Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
1 Disciplina: Investigação Criminal Autor: Esp. Marcos Blank Aldrighi Revisão de Conteúdos: Esp. Alexandre Kramer Morgenterm Revisão Ortográfica: Esp. Juliano de Paula Neitzki Ano: 2019 Copyright © - É expressamente proibida a reprodução do conteúdo deste material integral ou de suas páginas em qualquer meio de comunicação sem autorização escrita da equipe da Assessoria de Marketing da Faculdade São Braz (FSB). O não cumprimento destas solicitações poderá acarretar em cobrança de direitos autorais. 2 Marcos Blank Aldrighi Investigação Criminal 1ª Edição 2019 Curitiba, PR Editora São Braz 3 Editora São Braz Rua Cláudio Chatagnier, 112 Curitiba – Paraná – 82520-590 Fone: (41) 3123-9000 Coordenador Técnico Editorial Marcelo Alvino da Silva Revisão de Conteúdos Alexandre Kramer Morgenterm Revisão Ortográfica Juliano de Paula Neitzki Desenvolvimento Iconográfico Juliana Emy Akiyoshi Eleutério FICHA CATALOGRÁFICA ALDRIGHI, Marcos Blank. Investigação Criminal / Marcos Blank Aldrighi. – Curitiba: Editora São Braz, 2019. 151 p. ISBN: 978-85-5475-414-3 1.Criminal. 2. Inquérito. 3. Investigação. Material didático da disciplina de Investigação Criminal – Faculdade São Braz (FSB), 2019. Natália Figueiredo Martins – CRB 9/1870 4 PALAVRA DA INSTITUIÇÃO Caro(a) aluno(a), Seja bem-vindo(a) à Faculdade São Braz! Nossa faculdade está localizada em Curitiba, na Rua Cláudio Chatagnier, nº 112, no Bairro Bacacheri, criada e credenciada pela Portaria nº 299 de 27 de dezembro 2012, oferece cursos de Graduação, Pós-Graduação e Extensão Universitária. A Faculdade assume o compromisso com seus alunos, professores e comunidade de estar sempre sintonizada no objetivo de participar do desenvolvimento do País e de formar não somente bons profissionais, mas também brasileiros conscientes de sua cidadania. Nossos cursos são desenvolvidos por uma equipe multidisciplinar comprometida com a qualidade do conteúdo oferecido, assim como com as ferramentas de aprendizagem: interatividades pedagógicas, avaliações, plantão de dúvidas via telefone, atendimento via internet, emprego de redes sociais e grupos de estudos, o que proporciona excelente integração entre professores e estudantes. Bons estudos e conte sempre conosco! Faculdade São Braz 5 Sumário Prefácio ..................................................................................................... 07 Aula 1 – Conceito e teoria da investigação criminal ................................ 08 Apresentação da aula 1 ............................................................................. 08 1.1 Conceito e entendimento da investigação ................................ 08 1.2 Investigação como pesquisa. Investigação científica ............... 09 1.3 Administração e estratégia ....................................................... 11 1.4 Fundamentos da investigação criminal .................................... 16 Conclusão da aula 1 ................................................................................... 22 Aula 2 – Fins, meios e limites da investigação criminal ............................ 23 Apresentação da aula 2 ............................................................................. 23 2.1 Considerações importantes na investigação criminal ............... 23 2.2 Fins da investigação criminal ................................................... 24 2.3 Meios de investigação criminal ................................................ 25 2.3.1 Inquérito policial .................................................................... 27 2.3.2. Investigação criminal pelo Ministério Público ....................... 40 2.3.3. Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) ............................ 42 2.3.4. Investigação criminal por particulares ................................. 45 2.4 Limites da investigação criminal .............................................. 47 Conclusão da aula 2 .................................................................................. 59 Aula 3 - Provas criminais ........................................................................... 60 Apresentação da aula 3 ............................................................................. 60 3.1 Discussões introdutórias e objetos de prova ........................... 60 3.2 Provas proibidas ...................................................................... 67 3.3 Provas em espécie ................................................................... 73 Conclusão da aula 3 ................................................................................... 80 Aula 4 – Teoria do crime ............................................................................ 82 Apresentação da aula 4 ............................................................................. 82 4.1 Conceito e classificação de crimes .......................................... 82 4.2 Elementos do conceito analítico de crime ................................. 94 4.2.1 Fato típico ............................................................................. 94 4.2.2. Ilicitude ................................................................................. 117 4.2.3 Culpabilidade ......................................................................... 126 4.3 Concurso de pessoas ............................................................... 137 6 Conclusão da aula 4 ................................................................................... 144 Conclusão da disciplina ............................................................................. 146 Índice remissivo ......................................................................................... 148 Referências ............................................................................................... 150 7 Prefácio Nesta disciplina serão abordados, hodiernamente, o tema envolto em várias produções televisivas, muitas vezes com tramas milionárias e com atores renomados interpretando policiais e assassinos em série. Em tais programas, a polícia, abruptamente, desvenda o crime juntando peças que simplesmente aparecem em sua frente. No ápice do filme, alguém tem uma “super” ideia e o crime é rapidamente desvendado com a morte do bandido, ocorrendo a promoção do policial e o casamento deste com a bela testemunha principal do caso. O problema é que essas produções hollywoodianas estão longe da realidade investigativa brasileira. Por aqui, para que o malfeitor seja preso e processado, procedimentos devem ser respeitados, assim como todos os seus direitos fundamentais. Caso isso não ocorra, toda a investigação pode ser anulada pela justiça e os policiais punidos. Ou seja, em nossa realidade não existe o glamour e heroísmo dos filmes, mas, sim, profissionais capacitados, limitações legais e procedimentais a serem seguidas e, com um pouco de sorte, o investigado na cadeia. O presente trabalho tem como finalidade expor ao aluno os vários procedimentos investigativos existentes em nosso país, bem como os trâmites a serem adotados desde o início até o oferecimento da ação penal e os limites legais impostos a cada um deles, evidenciando quem pode investigar e quem pode ser alvo da investigação criminal. Por fim, esta disciplina irá capacitar o aluno a distinguir a realidade fática e limitada do procedimento real de nosso país e da encenação mostrada no entretenimento internacional. Vale ressaltar ainda que não temos a intenção de esgotar o tema,pois cada subitem é, perfeitamente, capaz de ser objeto de uma complexa monografia. Além disso, a investigação ganha conceitos e adaptações novas todos os dias. Isso posto, convidamos o aluno a entrar no instigante tema da investigação e do processo penal. Seja bem-vindo! 8 Aula 1 – Conceito e teoria da investigação criminal Apresentação da aula 1 Nesta primeira aula serão abordados assuntos inaugurais, como o conceito e teoria da investigação criminal, além da investigação como pesquisa, investigação científica e seus fundamentos. Tais conceitos capacitarão o aluno a compreender temas um pouco mais técnicos e complexos, os quais serão abordados em momento oportuno. 1.1 Conceito e entendimento da investigação Antes de adentrarmos efetivamente nos meios e espécies de investigação, bem como no estudo das provas e limites legais, devemos ser capazes de conceituar e entender o instituto. Dessa forma, pode–se entender investigação como sendo a busca ou inquérito detalhado para averiguar algo ou alguém, apuração, investigação policial, entre outros. Em seu sentido jurídico, trata-se da reunião dos procedimentos ou diligências com o objetivo de atestar fatos e (ou) circunstâncias legais. Análises excessivamente rigorosas sobre alguma coisa geralmente cientifica ou, até mesmo, pesquisa. Para Aury Lopes Jr., a nomenclatura correta do termo deveria ser “Instrução Preliminar”: O termo que nos parece mais adequado é o de instrução preliminar. O primeiro vocábulo – instrução – vem do latim instruere, que significa ensinar, informar. Serve para aludir ao fundamento e à natureza da atividade levada a cabo, isto é, a aportação de dados fáticos e elementos de convicção que possam servir para formar a opinio delicti do acusador e justificar o processo ou o não processo. Ademais, faz referência ao conjunto de conhecimentos adquiridos, no sentido jurídico de cognição. Também reflete a existência de uma concatenação de atos logicamente organizados: um procedimento. para uma análise de sistemas abstratos e concretos de diversos países, o melhor é utilizar o termo instrução que investigação, não só pela maior abrangência do primeiro (pois pode referir-se tanto a uma atividade judicial – juiz instrutor – como também a uma sumária investigação policial), mas também porque poderia ser apontada uma incoerência lógica falar em investigação preliminar quando não existe uma investigação definitiva , ao passo que a uma instrução preliminar 9 corresponde uma definitiva, levada a cabo na fase processual. (LOPES JR., 2006, p38). 