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U N O PA R TEO RIA D O CO N H EC IM EN TO Teoria do Conhecimento José Adir Lins Machado Sergio de Goes Barboza Maria Eliza Corrêa Pacheco Teoria do Conhecimento Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Machado, José Adir Lins ISBN 978-85-8482-168-6 1. Teoria do conhecimento. I. Barboza, Sergio de Goes. II. Pacheco, Maria Eliza Correa. III. Título CDD 121 M149t Teoria do conhecimento / José Adir Lins Machado, Sergio de Goes Barboza, Maria Eliza Correa Pacheco. – Londrina: Editora e Distribuidora Educacional S. A., 2015. 192 p. : il. © 2015 por Editora e Distribuidora Educacional S.A Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer outro meio, eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação ou qualquer outro tipo de sistema de armazenamento e transmissão de informação, sem prévia autorização, por escrito, da Editora e Distribuidora Educacional S.A. Presidente: Rodrigo Galindo Vice-Presidente Acadêmico de Graduação: Rui Fava Diretor de Produção e Disponibilização de Material Didático: Mario Jungbeck Gerente de Produção: Emanuel Santana Gerente de Revisão: Cristiane Lisandra Danna Gerente de Disponibilização: Nilton R. dos Santos Machado Editoração e Diagramação: eGTB Editora 2015 Editora e Distribuidora Educacional S. A. Avenida Paris, 675 – Parque Residencial João Piza CEP: 86041 -100 — Londrina — PR e-mail: editora.educacional@kroton.com.br Homepage: http://www.kroton.com.br/ Unidade 1 | Noções gerais acerca do conhecimento Seção 1 - Noções Elementares e Tipos de Conhecimento 1.1 | Compreensão de conhecimento Seção 2 - Conhecimento em Platão 2.1 | Platão e o conhecimento Seção 3 - Conhecimento em Aristóteles 3.1 | Aristóteles Seção 4 - Conhecimento Medieval e Renascentista 4.1 | Conhecimento medieval e renascentista Unidade 3 | A contemporaneidade e o neopositivismo Seção 1 - Contemporaneidade 1.1 | Os caminhos para os acontecimentos contemporâneos Seção 2 - Metafísica 2.1 | Filosofia primeira ou teologia Seção 3 - O Positivismo 3.1 | O Positivismo Unidade 2 | Principais desdobramentos da epistemologia moderna Seção 1 - O ceticismo moderno 1.1 | O abalo cético 1.2 | Ceticismo antigo Seção 2 - Descartes e o racionalismo 2.1 | O código cartesiano Seção 3 - O empirismo e a ciência moderna 3.1 | A modernidade e a guinada científica 3.2 | Francis Bacon: saber é poder 3.3 | John Locke: nascemos tábula rasa 3.4 | Hume – cético e empirista Seção 4 - O criticismo kantiano 4.1 | Kant e a revolução copernicana Sumário 7 11 11 19 19 27 27 35 35 57 61 61 62 69 69 83 83 85 88 91 97 97 109 113 113 121 121 125 125 3.2 | A metafísica do Positivismo de Comte Seção 4 - Neopositivismo 4.1 | Neopositivismo 4.2 | A metafísica para os neopositivistas 4.3 | Atomismo lógico 4.4 | Rudolf Carnap 4.5 | As teorias de Karl Popper e a crítica ao positivismo lógico Unidade 4 | As contribuições dos grandes pensadores Seção 1 - René Descartes e o problema da evidência clara e distinta 1.1 | Introdução Seção 2 - Karl Popper e Thomas Kuhn: a falseabilidade e a ciência normal 2.1 | Introdução Seção 3 - A virada linguística em Ludwig Wittgenstein 3.1 | Introdução 3.2 | A virada linguística em Ludwig Wittgenstein Seção 4 - A virada histórica em Michel Foucault 4.1 | Introdução 149 153 153 161 161 169 169 170 177 177 126 129 129 132 136 138 139 Apresentação Estudaremos, no transcorrer do nosso curso, alguns temas importantes relacionados à Teoria do Conhecimento e as contribuições de grandes pensadores que proporcionarão a você uma visão panorâmica dos diversos campos em que se desdobra a conduta do ser humano. Assim, na primeira unidade, o que se apresenta é a compreensão do conhecimento e suas diversas modalidades. Na segunda Unidade perpassaremos pelas questões epistemológicas deparando-nos com o desenvolvimento da antiga teoria do conhecimento, investigando os limites, as possibilidades, as origens e os tipos de conhecimentos, cujo objeto essencial a ser estudado será a ciência. As contribuições dos grandes pensadores da História nos faz ter uma nova forma de ver o mundo, portanto, a análise desta forma dialética do desenvolvimento do homem em sociedade é importante para uma visão ampla da nossa essência intelectual. Refletir as mudanças ocorridas, as contribuições das ciências e de todas as dimensões que permeiam as ações humanas nos faz existir enquanto criadores da história, tanto como ser coletivo, quanto ser individual. Neste contexto, contemplando a interdisciplinaridade, estudaremos na terceira unidade a ação evolutiva do homem em seu momento atual. Neste sentido, você vai ser levado a compreender os fatores históricos que contribuíram para os acontecimentos contemporâneos. Nesta mesma perspectiva se pretende refletir sobre a carência de pensadores como os iluministas do Século XVI ao Século XVIII. Ou seja, a busca por uma racionalidade para a boa convivência do corpo social. Nesta leitura perpassaremos pelos estudos positivistas e neopositivistas, buscando compreender seus pensadores. Na unidade quatro veremos os instrumentos incontornáveis para a sustentação da ciência moderna perpassando pelo pensamento cartesiano e positivista. Diante deste contexto, o que pretendemos é sensibilizar o leitor para uma forma de raciocínio lógico quanto à realidade com uma linguagem clara e simplificada para a compreensão adequada com relação aos objetivos propostos. Nestes aspectos contemplaremos as análises sociológicas, que os autores deste livro alvitram, numa condição não somente para o conhecimento, mas para a sua aplicabilidade na vida pessoal e profissional. Desejamos um excelente estudo aos nossos estudantes e leitores. Prof. Sergio de Goes Barboza Unidade 1 NOÇÕES GERAIS ACERCA DO CONHECIMENTO Pretendemos expor o que se compreende por conhecimento e as suas diversas modalidades, bem como o valor pertinente a cada tipo de conhecimento; diferenciando conhecimento teórico e prático e apresentando a compreensão mítica, passando para a elaboração da filosofia nascente e resgatando os pressupostos básicos à visão de mundo do homem grego antigo. Explanaremos as principais contribuições platônicas para a resolução do embate suscitado por Heráclito e Parmênides acerca da possibilidade ou não de conhecimento, principalmente ao que se refere à questão do ser e do devir; e o dualismo platônico com forte ênfase ao mundo inteligível, eterno, imutável e verdadeiro; valendo-se de modo significativo da compreensão epistemológica presente no Mito da Caverna, entre outros. Seção 1 | Noções Elementares e Tipos de Conhecimento Seção 2 | Conhecimento em Platão Objetivos de aprendizagem: Possibilitar aos estudantes refletirem criticamente sobre a questão do conhecimento, compreendendo a sua natureza e alcance, a sua gênese e os seus desdobramentos, bem como suas diversas modalidades. Inteirar-se da contribuição dos gregos antigos (Heráclito, Parmênides, Platão e Aristóteles) acerca das possibilidades do conhecimento verdadeiro da realidade e das principais contribuições dos filósofos medievais e renascentistas, principalmente da contribuição de Galileu Galilei na construção da ciência moderna. José Adir Lins Machado Noções gerais acerca do conhecimento U1 8 Apresentaremos a teoria aristotélica e unicista de conhecimento, a qual enfatiza o mundo concreto – divergindo do dualismo platônico – e explica o movimento recorrendo à questão do ato e potência e das quatro causas; além de explanar as modalidades de conhecimento (teorética, prática e produtiva), com ênfase a um empirismo germinal. Abordaremos a visão de conhecimento medieval fortemente marcada pelo cristianismo, pela visão bíblica e pela intolerância com visões de mundo divergentes; os primeiros questionamentos dos humanistas, com forte tendência antropocêntrica, indo até o renascimentoe a definitiva separação dos campos do conhecimento proporcionada pela contribuição galilaica. Seção 3 | Conhecimento em Aristóteles Seção 4 | Conhecimento Medieval e Renascentista Noções gerais acerca do conhecimento U1 9 Introdução à unidade Por vezes pode parecer que a filosofia seja uma disciplina estranha (e talvez realmente seja), pois indaga o óbvio, o comum. A filosofia questiona aquilo que parece natural, por exemplo, porque de uma semente de limão nunca nasce uma laranjeira? Você pode rir e achar tola a indagação, mas então explique o porquê. Existe uma resposta? Possivelmente sim, e os estudiosos da área se esforçarão em no-la apresentar. Quando os estudiosos correram atrás dessa resposta, eles estavam fazendo filosofia, pois estavam buscando o porquê. Questionar o óbvio implica deixar de lado tudo o que foi aprendido até então e tentar ver as coisas de um jeito novo, como se fosse a primeira vez que você vê aquilo que você sempre viu. Só assim conseguimos filosofar, pois o que temos em nossas mentes, na grande maioria das vezes, são informações, conhecimentos herdados ou adquiridos e não conhecimentos alcançados, conquistados. Partindo dessa compreensão, podemos nos perguntar: o que é o conhecimento? Nós conhecemos muitas coisas, ou achamos que conhecemos; mas o que, necessariamente, é conhecer? Existem diferentes tipos de conhecimento? Normalmente os filósofos entendem que conhecimento é um modo, uma maneira de compreender o mundo e explicá-lo atribuindo-lhe significado. Não nos referimos aos conhecimentos particulares, subjetivos; dos tipos: eu conheço tal pessoa, eu conheço tal cidade, por exemplo. Mas do conhecimento do mundo, da vida, da realidade como um todo, tal qual esse todo é. Entende-se que o propósito do conhecimento é conhecer a verdade e, novamente, poderíamos nos indagar: o que é a verdade? Muitos filósofos comungam da ideia de que a verdade é a plena adequação do mundo fora da nossa mente, com a representação ou ideia que dele temos em nossa mente. Essa é a chamada teoria correspondencialista da verdade. Aristóteles (384-322 a.C.) se referia a ela do seguinte modo: “dizer o que é do que é e o que não é do que não é, é verdade; dizer o que é do que não é e o que não é do que é, é falsidade”. Seria possível conhecer o mundo do jeito que ele é, ou só podemos conhecer a representação dele que os nossos sentidos nos permitem obter? Dito de outro modo: Noções gerais acerca do conhecimento U1 10 temos certeza de que todos nós vemos as coisas do jeito que elas são? Enxergamos as mesmas cores? Ouvimos os mesmos sons? E o som que nós ouvimos é o som que é emitido ou é apenas o som que o nosso ouvido consegue captar? Sentimos os mesmos gostos ou cada pessoa tem um paladar diferente? Se não sentimos os mesmos gostos, o gosto está nas coisas ou é atribuído às coisas por nossos órgãos sensoriais? Talvez nunca tenhamos respostas para essas perguntas. Noções gerais acerca do conhecimento U1 11 Seção 1 Noções elementares e tipos de conhecimento Nesta sessão, você terá oportunidade de conhecer os elementos bases da compreensão de conhecimento, desde a sua etimologia e tipos de conhecimento, até os diferentes modos de aplicação do mesmo, bem como a questão de valor do conhecimento em si ou em função da sua aplicabilidade. 