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História das Religiões: Religiões Africanas e Orientais Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Prof. Me. Rosenilton Silva de Oliveira Revisão Textual: Prof.ª Dr.ª Selma Aparecida Cesarin Religiões Orientais: Aspectos Teológicos • Introdução; • Características das Religiões Orientais; • A Presença das Religiões Orientais no Brasil; • Considerações Finais: Os Movimentos (NEO) Esotéricos. · Apresentar panoramicamente as características teológicas das religi- ões orientais a fim de refletir sobre a sua presença no contexto brasi- leiro e a configuração dos movimentos (neo)esotéricos. OBJETIVO DE APRENDIZADO Religiões Orientais: Aspectos Teológicos Orientações de estudo Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem aproveitado e haja maior aplicabilidade na sua formação acadêmica e atuação profissional, siga algumas recomendações básicas: Assim: Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e horário fixos como seu “momento do estudo”; Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo; No material de cada Unidade, há leituras indicadas e, entre elas, artigos científicos, livros, vídeos e sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você também encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados; Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discus- são, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e de aprendizagem. Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Determine um horário fixo para estudar. Aproveite as indicações de Material Complementar. Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma Não se esqueça de se alimentar e de se manter hidratado. Aproveite as Conserve seu material e local de estudos sempre organizados. Procure manter contato com seus colegas e tutores para trocar ideias! Isso amplia a aprendizagem. Seja original! Nunca plagie trabalhos. UNIDADE Religiões Orientais: Aspectos Teológicos Introdução Olá! Você já ouviu falar em carma, nirvana, impermanência, castas...? Esses termos dizem respeito ao universo religioso que classificamos como “reli- giões orientais”, mais precisamente, filosofias e cosmologias religiosas originárias na Índia e na Ásia. E é sobre elas que vamos tratar nesta Unidade. Nosso objetivo será apresentar panoramicamente as características teológicas das religiões orientais, a fim de refletir sobre a sua presença no contexto brasileiro e a configuração dos movimentos (neo) esotéricos. Figura 1 – Om ou Aum: símbolo do Hinduísmo Fonte: Wikimedia Commons Primeiramente, faremos um percurso visando a compreender as origens e as principais características das religiões orientais, colocando em evidência alguns dos seus modelos rituais mais difundidos (ou que tenham maior presença no cenário global, como, o Hinduísmo, o Budismo, o Xintoísmo, o Taoísmo etc.). Em seguida, observaremos mais especificamente a presença dessas religiões ou alguns de seus aspectos no contexto brasileiro. Por exemplo, a difusão da prática da ioga e dos exercícios de meditação e de autoconhecimento para, na parte final da Unidade, refletirmos sobre os chamados “movimentos esotéricos ou neoesotéricos” que ganharam proeminência no cenário nacional, com a profusão de espaços de terapia, divulgação por meio da mídia de aspectos da filosofia oriental e do movimento da “Nova Era”. Ioga ou Yoga qual o correto? O termo “ioga” grafo com “i” é a forma de escrita da palavra em português, enquanto que “yoga” deriva da língua inglesa. Não há alteração no significado caso ela seja escrita de um ou de outro modo. Ex pl or 8 9 Características das Religiões Orientais A primeira coisa que precisamos ressaltar é que quando falamos em religiões orientais de modo genérico, estamos nos referindo a todas aquelas expressões religiosas que tiveram origem no extremo oriente, isto é, na Ásia, mais especifi- camente no Japão e na China. Entretanto, é preciso lembrar que algumas delas, como