1.2 Investigação como pesquisa. Investigação científica É bem verdade que, na maioria das hipóteses em que ocorre, a investigação está ligada a alguma conduta criminosa, mas não é sempre assim. No decorrer deste estudo, veremos que a investigação também pode ser feita por outros profissionais em suas respectivas áreas. Daniel Barcelos, em sua obra Homicídios – Métodos de Investigação – Técnicas de Entrevista e Interrogatório, afirma que a investigação é o estudo ou pesquisa sobre algum tema em área específica, seja científica ou artística. Diz ainda que, em seu sentido amplo, a investigação não é atividade exclusiva de órgãos policiais, mas, sim, atividade inerente a todo e qualquer pesquisador, em qualquer área de atuação humana. Assim sendo, jornalistas, médicos, engenheiros, advogados, entre outros profissionais, são investigadores. Em cada uma dessas áreas são experimentadas formas de se pesquisar que, uma vez validadas e racionalmente organizadas, formam métodos de investigação. Quando tais métodos cumprem requisitos específicos, estamos diante da pesquisa científica, a qual, por seu maior rigor na coleta das informações, atribui-se maior credibilidade às suas conclusões. Para ilustrar a investigação científica, o prof. Barcelos traz o seguinte exemplo: Suponhamos que uma pessoa apresente dor abdominal aguda que necessite de esclarecimento (investigação), buscando para tanto um hospital (agência de investigação). Essa pessoa apresentará o caso a um médico (investigador). De maneira geral, ele entrevistará essa pessoa por meio de anamnese (declarações da vítima), mas também ouvirá eventualmente outras pessoas de seu círculo de convivência e que possam acrescentar informações relevantes (testemunhas). Poderão ser analisados aspectos físicos específicos, clinicamente ou por meios de exames de sangue, de urina, de imagens ou outros (perícias e análises documentais). Feito isto, todos os dados serão analisados em um único contexto e organizados racionalmente para sustentar um diagnóstico (versão verossímil) para o fato apresentado. (BARCELOS, 2017, p 24-25). 10 Dentre os diversos materiais consultados para a elaboração deste trabalho, todos eles compartilham a ideia de que a pesquisa científica é a investigação desenvolvida e planejada de acordo com as normas da metodologia consagrada pela ciência, ou seja, a principal diferença entre a pesquisa científica e a pesquisa livre é que aquela tem métodos pré-estabelecidos a serem seguidos e esta pode ser realizada de forma livre pelo pesquisador. É exatamente nessa perspectiva que conceituamos a investigação criminal de homicídio: uma pesquisa integralmente científica que reúne informações de fontes diversas e as reúne para elaborar a versão mais verossímil possível de um fato penalmente relevante, com o objetivo de convencer um determinado destinatário. É imprescindível, portanto, que a investigação criminal ocorra por meio de métodos próprios que assegurem a credibilidade das conclusões dela resultantes. (BARCELOS, 2017, p 24). Luiz Julião Ribeiro, em sua obra: “Investigação Criminal Homicídio”, atenta para o fato de que a investigação criminal tem se tornado uma atividade cada vez mais complexa em virtude da permanente incorporação dos conhecimentos científicos e tecnológicos, por parte dos criminosos, nas ações delituosas. E continua: Por isso, a participação de especialistas nas mais diversas áreas do conhecimento, na investigação criminal, como é o caso dos peritos criminais, se torna cada vez mais imprescindível. Em busca da verdade, os peritos criminais conhecimentos das áreas de engenharia, biologia, química, física, geologia, informática, contabilidade, papiloscopia, entre muitas outras. (RIBEIRO, 2006, p,48). De outra forma, a investigação como pesquisa, sem o viés criminal ou científico, também pode ser feita quando, por exemplo, em uma grande empresa, o responsável pelos Recursos Humanos pesquisa a vida pregressa de seus funcionários nas redes sociais, buscando mais informações sobre seus costumes, locais frequentados nos momentos de lazer e até mesmo suas ideologias e pensamentos. Sendo assim, é realizado investigação a todo momento. Quando queremos trocar de veículo, não vamos à concessionária e compramos o primeiro que o vendedor nos oferece. O mais prudente é que façamos uma pesquisa (investigação) minuciosa para descobrir qual é o modelo que melhor nos satisfaz dentro de nossas peculiares necessidades. 11 Tanto a pesquisa livre quanto a pesquisa científica devem respeitar os direitos fundamentais da pessoa a ser investigada, além de respeitar estritamente os parâmetros impostos pela lei, sob pena de responsabilização civil e criminal. 1.3 Administração e estratégia Em toda pesquisa investigativa, o investigador deve ter em mente o melhor caminho a ser percorrido para alcançar seu objetivo. Para isso, assim que souber de que meios investigatórios dispõe e de quais irá precisar, ele deve traçar a estratégia correspondente. Vocabula rio Estratégia: é a forma ardilosa que se utiliza quando se quer obter alguma coisa. Ou ainda, a habilidade, astúcia, esperteza. Indo ao encontro do conceito acima descrito, não raras vezes, nosdeparamos com reportagens televisivas em que policiais se disfarçam de moradores de rua, ou carteiros, entre outros possíveis disfarces para se infiltrarem na comunidade em que se esconde seu alvo ou seu objeto investigativo, pois, se o fizessem de forma ostensiva, certamente haveria confronto armado (entre bandidos, até parte da comunidade e a força policial destacada para a ocorrência) e vidas poderiam se perder diante de tais ocorridos. Vocabula rio Ostensiva: é uma tática de vigilância da polícia em que a sua presença é intencionalmente notada por todas as pessoas da localidade, com o uso de viaturas e uniformes que os caracterizam como forças de policiamento. Em suma, consiste na polícia uniformizada, fardada e visivelmente identificada. 12 Assim, sem serem percebidos, se cercam, pacientemente, de toda informação necessária para realizar a abordagem e prender o suspeito. A probabilidade de sucesso nesse tipo de procedimento é de quase 100%, o único problema que identificamos na infiltração de agentes é o perigo real que o próprio investigador corre. Por isso, as leis que tratam desse meio de investigação – agentes infiltrados - permitem sua execução apenas para condutas criminosas consideradas graves, mediante prévia autorização judicial e desde que preenchidos determinados requisitos. Seguem alguns exemplos da legislação nacional que permitem a infiltração de agentes em comunidades. Primeiramente analisaremos a lei referente às drogas (capítulo III) e consequentemente analisaremos a lei que define as organizações criminosas, no caráter da investigação e dos meios de obtenção das provas. LEI Nº 11.343, DE 23 DE AGOSTO DE 2006 Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: CAPÍTULO III DO PROCEDIMENTO PENAL Art. 53. Em qualquer fase da persecução criminal relativa aos crimes previstos nesta Lei, são permitidos, além dos previstos em lei, mediante autorização judicial e ouvido o Ministério Público, os seguintes procedimentos investigatórios: I - a infiltração por agentes de polícia, em tarefas de investigação, constituída pelos órgãos especializados pertinentes; Disponível em:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11343.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11343.htm 13 LEI Nº 12.850, DE 02 DE AGOSTO DE 2013 Define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal; altera o Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal); revoga a Lei no 9.034, de 3 de maio de 1995; e dá outras providências. A PRESIDENTA DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: DA INVESTIGAÇÃO E DOS MEIOS DE OBTENÇÃO DA PROVA Seção III Da Infiltração de Agentes Art. 10. A infiltração de agentes de polícia em tarefas de investigação, representada pelo delegado de polícia ou requerida pelo Ministério Público, após manifestação técnica do delegado de polícia quando solicitada no curso de inquérito policial, será precedida de circunstanciada, motivada e sigilosa autorização judicial, que estabelecerá seus limites. § 2o Será admitida a infiltração se houver indícios de infração penal de que trata o art. 1o e se a prova não puder ser produzida por outros meios disponíveis. § 3o A infiltração será autorizada pelo prazo de até 6 (seis) meses, sem prejuízo de eventuais renovações, desde que comprovada sua necessidade. § 4o Findo o prazo previsto no § 3o, o relatório circunstanciado será apresentado ao juiz competente, que imediatamente cientificará o Ministério Público. § 5o No curso do inquérito policial, o delegado de polícia poderá determinar aos seus agentes, e o Ministério Público poderá requisitar, a qualquer tempo, relatório da atividade de infiltração. Art. 11. O requerimento do Ministério Público ou a representação do delegado de polícia para a infiltração de agentes conterão a demonstração da necessidade da medida, o alcance das tarefas dos agentes e, quando possível, os nomes ou apelidos das pessoas investigadas e o local da infiltração. Art. 12. O pedido de infiltração será sigilosamente distribuído, de forma a não conter informações que possam indicar a operação a ser efetivada ou identificar o agente que será infiltrado. § 1o As informações quanto à necessidade da operação de infiltração serão dirigidas diretamente ao juiz competente, que decidirá no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, após manifestação do Ministério Público na hipótese de representação do delegado de polícia, devendo-se adotar as medidas necessárias para o êxito das investigações e a segurança do agente infiltrado. 