1.1 Compreensão de conhecimento O vocábulo “conhecimento” em grego se diz gnose (γνώση) e em latim se diz cognitio; e ambos nos remetem à ideia de noção, ter noção, estar ciente, ter ciência. O temo “aprender” em língua latina é cognoscebre, muito próximo, como se vê, do nosso verbo conhecer. Isso pode nos indicar que conhecimento é uma técnica para aprender, ou apreender, a realidade. Nesse sentido, também temos a descrição de conhecimento, segundo o dicionário de Filosofia de Nicola Abbagnano, que nos diz que conhecimento é: Em geral, uma técnica para a verificação de um objeto qualquer, ou a disponibilidade ou posse de uma técnica semelhante. Por técnica de verificação deve-se entender qualquer procedimento que possibilite a descrição, o cálculo ou a previsão controlável de um objeto; e por objeto deve-se entender qualquer entidade, fato, coisa, realidade ou Fonte: Disponível em: <http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/9/90/Espelho_dos_Jer%C3%B3nimos. jpg?uselang=pt-br>. Acesso em: 31 mar. 2015. Figura 1.1 | Teoria correspondencialista: pensamento e realidade como reflexo um do outro Noções gerais acerca do conhecimento U1 12 propriedade. Técnica, nesse sentido, é o uso normal de um órgão do sentido tanto quanto a operação com instrumentos complicados de cálculo: ambos os procedimentos permitem verificações controláveis. (ABBAGNANO, 2003, p. 174). Creio ter ficado claro que conhecimento tem a ver com o modo como apreendemos a realidade que nos circunda. Em geral, essa apreensão se dá pelos sentidos, os quais nos oferecem a matéria-prima para que o intelecto organize as impressões que temos do mundo. O problema paira sobre a possibilidade de os nossos sentidos serem fiéis nessa apreensão e do nosso intelecto organizar corretamente o material apreendido. É aqui que se distinguem o lúcido e o louco. E, por que não dizer, os homens dos animais, pois os animais têm os sentidos, e alguns muito melhores que os nossos, mas, a princípio, não organizam a experiência coletada. Daí se entende que para um conhecimento poder ser considerado verdadeiro ele tem de passar pelo crivo da razão e, tanto quanto possível, ser demonstrado a sua veracidade de modo concreto, observável. Por isso, nos dias atuais, a ciência é considerada como uma das melhores formas de conhecimento em detrimento das demais modalidades. Contudo, é sempre bom ter presente que todas as formas de conhecimento são válidas e que não existe um conhecimento superior ao outro, embora existam conhecimentos que predominem mais em determinadas épocas e menos em outras. Também é pertinente distinguirmos as concepções de conhecimento, inteligência e sabedoria, pois não raro as pessoas creem que as três são sinônimas. Ter, ou reter, muito conhecimento, ou muitas informações (salientamos que nem toda informação é conhecimento; só é conhecimento a informação que nós incorporamos, que nos apossamos dela), enfim, ser culto, está ligado à capacidade de armazenamento do cérebro. Têm pessoas de boa memória que retêm muitos e variados conhecimentos. Inteligência é uma capacidade, talvez natural, de compreender de modo correto e rápido a informação que nos é apresentada. Uma pessoa pode ter as duas, boa memória e inteligência, ou Fonte: Disponível em: <http://upload.wikimedia.org/ wikipedia/commons/0/09/Intelig%C3%AAncia_Coletiva. jpg?uselang=pt-br>. Acesso em: 31 mar. 2015. Figura 1.2 | Conhecimento, inteligência e sabedoria são distintos Noções gerais acerca do conhecimento U1 13 uma apenas, ou nenhuma. Sabedoria é saber aplicar os conhecimentos obtidos, é saber viver, saber organizar a vida, saber conduzir-se na vida tratando bem as pessoas e a natureza toda. Uma pessoa pode ser sábia sem ser inteligente e sem ter boa memória, pois as três são independentes. Entende-se que existem cinco tipos de conhecimento, sendo quatro deles teóricos ou abstratos e um prático ou concreto. Os quatro teóricos são: o senso comum, o mitológico-religioso, o filosófico e o científico. E o prático é a técnica. O senso comum é espontâneo, natural, subjetivo. É o conhecimento imediato que temos mesmo sem nenhum tipo de estudo; por vezes, se diz que é a nossa opinião. Os gregos chamavam-no de doxa ( ). O senso comum, ao partir em busca de explicações para a realidade, acabou por originar o conhecimento mitológico. A palavra mito, mytheo ( ) em grego, significa narrativa, discurso; porém trata-se de uma narrativa fantasiosa; logo também significa narrativa, mas é uma narrativa mais plausível. Há quem defenda que o mito e a religião têm a mesma natureza (fantasiosa) e a partir disso dizem que se tratade um conhecimento mitológico-religioso ou mítico-teológico. Há, porém, quem defenda que do conhecimento mítico se originou de dois outros tipos de conhecimento, o religioso e o filosófico. O conhecimento filosófico teria sido o início do conhecimento racional e teria se originado no século VI a. C. nas colônias gregas, mais especificamente em Mileto, cidade situada no território que atualmente pertence à Turquia, mas que naquela época compunha a Magna Grécia e se chamava Jônia. Os primeiros filósofos são chamados de pré-socráticos e o primeiro deles é Tales de Mileto (625-558 a.C.). A preocupação deles era descobrir qual foi o elemento natural, físico, portanto, que originou tudo o que existe. Esse primeiro elemento, ou elemento primordial, em grego se diz arquê. Os pressupostos para melhor compreendermos as bases do conhecimento grego são: 1. Tudo se relaciona ao arquê (primeiro princípio). 2. A matéria (natureza, physis) é eterna, não houve o momento da criação. 3. O tempo é circular e cíclico. 4. Desaparecem os elementos míticos. 5. Há uma ordem (cosmos) no mundo, regida pelo logos (razão). 6. A composição do cosmos é unicamente de elementos naturais. 7. O homem é um microcosmo também regido pelo logos. Noções gerais acerca do conhecimento U1 14 Os gregos não acreditavam em criação do mundo, para eles o mundo sempre existiu, não foi criado. A matéria é eterna e, de tempos em tempos, tudo se repete. Teoria essa conhecida como eterno retorno. Você pode achar uma ideia estranha, mas hoje em dia há cientistas que defendem que o universo já passou por diversos big-bangs e que o universo se expande e se contrai (big crunch) e explode de novo, ou seja, eterno retorno. Na antiguidade filosofia era a totalidade do saber, mas a partir de certo momento as áreas específicas do conhecimento vão ganhando vida própria, vão se separando da filosofia. Possivelmente a primeira delas tenha sido a geografia, com Eratóstenes de Cirene (276-194 a.C.), bibliotecário da biblioteca de Alexandria, considerado o primeiro homem que mediu a circunferência do planeta. A emancipação das áreas do saber vai formando a ciência, em grego episteme, um modo ainda mais racional, verificável, constatável e convincente de explicar o mundo. Muito embora até hoje a ciência ainda não tenha conseguido atingir o seu intento, ela se coloca como uma das formas mais críveis de conhecimento, por demonstrar aquilo que afirma. Por fim, existe o conhecimento prático, a técnica, em grego técne, ; palavra que foi traduzida por “arte”, pois se trata de uma modalidade de conhecimento que tem a ver com saber fazer, saber produzir. Arte aqui tem o sentido mais de artesanato do que propriamente belas artes. Hoje em dia é muito comum vincularmos a técnica com a tecnologia, mas certamente nem sempre foi assim, pois a tecnologia é bem recente. A técnica, ou arte, é um modo de conhecimento através da sensibilidade. O educador brasileiro Paulo Freire constrói uma bela analogia para ilustrar o valor dos diversos tipos de conhecimento. É comum avaliarmos as modalidades de conhecimento comparando umas com as outras e, desse modo, julgarmos algumas mais valiosas. Para demonstrar que não existe um conhecimento mais importante que os outros, mas conhecimentos diferentes, vamos nos valer de uma anedota que Paulo Freire utilizava com esse intento. Conta-se que um homem vivia com o seu barquinho a fazer travessias de pessoas de um lado ao outro em um rio. Em um determinado dia subiram no seu barco uma professora, um advogado e um médico. Iniciada a travessia, quebrando o incômodo silêncio, a professora perguntou ao barqueiro se ele sabia ler. Diante da resposta negativa, a professora concluiu: é uma pena o senhor não saber ler, pois perdeu grande parte da sua vida por isso. O advogado aproveitou e perguntou se ele conhecia leis e sabia dos seus direitos, ao que o barqueiro respondeu também de forma negativa. Tal qual a professora, também o advogado sustentou que a falta de conhecimento das leis lhe ocasionou a perda de grande