o Budismo (amplamente difundido nesses dois países), têm origem na Índia. Tal expressão, portanto, é insuficiente para dar conta da diversidade religiosa dessa região. De todo modo, assim como fazemos no caso das religiões tradicio- nais africanas e das religiões abraamicas (surgidas no Oriente Médio: judaísmo, cristianismo e islamismo), faremos uso desses termos “guarda-chuva” cientes de que a realidade é muito mais complexa. Nesse sentido, tomamos aqui o termo “oriental” no sentido empregado pelos orientalistas, isto é, no sentido de que posições políticas estabeleceram uma cisão cultural, linguística, econômica, filosófica, religiosa e intelectual entre o Ocidente e o Oriente. Mais do que posições geográficas, são modos de ser e de estar, que foram constituídos opondo as metrópoles europeias (a partir do século XVII) às demais sociedades, sobretudo às asiáticas, como chinesas e japonesas. Trata-se de tomar o termo religiões orientais como o conjunto das expres- sões religiosas e filosóficas cuja origem ou presença deu-se na Ásia, mas que, em determinados momentos, pode englobar as filosofias esotéricas ou as religiões de origem indiana. Com o se vê na figura a seguir, algumas religiões classificadas como orientais são: Hinduísmo e Budismo, que tiveram origem na Índia; Taoísmo e Confucionismo, de origem chinesa, e Xintoísmo, originário do Japão. Cada uma dessas filosofias reli- giosas possui um conjunto de ramificações; muitas delas desenvolvidas em contextos geográficos distintos daqueles onde surgiram, como ocorreu com o Budismo, que passou por grande reformulação na China e, posteriormente, no Japão. • Hinduísmo • Budismo Religiões com origem na Índia • Xintoísmo Religiões Orientais: Japão • Taoísmo • Confucionismo Religiões Orientais: China Figura 2 – Religiões classifi cadas como orientais 9 UNIDADE Religiões Orientais: Aspectos Teológicos Essa classificação didática tenta dar conta dos fluxos e refluxos religiosos exis- tentes. Alguns estudiosos tentaram classificar as principais religiões mundiais (prin- cipais no sentido de seu peso político no cenário internacional e de número de adeptos) em “ocidentais” e “orientais”. Judaísmo, Islamismo e Cristianismo seriam as “religiões ocidentais” (embora sua origem tenham sido o Oriente Médio), e Hinduísmo, Budismo e Taoísmo seriam as principais representantes das “religiões orientais”. Importante! A classificação das várias religiões em “orientais” ou “ocidentais” é sempre provisória e contextual, isto é, precisa ser entendida a partir do ponto de vista proposto pelo analis- ta, vez que no dia a dia a realidade é mais complexa e as tradições religiosas se mesclam, colocando em xeque essas categorias. De todo modo, essa organização é útil do ponto de vista didático e nos ajuda a ter linhas gerais para entender o fenômeno religioso numa escala global. Importante! No quadro a seguir, vemos a sistematização das principais diferenças entre os dois grupos. Quadro 1 – Síntese das diferenças entre as religiões orientais e ocidentais Ocidental Oriental Visão da história Visão linear da história, isto é, a história tem um começo e um fim; o mundo foi criado num certo ponto e um dia irá terminar. Visão cíclica da história, isto é, a história se repete num ciclo eterno e o mundo dura de eternidade em eternidade. Conceito de Deus Deus é o criador; ele é todo-poderoso e é único. O monoteísmoé tipicamente ocidental. O divino está presente em tudo. Ele se manifesta em muitas divindades (politeísmo) ou como uma força impessoal que permeia tudo e a todos (panteísmo). Noção de humanidade Há um abismo entre Deus e o ser humano, entre o criador e a criatura. O grande pecado é o homem desejar se transformar em Deus em vez de se sujeitar à vontade de Deus. O homem pode alcançar a união com o divino mediante a iluminação súbita e o conhecimento. Salvação Deus redime o ser humano do pecado, julga e dá a punição. Existe a noção de vida após a morte, no