14 § 2o Os autos contendo as informações da operação de infiltração acompanharão a denúncia do Ministério Público, quando serão disponibilizados à defesa, assegurando-se a preservação da identidade do agente. § 3o Havendo indícios seguros de que o agente infiltrado sofre risco iminente, a operação será sustada mediante requisição do Ministério Público ou pelo delegado de polícia, dando-se imediata ciência ao Ministério Público e à autoridade judicial. Art. 13. O agente que não guardar, em sua atuação, a devida proporcionalidade com a finalidade da investigação, responderá pelos excessos praticados. Parágrafo único. Não é punível, no âmbito da infiltração, a prática de crime pelo agente infiltrado no curso da investigação, quando inexigível conduta diversa. Art. 14. São direitos do agente: I - recusar ou fazer cessar a atuação infiltrada; II - ter sua identidade alterada, aplicando-se, no que couber, o disposto no art. 9o da Lei no 9.807, de 13 de julho de 1999, bem como usufruir das medidas de proteção a testemunhas; III - ter seu nome, sua qualificação, sua imagem, sua voz e demais informações pessoais preservadas durante a investigação e o processo criminal, salvo se houver decisão judicial em contrário; IV - não ter sua identidade revelada, nem ser fotografado ou filmado pelos meios de comunicação, sem sua prévia autorização por escrito. Disponível em:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Lei/L12850.htm Como se pode notar, a lei de organizações criminosas faculta ainda ao agente infiltrado sua concordância na participação, ter seu nome alterado e, em hipótese alguma, ser filmado ou fotografado durante a operação; tamanha a periculosidade da conduta. Já na investigação privada, a título de exemplo, imaginemos que um detetive particular tenha sido contratado por uma esposa que desconfie que seu marido a esteja traindo. Primeiramente, deve o profissional identificar o possível traidor e seguir seus passos, fazer parte, ardilosamente, de seu dia a dia, cercar- se de toda a informação possível sobre sua rotina e costumes, mas em nenhuma hipótese se fazer descobrir. Afinal, tanto na investigação oficial quanto na privada, o tempo que o investigador demora para atingir sua meta não é importante, mas, sim, que o serviço seja realizado da melhor forma possível e com pouco ou nenhum dano. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9807.htm#art9 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9807.htm#art9 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Lei/L12850.htm 15 A melhor estratégia a ser adotada pelo investigador deve ser o planejamento antes da ação e paciência durante a execução. Curiosidade Afoiteza e investigação não são compatíveis, mesmo em momentos de tensão.Essa é a mesma linha de raciocínio assumida por Sun Tzu em “A arte da guerra”: As consequências desastrosas de atitudes como a impaciência, o julgamento precipitado e as decisões impensadas são, muitas vezes, irremediáveis, pois geram prejuízos e danos vitais. Calma, bom senso e planejamento são os antídotos para prevenir e remediar aquelas atitudes compulsivas; já os danos e prejuízos, esses não têm remédio. (TZU, 2008, p 48) Concluindo o subitem, podemos afirmar que não se pode dar início a uma investigação sem que haja uma estratégia voltada ao ardil, ou seja, o pesquisador deve desenvolver sua missão quase que como um fantasma, alguém que não se deixe notar. Tal fato é tão verdadeiro e eficiente que foi incorporado pelo estrategista militar Sun Tzu, no século IV, a.c. Vocabula rio Ardil: ação que se vale de astúcia, manha, sagacidade; ardileza, ou ainda, ação que visa iludir, lograr (pessoa ou animal); armação, cilada. Infelizmente, notamos exatamente o contrário nos dias de hoje, quando assistimos pela televisão autoridades policiais e militares contando com detalhes à imprensa como se deram as investigações que culminaram na prisão do investigado. Vale ressaltar que outros bandidos também assistem à reportagem 16 e aprendem com ela, o que torna cada vez mais difícil a captura desses foragidos. 1.4 Fundamentos da investigação criminal A partir desse ponto, começamos efetivamente a nos debruçar sobre o estudo da investigação criminal. Estudar os fundamentos da investigação é descobrir o porquê de sua existência e qual a sua importância para a apuração de um fato determinado. Investigação criminal Fonte: https://br.depositphotos.com/stock-photos/investiga%C3%A7%C3%A3o-crimina l.html?filter=all&qview=4234377 Aury Lopes Jr. entende que o principal fundamento da investigação criminal é evitar acusações infundadas e assim transmitir à sociedade a certeza de uma punição efetiva ao transgressor da norma, mas sem o abuso do poder estatal. Uma punição exemplar é aquela em que o real autor do delito é processado e punido após o inequívoco procedimento investigativo criminal, com seus respectivos direitos fundamentais respeitados. Senão, vejamos: O processo penal tem como fundamento de sua existência à instrumentalidade garantista e esse também será o ponto de partida para justificar a investigação preliminar. Ela não pode afastar-se dos 17 fundamentos do instrumento maior ao qual presta serviço. Sem embargo, dentro desse fim de instrumento de garantia a investigação preliminar. Beling afirma que o pré-processo judicial serve ao esclarecimento do suposto fato na medida necessária para fazer possível a resolução sobre a abertura ou não do juízo oral (fase processual). Sem embargo do acerto de tal afirmação, para compreender a existência da instrução preliminar não é suficiente apontar exclusivamente para sua instrumentalidade. É imprescindível analisar em que termos atua essa instrumentalidade e em que se funda. A instrumentalidade respeito ao processo é o ponto de início da formação do conceito, e não o ponto final. Do mesmo modo que o processo não tem como único fundamento a instrumentalidade, a investigação preliminar também atende a um patente interesse garantista, para evitar as acusações e os processos infundados. Nesse sentido, Carnelutti defende que a investigação preliminar não se faz para a comprovação do delito, mas somente para excluir uma acusação aventurada. Em outro momento, afirma que, para evitar equívocos, a função do procedimento preliminar não deve ser entendida no sentido de uma preparação do procedimento defifnitivo, senão ao contrário, como um obstáculo a superar antes de poder abrir procedimento judicial. (LOPES JR., 2006, p. 49) Concordamos que a sensação de impunidade traz o mesmo sentimento de insegurança social de que quando um inocente é condenado e preso, é justamente isso que o correto e legal procedimento investigatório busca evitar. Amplie Seus Estudos SUGESTÃO DE LEITURA Para entender um pouco mais do tema desta aula, sugere-se a leitura do livro Direito Processual Penal. De autoria de Aury Lopes Junior. O professor ainda cita mais três fundamentos, porém em caráter complementar, afinal eles são inerentes à função principal, que é evitar acusações infundadas. São eles: 18 Busca de fato oculto Função simbólica Filtro processual Verificação de justa causa, ou seja, se o caderno investigativo traz elementos suficientes de autoria e materialidade, consubstanciando assim base para o oferecimento da denúncia. Ou, do latim, a presença do “fumus comissi delicti”. É justamente o sentimento popular de pleno funcionamento do aparato estatal de segurança e o afastamento do sentimento de impunidade causado quando do cometimento de um crime. Simplesmente não ver um indivíduo processado sem indícios suficientes de autoria e materialidade. Percebe-se que este último fundamento se confunde com o primeiro, daí seu caráter complementar. Fonte: elaborado pelo autor (2019), adaptado pelo DI (2019). Dentre os fundamentos já apontados, vale ressaltar também que qualquer investigação realizada deve respeitar os direitos fundamentais do investigado, bem como a inviolabilidade do domicílio, a cláusula constitucional de jurisdição, o direito de não culpabilidade e os princípios constitucionais aplicáveis. Outro fundamento importante para a investigação é o sistema inquisitorial, adotado, atualmente, pelo CPP, quando na fase investigatória. O promotor militar federal Renato Brasileiro de Lima, em sua obra “Código de Processo Penal Comentado”, explica o citado sistema: Nos dias de hoje, não existem sistemas acusatórios ou inquisitórios “puros”. Na verdade, ora o processo penal é predominantemente acusatório, ora apresenta características peculiares dos sistemas inquisitoriais. Quando o nosso Código de Processo Penal entrou em vigor no dia 1 de janeiro de 1942, prevalecia o entendimento de que o sistema nele previsto era misto. A fase inicial da persecução penal, caracterizada pelo inquérito policial, era inquisitorial. Porém, uma vez iniciado o processo, tínhamos uma fase acusatória. Porém, com o advento da Constituição Federal, que prevê de maneira expressa a separação das funções de acusar, defender e julgar (art. 129, I), estando assegurado o contraditório e a ampla defesa, além do princípio da presunção de não culpabilidade, estamos diante de um sistema acusatório, é bem verdade que não se trata de um sistema acusatório puro. De fato, há de se ter em mente que o Código de Processo Penal tem nítida inspiração no modelo facista italiano. (BRASILEIRO, 2017, p 17). 