parte da sua vida. Por fim o médico quis saber como ele cuidava da saúde e percebendo que os cuidados Noções gerais acerca do conhecimento U1 15 eram mínimos acabou por concordar com os seus companheiros. O barqueiro quieto continuou o seu trabalho. No meio do rio o barco começou a ter problemas e na iminência de afundar o barqueiro teve de interpelar todos os tripulantes se acaso eles sabiam nadar ou não. Diante da negativa dos três, o barqueiro concluiu, é uma pena vocês acabam de perder a vida toda de vocês. Nas próximas páginas buscaremos fazer um resgate da construção do conhecimento ao longo da história da humanidade, desde a Grécia antiga até o começo da modernidade ou, mais especificamente, até o final do renascimento. Para tanto, nos valeremos muito aproximativamente do nosso texto citado nas referências, de Machado (no prelo 2015), principalmente de Heráclito a Aristóteles. Heráclito de Éfeso (540-470 a. C.) e a origem do problema Ainda quando aos primeiros filósofos, os pré-socráticos, buscavam entender a ordem (cosmos, em grego) e encontrar o arquê (ώώώώ houve um filósofo que questionou a possibilidade do conhecimento. Segundo este filósofo, não seria possível conhecer nada de modo tão seguro como se supunha até então, pois o mundo está em constante transformação e essa transformação ocorre em função da luta dos contrários: o dia sucede à noite e vice-versa, o frio ao calor, o seco ao úmido etc. Segundo este filósofo, o homem poderia conhecer apenas a mudança, o devir (vir a ser), e jamais o ser, a essência das coisas. Estamos nos referindo ao filósofo pré- socrático Heráclito de Éfeso, para quem o mundo era como um fogo que é sempre o mesmo e sempre outro, sempre diferente, a chama balança, aumenta, diminui, se esvai, é outra a cada segundo, mas enquanto durar, será o mesmo fogo. Entendia Heráclito que o conhecimento estava na mente, na capacidade de abstrair para além daquilo que é observado. Na capacidade que a mente tem de concatenar os acontecimentos isolados e atribuir-lhes significação como partes de um todo. Para ele: Se um avião estivesse retornando dos Estados Unidos trazendo entre os passageiros um pós-doutor em física quântica e um índio analfabeto que retorna de um congresso e o avião caísse na selva amazônica, o conhecimento mais útil para a sobrevivência nesse momento e nesse local seria o do pós-doutor ou do índio analfabeto? Com base nisso, é possível afirmar que existem conhecimentos mais importantes do que outros? Noções gerais acerca do conhecimento U1 16 a divergência e a contradição não só produzem a unidade do mundo, mas também a sua transformação. O mundo é um eterno fluir, como um rio; e é impossível banhar-se duas vezes na mesma água. Fluxo contínuo de mudanças, o mundo é como um fogo eterno, sempre vivo, e ‘nenhum deus, nenhum homem o fez’. Mas só se compreende isso quando, ao deixar de lado a ‘falsa sabedoria’ ditada pelos sentidos e pelas opiniões, chega-se ao logos, isto é, ao pensamento sensato. É o raciocínio adequado que abre as portas para o entendimento do princípio de todas as coisas. ‘Não de mim, mas do logos tendo ouvido é sábio homologar tudo é um’, diz um de seus aforismos. (ABRÃO, 1999, p. 31). Em virtude deste modo de pensar, Heráclito é considerado um dos pais da dialética (embate de visões opostas), postura que terá influência sobre o pensamento de Platão (428-347 a.C.). Platão foi discípulo de Crátilo (século V a. C.) o qual fora discípulo de Heráclito. Alguns filósofos radicalizaram ainda mais o pensamento de Heráclito e passaram a duvidar da possibilidade de se conhecer as coisas. Além de Crátilo, para quem o homem não entraria nem uma única vez em um rio, pois as águas estavam em constante renovação, destacam-se também os céticos Górgias de Leontini (480-371 a.C.) – filósofo sofista que dizia que “o ser não existe; se existisse não poderíamos conhecê-lo;e se pudéssemos conhecê-lo não poderíamos comunicá-lo aos outros” – e também Pirro de Élis (360-270 a. C.), para o qual o homem não pode conhecer nada de modo seguro e jamais alcançará a certeza sobre as coisas (COTRIM, 2008, p. 58). Conta-se que no auge do seu ceticismo Pirro parou, inclusive, de falar e se contentava apenas em mexer a mão ou a cabeça. “Muitas vezes, na Metafísica, Aristóteles repisa o conceito de que quem nega o princípio supremo do ser, para ser coerente com essa negação, deveria calar e não expressar absolutamente nada. E tal é precisamente a conclusão a que Pirro chega, proclamando a ‘afasia’” (REALE, 1990, p. 270). Afasia é abster-se conscientemente de qualquer juízo, ou seja, tentar não pensar. Apesar da insistência de muitos filósofos na impossibilidade de o ser humano atingir um conhecimento Fonte: Disponível em: <http://commons.wikimedia.org/wiki/ Fire?uselang=pt-br#mediaviewer/File:Stort_b%C3%A5l_ sankthans.jpg>. Acesso em: 31 mar. 2015. Figura 1.3 | O mundo é como um fogo ou como um rio, sempre o mesmo e sempre outro Noções gerais acerca do conhecimento U1 17 inabalável da realidade, houve um filósofo que defendeu uma tese totalmente contrária e sustentou que a mudança que percebemos no mundo é ilusória, pois as coisas mudam só aparentemente, mantendo aquilo que lhes é essencial: um núcleo invariável que lhes confere identidade. Esta imutabilidade, contudo, não seria captada pelos sentidos, apenas pela razão. O principal defensor desta teoria foi Parmênides de Eléia (cerca de 530- 460 a. C.), o qual sustentava que o nada não gera coisa alguma (do nada, nada provém) e que a existência das coisas deve ter sido a partir de algo que sempre existiu e sempre existirá, este algo é o ser. O ser existe e todas as coisas foram geradas a partir dele. Daí a sua famosa afirmação “o ser é e o não ser não é”. Defendia que o Universo é uno e imutável, imperecível, ilimitado e indivisível e que a mudança é ilusão dos sentidos, por trás da mudança há uma realidade imutável. Se aos olhos comuns esse conflito entre ser e devir parece banal, aos olhos críticos (ou filosóficos) ela é muito profunda, pois tem a ver com o sentido último da realidade e também com a possibilidade ou não do conhecimento verdadeiro, ou seja, da ciência. Note que toda pessoa idosa um dia foi um bebê e que ela permanece sendo a mesma pessoa, embora o seu corpo não tenha mais nenhuma célula que tinha algum tempo atrás. Este exemplo ilustra a questão do ser e do devir: houve mudança, mas o ser (a essência) permaneceu. Tente encontrar uma resposta para isto e você perceberá que ela é bastante complexa. Fonte: Disponível em: <http://upload.wikimedia.org/ wikipedia/commons/7/7f/Mignard-Andromeda_and_Perseus. jpg?uselang=pt-br>. Acesso em: 31 mar. 2015. Figura 1.4 | A nossa mente não consegue pensar algo que não existe, consegue no máximo juntar coisas existentes separadamente. Exemplo: Pegasus 1. Sobre Heráclito acesse o link disponível em: <http://www. mundodosfilosofos.com.br/heraclito.htm>. 2. Sobre o ceticismo pirrônico acesse o link disponível em: <http:// www.recantodasletras.com.br/ensaios/2233233>. Noções gerais acerca do conhecimento U1 18 1. Aranha e Martins definem o senso comum como o “primeiro olhar sobre o mundo, ainda não crítico, a partir do qual as pessoas participam de uma comunhão de ideias e realizam as expectativas de comportamento dos grupos sociais a que pertencem”. (ARANHA, M. L. A.; MARTINS, M. H. P. Temas de filosofia. 3. ed. rev. São Paulo: Moderna, 2005, p. 144). Sobre o senso comum, assinale o que for correto. a) O senso comum é um conjunto de ideias cuja finalidade é a crítica ao saber estabelecido. b) O senso comum é um conjunto de ideias e práticas cegas e incompatíveis com a verdade. c) Todos os homens, intelectuais e analfabetos, participam do senso comum. d) O senso comum confunde-se com as ideologias de uma classe ou de um grupo social. 2. “Nada do que foi será / De novo do jeito que já foi um dia / Tudo passa / Tudo sempre passará / [...] Tudo que se vê não é / Igual ao que a gente / Viu há um segundo / Tudo muda o tempo todo / No mundo” (Trecho da música Como uma onda, de Lulu Santos e Nelson Motta). A letra dessa canção lembra as ideias do filósofo grego Heráclito, que viveu no século VI a.C. e que usava uma linguagem poética para exprimir seu pensamento e o qual acreditava que, no mundo, tudo muda o tempo todo e nada permanece, tudo é um perpétuo fluir. Dentre as sentenças de Heráclito a seguir citadas, marque aquela da qual o sentido da canção de Lulu Santos mais se aproxima. a) Morte é tudo que vemos despertos, e tudo que vemos dormindo é sono. b) O homem tolo gosta de se empolgar a cada palavra. c) Ao se entrar num mesmo rio, as águas que fluem são outras. d) Muita instrução não ensina a ter inteligência. Noções gerais acerca do conhecimento U1 19 Seção 2 Conhecimento em Platão Nesta sessão, você terá oportunidade de ter contato com a compreensão de mundo, de homem e de ciência legada por Platão para a formação da cultura ocidental, bem como a influência dessa visão para a formação da nossa cultura e o vínculo que essa visão estabeleceu com a questão da religiosidade, entre outros. 