céu ou no inferno. A salvação é libertar do eterno ciclo da reencarnação da alma e do curso da ação. A graça vem por meio de atos de sacrifício ou do conhecimento místico. Ética O fiel é um instrumento da ação divina e deve obedecer à vontade de Deus, abandonando o pecado e a passividade diante do mal. Os ideais são a passividade e a fuga do mundo. Culto Orar, pregar, louvar Meditação, sacrifícios Fonte: Gaarder; Hellern; Notaker, 2005, p. 42 Não estão contempladas no quadro acima as religiões tradicionais africanas, nem as cosmologias indígenas (seja americana, seja aborígene, na Oceania), justamente porque o lugar de observação dos analistas é o próprio Ocidente. 10 11 Além do Hinduísmo, Budismo, Taoísmo e Xintoísmo, há um conjunto de con- cepções filosófico-religiosas que foram se desenvolvendo no Oriente, a partir de vários elementos dessas religiões e do contato direto entre os vários povos. A diver- sidade religiosa é observada, inclusive, no interior dos próprios sistemas religiosos. Assim como há várias formas de viver o Cristianismo (inclusive com divergências teológicas), da mesma maneira se dá com o Budismo ou o Hinduísmo. De todo modo, podemos perceber concepções filosóficas semelhantes no Hinduísmo e no Budismo (por exemplo, com relação à doutrina do carma e da salvação), do mesmo modo em que encontramos divergências sobre a concepção de Tao e entre o Confucionismo e o Taoísmo. De fato, um dos elementos centrais, tanto no Budismo quanto no Hinduísmo, é a busca pela iluminação, a fim de romper a necessidade da reencarnação. Essas duas religiões indianas tiveram destinos distintos: enquanto a segunda segue sendo a religião mais praticada na Índia, a primeira desenvolveu-se enormemente na Ásia, sobretudo na China, no Tibete e no Japão. Sem negar a existência dos deuses ou restringir o seu culto, “os indianos já não viam os deuses como outros seres, exteriores a ele, mas, ao contrário, buscavam uma compreensão interior da verdade” (ARMSTRONG, 2008, p. 45). Desse modo, o Hinduísmo e o Budismo elaboraram novas formas de se relacionar com o divino e de transcendê-los. Nesse processo, os mestres passaram a exercer papel fundamental. Buda, por exemplo, ao atingir a iluminação, tornou-se livre do carma (e, por extensão, da necessidade de reencarnar) e permaneceu na Terra para transmitir seus ensinamentos, porque teve compaixão dos homens; a partir daí, surge uma nova religião, o Budismo. Movimento semelhante atingiu o Hinduísmo. Karen Armstrong afirma que: No século VIII a.C., alguns sábios começaram a tratar dessas questões nos Aranyakas e Upanishads, tratados conhecidos coletivamente como Vedan- ta: o fim dos Vedas. Surgiram tantos Upanishads que, ao encerrar-se o sé- culo V a. C., havia cerca de duzentos. A religião que chamamos de Hinduís- mo não permite generalizações, porque evita sistemas e nega a validade de uma interpretação exclusiva. Os Upanishads, porém, desenvolveram uma concepção distinta da divindade, que transcende os deuses e, não obstante, está em todas as coisas (ARMSTRONG, 2008, p. 46). Diferenças teológicas à parte, essas duas tradições religiosas consideram que as ações (físicas, pensamentos, atitudes e palavras) realizadas numa vida produzem carma (palavra sânscrita que significa “ato”). 11 UNIDADE Religiões Orientais: Aspectos Teológicos O carma pode ser positivo ou negativo e, vez o sujeito morre, ele precisa reen- carnar tantas vezes quantas necessárias até atingir a iluminação (ou o Nirvana) e se liberar. Alguns estudiosos consideram que o Sidarta Gautama precisou reencarnar mais de quatrocentas vezes antes de atingir a iluminação e se tornar o Buda (que significa iluminado). A partir dessa ideia central, hinduístas e budistas elaboram complexos e diversos rituais, doutrinas e reflexões filosóficas que permitem ao fiel alcançar a salvação. Algumas dessas práticas, como o Ioga (que coloca em prática exercícios de controle do corpo e da mente) e a meditação, chegam