19 Fundamentos da Investigação criminal: → Evitar acusações infundadas; → Busca de fato oculto; → Função Simbólica; → Filtro processual. Após a leitura da obra do mestre Renato Brasileiro, podemos concluir que o sistema inquisitorial é predominante na fase de investigação, mas não absoluto. Para melhor o entendermos, vamos conhecer as principais características desse sistema: Importante 1) as funções de acusar, defender e julgar encontram-se concentradas em uma única autoridade, chamado de juiz inquisidor; 2) não há fala em contraditório, a qual nem sequer seria concebível em virtude da falta de contraposição entre acusação e defesa; 3) o juiz inquisidor é dotado de ampla iniciativa probatória, tendo liberdade para determinar, de ofício, a colheita de provas, seja no curso das investigações, seja no curso do processo penal, independentemente de sua proposição pela acusação ou pelo acusado. A gestão das provas estava concentrada, assim, nas mãos do juiz, que, a partir da prova do fato e tomando como parâmetro a lei, podia chegarà conclusão que desejasse; 4) como se admite o princípio da verdade real, o acusado não é sujeito de direitos, sendo tratado como mero objeto do processo, daí por que se admite inclusive a tortura como meio de se obter a verdade absoluta; 5) a concentração de poderes nas mãos do juiz e a iniciativa acusatória dela decorrente é incompatível com a garantia da imparcialidade (CADH, art. 8º, § 1º) e com o princípio do devido processo legal; Compreendendo à leitura, podemos entender que algumas características desse sistema não mais são compatíveis com nosso Estado Democrático de Direito. Em nosso ordenamento jurídico, não mais se admite a figura de um juiz inquisidor, seu papel na fase de investigação é de juiz de 20 garantias, ou seja, toda vez que o investigador se deparar com alguma situação coberta por uma cláusula constitucional de jurisdição, deve ir ao judiciário e fazer o pedido formalmente. Por exemplo, a autoridade policial não pode interceptar os telefones do investigado por sua discricionariedade. Havendo indícios suficientes de materialidade do cometimento de crime punido com reclusão, o delegado de polícia deve solicitar ao juiz tal medida cautelar com base na lei própria. LEI Nº 9.296, DE 24 DE JULHO DE 1996 Regulamenta o inciso XII, parte final, do art. 5° da Constituição Federal. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1º A interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em investigação criminal e em instrução processual penal, observará o disposto nesta Lei e dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça. Art. 3° A interceptação das comunicações telefônicas poderá ser determinada pelo juiz, de ofício ou a requerimento: I - da autoridade policial, na investigação criminal; II - do representante do Ministério Público, na investigação criminal e na instrução processual penal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9296.htm Com relação à iniciativa probatória do juiz, a melhor doutrina afirma que só é possível na fase processual, afinal, na investigação, o juiz é apenas garantista. O sistema inquisitorial ainda afirma que o investigador busca a verdade real, porém, atualmente, se entende que a verdade real é impossível de ser encontrada porque simplesmente não se pode voltar no tempo para saber ao certo o que ocorreu. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9296.htm 21 Saiba Mais Cláusula Constitucional de Jurisdição: o Ministro do Supremo Tribunal Federal Celso de Mello, no julgamento do MS 23452-RJ, conceituou o instituto como sendo: “o postulado de reserva constitucional de jurisdição importa em submeter, à esfera única de decisão dos magistrados, a prática de determinados atos cuja realização, por efeito de explícita determinação constante do próprio texto da Carta Política , somente pode emanar do juiz, e não de terceiros, inclusive daqueles a quem haja eventualmente atribuído o exercício de poderes de investigação próprios das autoridades judiciais". Assim sendo, o ideal é que se busque a verdade processual por meio da investigação, ou seja, a colheita de todos os elementos de informação e provas que o leve à realidade processual mais próxima do fato ocorrido, sendo impossível voltar à realidade do fato material em si. Historicamente, está demonstrado empiricamente que o processo penal, sempre que buscou uma “verdade mais material e consistente” e com menos limites na atividade de busca, produziu uma “verdade” de menor qualidade e com pior trato para o imputado. Esse processo, que não conhecia a ideia de limites – admitindo inclusive a tortura -, levou mais gente a confessar não só os delitos mais cometidos, mas também alguns impossíveis de serem realizados. O mito da verdade real está intimamente relacionado com a estrutura do sistema inquisitório; com o “interesse público” (clausula geral que serviu de argumento para as maiores atrocidades); com sistemas políticos autoritários; com a busca de uma “verdade” a qualquer custo (chegando a legitimar a tortura em determinados momentos históricos); e com a figura do juiz-ator (inquisidor) (...) Destarte, há que se descobrir a origem e a finalidade do mito da verdade real: nasce na inquisição e, a partir daí, é usada para justificar os atos abusivos do Estado, na mesma lógica de que “os fins justificam os meios”. Assim, no processo penal, só se legitima a verdade formal ou processual. Trata-se de uma verdade perseguida pelo modelo formalista como fundamento de uma condenação e que só pode ser alcançada mediante o respeito das regras precisas e relativas aos fatos e circunstancias considerados como penalmente relevantes. (LOPES JR., 2006, p.209-211). Por fim, se depreende da leitura que o sistema inquisitivo concentra no juiz inquisidor as funções de acusar, defender e julgar. Mais uma vez tal afirmação não encontra fundamentos no Brasil democrático, em que cabe ao http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/155571402/constitui%C3%A7%C3%A3o-federal-constitui%C3%A7%C3%A3o-da-republica-federativa-do-brasil-1988 22 Ministério Público julgar a Defensoria Pública ou advogados regularmente inscritos na OAB à função de defender e ao magistrado à função de julgar. Com o término da primeira etapa da ementa, já somos capazes de conceituar investigação criminal e entender o seu funcionamento. Sabemos também que a investigação não é um procedimento exclusivo de órgãos policiais. Além de pontuarmos a diferença entre investigação como pesquisa e científica, também conseguimos conceituar os fundamentos da investigação criminal. Mas, em se tratando de investigação criminal, seu objetivo sempre será o “fumus commissi delicti”, ou seja, a preparação da justa causa para o oferecimento da denúncia. Conclusão da aula 1 Com relação à definição de investigação criminal, pode-se perceber que o conceito não se resume apenas ao dicionário. Aury Lopes Jr. leciona que é errado definir o ato de buscar informações sobre determinado fato de investigação preliminar, afinal, não existe uma investigação definitiva. A nomenclatura correta seria instrução preliminar, tendo em vista que a próxima fase é a instrução definitiva ou apenas processo criminal, mas, na prática, não há prejuízo algum confundir os conceitos. Quanto à investigação como pesquisa, estudamos que pode ser feita sem um procedimento padrão. O pesquisador pode usar toda sua discricionariedade para coletar dados sobre seu assunto. Já no tocante à investigação científica, existe um procedimento pré-definido e, por seguir um método mais rigoroso, seus resultados exprimem maior credibilidade. Com relação ao subitem 1.2, concluímos que a melhor estratégia para uma investigação satisfatória consiste em um planejamento anterior e complacência durante sua execução. Tal método é tão eficiente que já era usado na China Imperial, no século XVII, antes de cristo, conforme ilustramos com o livro “A arte da guerra” de Sun Tzu. No tópico final, concluímos que o principal fundamento da investigação criminal é evitar acusações infundadas. Além dele, existem outros três complementares: busca de fato oculto, ou simplesmente, a verificação de justa 23 causa; função simbólica, ou seja, o sentimento popular de pleno funcionamento do aparato estatal; e finalmente, o filtro processual, cujo conceito se confunde com o primeiro, qual seja, evitar que um processo penal seja iniciado sem o devido preparo. Atividade de Aprendizagem Caro aluno(a)! Redija um texto dissertativo, de no mínimo 10 e no máximo 30 linhas, abordando os fundamentos da investigação criminal trazidos por Aury Lopes Jr. Além disso, exemplifique uma situação hipotética de investigação ilustrando tais conceitos. O exemplo de investigaçãopode ser tanto científico como de simples pesquisa. Aula 2 – Fins, meios e limites da investigação criminal Apresentação da aula 2 Vencida a etapa da apresentação da matéria e dos conceitos iniciais, convidamos o aluno a adentrar no conteúdo propriamente dito da investigação criminal. Na aula 2, estudaremos os instrumentos pelos quais a investigação toma forma, além de conhecer os limites que os investigadores devem respeitar, sob pena de ter todo o procedimento investigatório anulado pela justiça. Por fim, estudaremos qual a sua finalidade. 