2.1 Platão e o conhecimento É bastante comum ouvirmos falar da briga, do confronto ou conflito entre Heráclito e Parmênides. Portanto, é bom que se diga que é quase certo que eles nunca se conheceram e que, possivelmente, nunca discutiram suas ideias. A referência que aqui se faz do embate ente ambos é uma referência a um embate figurativo, é apenas força de expressão. Platão, cujo verdadeiro nome era Arístocles, foi um dos primeiros filósofos a buscar uma solução para o impasse suscitado pelas ideias de Heráclito e Parmênides, ou, mais especificamente, entre o ser e o devir. Para Platão, Heráclito tem razão quando diz que tudo muda, que nada permanece; e Parmênides também tem razão ao dizer que o ser não muda, que o ser é e não pode não ser e que a mudança é ilusão. Mas como é possível ambos estarem corretos? É possível porque, embora não consigamos perceber com muita clareza, não existe apenas um mundo, como normalmente supomos, mas dois mundos: o mundo sensível ou material (trata-se do mundo concreto percebido pelos nossos sentidos e onde as coisas mudam) e o mundo inteligível ou das ideias (trata-se do nosso pensamento, da nossa abstração e onde as coisas [leia-se conceitos] não mudam). O mundo das ideias é o mundo dos conceitos, das essências, as quais, uma vez compreendidas permanecem para sempre, são imutáveis. Se você sabe, se você tem ideia do que seja uma árvore, não importa se ela é pequena e nova ou se já é uma árvore enorme e quase morrendo, você irá entender quando alguém expressar a ideia de árvore. Devemos prescindir dos acidentes (detalhes), ou seja, das qualidades não essenciais da árvore (alta/baixa, grossa/fina, nova/velha, feia/bonita etc.) e reterá Noções gerais acerca do conhecimento U1 20 apenas o conceito de árvore, aquilo que constitui a sua essência (a “arvoridade”), sua razão de ser. O mesmo acontece quando falamos em cavalo, casa, homem etc. Os cavalos, casas e homens mudam, mas os conceitos que deles temos permanecem e nos possibilitam entender o que seja cada uma destas coisas as quais nos referimos. Tudo tem a sua essência: algo que é universal e vale para todos os objetos daquele tipo e nos permite a compreensão apesar da diferença nos detalhes (acidentes). Quando falo homem, todos entendem apesar de não haver dois homens iguais e apesar de cada um, poder pensar em um homem diferente. Por quê? Porque em termos de conhecimento, em termos de compreensão, o que importa é a ideia, o conceito de homem. É evidente que se me refiro a um homem em particular, então preciso caracterizá-lo ou identificá-lo para que o eu possa ser compreendido. Há, contudo, ideias que não têm representação no mundo material, ou seja, não existemfisicamente, não são palpáveis; elas existem somente no nosso pensamento, só existem enquanto ideias. Assim, Platão sustenta que o mundo inteligível é superior ao mundo sensível. É o mundo inteligível que nos permite conhecer (compreender) o mundo sensível. Mas como se forma o mundo inteligível? Ou, de onde vêm nossas ideias? Segundo Platão, nós já nascemos com elas. Temos, portanto, ideias inatas. Mas então um recém-nascido já tem ideias em seu cérebro? Para Platão sim; porém ele as esqueceu e na medida em que vai vivendo e presenciando o mundo à sua volta, irá relembrando das ideias que um dia conheceu ou contemplou no hiperurânio. Platão termina a sua obra A República, narrando o Mito de Er, e através deste mito busca explicar como a alma adquire conhecimento, como o esquece e como o recobra. Er é o nome de um soldado que tendo morrido em combate foi recolhido dez dias depois em bom estado de conservação, quando iam lhe dar sepultura ele ressuscitou e narrou o que havia visto. Ele havia sido escolhido para narrar aos homens o que acontecia no hiperurânio. Lá a alma contemplava as ideias puras, as formas perfeitas; mas quando alguém estava para nascer, o Demiurgo (o deus que plasma a humanidade) se encarregava de juntar a alma ao corpo, antes, porém, a alma passava pela planície do Lethes (esquecimento, em grego) e tomava a água do rio Ameles e assim que a alma bebia desta água perdia a memória de tudo, esquecia tudo o que havia contemplado (Er foi dispensado de beber desta água para que pudesse se Fonte: Disponível em: <http://goo.gl/nYIjst>. Acesso em: 31 mar. 2015. Figura 1.5 | Para Platão conhecer é reconhecer, recordar Noções gerais acerca do conhecimento U1 21 lembrar do que havia visto). E quando a alma se juntava ao corpo e a criança nascia, nascia sem lembrar-se de nada, por isto, para Platão conhecer é recordar, é reminiscência (despertar ideias remanescentes). Também se diz anamnese (em grego “ana” signfica trazer de novo; e “mnesis” é memória), algo como uma frágil recordação, uma tênue lembrança sem muita certeza e segurança. Platão seria, portanto, o primeiro racionalista (pessoa que sustenta que a verdade se encontra na razão, no logos, e é inata). Para os racionalistas não importa tanto o que é apreendido pelos sentidos, o importante é o que é processado pela razão, pois é nela que se encontra a fonte da verdade, da sabedoria e da ciência. O mito da caverna Outro mito narrado por Platão é o Mito da Caverna, com ensinamentos relevantes tanto para a teoria do conhecimento quanto para a política e até mesmo para a ética. Possivelmente este seja o ensinamento platônico mais conhecido e divulgado. Ele fala de pessoas que se encontram no fundo de uma caverna desde o seu nascimento, com os pés e o pescoço acorrentados de modo a enxergar apenas o paredão dos fundos (se fosse hoje talvez Platão falasse de uma sala de cinema). Próximo da entrada da caverna há transeuntes carregando objetos, os quais são refletidos na parede e tomados pelos prisioneiros como sendo reais. O eco das vozes externas dá a impressão de que as sombras falam. E para se entreter os prisioneiros tentam advinhar a sequência da passagem dos objetos. Vivem assim até que um prisioneiro se liberta e se volta para a entrada da caverna e começa a escalar a difícil subida até a sua saída (o conhecimento é uma escalada difícil, pois temos de abandonar velhas e arraigadas convicções). À medida que se aproxima da claridade (a luz é a metáfora da sabedoria; luz em grego é phós [ e phós compõe a palavra sophós [ a qual significa sábio) seus ollhos doem. Então, ele protege os olhos com a mão e olha para baixo onde vê objetos refletidos na água. À noite ele consegue contemplar o céu com a lua e as estrelas. E quando o dia vai amanhecendo, a sua vista vai se acostumando com a claridade e, então, ele passa a contemplar os verdadeiros objetos e não mais as sombras ou reflexos. Por fim contempla o sol, emblema do bem, do belo e do verdadeiro. Lembrando-se dos demais prisioneiros, ele retorna à caverna para resgatá-los, mas os prisioneiros que lá ficaram estão numa posição cômoda e não querem deixar a caverna. Na interpretação deles, o prisioneiro libertado não tem mais a mesma acuidade visual para distinguir os objetos ou advinhar a sua sequência. Com base nisso julgam que a saída fez mal ao prisioneiro e, diante da insistência dele, para que os Noções gerais acerca do conhecimento U1 22 demais deixem a caverna, os prisioneiros se revoltam e acabam por assassinar o prisineiro que retornou. Este mito traz muitos outros elementos importantes e seria interessante lê-lo na íntegra. Entendendo o mito A caverna representa o mundo material e sensível em que nós vivemos e as sombras dos objetos, as coisas materiais que percebemos pelos sentidos. O prisioneiro que se liberta da caverna, para Platão é o filósofo, o estudioso; o mundo fora da caverna representa o mundo das ideias verdadeiras ou da verdadeira realidade; a luz exterior do sol é a luz da verdade. O instrumento que liberta o filósofo é a dialética e a visão do mundo real iluminado é a Filosofia. Os prisioneiros zombam, espancam e matam o filósofo por entender que o mundo sensível é o verdadeiro, único e real. Podemos perceber nesse mito diferentes níveis de conhecimento: 1. Contemplar as sombras é o senso comum, a opinião, adoxa (a doxa prevalece no mundo sensível). 2. Contemplar os objetos à luz da fogueira, segundo Platão, são as crenças, pisti em grego. 3. Contemplar as coisas reais (leia-se “ideais”) refletidas na água, no entender de Platão é a ciência, a episteme (a episteme prevalece no mundo inteligível). 4. A decisão de sair da caverna corresponde ao senso crítico, a busca do conhecimento, o amor ao saber, que em grego se diz filosofia. Mais do que isso, a filosofia é o arremate final de tudo o que aconteceu e está acontecendo; é clara noção do que seja o mundo. Platão colocava a filosofia como último estágio do conhecimento, ou estágio mais alto, acima da ciência inclusive, porque entendia que a ciência explicava como as coisas funcionam, mas não explica o porquê do seu funcionamento. Além disso, é preciso lembrar que a ciência da época era rudimentar. Caso queira conhecer o Mito da Caverna acesse o link disponível em: <http://zeadir.blogspot.com.br/2008/10/o-mito-da-caverna.html>. Noções gerais acerca do conhecimento U1 23 Segundo Platão, o conhecimento não reside nas impressões advindas das sensações, mas no raciocínio acerca das mesmas. A única maneira para se atingir a essência e a verdade é o raciocínio, de outro modo isto é impossível, conforme afirma em Teeteto (186c), onde também apresenta a sua célebre definição de conhecimento como crença verdadeira e justificada (acompanhada de explicação racional). No Mênon (98a), Platão afirma que É por enfatizar o uso da razão que Platão pode ser considerado o primeiro dos racionalistas. O esquema idealizado por Platão seria mais ou menos o seguinte: Uma versão recente do Mito da Caverna foi veiculada pelas telas do cinema através do filme Matrix. Nesse filme há um entrelaçamento de realidade e sonho/pensamento, ou dito de outra forma, o pensamento tem o poder de criar a realidade e a realidade que se acredita viver não passa de impulsos eletromagnéticos enviados por computadores superpotentes. Fica o questionamento, será que a realidade que vivemos e cremos ser a mais genuína e perfeita, corresponde adequadamente à realidade tal qual ela é? Ou será que cada um de nós pode ver o mundo de um jeito? As opiniões que são verdadeiras [...] são uma bela coisa e produzem todos os bens. Só que não se dispõem a ficar muito tempo, fogem da alma do homem, de modo que não são de muito valor, até que alguém as encadeie por um cálculo de causa. [...] e quando são encadeadas, em primeiro lugar, tornam-se ciências, em segundo lugar, estáveis. E é por isso que a ciência é de mais valor que a opiniãocorreta, e é pelo encadeamento que a ciência difere da opinião correta. (PLATÃO, 2001, p. 102). Ao propor que o uso da razão, em vez da observação, é o único caminho para adquirir conhecimento, Platão lançou os alicerces para o racionalismo do século XVII. A influência platônica ainda sobrevive. O amplo leque de temas sobre os quais escreveu levou Alfred North Whitehead, lógico britânico do século XX, a dizer que toda a filosofia ocidental subsequente “consiste num conjunto de notas de rodapé a Platão”. (AA. VV., 2011, p. 55). Noções gerais acerca do conhecimento U1 24 Figura 1.6 | Os dois mundos platônicos FONTE: AA. VV.