ao Ocidente de modo autônomo, apesar de sua estreita relação com essas religiões, do mesmo modo que alguns rituais ganham independência e passam a configurar outras religiões. Processo semelhante ocorre no diálogo entre o Confucionismo e o Taoísmo, duas religiões de origem chinesa. Aqui, é a noção de tao (ordem do mundo) que aparece com significados distintos, tanto para Confúcio quanto para Lao-Tse: A diferença mais importante entre a concepção de Lao-Tse sobre o tao e as outras é que Lao-Tse acreditava ser impossível descrever o tao de maneira direta e racional. “O tao que pode ser descrito não é o tao real”, disse ele. Isso significa que o homem não pode investigar ou estudar a verdadeira natureza do tao, não pode usar o intelecto para compreendê- lo. Ele deve meditar, imerso numa tranquilidade sem nexos e esquecer todos os seus pensamentos a respeito das coisas externa, o progresso na vida. Só então irá alcançar a união com o tao e será preenchido pelo te, força vital (GAARDER et al., 2005, p. 89). Esse modo de compreender o tao e o te implicará a forma de atuação no mundo. O Taoísmo implica passividade e não atividade. Para um sábio taoísta, a ação mais importante é a “não-ação”. Isso obviamente tem uma grande influência em sua visão da vida comunitária. Enquanto Confúcio desejava educar o homem por meio do conhecimento, Lao-Tse preferia que as pessoas permanecessem ingênuas e simples, como crianças. Enquanto Confúcio ansiava por regras e sistemas fixos na política. Lao-Tse acredita- va que o homem deveria interferir o mínimo possível no desdobramento natural dos fatos. Confúcio queria uma administração bem ordenada, mas Lao-Tse acreditava que qualquer administração é má. “Quanto mais leis e mandamentos existirem, mais bandidos e ladrões haverá”, diz o Tao Te Ching [O Livro do Tao e do Te]” (GAARDER et al., 2005, p. 89). 12 13 Por fim, entre o Budismo e o Xintoísmo observamos alguns diálogos que per- mitem certa convergência e algumas divergências. Na atualidade, sobretudo no Japão, observa-se que não há concorrência entre essas duas religiões e algumas justificativas são dadas pela história desse país. Diferente das religiões monoteístas ou do Budismo, o Xintoísmo não tem um fundador e não se sabe ao certo quando ele passou a ser praticado. Fato é que, no decurso da História ele se apresentava como uma religião nacional (a exemplo das religiões tradicionais africanas), de sorte que marca toda a vida do sujeito e da comunidade. Seus ritos estão intricados na tessitura social. Desse modo, mesmo que o sujeito seja praticante de outra religião (mesmo que seja monoteísta, como o Islã ou o Cristianismo), realizará algumas dessas cerimônias, mesmo que elas sejam vivenciadas como “expressões da cultura japonesa”. Portanto, enquanto o Xintoísmo organiza a vida social do fiel (cerimônias de nascimento, casamento, funeral etc.), o Budismo fornece certos parâmetros para a vida cotidiana, sobretudo no processo de enfretamento do sofrimento que atinge todas as pessoas: a doença, o envelhecimento e a morte. Se a prece é o elemento primordial, presente em todas as religiões, conforme demonstrou o antropólogo francês Marcel Mauss (2001), a meditação (como elemento relacionado à prece) é uma prática presente em todo escopo das religiões tradicionais. Tomado de forma distinta e seguindo uma variedade de técnicas, fato é que, pormeio dos exercícios meditativos, o sujeito entra em contato com o transcendente e é capaz de romper com a realidade extra mundana, seja de modo efetivo e duradouro (no caso da iluminação budista), seja de forma passageira, como êxtase. Marcel Mauss considera a prece: “[...] um fenômeno religioso, ou mesmo o fragmento de uma religião, sendo esta definida como um sistema de crenças e práticas coletivas dirigidas a seres sagrados reconhecidos pela tradição. Portanto, ao considerar a prece narrativa religiosa, produto do esforço acumulado dos homens e gerações, o autor