada a hipoglicemia ou quando ocorre toxemia da gestação, pode-se utilizar glicose oral ou solução de glicose a 5,0 ou 10%, por via IV (14). 3.2 Tratamento cirúrgico A cesariana por ser indicada quando há inércia uterina parcial ou completa, que não responde ao tratamento medicamentoso, estenoses pélvicas ou da via fetal mole, fetos absolutos ou relativos grandes, excesso ou deficiência de líquidos fetais, defeitos de apresentação, posição ou atitude, morte fetal ou decomposição, negligência e profilática (1). ISSN 2447-0716 Alm. Med. Vet. Zoo. 18 Liguori HK, Eneas MD, Ignácio FS. Distocia em cadelas - revisão de literatura. Alm. Med. Vet. Zoo. 2016 jun 2 (1): 14-19. O estresse fetal ou neonatal aumenta a possibilidade de septicemia, o que explica o alto índice de mortalidade de filhotes nascidos em partos distócicos (28). O protocolo para anestesia da paciente gestante deve ser realizado com uma escolha cautelar a fim de garantir resultados satisfatórios para a cadela e para os neonatos. Os anestésicos de forma geral possuem em sua característica atravessar a barreira hematoencefálica e placentária com facilidade (26). Pode ocorrer um nível variado de depressão fetal que devido a indução anestésica, dependendo do fármaco empregado, da dose utilizada e do tempo em que o feto permaneceu em contato com o fármaco até sua retirada do útero materno. (27). Ao longo do transoperatório a gestante pode apresentar quadros de hipotensão devido ao seu posicionamento na mesa cirúrgica. O decúbito dorsal causa diminuição do fluxo sanguíneo devido ao seu volume aumentado e compressão dos grandes vasos abdominais (28). Para pacientes nestas condições a anestesia geral é o protocolo mais indicado e seguro, por permitir intubação traqueal da mãe com a finalidade de evitar aspiração do conteúdo gástrico, manutenção anestésicae administração de oxigênio (29). O emprego dos anestésicos inalatórios deve ser realizado com cautela devido a ocorrência de hipotensão e diminuição do fluxo sanguíneo uterino da mãe. Os agentes inalatórios mais indicados são os de indução e recuperação rápida, sendo o isofluorano, sevofluorano e o desfluorano. (29,30). CONCLUSÃO Procedimentos obstétricos em casos de distocia em cadelas como técnicas conservativas por meio de tratamento clínico e auxílio manual ao parto ou técnicas cirúrgicas como episiotomia e cesariana, são frequentes na rotina veterinária. O prognóstico é favorável para fêmea e filhotes se o procedimento for efetuado no intervalo de 12 horas após início do segundo estágio do parto, e um atraso superior a 24 horas pode resultar em morte fetal e comprometimento materno, portanto, o entendimento da fisiologia e endocrinologia de uma parturição normal é fundamental para prevenir, diagnosticar e tratar distocia, garantindo sobrevida materna e fetal. REFERÊNCIAS 1.Wallace MS. Management of parturition and problems of the periparturient period of dogs and cats. Semin. Vet. Med. Surg. Small Anim., v.9, p.28-37, 1994. 2.Barber J. Parturition and dystocia. In: ROOT-KUSTRITZ, M.V. (Ed.). Small animal theriogenology. London: Butterworth/Heinemann, 2003. p.241-279. 3.Walett-Darvelid A, Linde-Forsberg C. Dystocia in the bitch: a retrospective study of 182 cases. J Small Anim Pract, v.35, p.402-407, 1994. 4.Nelson RW, Couto CG. Medicina Interna de Pequenos Animais. 2 ed. 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