(2011, p. 52) 1. Segundo Platão, Parmênides havia percebido que podemos conhecer pela razão e não pelos sentidos, contudo, se fazia necessário vincular o que se conhecia via razão com o objeto material que se torna conhecido. Desse modo, a Doutrina dos Dois Mundos ia, paulatinamente, ganhando consistência em seus pensamentos. De acordo com o texto, como Platão se situa diante dessa relação sujeito cognoscente e objeto conhecido? a) Colocando uma absoluta separação entre ambos. b) Dando ênfase ao objeto e afirmando que o nosso conhecimento depende deles. c) Concordando com o pensamento de Parmênides que via razão e sensação como inseparáveis. d) Sustentando que apenas a razão consegue produzir conhecimento e não a sensação. 2. “Quando é, pois, que a alma atinge a verdade? Temos de um lado que, quando ela deseja investigar com a ajuda do corpo qualquer questão que seja, o corpo, é claro, a engana radicalmente. Dizes uma verdade. Noções gerais acerca do conhecimento U1 25 – Não é, por conseguinte, no ato de raciocinar, e não de outro modo, que a alma apreende, em parte, a realidade de um ser? – Sim. [...] - E é este então o pensamento que nos guia: durante todo o tempo em que tivermos o corpo, e nossa alma estiver misturada com essa coisa má, jamais possuiremos completamente o objeto de nossos desejos! Ora, esse objeto é, como dizíamos, a verdade.” (PLATÃO. Fédon. Trad. Jorge Paleikat e João Cruz Costa. São Paulo: Nova Cultural, 1987. p. 66-67.) Com base no texto e nos conhecimentos sobre a concepção de verdade em Platão, é correto afirmar: a) O conhecimento inteligível, compreendido como verdade, está contido nas ideias que a alma possui. b) A verdade reside na contemplação das sombras, refletidas pela luz exterior e projetadas no mundo sensível. c) A verdade consiste na fidelidade, e como Deus é o único verdadeiramente fiel, então a verdade reside em Deus. d) A principal tarefa da filosofia está em aproximar o máximo possível a alma do corpo para, dessa forma, obter a verdade. Noções gerais acerca do conhecimento U1 26 Noções gerais acerca do conhecimento U1 27 Seção 3 Conhecimento em Aristóteles Vamos, nesta sessão, buscar apresentar a discordância existente entre Platão e Aristóteles com relação ao modo como conhecemos o mundo e a saída apresentada pelo Estagirita à questão do movimento interno dos seres (nascer, crescer, viver e morrer), haja vista que para Aristóteles não existem dois mundos. Apesar de todo o respeito e consideração que Aristóteles nutria por seu mestre, acabou por discordar dele em alguns assuntos, sendo um deles justamente a teoria do conhecimento. Em Ética a Nicômaco (1096a15), Aristóteles afirmou “a piedade exige de nós que honremos mais a verdade que os nossos amigos”, frase que se tornou célebre como provérbio latino “Amicus Platon, sed magis amica veritas”. (HELFERICH, 2006, p. 40), que pode ser traduzido como “sou amigo de Platão, mas sou mais amigo da verdade”. Podemos considerar como emblema dessa discordância o modo como os dois 3.1 Aristóteles Aristóteles não era grego, era macedônio, nasceu na cidade de Estagira e, por isso, também ficou conhecido como O Estagirita. Embora não fosse grego, Aristóteles viveu grande parte da sua vida em Atenas. Aos 17 anos de idade iniciou os seus estudos na Academia de Platão e lá permaneceu por 20 anos até a morte do seu mestre. Por ser aluno de maior destaque da Academia acreditou que poderia se tornar o novo escolasta (nome que se dava ao diretor), mas como os gregos são bastante nacionalistas, acabaram dando a direção da escola a Espeusipo, sobrinho de Platão. Isso entristeceu muito Aristóteles e o fez ir embora de Atenas. Em 347 a. C, morrendo Platão, Aristóteles deixa Atenas e vai para Assos, na Ásia Menor, onde Hérmias, antigo escravo e ex-integrante da Academia, havia se tornado o governante. É possível que a escolha de Espeusipo, sobrinho de Platão, para substituir o mestre na direção da Academia, tenha decepcionado Aristóteles; sua destacada atuação naqueles vinte anos parecia apontá-lo como o mais apto a assumir a chefia. (ARISTÓTELES, 1987, p. 3). Noções gerais acerca do conhecimento U1 28 foram retratados no centro do quadro A Escola de Atenas, de Rafael de Sanzio (1483-1520): Platão apontando para o alto (e segurando em sua mão o livro Timeu) querendo indicar que o verdadeiro conhecimento se encontra no mundo das ideias e Aristóteles apontando para baixo (segurando em sua mão uma de suas obras mais conhecidas, Ética à Nicômaco) sinalizando que nós obtemos o verdadeiro conhecimento a partir do mundo concreto em que vivemos. Vejamos mais algumas discordâncias entre o pensamento dos dois: para Platão nascemos com ideias, para Aristóteles nascemos sem nada na mente. Para Platão existem dois mundos, para Aristóteles apenas um. Para Platão nascemos com virtude – embora encobertas, empanadas, adormecidas, devendo ser despertadas por nós – e para Aristóteles nascemos sem virtude e as adquirimos pelo hábito, pois o hábito é a nossa segunda natureza. Tudo indica que inicialmente Aristóteles seguiu muito de perto os ensinamentos de Platão, mas depois acabou divergindo deste. Fonte: Disponível em: <http://commons.wikimedia. org/wiki/File:Sanzio_01.jpg?uselang=pt-br>. Acesso em: 31 mar. 2015. Figura 1.7 | Detalhe do quadro Escola de Atenas, mostrando a discordância entre Platão e Aristóteles Segundo Will Durant (1996, p. 70), “os dois eram gênios; e é notório que os gênios combinam entre si com a mesma harmonia com que a dinamite combina com o fogo”. Platão teria se referido a Aristóteles como o Nous da Academia, a inteligência personificada. Aristóteles teria gasto muito dinheiro com livros manuscritos e formado uma biblioteca, e por isso Platão chamava a casa de Aristóteles de “a casa do leitor”. Aristóteles dá a entender que a sabedoria não iria morrer junto com Platão, e ele responde que Aristóteles se parece com o potro que escoiceia a mãe depois de beber todo o leite. (MACHADO, 2013, p. 16). Grande parte das obras de Aristóteles sumiu (inclusive o enredo do filme O Nome da Rosa é um livro sumido de Aristóteles, Poética II) e outras ficaram desconhecidas por, aproximadamente, 1500 anos, pois estavam de posse dos árabes e apenas eles as conheciam. Há quem defenda que estas obras se encontravam na Casa da Sabedoria Noções gerais acerca do conhecimento U1 29 de Bagdá, um dos maiores centros de conhecimento do mundo antigo. Com a chegada dos muçulmanos à Europa, estas obras aos poucos foram sendo conhecidas. Tudo leva a crer que Aristóteles não queria simplesmente se opor ao seu mestre, mas corrigir aquelas ideias onde ele percebia alguns equívocos, pois o pensamento aristotélico é devedor do platônico por ser dele oriundo. Ato e potência Segundo Aristóteles, o mundo inteligível concebido por Platão conseguia apenas explicar a imperfeição do mundo sensível e não como a mudança acontece e é captada pelos sentidos. Para Aristóteles o conhecimento começa pelos sentidos os quais captam o mundo sensível (ou material) em que vivemos. A partir disto o intelecto separa os aspectos acidentais (aquilo que não é essencial para a compreensão do objeto, não faz parte da sua essência e é apenas uma característica daquele objeto Os primeiros textos, de que se conhecemalguns fragmentos, são de forte influência platônica até no título (como O Banquete, O Sofista, O Político) [...]. A ruptura com o pensamento do mestre ocorre após a saída da Academia: a obra Sobre a Filosofia, desse período, contém a crítica da teoria das ideias. A partir daí Aristóteles desenvolveria seu próprio caminho. (ABRÃO, 1999, p. 55). Fonte: Disponível em: <http://goo.gl/RhUp3M>; <http://goo.gl/tYBcB6>. Acesso em: 31 mar. 2015. Figura 1.8 | Ato e potência: tudo está propenso a mudança, vide São Paulo em 1902 e 2002 Sobre Aristóteles acesse o link disponível em: <http://www. mundodosfilosofos.com.br/aristoteles.htm>. Noções gerais acerca do conhecimento U1 30 individual, um detalhe que não afeta a sua estrutura) e esta separação chama-se abstração. “Para Aristóteles, o conhecimento é esse processo de abstração pelo qual o intelecto produz conceitos universais que, ao contrário das ideias de Platão, não existem separadamente das coisas e do intelecto”. (ABRÃO, 1999, p. 56). Observando o mundo percebemos tudo se transforma continuamente. A mudança que percebemos nas coisas ocorre porque tudo o que existe está, neste momento em que percebo, em ato (o modo como o objeto se apresenta ao meu intelecto neste exato instante), mas tem a possibilidade de se alterar e tornar-se diferente daquilo que percebo. Esta possibilidade é a potência: o poder de se tornar algo que ainda não é, mas pode vir a ser. O ato é o estado atual (aqui e agora) do ser e a potência aquilo no qual o ser se transformará, mas sem deixar de ser aquilo que era. É como se a transformação ocorresse sobre uma base imutável. Uma semente em nossas mãos é, em ato, apenas uma semente, mas em potência é uma árvore ou talvez até uma floresta. A árvore saiu dali, de dentro da semente; ou seja, a semente foi se transformando até se tornar uma árvore, Você já percebeu que tudo nesse mundo realmente está em mudança? E que não adianta querermos parar esse movimento, pois ele parece ter vontade própria? Tente parar o seu pensamento por 10 segundos. Tente parar o seu