afirma que ela é antes de tudo um fenômeno social, pois mesmo quando o crente seleciona a seu modo os termos da oração, naquilo que diz ou pensa, nada mais faz do que recorrer a frases consagradas pela tradição” (HAIBARA, Alice; OLIVEIRA, Maria Isabel. Verbete A prece. In: Enciclopédia de Antropologia). Disponível em: <http://ea.fflch.usp.br/obra/prece> 13 UNIDADE Religiões Orientais: Aspectos Teológicos A Presença das Religiões Orientais no Brasil Esse conjunto de religiões orientais chega ao Brasil, sobretudo, a partir do século XIX, com a chegada dos primeiros chineses e, posteriormente, com a presença japonesa, a partir de 1908. Budismo, Xintoísmo e Hinduísmo estão presentes no território nacional, contando entre seus adeptos não apenas com imigrantes, mas também com brasileiros. De acordo com os dados censitários oficiais, o Brasil é indiscutivelmente um país no qual a maioria da população se declara cristã, cerca de 86% dela (sendo 64% católicos e 22% evangélicos). Entre os adeptos das religiões orientais, os budistas acumulam o maior número, com cerca de pouco mais de 240 mil fiéis; entretanto, o conjunto dessas religiosidades corresponde a cerca de 0,33% dos residentes, de um total de 489.280 mil pessoas. No Gráfico, apresentamos a distribuição dos adeptos às religiões orientais no Brasil, de acordo com o Censo Demográfico de 2010 (IBGE, 2010). As porcentagens demonstram a relação desse grupo de religiões entre si, vez que a comparação do cenário nacional demonstra a sua proporção diminuta. Tradições Esotéricas (15%) Outras Religiões Orientais (2%) Outras Novas Religiões Orientais (11%) Igreja Messiânica Mundial (21%) Hinduismo (1%) Budismo (50%) Distribuição dos Adeptos das Religiões Orientais no Brasil Gráfico 1 – Distribuição dos adeptos das religiões orientais no Brasil Fonte: IBGE, 2010 14 15 Apesar do pequeno número de fiéis, a presença pública das religiões orientais é visível, sobretudo o Budismo e as chamadas “tradições esotéricas”. De fato, a maioria dos brasileiros, em algum momento, já teve algum contato ou já ouviu falar em Ioga, Tai-Chin, Buda, Krishna etc. Ou seja, o universo filosófico- religioso oriental já permeia o cenário nacional, mesmo que isso não se reverta especificamente em conversões religiosas. Ainda sobre a conversão às religiões orientais é preciso ter em mente que, entre os brasileiros, é comum a enunciação pública de pertencimento à determinada religião, mas, no dia a dia, adota práticas rituais de outras cosmologias ou compartilha da doutrina de outras religiões. Por exemplo, um católico que consulta pai ou mãe de santo, ou que acredita em reencarnação. Retraçar a história da presença das religiões orientais no Brasil esbarra em algumas dificuldades: a diversidade das tradições e grupos religiosos, o baixo número de adeptos (proporcionalmente à população brasileira), o lento processo de institucionalização da religião no contexto brasileiro e o número ainda limitado de pesquisas sobre o tema. Todos esses fatores devem ser considerados em conjunto e, dependendo do interesse da análise, um ou outro pode ganhar mais ou menos peso. Do ponto de vista das análises sociológicas sobre as religiões orientais no Brasil, percebe-se uma produção maior sobre o Budismo e, a partir dos anos 1990, dos movimentos neoesotéricos, o que dialoga com o aumento sistemático do número de imigrantes budistas vindo do Japão e da China, e o interesse crescente dos brasileiros por essas práticas. Nesse diapasão, encontramos alguns trabalhos sobre o Xintoísmo, o Taoísmo, a Igreja Messiânica e outras religiosidades que dialogam com a população chinesa e japonesa. Por outro lado, o número de trabalhos sobre o Hinduísmo no Brasil é mais limitado, proporcionalmente ao número de imigrantes indianos. Hinduísmo Percebemos que aqueles grupos religiosos que já se consolidaram no território nacional atraem para si maior número de fiéis e também a atenção da imprensa e dos pesquisadores. Assim, quando falamos, investigamos a presença hinduísta no Brasil (cujo número de fiéis aferido pelo IBGE, em 2010, não chega a cinco mil pessoas. Em 2005, havia hinduístas em apenas 48 cidades brasileiras, conforme demonstra o mapa a seguir. 