2.1 Considerações importantes na investigação criminal Vivemos em um Estado Democrático de Direito, isso significa que podemos fazer tudo aquilo que a lei não proíbe. Por esse princípio se rege a investigação particular, contudo, quando a investigação criminal for regida pelo poder público, o princípio norteador será o da estrita legalidade, os órgãos da 24 persecução penal devem respeitar um rígido procedimento que objetive a colheita de elementos informativos com o objetivo de denunciar ou condenar alguém. A sequência em que montamos a aula não é aleatória, assim, o estudo dos fins, meios e limites da investigação criminal deve ser seguido nessa ordem para melhor compreensão do aluno. Vamos lá! 2.2 Fins da investigação criminal Primeiramente, vale ressaltar que, doutrinariamente falando, o conceito de investigação criminal se confunde com o de inquérito policial, afinal, os fins deste se confunde com os daquele. Tal fato se dá pelo escasso número de obras literárias que abordam sobre o tema, por outro lado, existem incontáveis livros cujo tema principal é o processo penal, fase posterior à investigação. Concordamos com Daniel Barcelos quando afirma em sua obra Homicídios. Métodos de Investigação – Técnicas de Entrevista e Interrogatório, pg. 156, que o tratamento da investigação criminal como sinônimo de inquérito policial é extremamente equivocado e deve ser abolido, sendo salutar a elaboração de doutrinas investigativas na esfera criminal. É notório que a investigação criminal é muito mais abrangente que o inquérito policial, sendo este, um meio de investigação. Isso posto, sem medo de errar, podemos concluir que a finalidade da investigação criminal é reunir em um caderno investigatório (instrumento) todos os elementos de informação relativos à autoria e materialidade para a formação da “opinio delicti” e posterior oferecimento da denúncia por parte do Ministério Público e o consequente início do Processo Penal. Vocabula rio Opinio Delicti: convicção do titular da ação penal para o oferecimento ou não da denúncia e o, consequente, início da ação penal. O conceito acima transcrito é uníssono para a doutrina majoritária, todavia é importante anotar o pensamento de Bruno Taufner Zanotti, delegado 25 de polícia no Estado do Espírito Santo, em sua obra Delegado de Polícia em Ação, o qual concorda com o conceito, mas faz algumas ressalvas: Faz-se necessário desconstruir algumas conclusões que são colocadas de maneira pacífica na doutrina. O ponto relativo à finalidade do inquérito policial é uma delas. Admitir que o fim do inquérito seja fornecer justa causa para uma futura ação penal, significa concluir que a Polícia Civil trabalha a serviço do Ministério Público ou da vítima, no sentido de que as suas investigações são direcionadas a fornecer autoria e materialidade para uma ação penal, ou seja, a demonstrar a existência de um ilícito penal em face de um determinado cidadão. Não se nega que o inquérito policial possa ter essa consequência; mas, não se pode admitir que essa seja a sua finalidade. Essa distinção se faz necessária, em especial, para conscientizar que o instrumento em estudo não pode ser direcionado a um fim que vá de encontro ás prerrogativas do cargo de Delegado de Polícia, como a imparcialidade. Nesse contexto, a finalidade do inquérito policial, a partir da base teórica exposta nos capítulos anteriores, deve ser a produção de diligencias investigativas de modo a se colher todos os possíveis pontos de vista do fato, devidamente respeitados os direitos fundamentais dos afetos pela investigação policial, confirmando (ou não) a autoria e a materialidade. (ZANOTTI, 2018, p148.149) 2.3 Meios de investigação criminal Neste trabalho entenderemos os meios como sendo instrumentos pelos quais a investigação se concretiza materialmente para que possa atingir seu objetivo. Estudamos na aula 1 que não são apenas os órgãos policias os responsáveis pelo monopólio da investigação criminal, porém, como já vimos anteriormente, muitos autores tratam como sinônimos os termos investigação criminal e inquérito policial, por isso, analisaremos em maior escala esse instrumento, sem negligenciar os demais. Podemos afirmar que os principais meios (instrumentos) utilizados para concretizar a investigação são: Inquérito Policial; Investigação Criminal pelo Ministério Público; Comissões Parlamentares de Inquérito; Investigação Criminal por Particulares. Para que não haja mais dúvidas entre aqueles que defendem o monopólio do inquérito policial como único método de investigação criminal, tomamos a 26 liberdade de colacionar o parágrafo único do art. 4 do CPP, o qual confirma o caráter não exclusivo desse instrumento. DECRETO-LEI Nº 3.689, DE 03 DE OUTUBRO DE 1941 Código de Processo Penal. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, usando da atribuição que Ihe confere o art. 180 da Constituição, decreta a seguinte Lei: TÍTULO II DO INQUÉRITO POLICIAL Art. 4º A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria. Parágrafo único. A competência definida neste artigo não excluirá a de autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma função. Fonte: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689.htm Nesse mesmo sentido, Fernando Capez: O art. 4, parágrafo único, do Código de Processo Penal deixa claro que o inquérito realizado pela polícia judiciaria não é a única forma de investigação criminal. Há outras, como, por exemplo, o inquérito realizado pelas autoridades militares para a apuração de infrações de competência da justiça militar (IPM); as investigações efetuadas pelas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI), as quais terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, e serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de 1.3 de seus membros, para a apuração de fato determinado, com duração limitada no tempo (CF, art. 58, pg 3); o inquérito civil público instaurado pelo Ministério Público para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos (CF, art. 129, III) e que, eventualmente, poderá apurar também a existência de crimes conexo ao objeto da investigação; o inquérito em caso de infração penal cometida na sede ou dependências do Supremo Tribunal Federal (RISTF, art. 43); o inquérito instaurado pela Câmara dos Deputados ou Senado Federal, em caso de crime cometido nas suas dependências, hipótese em que, de acordo com o que dispuser o respectivo regimento interno, caberão à Casa a prisão em flagrante e a realização do inquérito (Súmula 397 do STF); a lavratura de auto de prisão em flagrante presidida pela autoridade judiciaria, quando o crime for 27 praticado na sua presença ou contra ela (CPP, art. 307). (CAPEZ, 2018, p,117) 2.3.1 Inquérito policial Consideramos o conceito de inquérito policial trazido pelo professor e promotor militar Renato Brasileiro de Lima. Brasileiro o define como o procedimentoadministrativo inquisitório e preparatório, presidido pela autoridade policial com o objetivo de identificar fontes de prova e colher elementos de informação quanto à autoria e materialidade da infração penal, bem como permitir que o titular da ação penal possa ingressar em juízo. Inquérito policial: é o instrumento, no direito processual penal, que, legalmente materializa a investigação criminal, presidida pela autoridade policial, nos termos do art. 4 do Código de Processo Penal. (ANSELMO, 2016, p62) Uma vez conceituado o instrumento, julgamos ser a melhor forma de entender esse procedimento desdobrando seu conceito e compreendendo cada expressão isoladamente. Procedimento administrativo inquisitório: o primeiro substrato do conceito é importante para o aluno entender que o inquérito não é um processo e sim um procedimento, pois, ao seu término, não será aplicada nenhuma sanção ao investigado, diferentemente do que ocorre no processo; O professor Fernando Capez, em sua obra Curso de Processo Penal, afirma ser administrativo por ter caráter preventivo, ou seja, visa a impedir a prática de atos lesivos a bens individuais e coletivos. Importante Por ser um procedimento administrativo, eventuais vícios do inquérito policial não contaminam o futuro processo penal, salvo provas ilícitas. 