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Relações entre ética, alteridade e visão de mundo numa perspectiva
humanizadora
Professor Vitor Nunes Rosa
Ética, alteridade e humanização são intrinsecamente relacionadas e cada vez mais
necessárias na sociedade contemporânea, adequadamente denominada por
Zygmunt Bauman, pensador contemporâneo, como “sociedade líquido-moderna”.
Vamos, então, exercitar o pensamento crítico refletindo sobre a busca do sentido da
existência humana e as visões de mundo que perpassam a realidade
contemporânea.
Para refletirmos criticamente sobre uma visão fortemente presente na realidade
contemporânea, vamos dialogar com Bauman.
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Por que chamar a sociedade atual de líquido-moderna?
Bauman (2001) explica que os líquidos assumem a forma do recipiente no qual são
colocados, ou seja, não têm formato definido; e movimentam-se com muita
velocidade – caracterizam-se pela extraordinária mobilidade. Eles não mantêm sua
forma com facilidade, não se atêm a qualquer forma e estão constantemente
prontos a mudá-la. Os líquidos se movem facilmente; fluem; escorrem; respingam;
contornam ou dissolvem os obstáculos; invadem ou inundam o seu caminho. Assim,
o movimento contínuo e a virtualidade da vida retratam a predominância da liquidez
no mundo contemporâneo.
Essa imagem – ou metáfora – utilizada por Bauman (2001) expressa de modo muito
claro o mundo atual, com sua liquidez: os valores são questionados o tempo todo; o
que é, deixa de ser e o que não é, passa a ser. Tudo isso com facilidade e rapidez
impressionantes.
Bauman (2008) acentua também que estamos vivendo em uma sociedade na qual
ocorre a ditadura do instantâneo (efêmero), da superexposição da vida privada, do
hedonismo consumista e materialista. Carências não resolvidas ou mal-resolvidas
intensificam um processo de transformação das pessoas em mercadorias
(comodificação: processo de transformação das pessoas em commodities,
mercadorias em inglês), por exemplo, pautando-se em aspectos de cibervida nas
redes sociais, com tendências à desabilitação social – prevalecendo uma vida offline
para quem está presente, e on-line para quem está distante (cibervida).
Nesse contexto líquido-moderno, as pessoas são estimuladas ou forçadas a
promover uma mercadoria atraente e desejável, utilizando os melhores recursos que
têm à disposição para aumentar o seu valor no mercado. E os produtos que são
incentivadas a colocar no mercado, promover e vender são elas mesmas. Ao
mesmo tempo, as pessoas são as mercadorias, os promotores da mercadoria e
seus vendedores (BAUMAN, 2008).
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Associadas a essa situação, aumentam a obsolescência – inclusive programada – e
a indústria da remoção de lixo resultantes do consumismo dirigido por estratégias
que estimulam o descarte constante em razão da oferta de novos produtos
sugeridos como capazes de preencher ou solucionar as constantes insatisfações
dos clientes ávidos por novidades, como evidencia a análise de Bauman (2008).
Nesse contexto, as pessoas confundem felicidade e hedonismo, entendido como um
pensamento egocêntrico e egoísta, preocupado apenas com os prazeres. O
hedonismo – um dos traços fortes da sociedade líquido-moderna – justifica a busca
da satisfação individualista dos desejos, tendo como referência o consumismo e a
preguiça mental e moral, com um consumismo acelerado – pautado por vezes pela
efemeridade e pelo desperdício.
O hedonista mantém relacionamentos momentâneos e superficiais, sem
compromissos com projetos de transformação fundamentados na justiça social, vive
um alto nível de egoísmo e orienta suas ações/decisões pelo relativismo moral,
regulando-se pela opinião pessoal como critério máximo das escolhas dos valores e
dos princípios normativos.
Em caminho oposto à visão de mundo da sociedade líquido-moderna, temos a ética
da alteridade e a busca do autoconhecimento, com os questionamentos
cotidianamente feitos pela Filosofia.
As pessoas, ao buscarem o sentido de sua existência, constroem suas visões de
mundo com o objetivo de estruturar a sociedade e dar razões para as diversas
dimensões da vida. Enfim, buscam a felicidade!