envelhecimento. Tente parar as mudanças que ocorrem em sua cidade. E astronomicamente? Segundo os cientistas, o sol vai se apagar daqui há 4,5 bilhões de anos. A nossa galáxia está em rota de colisão com a galáxia de Andrômeda. O universo dá indícios de estar se desacelerando e esfriando. O que será de tudo isso daqui a bilhões de anos? Fonte: Disponível em: <http://upload.wikimedia.org/ wikipedia/commons/c/c1/%27David%27_by_Michelangelo. JPG?uselang=pt-br>. Acesso em: 31 mar. 2015. Figura 1.9 | Quatro Causas: o que é, do que é feito, quem fez e por que fez. David de Michelangelo Noções gerais acerca do conhecimento U1 31 mas não houve uma mudança brusca que permitiu, de um instante para o outro, que ela se tornasse algo totalmente diferente daquilo que era. Esta alteração é o modo como a potência vai se atualizando, o ser vai passando da potência ao ato. Diríamos, fica atualizado, ou seja, agora está em ato. As quatro causas: material, formal, eficiente e final Este movimento, esta passagem da potência para o ato ocorre por ser efeito de uma causa (para Aristóteles tudo tem causa, tudo tem motivo de ser; por isto se diz que o seu pensamento é teleológico [telos, em grego é motivo, finalidade]): a causa eficiente – aquela que faz com que o ser se transforme em algo diferente. Segundo o Estagirita tudo o que existe possui quatro causas. São elas: - Causa material: aquilo do qual o objeto é feito. - Causa formal: o formato que o objeto tem. - Causa eficiente: aquela que age sobre o objeto; e - Causa final: a razão de ser, a finalidade do objeto. Se a semente é um bom exemplo para se compreender a questão do ato e potência, talvez a estátua o seja para se compreender as quatro causas. Imaginemos o Davi, de Michelangelo: o mármore de Carrara é a causa material (a matéria da qual a estátua é feita), um homem em pé é a causa formal (a forma que o mármore adquiriu), Michelangelo a causa eficiente (foi ele quem a fez) e a causa final é a finalidade, o motivo pelo qual ele esculpiu tal estátua, no caso, a encomenda feita pelos políticos florentinos. A causa final “é a mais importante: se a potência atualiza-se em ato, é sempre em vista de alguma finalidade”. (ABRÃO, 1999, p. 57). A partir da teleologia, ou seja, da ideia de que tudo tem uma causa e que nada existe em vão, Aristóteles postulou a necessidade de uma causa primeira, também chamada por ele de motor imóvel, que não seria material, mas forma pura. Percebe-se então que Aristóteles conserva de Platão uma única forma transcendente (separada) correspondente à ideia de “Deus”, que diferentemente do que havia sido concebido por Platão, não cria e nem interfere no curso do mundo, mas é pensamento do Sobre ato e potência acesse o link disponível em: <http://www. webartigos.com/artigos/ato-e-potencia-aristotelico/10066/>. Noções gerais acerca do conhecimento U1 32 pensamento e conhecimento de si, é ato puro, um pensamento sempre em ato, espírito puríssimo. Os tipos de conhecimento segundo Aristóteles Com base na distinção entre ação e contemplação, Aristóteles classifica as ciências, ou saberes, do seu tempo em três tipos diferentes. - Ciências produtivas: aquelas que têm por base o conhecimento sensível e estudam as práticas produtivas, as técnicas com o objetivo de produzir um objeto. São as ciências, os conhecimentos próprios dos artistas e artesãos. Também é chamado de poiesis (produção, em grego). Exemplos: medicina, arquitetura, agricultura e economia, entre outros. - Ciências práticas: objetiva possibilitar ao homem o acesso ao bem, ou seja, tornar melhor o homem (a vida) e a polis (a convivência). Quando tem por finalidade o bem individual chama-se ética; quanto tem por finalidade o bem coletivo chama-se política. Portanto, ética e política tem, para Aristóteles, a mesma finalidade: alcançar o bem. A finalidade da política é a vida boa, justa, bela e livre e é superior à ética, pois o bem comum antecede ao bem individual. - Ciências teoréticas (ou contemplativas): são saberes vinculados à reflexão, ao entendimento intelectivo da realidade; estudam realidades que existem por si e não são resultado de obra humana. A física, a biologia e a meteorologia, por exemplo, estudam as realidades ligadas à natureza e submetidas às mudanças. A matemática estuda as coisas ligadas à natureza não submetidas às mudanças. A metafísica estuda o ser que deve haver em toda e qualquer realidade e a teologia estuda as coisas divinas. Acreditamos ter apresentado aqui as principais contribuições de Aristóteles à teoria do conhecimento. Aristóteles morreu em 322 a. C., um ano depois do seu discípulo Alexandre Magno (356-323 a. C.). Alexandre havia difundido pelo mundo conhecido o modo de vida dos gregos e isso ficou conhecido como helenismo. Aproximadamente 70 anos depois vai surgir o Império Romano que, após contato com a cultura helênica, Figura 1.10 | O conhecimento aristotélico a partir do mundo físico Noções gerais acerca do conhecimento U1 33 fará uma simbiose desta com a cultura romana, dando início à cultura greco-romana, um dos pilares da civilização ocidental. O outro pilar formador da nossa cultura será a cultura judaico-cristã. Note que estamos falando de cultura e não de religião, pois tanto o judaísmo quanto o cristianismo, além de possibilitar uma visão religiosa do mundo também possibilitam um modo peculiar de ver e de agir no mundo gerando, assim, uma cultura. Essas quatro visões de mundo vão se encontrar em Roma, o centro político do mundo antigo. Contudo, não se encontram todos ao mesmo tempo, o helenismo chega a Roma mais ou menos pelo ano 300 a. C. e o cristianismo só chega (ou melhor, só é aceito), aproximadamente, no ano 400 d. C., pois só em 393 d. C. o cristianismo se torna religião oficial do Império e já estamos entrando em outro período da história. 1. Em sua obra intitulada Metafísica,Aristóteles afirma que “todos os homens, por natureza, desejam conhecer. Sinal disso é o prazer que nos proporciona os nossos sentidos; pois, ainda que não levemos em conta a sua utilidade, são estimados por si mesmos; e, acima de todos os outros, o sentido da visão [...] Por outro lado, não identificamos nenhum dos sentidos com a Sabedoria, se bem que eles nos proporcionem o conhecimento mais fidedigno do particular. Não nos dizem, contudo, o porquê de coisa alguma”. De acordo com o texto, considere: I. Entendia Aristóteles que sabedoria é conhecer as causas particulares dos eventos. II. A aquisição da sabedoria plena pode ser considerada o mais alto grau de conhecimento. III. O prazer que sentimos quando utilizamos os nossos sentidos pode ser considerado o grau mais elevado de conhecimento. IV. Aristóteles entendia que os homens nascem com o desejo de conhecer as coisas. Estão corretas apenas as afirmativas: a) I e II. b) II e IV. c) I, II e III. d) I, III e IV. Noções gerais acerca do conhecimento U1 34 2. Para Aristóteles a ciência pode ocupar-se com quatro tipos de causas: material, formal, eficiente e final. Assinale a alternativa em que as perguntas correspondem, respectivamente, às causas citadas. a) Por que foi gerado? Do que é feito? O que é? Quem gerou? b) O que é? Do que é feito? Por que foi gerado? Quem gerou? c) Do que é feito? O que é? Quem gerou? Por que foi gerado? d) Quem gerou? Por que foi gerado? O que é? Do que é feito? Noções gerais acerca do conhecimento U1 35 Seção 4 Conhecimento medieval e renascentista Apresentaremos, nessa sessão, como se deu a compreensão de conhecimento durante a Idade Média, conhecida como época das trevas, inclusive, justamente porque o conhecimento ficou estagnado; como o mundo era entendido e explicado nessa época e, por fim, como o Renascimento rompeu com essa visão e constitui a nova ciência. 4.1 Conhecimento medieval e renascentista Segundo a divisão histórica, a Idade Média começou em 476 d. C. com a queda do Império Romano no ocidente e veio até 1453, com a queda do Império Romano no oriente (tomada de Constantinopla pelos Turcos Otomanos) ou, segundo outros, até 1492 com a descoberta da América. A filosofia medieval não tem os limites tão bem demarcados como a história, mas entende-se que ela começou em 529 d.C. quando o imperador Justiniano determinou o fechamento de todas as escolas pagãs, entre elas a Academia de Platão (aberta em 387 a.C., funcionou por 916 anos) e o Liceu de Aristóteles (aberto em 335 a.C., funcionou por 864 anos) e veio até Guilherme de Ockham (1290-1349) sendo que, a partir de então, começa o Renascimento. É bom deixar claro, contudo, que não há muito consenso quanto a essas demarcações. Desse modo, podemos dizer que a filosofia medieval compreende um período de, aproximadamente, mil anos, indo, grosso modo, de 400 a 1400 e compreendendo uma época em que o poder mais bem organizado foi o poder eclesiástico. No ano 393, o imperador Teodósio tornou o cristianismo a religião oficial do Império. Oitenta anos depois o Império Romano estava ruindo sob as invasões bárbaras. Como sabemos, quando os bárbaros ocuparam Roma, a cultura sucumbiu, pois a língua falada pelos bárbaros não era decifrável, e a escolas foram fechadas, sendo reabertas apenas no ano 781 por determinação do imperador Carlos Magno. Nessa época, a única instituição que estava coesa era a Igreja e, desse modo, ela acabou ficando com o poder espiritual e o poder temporal em suas mãos, mantendo escolas internas (monacais) em funcionamento e hospitais. Foi assim que a Igreja acabou se envolvendo em questões políticas, econômicas, artísticas, científicas etc., ou seja, o Noções gerais acerca do conhecimento U1 36 mundo era, conforme a Igreja dizia que ele era. Para delimitar o que era ou não conhecimento verdadeiro a Igreja recorria ao livro dos livros, a Bíblia, pois acreditava que ali estava expressa a palavra de Deus e que tudo o que constava nela representava a verdade sobre o mundo. Hoje os teólogos sustentam que a Bíblia não