28 Preparatório: fornece elementos de informação para que o titular da ação penal possa ingressar em juízo, além de acautelar meios de prova que poderiam desaparecer com o decurso de tempo; Presidido pela autoridade policial: com o advento da lei 12.830 de 2013 foi dada ao delegado de polícia a fundamentação legal para a condução do inquérito policial. Essa lei também trouxe um dispositivo que dá retaguarda jurídica a este profissional na condução de seu trabalho, assegurando que sua remoção só ocorrerá de forma fundamentada; O novo artigo é importante porque, não raras vezes, observamos delegados de polícia sendo removidos, durante uma investigação, porque chegaram próximo a suspeitos endinheirados e com certo poder de influência. Nesses casos, a depender da força política do investigado, por meio de uma “canetada”, de uma hora para outra, o profissional é removido para outra unidade apenas com o único objetivo de suspender a investigação. LEI Nº 12.830, DE 20 DE JUNHO DE 2013 Dispõe sobre a investigação criminal conduzida pelo delegado de polícia. A PRESIDENTA DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1o Esta Lei dispõe sobre a investigação criminal conduzida pelo delegado de polícia. Art. 2o As funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais exercidas pelo delegado de polícia são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado. § 1o Ao delegado de polícia, na qualidade de autoridade policial, cabe a condução da investigação criminal por meio de inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei, que tem como objetivo a apuração das circunstâncias, da materialidade e da autoria das infrações penais. 29 § 2o Durante a investigação criminal, cabe ao delegado de polícia a requisição de perícia, informações, documentos e dados que interessem à apuração dos fatos. § 3o (VETADO). § 4o O inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei em curso somente poderá ser avocado ou redistribuído por superior hierárquico, mediante despacho fundamentado, por motivo de interesse público ou nas hipóteses de inobservância dos procedimentos previstos em regulamento da corporação que prejudique a eficácia da investigação. § 5o A remoção do delegado de polícia dar-se-á somente por ato fundamentado. § 6o O indiciamento, privativo do delegado de polícia, dar-se-á por ato fundamentado, mediante análise técnico-jurídica do fato, que deverá indicar a autoria, materialidade e suas circunstâncias. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12830.htm Fontes de prova: por ora, entenderemos esse instituto como sendo todas as pessoas ou coisas que têm algum conhecimento sobre o fato delituoso. Por exemplo: uma testemunha presencial, um equipamento de vigilância eletrônica, uma faca suja de sangue, entre outros. Maiores detalhes sobre prova e suas espécies serão tratadas na aula 3; Prova do crime! Fonte: https://br.freepik.com/fotos-premium/oficial-mostrando-uma-faca-com-sangue-c omo-prova-na-sala-de-interrogatorio_3872982.htm Elementos de informação: são aquelas informações trazidas a conhecimento por meio do inquérito policial. Ainda não passaram pelo crivo do contraditório. A sua comparação com o conceito de “provas” também será estudada na próxima aula. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12830.htm 30 A função preservadora do inquérito policial se confunde com o principal fundamento da investigação criminal, ou seja, a existência prévia de um inquérito inibe a instauração de um processo penal infundado, temerário, resguardando a liberdade do inocente e evitando custos desnecessários para o Estado. Não podemos entender essa função como um simples conceito teórico; ela é mais importante que isso. Imagine um cidadão que nunca teve problemas com a justiça e, consequentemente, nunca pisou em uma delegacia, seguidor de regras e que, além disso, sonha em ter um cargo público. Certa feita, ao pedir que seu vizinho de muro abaixasse o som, é por ele injuriado. No dia seguinte o vizinho afirma ao delegado de polícia que o foi ele quem o insultou e o ameaçou de morte com uma arma de fogo em mãos. Nessa situação hipotética cabe ao delegado de polícia se cercar de todas as informações necessárias antes de relatar o inquérito e o mandar para a justiça, caso não o faça, pode arruinar a vida inteira desse cidadão modelo. Uma vez estudado, satisfatoriamente, o conceito de inquérito policial, passemos a estudar agora suas características. 1 – Escrito: o art. 9 do CPP informa que todas as peças do inquérito policial serão, num só, processadas e serão reduzidas a escrito ou datilografadas. Vale lembrar que alguns termos do citado diploma legal ainda são originais de 1942, ano do código. Sobre a característica “escrito” não se têm muitos comentários a fazer, apenas que ele deve ser um documento reduzido a termo, mas devemos sim tecer alguns comentários quanto às modernas técnicas de gravações audiovisuais, muito usadas atualmente. Não se pode negar que elas facilitam muito o trabalho de policiais e juízes, mas essa prática não seria contraria a essa característica do inquérito? Doutrina majoritária afirma que não; concordamos com o posicionamento do professor Renato Brasileiro sobre o tema: Diante do teor do art. 9 do CPP, discute-se, na doutrina, acerca da possibilidade de se utilizar de recursos de gravação audiovisual no curso das investigações policiais. A nosso juízo, apesar de o CPP não fazer menção á gravação audiovisual de diligencias realizadas no curso do inquérito policial, deve atentar para a data em que o referido 31 códex entrou em vigor (1 de janeiro de 1942). Destarte, seja por força de uma interpretação progressiva, seja por conta de uma aplicação subsidiaria do art. 405, pg 1 do CPP, há de se admitir a utilização desses novos meios tecnológicos no curso do inquérito. Portanto, sempre que possível, o registro dos depoimentos do investigado, do indiciado, ofendido e testemunhas será feito pelos meios ou recursos de gravação magnética, estenotipia, digital ou técnica similar, inclusive audiovisual, destinada a obter maior fidelidade das informações. (BRASILEIRO, 2017, p.85) 2 – Dispensável: significa dizer que, por mais completo e bem preparado que esteja, o Ministério Público não precisa dele para oferecer a denúncia. Se, por outras peças de informação, o membrodo MP entender que já possui a justa causa para o oferecimento da ação penal, poderá fazê-lo sem o inquérito policial. A ideia de dispensabilidade do IP está prescrita no art. 27 do CPP: “qualquer pessoa do povo poderá provocar a iniciativa do Ministério Público, nos casos em que caiba a ação pública, fornecendo-lhe, por escrito, informações sobre o fato e a autoria e indicando o tempo, o lugar e os elementos de convicção”. Bruno Taufner Zanotti pontua: De fato, caso existam elementos suficientes, o Ministério Público pode, independentemente da existência do inquérito policial, propor a denúncia. No entanto, esses casos são a exceção e a imensa maioria das ações penais é instruída pelo inquérito policial, que se mostra como importante procedimento para se verificar indícios de autoria e prova de materialidade. Na verdade, o inquérito policial é um dos principais instrumentos penais porque materializa praticamente todo o conjunto probatório. Afinal, além de a instrução em juízo ser pouco efetiva, ela basicamente reitera as provas produzidas e sede de inquérito policial. Isso sem contar que existem diversas provas que, por sua natureza, são irrepetiveis, como a interceptação telefônica, o cumprimento de busca e apreensão, a confecção de uma perícia, entre outros. Trata-se, por tanto de uma dispensabilidade regrada, na medida em que o inquérito policial, de fato, só é dispensável nos poucos casos em que a vítima ou o Ministério Público possuírem documentos suficientes de autoria e materialidade do fato. Nas demais hipóteses, o inquérito policial mostra-se como instrumento necessário e indispensável para o funcionamento da justiça criminal. Afinal, cabe ao Delegado de Polícia eleger as linhas de investigação, de modo que as suas atitudes dependerá, em geral, do êxito da acusação. (ZANOTTI, 2018, p. 150). Ou seja, mesmo sendo dispensável, o IP é uma peça muito útil para a formação da “opinio delicti” tendo em vista ser um procedimento completo e com 32 muitas informações sobre o fato delituoso. Na prática, a maioria das ações penais em curso são fundamentadas pelo inquérito policial prévio, afinal, a maioria das provas trazidas ao processo pela acusação são os elementos de informação colhidos na investigação que passaram pelo contraditório. 3 – Sigiloso: é bem verdade que o inquérito é um ato administrativo, afinal é produzido por funcionário público no exercício de sua função, também é sabido que, como regra, os atos públicos obedecem ao Princípio da Publicidade por questões de transparência administrativa. Porém, no processo penal, o que precisa ser público é o processo e não o inquérito, afinal, o sigilo é indispensável para a eficácia das investigações. Pensemos na hipótese em que um investigado tenha livre acesso aos autos de investigação, então ele decide ir até a delegacia de polícia, folheia o inquérito em que é acusado de tráfico de drogas e percebe que na manhã do dia seguinte será cumprido um mandado de busca e apreensão em sua residência. Com certeza a diligência seria inócua. Vocabula rio Diligência: interesse ou cuidado aplicado na execução de uma tarefa. Inócua: Inofensiva; que não é perigosa; que não causa dano ou prejuízos. Vale ressaltar que para alguns atores da persecução penal não se impõe o sigilo, são eles: o juiz da causa, o membro do MP, o Delegado presidente, os policias da investigação e ao advogado constituído. Sobre este último, algumas considerações se fazem necessárias. Vocabula rio Persecução penal: tem como função uma soma de atividade investigatória e com ação penal promovida pelo ministério Público. 