No entanto, Bauman (2008) esclarece criticamente que a sociedade
líquido-moderna associa consumo à felicidade (aquisição, uso e rápida substituição
dos objetos do desejo) – em outras palavras, o consumismo toma conta do
cotidiano das pessoas, associando felicidade ao volume e intensidade dos desejos
sempre crescentes. Isso faz com que o consumo seja transformado em
3
consumismo. Assim, impera uma era de obsolescência embutida dos bens
oferecidos no mercado e aumento da indústria de remoção do lixo.
Nesse contexto líquido-moderno, estimula-se a euforia que é apresentada como
sinônimo de felicidade. Diferente da felicidade, fruto do amadurecido equilíbrio
interior, o estado eufórico é uma sensação superficial e passageira de satisfação
com o preenchimento pontual de vazios existenciais por meio de eventos de
natureza superficial, um dos traços marcantes da liquidez moderna. Somos
constantemente estimulados a viver intensamente um momento, como se a vida
fosse uma sequência de frames ou episódios, sem o vínculo com a estabilidade do
equilíbrio interior.
Um exemplo bem atual e evidente dessa relação estabelecida entre euforia e
felicidade pode ser observado nas postagens de fotos de eventos nas redes sociais.
As pessoas aparecem exageradamente felizes nas situações corriqueiras da vida.
Será que realmente todas as pessoas participantes de um evento estavam
extraordinariamente felizes como aparentam estar nas fotos postadas nas redes
sociais?
Por que essa necessidade atual extremada de (a)parecer feliz? Estamos em uma
sociedade de pessoas hiperfelizes? Qual é a fórmula predominante para encontrar
essa tal felicidade? Parafraseando o cinema nacional, quanto vale ou é por quilo?
O mundo contemporâneo (líquido-moderno) pauta-se cada vez mais na ostentação
(termo cada vez mais relacionado aos diversos produtos da indústria cultural), no
qual prevalece o hedonismo associado ao materialismo consumista, que induz as
pessoas a entenderem a felicidade como algo inerente ao ato de ter em detrimento
de ser. A lógica do “mundo do ter” exclui a dinâmica do encontro com o outro,
relegando a alteridade a um segundo plano.
Nesse sentido, a alteridade representa o oposto da visão de mundo característica
da sociedade contemporânea, quando conduzida pelo hedonismo consumista. As
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considerações feitas por Mario Sergio Cortella, em seu diálogo com La Taille, nos
ajudam a compreender o significado profundo e a importância da “alteridade” no dia
a dia.
Neste trecho do diálogo entre Cortella e La Taille, fica bem claro o significado de
alteridade e como a sua vivência altera positivamente nossa visão a respeito das
outras pessoas.
Mario Sergio: Um dos temas que a escola precisa trazer cada
vez mais para o cotidiano dos alunos é a visão de alteridade:
olhar o outro como outro, e não como estranho. Vale lembrar
que os latinos usavam uma expressão para “eu”, que é a
própria noção de ego, e duas para o não-eu. Uma é alter e
outra é alius. Alter é o outro; alius é o estranho. Entender a
alteridade é ser capaz de olhar o outro como outro e não como
estranho. É interessante porque alius, que gerou em português
‘alienígena’, gerou também “alienação” e “alheio”. Em inglês, por
exemplo, quem não é daqui, ou seja, quem é um “ele” e não um
“nós”, é chamado de stranger ou de foreigner – aquele que é de
fora. Nos filmes clássicos de faroeste, aquele que não era da cidade
era um “forasteiro”. Ora, do ponto de vista ético, a noção de
acolhimento supõe que o outro não seja visto como forasteiro ou
estrangeiro, não seja visto como alheio. É a perspectiva de entender
o outro como outro e não como estranho (CORTELLA; LA TAILLE,
2006, p. 31).
A alteridade nos leva a ver o outro como outro e não como estranho a ser
descartado, por ser considerado diferente, perigoso ou desprezível. Ela é
fundamental para sustentar a vida em comunidade e o respeitoao ser humano. E
Cortella (2006) faz uma distinção essencial entre ser “comunidade” e ser
“agrupamento”:
Mario Sergio: Costumo fazer uma distinção entre comunidade e
agrupamento. Há duas possibilidades resultantes da junção de
pessoas: ou tem-se uma comunidade ou um agrupamento. O que
eu entendo por “comunidade”? Uma comunidade são pessoas
juntas com objetivos partilhados, mecanismos de autopreservação e
estruturas de proteção recíprocas. [...] O que é um agrupamento?