é um livro de ciência, mas um livro de fé, pois ela narra a história de um povo interpretada á luz da crença em um ser superior. A bíblia é oriunda de um povo (judeu) e de uma época (antiguidade) e traz consigo uma cosmologia própria, entendendo que a terra é plana e está imóvel no centro do universo; ao seu redor giram a lua, o sol, os planetas e as demais estrelas. Apenas desse modo, faz sentido que Josué tenha feito o sol parar no Vale de Gabaon e a lua no Vale de Aiaon (Js 10, 12). Além disso, a Igreja se autodeclarou representante de Deus na terra e passou a interferir em assuntos políticos, econômicos (condenava a usura, por exemplo), artísticos, enfim, em todas as áreas da vida humana, conforme já assinalamos anteriormente. Apesar da recomendação bíblica de cuidado em relação às vãs filosofias, descrita na Carta aos Colossenses (2, 6-8), onde se lê: Já que vocês aceitaram Jesus Cristo como Senhor, vivam como Cristãos: enraizados nele, vocês se edificam sobre ele e se apoiam na fé que lhes foi ensinada, transbordando em ações de graças. Cuidado para que ninguém escravize vocês através de filosofias enganosas e vãs, de acordo com tradições humanas, que se baseiam nos elementos do mundo, e não em Cristo. A Igreja, sobretudo, na pessoa de Agostinho de Hipona (354-430 d.C.), fez uma releitura da filosofia de Platão e acabou por unir essas duas visões de mundo, construindo uma visão filosófica própria, a Filosofia Cristã. Vamos conhecer um pouco mais da teoria do conhecimento de Agostinho, um dos grandes expoentes de duas grandes áreas: filosofia e teologia. Você consegue supor como será a ciência daqui a 200, 300 ou 500 anos? Assim como percebemos lacunas no modo como a ciência foi feita antigamente, será que no futuro, os estudiosos também não vão rir da nossa ciência? Será que o mundo é e funciona conforme acreditamos hoje em dia? Noções gerais acerca do conhecimento U1 37 Agostinho e a teoria da iluminação divina Agostinho, ou Santo Agostinho, é o maior nome da filosofia Patrística (nome originado do latim pater, que tem o sentido de padre e que se refere ao período em que os Santos Padres se dedicaram a purificar a religião cristã diante da ameaça das heresias). Os principais problemas que ele teve de enfrentar foram relacionados às formulações acerca da Trindade, da criação do mundo, da constituição da alma, da encarnação e ressurreição de Cristo e da relação entre liberdade e graça e entre fé e razão. Para a filosofia, o cristianismo se apresentava com muitos absurdos, por exemplo, Deus criar o Universo e os seres ex nihil (a partir do nada), morrer na cruz, amar o ser humano. E esse conjunto de absurdos foi terreno propício para o surgimento de muitas heresias, com destaque para: Gnosticismo, Donatismo, Maniqueísmo, Arianismo, Nestorianismo, Pelagianismo, Adocionismo, Apolinarismo, Docetismo, Monofisismo. Cada uma delas com uma compreensão diferente da mensagem cristã. Uma das questões que mais incomodava Agostinho era: conhecemos a verdade? Como a conhecemos? Ele acabou concluindo que conhecemos com certeza o princípio de não contradição e a própria existência. Dizia que “ninguém pode duvidar da própria existência porque, neste caso, a dúvida é uma prova da existência: se me engano, existo”. (MONDIN, 1982, p. 137). Sobre as heresias acesse o link disponível em: <http://zeadir.blogspot. com.br/2015/01/principais-heresias.html>. Fonte: Disponível em: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Educacion_en_la_nueva_espa%C3%B1a.jpg?uselang=pt-br. Acesso em: 31 mar. 2015. Figura 1.11 | Com sua luz, Deus ilumina nossas mentes com as suas verdades Noções gerais acerca do conhecimento U1 38 Tenho plena certeza de existir, de conhecer-me e de amar- me; e não temo os argumentos apresentados contra esta verdade pelos acadêmicos, que dizem: e se te enganas? Se me engano significa que sou, que existo.Uma vez, pois, que existo, se me engano, como posso enganar-me a respeito de minha existência, se é certo que existo pelo próprio fato de enganar- me? Portanto, eu, que me enganaria, mas que existiria mesmo na hipótese de que me enganasse, inegavelmente não me engano no conhecer a mim mesmo. (CIDADE DE DEUS, XI, 26, apud, MONDIN, 1982, p. 137). Agostinho acabou concluindo que o conhecimento se dava por três vias – os sentidos, a razão inferior (a ciência) e a razão superior (a fé) –, que apreendem respectivamente os objetos, as leis da natureza e as verdades eternas. Mesmo o conhecimento adquirido pelos sentidos depende, em última instância, da alma. O corpo recebe as impressões, mas é a alma que elabora o conhecimento. Segundo Agostinho, a alma recebe a imagem e não os objetos em si. A razão inferior se ocupa do conhecimento científico acerca do mundo corpóreo e de suas leis, bem como do processo de abstração. Por fim, a mais alta forma de conhecimento é o das verdades eternas a qual só é possível por meio da iluminação divina: “Deus irradia na mente humana as verdades absolutas, imutáveis”. (MONDIN, 1982, p. 139). Dizia ele que é preciso crer para compreender e compreender para crer. Com relação ao movimento, Agostinho entende que ele está estruturalmente ligado com o tempo. Ao criar o mundo do nada, Deus criou também o tempo, por isso “não há movimento antes do mundo, só com o mundo” (REALE, 1990, p. 451). Tudo o que existe existiu primeiro na mente divina, pelo que as ideias têm um papel essencial na criação. Deus criou a matéria e todas as possibilidades de sua concretização, infundindo nelas as razões seminais de cada coisa, como se a natureza estivesse grávida e a evolução fosse esse movimento em direção ao parir. São como sementes que evoluem, amadurecem e concretizam aquilo para o qual foram projetadas. A questão do tempo em Agostinho é bastante intrigante, pois ele indaga acerca da sua existência. Primeiro diz que o passado existiu, mas não existe mais, não se pode medi-lo; depois afirma que o futuro ainda não existe, não chegou e também não se pode medi-lo; por fim diz que o presente é fugaz e quando tento medi-lo ele já se foi, virou passado (Confissões, livro XI), portanto, como não existe nem o passado, nem o presente e nem o futuro, conclui-se que o tempo não existe, ou, que o tempo não existe em si, apenas em nossa mente. Como bom platônico, Agostinho prioriza mais o mundo inteligível que o mundo sensível e sustenta que as coisas exteriores são unicamente para conduzir o ser Noções gerais acerca do conhecimento U1 39 humano ao conhecimento de si mesmo e o ajudam a se elevar até Deus (ascese). A fé e a razão se complementam num processo intelectual que desemboca no amor. A inteligência prepara para a fé e ambas se conduzem ao amor, pois é só no amor que se encontra a verdade. As universidades de Bolonha e de Paris estão entre as primeiras que surgiram e acabaram se tornando uma espécie de modelo para as demais. A universidade de Paris surgiu a partir de uma ampliação da escola da catedral de Nôtre-Dame. Uma das figuras mais importantes do início desta universidade foi Pedro Abelardo (1079 – 1142). [...] Naquela época a disciplina por excelência, além da teologia, era a lógica, pois era muito importante saber construir argumentos claros e convincentes e saber encontrar a verdade bíblica distinguindo o que é linguagem literal da linguagem figurativa, ou simbólica. Preocupados com a questão da linguagem e valendo-se da lógica e da dialética surgiram, inicialmente, debates acerca de questões relacionadas à alma e isto acabou desembocando na querela acerca da natureza dos universais. (MACHADO, 2013, p. 29). A questão dos universais Logo após a morte de Agostinho, em 430, entramos naquele período de estagnação do conhecimento, pois, como já mencionamos, as escolas deixaram de existir na Europa, sendo reabertas apenas no ano 781. Muito lentamente as escolas vão sendo difundidas pelo velho continente, funcionando, geralmente, junto aos palácios e por isso receberam o nome de Escolas Palatinas. O currículo dessas escolas era o Trivium (três matérias: gramática, retórica e dialética) e o Quadrivium (quatro matérias: aritmética, geometria, música e astronomia). Já estamos entrando em um momento que ficou conhecido como Escolástica. Próximo ao ano 1200 surge a primeira universidade do mundo – ao menos nos moldes atuais, pois já havia uma no Egito (Universidade de al-Azhar) e outra na Península Itálica (Universidade de Bolonha), a Universidade de Paris. Ela surgiu junto à Catedral de Nôtre-Dame. As aulas eram mais em forma de debates do que expositivas; e um dos temas recorrentes era a questão dos universais (conceitos gerais e abstratos. Por exemplo: casa, homem, pedra etc.). Fonte: Disponível em: <http://commons.wikimedia. org/wiki/File:Pe%C3%B1alosa-tomas_aquino. jpg?uselang=pt-br>. Acesso em: 31 mar. 2015. Figura 1.12 | Escolástica: aulas debatidas com pouco material de estudo Noções gerais acerca do conhecimento U1 40 Basicamente, a preocupação era perceber a relação que existe entre as palavras e as coisas, entre os conceitos e a realidade. Rosa, por exemplo, é um nome que sobrevive à morte da própria flor, o que indica que a palavra pode se referir até as coisas inexistentes. Será que as coisas existem por si mesmas, separadas dos objetos sensíveis? Para responder estas questões surgiram duas correntes: os nominalistas e os realistas. Para os nominalistas, os universais são meras palavras, meros nomes, sem existência real. São abstrações feitas a partir da percepção de objetos individuais (este homem, este animal) (ABRÃO, 1999). O realismo se opõe a isto e defende que os universais têm existência efetiva. Uma existência anterior e separada das coisas, como ensinava Platão, ou a forma das coisas, como ensinava Aristóteles. Pedro Abelardo defende uma solução intermediária: “os universais só existem no intelecto, mas ao mesmo tempo, mantêm relação com as coisas particulares na medida