33 LEI Nº 8.906, DE 04 DE JULHO DE 1994 Dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte lei: TÍTULO I Da Advocacia CAPÍTULO II Dos Direitos do Advogado Art. 7º São direitos do advogado: XIV - examinar, em qualquer instituição responsável por conduzir investigação, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de investigações de qualquer natureza, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos, em meio físico ou digital; § 10. Nos autos sujeitos a sigilo, deve o advogado apresentar procuração para o exercício dos direitos de que trata o inciso XIV. (Incluído pela Lei nº 13.245, de 2016) § 11. No caso previsto no inciso XIV, a autoridade competente poderá delimitar o acesso do advogado aos elementos de prova relacionados a diligências em andamento e ainda não documentados nos autos, quando houver risco de comprometimento da eficiência, da eficácia ou da finalidade das diligências Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8906.htm Como se pode compreender após a leitura do art. 7 do estatuto da advocacia, o advogado tem acesso aos autos de inquérito policial na defesa de seu cliente, mas esse direito não é absoluto, está restrito às diligências já documentadas e não àquelas ainda em andamento. Essa explicação é bastante lógica, imagine que o aparelho telefônico de um investigado esteja sendo objeto de interceptação telefônica (diligência em andamento), se seu advogado pudesse ter acesso à diligência, ele certamente comunicaria seu cliente que, imediatamente, pararia de falar ao telefone; inutilizando, desta forma, por completo a medida cautelar e paralisando a investigação. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2016/Lei/L13245.htm#art1 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8906.htm 34 A controversa questão do acesso advocatício aos autos de IP envolve um aparente impasse entre os direitos fundamentais e a natureza inquisitiva do inquérito. De um lado, temos a proteção à testemunha e o seu caráter sigiloso, de outro, o acesso do advogado como prerrogativa e desdobramento lógico do princípio do contraditório e ampla defesa. Para tentar facilitar esse entendimento e colocar um ponto final nas discussões, o Supremo Tribunal Federal editou a súmula vinculante n.14: “É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.” Interpretada essa súmula, Rodrigo Carneiro Gomes, em sua obra Investigação Criminal pela Polícia Judiciaria, aponta três situações: Situação 1. Advogado sem procuração. Embora a lei preveja o acesso da investigação ao advogado (constituído) sem procuração, este deve atuar no interesse da defesa de seu cliente, ou seja, o investigado deve possuir um relacionamento direto com o profissional que o representa, ainda que este se apresente na repartição pública sem procuração. Não são raras as situações de advogados que se apresentam em delegacias, ao tomarem conhecimento de prisões em flagrante, e se identificam como advogado do preso sem nem sequer saber o nome de quem o constituiu. Nessa linha, o advogado alheio à investigação ou desconhecido do investigado não tem garantido por lei o direito de “peneirar” inquéritos, investigações e processos administrativos em repartições públicas para, num posterior momento, “oferecer” seus serviços aos potenciais investigados. O delegado de polícia zelará para que seja feito contato com o investigado e confirmado se o profissional que ali se apresenta o faz no interesse de seu cliente. A lei busca garantir um rol de prerrogativas para o advogado e de garantias para o acesso da investigação pelo interessado, e não a mercantilização de serviços advocatícios. Nesse sentido, o STF (HC 93767, relator ministro Celso de Mello) decidiu que “o sistema normativo brasileiro assegura ao advogado regularmente constituído pelo indiciado (ou por aquelesubmetido a atos da persecução estatal) o direito de pleno acesso aos autos de persecução penal, mesmo que sujeita, em juízo ou fora dele, a regime de sigilo (necessariamente excepcional)”. Situação 2. Prazo para deferimento de vista. Na omissão da lei, deve-se adotar, por analogia e salvo motivo de força maior, os prazos previstos pela lei 9784.99, que regula o processo administrativo público federal, a qual, em seu artigo 24 dispõe que: “Inexistindo disposição especifica, os atos do órgão ou autoridade responsável pelo processo e dos administrados que dele precisem devem ser praticados no prazo de cinco dias, salvo motivo de força maior. Paragrafo único. O prazo previsto nesse artigo pode ser dilatado até o dobro, mediante comprovada justificação”. Situação 3. Examinar autos de flagrante e de investigação de qualquer natureza. A legislação não restringiu o acesso a qualquer tipo de investigação, portanto, o acesso do advogado, na defesa de seu cliente 35 (previamente constituído ou na pratica do ato), não se limita, quanto ao tipo de investigação, à investigação criminal ou administrativa, preparatória ou incidental, procedimento administrativo criminal ou investigatório criminal (PAC-PIC)(GOMES, 2016,p. 175.176) Somados a súmula vinculante e o estudo dessas situações, não há mais lacunas sobre a atuação do advogado na fase preliminar. 4 – Inquisitorial: na fase de inquérito, não é necessária a observância do contraditório e da ampla defesa. Entende-se por contraditória a ciência bilateral, por parte do investigado, dos atos ou termos do processo e a possibilidade de contrariá-los. Ou seja, o direito que o investigado tem de saber que existe um procedimento investigatório contra ele e a possibilidade de questioná-lo. Para Renato Brasileiro: consiste na ciência bilateral dos atos ou termos do processo e a possibilidade de contrariá-los. Eis o motivo pelo qual se vale a doutrina da expressão “audiência bilateral”, consubstanciada pela expressão em latim audiatur et altera pars (seja ouvida também a parte adversa). Já o princípio da ampla defesa se divide em defesa técnica e autodefesa. A defesa técnica é aquela exercida por profissional da advocacia regularmente escrito na OAB. A autodefesa, que é exercida pelo próprio acusado, se subdivide em: AUTODEFESA A) Direito de audiência B) Direito de presença C) Capacidade postulatória autônoma do acusado Nada mais é do que o direito que o acusado tem de ser ouvido pelo Juiz. É o direito que o acusado possui de acompanhar os atos da instrução probatória. O ordenamento jurídico confere ao acusado capacidade postulatória autônoma para praticar certos atos processuais, ainda que ele não seja profissional da advocacia, como o habeas corpus por exemplo. Fonte: elaborado pelo autor (2019), adaptado pelo DI (2019). 36 5 – Discricionário: significa apenas que o delegado de polícia é livre para presidir o inquérito da forma que melhor lhe convier, certamente, sempre dentro dos limites legais. Sobre essa característica, surge uma questão bastante incontroversa entre os doutrinadores, que seria uma exceção sobre a discricionariedade do delegado. Seria ele obrigado a atender às requisições do membro do MP? Sem muitas delongas, concordamos com parte da doutrina que diz que sim, ele é obrigado. Compartilhamos o entendimento do art. 129 VIII da CF: “São funções institucionais do Ministério Público: VIII - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais”. O verbo requisitar tem sinônimo de ordem e não simples pedido. Além disso, cabe ao ministério público o oferecimento da denúncia, assim, nada mais justo que requisitar ao delegado algumas diligências que facilitem essa prerrogativa. 6 – Indisponível: significa apenas que o delegado de polícia jamais poderá, por autoridade própria, arquivar autos de inquérito, conforme dispõe o art. 17 do CPP: “ A autoridade policial não poderá mandar arquivar autos de inquérito”. 7 – Temporário: o inquérito policial precisa respeitar a razoável duração do “processo”, mesmo não sendo um. Trata-se de um direito subjetivo do investigado. 8 – Oficialidade: segundo Capez, o inquérito policial é uma atividade investigatória feita por órgãos oficiais, ainda que a titularidade da ação penal seja atribuída ao ofendido, não podendo ficar a cargo do particular. 9 – Oficiosidade: assim que souber do cometimento de uma infração penal, independentemente de qualquer espécie de provocação, o delegado de polícia é obrigado a instaurar o competente inquérito, desde que a ação penal seja incondicionada. 