15 UNIDADE Religiões Orientais: Aspectos Teológicos Quase inexistente (22) ou não existente Presente em 48 municipios Hinduísmo no Brasil Figura 3 – Hinduísmo no Brasil Fonte: IBGE, 2005 Uma das vertentes hinduístas com presença marcante no cenário público nacional é a Vedanta, isto é, o ramo hindu que coloca em evidência os aspectos práticos da vivência descritos na parte final dos Vedas, chamado Upanishads. Além das bases filosófico-religiosas, nessa parte do livro são descritas ações práticas a serem adotadas para preparar o corpo e a mente para a iluminação. A ioga, que em muitos lugares é praticada apenas como um conjunto de exercícios visando ao bem do corpo, é uma das práticas com base Vedanta, pois ela serve para preparar o corpo para a meditação. Os Vedas constituem as escrituras sagradas centrais do Hinduísmo. Escrito em forma de poemas, apresenta os elementos centrais da prática hindu, embora não possa ser confundido com um livro normativo. Vedanta é o nome que se dá a parte final dos Vedas, na qual estão reunidos os ensinamentos da prática Veda, chamada Upanishads. A Vendanta está presente em todas as vertentes do Hinduísmo. Ex pl or 16 17 Umas das instituições hindu com presença forte no Brasil é a Ordem Ramakrishna, fundada na Índia, no final do século XIX, a partir dos ensinamentos do líder espiritual Sri Ramakrishna, o qual inspirou um movimento mundial conhecido como Ramakrishna (ou Movimento Vedanta, ou ainda, Neo Vedanta). Essa ordem, presente em vários países no mundo, atua nos campos educacio- nais, religiosos, na saúde e na assistência social, por meio de duas instituições au- tônomas, mas que trabalham em parceria e são administradas por um mesmo con- selho diretor: a Ramakrishna Math e a Ramakrishna Mission. A primeira dedica-se à vida espiritual, à religião e à sua divulgação; a segunda desenvolve atividades humanitárias, praticadas numa perspectiva espiritual. A sede mundial da Ordem encontra-se em Belur Math, Calcutá, Índia. Em 1974, fundou-se em São Paulo o Ramakrishna Vedanta Ashrama, uma instituição voltada à divulgação da prática e da filosofia hinduísta, por meio de formações, publicações, retiros, celebrações e atividades filantrópicas. Em 1999, filiou-se à Ordem Ramakrishna. Atualmente a Ordem está presente no Distrito Federal e nas capitais de cinco estados brasileiros: São Paulo (também com um tempo em Embu-Guaçu), Paraná, Rio de Janeiro, Minas Gerais (com filial também em Betim) e Ceará. Taoísmo e Confucionismo A presença do Taoísmo e do Confucionismo no Brasil está relacionada tanto à presença de imigrantes chineses, quanto japoneses, num primeiro momento, e depois à presença de tailandeses (sobretudo, na cidade de São Paulo). É preciso ter sempre presente, como já assinalamos, que essas religiões podem ser praticadas de modo concomitante com outras filosofias e religiosidades. Desse modo, há certa dificuldade em identificar e classificar taoístas e confucionistas por meio de pesquisas censitárias. Observando os dados disponibilizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), percebemos que só são discriminados os praticantesdo Budismo e do Hinduísmo, sendo que as demais religiões orientais aparecem agrupadas em cerca de 10 mil adeptos. Um número bastante reduzido, se levarmos em conta que a Igreja Messiânica (de origem japonesa), possui mais de cem mil membros. Por outro lado, embora o número reduzido de fiéis, símbolos, ritos e elementos da filosofia dessas religiosidades permeie o espaço público e o imaginário das pessoas, é difícil encontrar alguém que nunca tenha ouvido falar do Yin e Yang ou no grande filósofo chinês Confúcio. 