em que lhes dão significado. Desse modo, é como significado que os universais subsistem às coisas”. (Ibidem, p. 108). Mas o maior do nome da Filosofia Escolástica acabou sendo Tomás de Aquino (1225-1274). Ele teve o privilégio de ser um dos primeiros professores a ter contato com as obras de Aristóteles, até então, posse dos árabes, como já assinalamos. Tomás de Aquino se apoiou no pensamento de Aristóteles para elaborar a sua doutrina filosófica do mesmo modo como Agostinho se baseou em Platão. E, como bom aristotélico, Tomás de Aquino também sustentou que nascemos tabula rasa (quadro vazio, sem nada na mente), sendo a experiência sensorial a fonte do conhecimento, que pode ocorrer de duas maneiras: pelas evidências fornecidas pela experiência no mundo que nos rodeia ou pela revelação divina, podendo ambos conduzir a Deus. Deste modo, Tomás acreditou demonstrar que o pensamento aristotélico não se Sobre a fundação das universidades e sobre a contribuição de Pedro Abelardo, assista ao filme “Em nome de Deus”. Cuidado, porém, porque existem dois filmes com esse nome. Veja na sinopse se o enredo é a história de Abelardo e Heloísa. Outro filme que retrata a época aqui descrita é “O Nome da Rosa”, baseado no livro de Umberto Eco. Fonte: Disponível em: <http://commons. wikimedia.org/wiki/File:Mosteiro_de_ Santa_Maria_da_Vit%C3%B3ria,_Batalha,_ Portugal_(2720108018).jpg?uselang=pt-br>. Acesso em: 31 mar. 2015. Figura 1.13 | Tomás de Aquino, expoente máximo da filosofia Escolástica. Noções gerais acerca do conhecimento U1 41 contrapunha à teologia cristã. Para o Aquinate, todo conhecimento ocorre por assimilação ou por união da coisa conhecida e do objeto cognoscente (conhecedor), dizia que o objeto conhecido está no cognoscente segundo a natureza do próprio cognoscente. Sob a influência de Aristóteles afirmou que conhecer é abstrair, sendo o universal abstraído do particulare a forma abstraída da matéria individual. Aquino buscou sintetizar a fé e a razão, pois entendia que não existem contradições entre a Filosofia e a fé cristã, visto que apenas a fé e a revelação cristã são capazes de atingir as puras verdades espirituais. Além destas, existem também as verdades naturais teológicas, que podem ser obtidas tanto por intermédio da fé e da revelação como pela razão e pelos sentidos. Um exemplo de verdade natural teológica é a busca de provas da existência de Deus. Outra grande herança do aristotelismo foi a teoria das quatro causas, na qual, na interpretação de Tomás de Aquino, Deus é a causa primeira de todas as coisas. E, por fim, a filosofia cristã, a exemplo da grega, também se mantém essencialista (tudo tem uma essência, uma razão de ser), muito embora o enfoque na universalidade do ser humano passe a ser a “vontade de Deus”. O Renascimento: Galileu Galilei e a nova ciência O Renascimento é um período relativamente curto da história, mas com Tomás de Aquino era bastante gordo e calado e foi apelidado de Boi Mudo, pelos colegas de estudo. O mestre, Alberto Magno, em tom profético disse aos seus discípulos “respeitem esse que vocês chamam de Boi Mudo, pois quando ele mugir o mundo todo vai ouvi-lo”. Dizem que ele era tão gordo que, ao sentar-se à mesa, o seu braço não alcançava o prato; motivo pelo qual fizeram um semicírculo na mesa para ele poder chegar mais perto e se alimentar. Sobre Tomás de Aquino acesse o link disponível em: <http://www. mundodosfilosofos.com.br/aquino.htm>. Noções gerais acerca do conhecimento U1 42 contribuições substanciais em duas grandes áreas, na política (com Nicolau Maquiavel [1469- 1527]) e na ciência (com Galileu Galilei [1564- 1642]). Foram contribuições tão relevantes que mudaram para sempre a natureza dessas duas esferas. Existe uma ciência antes de Galileu Galilei e outra depois dele. Portanto, a ciência que fazemos hoje é muito devedora ao Florentino, a tal ponto que ele é conhecido como o Pai da Ciência Moderna. E para termos uma ideia do que vai acontecer com a ciência a partir da contribuição de Galileu Galilei, talvez seja suficiente recordar a sua famosa frase: “A filosofia encontra-se escrita neste grande livro que continuamente se abre perante nossos olhos (isto é, o universo), que não se pode compreender antes de entender a língua e conhecer os caracteres com os quais está escrito. Ele está escrito em língua matemática...” (GALILEI, 1978, p. 119). A frase acima nos remete ao pensamento de Pitágoras de Samos (570-497 a. C.) que já havia afirmado: “o mundo se reduz a números”. Contudo, mesmo assim, a ciência antiga foi feita apenas com razão e observação; Galileu Galilei acrescentou a experimentação (método desenvolvido por Francis Bacon [1561-1626]), o cálculo e a matemática. Desde então só será considerado ciência o conhecimento que puder ser provado, demonstrado, quantificado e mensurado. Poderíamos dizer que ele é o culpado por você ter, hoje em dia, que aprender fórmulas, pois a partir dele, o conhecimento tem de ser traduzido nessa linguagem. É difícil estudar assim? Veja o que Galileu Galilei diz sobre a dificuldade de se conhecer as coisas: Fonte: Disponível em: <http://commons. wikimedia.org/wiki/File:Mosteiro_de_Santa_ Maria_da_Vit%C3%B3ria,_Batalha,_Portugal_ (2720108018).jpg?uselang=pt-br>. Acesso em: 31 mar. 2015. Figura 1.14 | O Renascimento foi um período curto, mas profundo, que deixou muitas marcas Se raciocinar sobre um problema difícil fosse a mesma coisa que carregar pesos, então muitos cavalos carregariam mais sacos de trigo que um cavalo só, e eu concordaria mesmo que a opinião de muitos valesse mais do que a de poucos; mas o raciocinar é como o correr, e não como o carregar. Assim, um cavalo de corrida sozinho correrá sempre mais do que cem cavalos frisões. (GALILEI, 1978, p. 211). Frase bem próxima, ou com o mesmo sentido, da frase de Schopenhauer (1788- 1860): “O intelecto não é uma grandeza extensiva, mas intensiva: sendo assim, um Noções gerais acerca do conhecimento U1 43 único indivíduo pode tranquilamente opor-se a dez mil, e uma assembleia de mil imbecis não faz um único homem inteligente” (esta frase se encontra na obra A arte de insultar, no verbete Igualitarismo). Galileu Galilei nasceu em 15 de fevereiro de 1564 na cidade italiana de Pisa. Aos 17 anos começou estudar medicina, mas nela não satisfez o “seu gosto pela observação e pelo rigor do raciocínio” (ROVIGHI, 1999, p. 34), pois na época a medicina não era uma ciência tão rigorosa e baseava-se muito mais na autoridade dos clássicos do que na observação do corpo humano. Mesmo contrariando seus familiares passou a estudar matemática, concomitante com medicina e aos poucos abandonou a ciência de Hipócrates. Aos 25 anos tornou-se professor de matemática na Universidade de Pisa, mudando dois anos depois, para a Universidade de Pádua. Em 1609, Galileu Galilei ficou sabendo que na Holanda havia sido construído um telescópio, buscou informações, aperfeiçoou este instrumento e começou a fazer observações astronômicas. Um ano depois escreveu um livro O mensageiro celeste, onde descreveu as montanhas da lua, quatro satélites de Júpiter, as fases de Vênus, as formas de Saturno e as manchas solares. Ao perceber que as manchas solares mudavam de posição, concluiu que isto só era possível porque a terra estava girando em torno do sol. Em uma carta de 1610, Galileu Galilei afirmou que gostaria que lhe acrescentassem ao título de matemático também o de filósofo. É preciso lembrar que filósofo era aquele que estudava a natureza, os corpos e seus fenômenos. Diz ele ter “estudado mais anos de filosofia do que meses de matemática pura”. (ROVIGHI, 1999, p. 48). Galileu Galilei fez investigações em física, sobretudo em mecânica, tentando descrever os fenômenos em linguagem matemática, fato que provocou forte reação da ciência oficial, até então aristotélica. Contudo, aplicar matemática à física foi a maior contribuição de Galileu Galilei para a história das ideias (PESSANHA, 1978). Fonte: Disponível em: <http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Galileo_telescope_replica_(1).jpg?uselang=pt-br>. Acesso em: 31 mar. 2015. Figura 1.15 | Réplica do telescópio (ou luneta) de Galileu Galilei. Será que muitas vezes não julgamos que muitas pessoas juntas podem ter mais conhecimento do que uma única pessoa? Será que às vezes não somos levados a concordar com a maioria, simplesmente por ser maioria? Noções gerais acerca do conhecimento U1 44 Galileu tornou-se o criador da física moderna, quando enunciou as leis fundamentais do movimento; foi também um dos maiores astrônomos de todos os tempos, pelas observações pioneiras que fez com o telescópio. [...] Galileu é mais importante pelas contribuições que fez ao método científico do que propriamente pelas revelações físicas e astronômicas encontradas em suas obras (PESSANHA, 1978, p. 96). processo pelo qual os intelectuais se desligam das justificativas baseadas na religião, que exigem adesão pela crença, para só Estruturou todo o conhecimento científico da natureza e abalou os alicerces que fundamentavam a concepção medieval de mundo. [...] Em lugar de conceber o mundo como dividido em duas partes, uma superior, constituída pelo céu, e a outro inferior, a terra em que vive o homem, mostrou que todos os objetos físicos devem ser concebidos como sendo da mesma natureza e tratados de modo idêntico, pelo menos por aqueles que desejam conhecer cientificamente o universo. [...] Mostrou que a natureza é fundamentalmente um conjunto de fenômenos mecânicos, tal como afirmou Demócrito na Antiguidade. [...] E mostrou, finalmente, que “o livro da natureza está escrito em caracteres matemáticos” e que ‘sem um conhecimento dos mesmos, os homens não poderão compreendê-lo’. (PESSANHA, 1978, p. 97). O método desenvolvido por Galileu foi uma revolução na ciência e consistia de três princípios: 1º
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