37 Esgotadas as características do inquérito, passemos agora a conhecer as formas de instauração, as quais dependerão da espécie de ação penal a qual se sujeita o crime. Se estiver diante de crimes de ação penal pública condicionada à representação ou de ação penal de iniciativa privada, o inquérito não pode ser instaurado de ofício, dependerá de prévia manifestação da vítima ou de seu representante legal. Nesses casos, não há necessidade de formalismo, precisando apenas de alguma indicação por parte da vítima de que ela tenha interesse na persecução penal, por exemplo, boletim de ocorrência. Por outro lado, nos crimes de ação penal pública incondicionada, que é a regra em relação aos delitos, o inquérito poderá ser instaurado: De ofício: quando o delegado toma conhecimento e por meio de uma portaria determina a instauração do inquérito; Requisição da autoridade judiciária ou do Ministério Público: essa requisição da autoridade judiciária não é compatível com o nosso sistema acusatório. Não é conveniente que o Juiz requisite a instauração de um inquérito, pois estaria comprometendo sua imparcialidade e o próprio sistema acusatório. Nesses casos, o ideal é encaminhar a notícia ao órgão ministerial, para que o Ministério Público requisite a instauração do inquérito; Requerimento do ofendido (ou de seu representante legal): nesses casos poderá ocorrer o indeferimento pelo Delegado, pois ele não é obrigado a instaurar o inquérito. Caso o delegado de polícia não instaure o IP solicitado pela vítima ou por seu representante legal, o CPP prevê um recurso inominado para o chefe de polícia (Secretário de Segurança Pública ou Superintendente da Polícia Federal ou Delegado geral da polícia Civil). Faz-se importante a menção sobre a chamada “denúncia anônima”. A principal discussão reside na ideia de se ela é capaz de, isoladamente, iniciar um inquérito policial, entende que o delegado de polícia, frente a uma “denúncia anônima”, deve determinar diligências investigatórias com o objetivo de verificar 38 se procedem; se sim, determina-se a instauração de inquérito, se não, faz-se um relatório de diligências informando a situação. Além disso, a CF veda o anonimato justamente pelo fato de inviabilizar uma possível reparação de danos caso haja má-fé. Posicionamento compartilhado pelo nosso tribunal maior: STF: “[...] Firmou-se a orientação de que a autoridade policial, ao receber uma denúncia anônima, deve antes de realizar diligências preliminares para averiguar se os fatos narrados nessa “denuncia” são materialmente verdadeiros, para, só então, iniciar as investigações”. (STF, 1 Turma, HC 95.244-PE, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 23.03.2010, DJe 76 29.04.2010). Com relação aos prazos para encerramento do inquérito policial, passamos a leitura do artigo 10º do CPP: “O inquérito deverá terminar no prazo de 10 dias, se o indiciado tiver sido preso em flagrante, ou estiver preso preventivamente, contado o prazo, nesta hipótese, a partir do dia em que se executar a ordem de prisão, ou no prazo de 30 dias, quando estiver solto, mediantefiança ou sem ela”. Com a leitura do diploma legal, percebe que, se o indiciado estiver preso, o delegado tem 10 dias para concluí-lo, já, se o indiciado estiver solto, terá 30 dias. Esse é o prazo da justiça estadual, na legislação extravagante, e na justiça federal existem outros prazos diferenciados para a conclusão do procedimento. Relação excepcional dos prazos para encerramento do IP. Prazo Solto Preso Justiça Estadual 30 dias 10 dias Justiça Federal 30 dias 15 + 15 dias Lei de Drogas 90 + 90 dias 30 + 30 dias Justiça Militar 40 dias 20 dias Crimes contra a Economia Popular 10 dias 10 dias Prisão Temporária em Crimes Hediondos Não se aplica 30 + 30 dias. Fonte: elaborado pelo autor (2019), adaptado pelo DI (2019). 39 O indiciamento é atribuição exclusiva do delegado de polícia. É uma exceção quando as requisições são feitas pelo MP, nesse caso, o delegado poderá se negar a indiciar alguém a pedido do promotor de justiça. Vocabula rio Indiciamento: atribuir, formalmente, a alguém o cometimento de uma infração penal. A última peça do inquérito policial é o relatório da autoridade. Trata-se de uma peça de caráter descritivo, em que o delegado de polícia descreve as principais diligências investigatórias realizadas e o porquê das não realizadas. Ele não deve expor sua opinião pessoal no relatório, salvo no caso de drogas para diferenciar a posse do porte conforme se depreende da leitura do inciso 1 do art. 52 da lei de drogas: “Art. 52. I - Relatará sumariamente as circunstâncias do fato, justificando as razões que a levaram à classificação do delito, indicando a quantidade e natureza da substância ou do produto apreendido, o local e as condições em que se desenvolveu a ação criminosa, as circunstâncias da prisão, a conduta, a qualificação e os antecedentes do agente”. Terminado o relatório, o delegado de polícia enviará os autos para o juiz competente que, por sua vez, encaminhará para o membro do MP, o qual poderá adotar três posturas frente ao recebimento do inquérito: Oferecimento da denúncia; Promoção do arquivamento; Requerimento de novas diligências. Alguns autores ainda afirmam que o promotor de justiça ou procurador da república, no caso da justiça federal, poderá suscitar conflito de competência ou ainda declinação de competência, mas essa discussão não é interessante para o presente trabalho, mas, sim, para que o aluno tenha ciência de sua existência. 40 Saiba Mais Declinação de Competência: ocorre quando o membro de MP entende que o juízo perante o qual atua não é competente para o julgamento do feito. Conflito de Competência: neste caso, já houve uma manifestação judicial anterior de incompetência. Por exemplo o juízo federal julgando que não se trata de moeda falsa (sua competência) e sim de falsificação grosseira (competência da justiça estadual). Temos ciência de que o tema inquérito policial não foi esgotado e que ainda existem vários pormenores a serem estudados, mas como dissemos na apresentação da disciplina, o objetivo do presente material é capacitar o aluno a conhecer um pouco mais sobre a investigação criminal e seus meios. Temos certeza de que esse objetivo foi alcançado. Pesquise Recomendamos para o tema “Inquérito Policial” a leitura de qualquer Código de Processo Penal Comentado desde que atualizado. Ou ainda obras direcionadas ao estudo das atribuições do cargo de Delegado de Polícia. Recomendamos “Delegado de Polícia em Ação” dos autores Bruno Taufner Zanotti e Cleopas Isaias Santos. 2.3.2. Investigação criminal pelo Ministério Público Atualmente, a discussão que existe sobre a possibilidade de o MP investigar é meramente doutrinária, uma vez que, em 14 de maio de 2015, foi editado o informativo 785 do STF, entendendo perfeitamente possível a investigação criminal por parte do órgão. O informativo tem como base o seguinte julgado do Ministro Gilmar Mendes: O Ministério Público dispõe de competência para promover, por autoridade própria, e por prazo razoável, investigações de natureza penal, desde que respeitados os direitos e garantias que assistem a qualquer indiciado ou a qualquer pessoa sob investigação do Estado, observadas, sempre, por seus agentes, as hipóteses de reserva constitucional de jurisdição e, também, as prerrogativas de que se acham investidos, em nosso país, os advogados, sem prejuízo da 41 possibilidade, – sempre presente no Estado democrático de Direito – do permanente controle jurisdicional dos atos, necessariamente documentados (Enunciado 14 da Súmula Vinculante), praticados pelos membros dessa Instituição. [...] A legitimidade do poder investigatório do órgão seria extraída da Constituição, a partir de cláusula que outorgaria o monopólio da ação penal pública e o controle externo sobre a atividade policial. O “parquet”, porém, não poderia presidir o inquérito policial, por ser função precípua da autoridade policial. Ademais, a função investigatória do Ministério Público não se converteria em atividade ordinária, mas excepcional, a legitimar a sua atuação em casos de abuso de autoridade, prática de delito por policiais, crimes contra a Administração Pública, inércia dos organismos policiais, ou procrastinação indevida no desempenho de investigação penal, situações que, exemplificativamente, justificariam a intervenção subsidiária do órgão ministerial [...]. (RE 593.727) Os autores contrários à investigação trazem, basicamente, quatro pontos como fundamentos para a inadmissibilidade da investigação: A investigação pelo membro do MP atenta contra o sistema acusatório; A Constituição Federal dotou o MP do poder de requisitar diligências e a instauração de inquéritos, mas não o de presidir inquéritos policiais; A atividade investigatória é exclusiva da Polícia Judiciária; Não há previsão legal de instrumento idôneo para as investigações pelo MP – procedimento investigatório criminal. Tais argumentos são interessantes apenas em nível de discussão acadêmica, mas, de acordo com o julgado acima, o martelo já está batido quanto à admissibilidade da investigação pelo MP. A doutrina e a jurisprudência consagram como fundamento principal para o seu poder investigatório o Princípio da Teoria dos Poderes Implícitos. Teoria esta que também fundamentou o informativo exposto acima. De acordo com Bruno Taufner Zanotti, sempre que a Constituição Federal confere uma atribuição a determinado órgão ou instituição, confere também, implicitamente, os poderes necessários para a execução dessa atribuição, desde que não haja limitação expressa. Com base nessa teoria, se o MP, consoante art. 129, inciso 1 da CF, pode promover a ação penal, possui, também, implicitamente, os meios necessários 42 para esse fim, qual seja, o poder de proceder as investigações necessárias para promover a ação penal. Alguns autores defendem que a CF, em seu art. 144, conferiu à Polícia Federal a “exclusividade” do exercício das funções de polícia judiciaria e, assim, a incompatibilidade da investigação do MPF. Por polícia investigativa compreendem-se as atribuições ligadas a colheita de elementos informativos quanto a autoria e materialidade das infrações penais. A expressão polícia judiciaria está relacionada ás atribuições de auxiliar o Poder Judiciário, cumprindo as ordens judiciarias relativas à execução de mandado de prisão, busca e apreensão, à condução coercitiva de testemunhas, etc. (BRASILEIRO, 2017, p.59) Mas o certo é que não se confundem os conceitos de polícia judiciaria e polícia investigativa. Importante Pode-se afirmar que é dado ao Ministério Público o poder da investigação criminal, mas não o de conduzir inquéritos policiais. Os documentos produzidos pela investigação do órgão serão denominados peças informativas. Saiba Mais Recomendamos
Compartilhar