Agrupamento é a junção de pessoas que têm objetivos que
coincidem, mas que não têm mecanismos de proteção recíproca
nem estruturas de preservação. Uma cidade tem de ser uma
comunidade, não um agrupamento (CORTELLA; LA TAILLE, 2006,
p. 32).
5
Você percebeu a diferença entre comunidade e agrupamento? É importante
acompanhar o raciocínio desenvolvido por Cortella para entender o sentido de
alteridade e como ela contribui de forma decisiva para melhorar a qualidade de vida
e das relações nos espaços nos quais vivemos, principalmente no processo de
construção de comunidades.
Continuando o seu diálogo com Yves de La Taille, Mario Sergio Cortella pontua o
importante papel que a ética exerce na formação de comunidades, superando o
confronto e promovendo a alteridade, ao afirmar que:
Mario Sergio: A questão central da ética é a formação de
comunidades, e não de agrupamentos. E isso vale para o conjunto
da vida no planeta, não é algo só nosso. [...] comunidade é
convivência com objetivos comuns, relações de reciprocidade e
mecanismos de autopreservação. [...] o conflito é inerente à
convivência, mas o que não pode existir, que é típico do
agrupamento, é o confronto. O conflito é divergência de postura,
mas visando à continuidade da relação. O confronto é a busca da
anulação do outro, é típico da relação que pressupõe “eu de um
lado e eles de outro” (CORTELLA; LA TAILLE, 2006, p. 34).
Cortella destaca muito bem a importância da criação de comunidades e não a
formação de agrupamentos. Em sua análise, distingue o conflito e o confronto. O
conflito faz parte da vida em comunidade. Pensamos diferente. O conflito leva à
discussão, mas tem em vista a continuação da relação entre as pessoas. No
agrupamento, ocorre o confronto, caracterizado pela disputa, pela competição e
pela exclusão mútua. Para alguém ganhar, alguém tem de perder. Na comunidade,
vive-se a alteridade traduzida em forma de respeito à outra pessoa, convivência
fraterna. Implica acolhimento e vivência do conflito, mas sem confronto excludente.
Em razão do confronto – competição que leva à anulação do outro e consequente
negação da alteridade – que existe intensamente no mundo atual, as pessoas falam
muito em tolerância. Cortella prefere usar a palavra acolhida. O que distingue tolerar
de acolher? Veja a explicação de Mario Cortella.
6
Mario Sergio: Eu venho me rebelando há um certo tempo contra a
palavra “tolerância”... a palavra “tolerância” produz quase sempre um
sequestro semântico, pois quando alguém a usa, está querendo dizer
que suporta o outro. Afinal, tolerar é suportar. Eu o suporto, aguento.
Você não é como eu, aceito isso, mas continuo sendo eu mesmo. Não
quero ter contato, só respeito a sua individualidade. Em vez de usar a
palavra “tolerância”, tenho preferido uma outra: “acolhimento”.
Há uma diferença entre tolerar que você não tenha as mesmas
convicções que eu e acolher suas convicções. Porque acolher significa
que eu o recebo na qualidade de alguém como eu (CORTELLA; LA
TAILLE, 2006, p. 28 – 29).
O acolhimento constitui-se como uma atitude própria de quem desenvolve a
alteridade, que vincula-se com a empatia. Assim, a vivência dos princípios da
alteridade nos relacionamentos cotidianos, sejam pessoais ou profissionais,
contribui significativamente para a humanização de nossas práticas. Por exemplo,
um profissional que vive a alteridade sabe ouvir o outro, acolhendo-o com respeito à
sua dignidade, e utiliza o conhecimento técnico para promover a qualidade de vida
da pessoa. Profissionais que não vivem a alteridade estão propensos a se tornarem
executores de procedimentos padronizados sem estabelecer um processo de
convivência humanizada.
REFERÊNCIAS
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: a transformação das pessoas em
mercadoria. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.
CORTELLA, Mario Sergio; LA TAILLE, Yves de. Nos labirintos da moral. 3. ed.
Campinas, SP: Papirus, 2006.
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