17 UNIDADE Religiões Orientais: Aspectos Teológicos Figura 4 – Yin-Yang ou Taiji: Símbolo do Taoísmo Fonte: Wikimedia Commons Tanto a tradição taoísta, quanto a confucionista baseiam-se no livro Tao Te Ching (O livro do Tao e do Te), sendo tao a ordem do mundo e te a força vital. O modo pelo qual Confúcio e Lao-Tse interpretam o Tao marca a diferença entre as duas religiões. Nesse sentido, há também diferentes formas de representar e interpretar o Taiji (ou Yin-yang). Em geral o Yin-yang é representado de modo esférico, dividido em duas partes (uma branca e outra preta) com um pequeno círculo em cada uma dessas partes de cor distinta do seu entorno. Essa representação, utilizada como símbolo do Taoísmo, em geral é interpretada como o princípio da mudança, na qual o Yin é o princípio masculino (sol, diurno, a força, ação, claro, princípio ativo) e o Yang o feminino (lua, noturno, princípio passivo, escuro, reação). Importante! Mesmo que não tenhamos contato com o Taoísmo ou com o Confucionismo dire- tamente, certamente já ouvimos falar de algumas de suas práticas como a ioga, o I-Ching, o Tai chi chuan e inúmeras outras artes marciais em que os princípios filosó- fico-religiosos estão presentes. Você Sabia? Assim como ocorre com as demais religiões orientais, o Taoísmo possui algumas vertentes, as quais podemos classificar em cinco grupos: • A primeira delas chama-se Dan Ding, que significa literalmente Caldeirão e Elixir; é a que nós chamamos no Ocidente de Escola da Alquimia; • A segunda chama-se Fú Lù, Fú significa literalmente Correspondência, e Lù quer dizer ordenar. Ou seja, é a Escola da Correspondência e da Ordenação, referindo-se à Escola Ritualística e da Lei Cósmica; 18 19 • A terceira chama-se Jing Dian, que literalmente significa Textos Clássi- cos. São escolas que enfatizam mais os estudos clássicos, podem ser cha- madas de Escolas Filosóficas ou Escolas de Estudos filosóficos do Taoísmo; • A quarta chama-se Ji Shàn, que significa Acumulação da Bondade: aplica os conhecimentos taoístas em benefício da sociedade, da pessoa, da vida; é a escola voltada para a doação e para as práticas taoístas na vida quotidiana; • A última chama-se Zhan Yuàn, que significa Oráculos e Experiências, ou seja, Yi Jing (I Ching), Astrologia, Artes Marciais, Acupuntura, incluindo conhecimentos de cura através das ervas da medicina Taoísta e diversos trabalhos energéticos. (Vertentes do Taoísmo. Disponível em: <http://sociedadetaoista.com.br>). No Brasil, duas tradições taoístas se destacam: a Tradição Zheng Yì e a Tradição Jiulong Kunlun. A primeira difundia, por meio do trabalho da Sociedade Taoísta do Brasil, que é vinculada à Sociedade Taoísta da China, representa os ensinamentos trazidos pelas principais linhagens clássicas e possui dois templos, um no Rio de Janeiro e outro em São Paulo. A segunda tradição – Jiulong Kunlun – está presente em Ribeirão Preto, cidade do interior de São Paulo, onde se encontra a sede nacional, e em cinco outros estados: Amapá, Rio de Janeiro, Paraná, Bahia e Santa Catarina. Com presença mais tímida no cenário nacional, encontramos templos xintoístas e confucionistas no estado de São Paulo. Esse número reduzido deve-se, em parte, ao trânsito religioso entre os praticantes das religiões orientais e à forte adesão dos imigrantes asiáticos ao Budismo. Importante! Os imigrantes japoneses instalaram-se majoritariamente nos estados de São Paulo e Paraná, concentrando-se a oeste do estado paulista e a norte no estado paranaense. O terceiro estado brasileiro com maior número de japoneses é o Mato Grosso do Sul. No entanto, o bairro da Liberdade, na capital paulista, concentra a maior comunidade japonesa do mundo fora do Japão. Você Sabia? Budismo De acordo com Frank Usarski (2016), a presença do Budismo no Brasil pode ser dividida em quatro fases, sendo que cada uma delas não é necessariamente sucessiva a outra no tempo, mas dize respeito à dinâmica de integração dos imigrantes, sobretudo japoneses, na sociedade brasileira, e à receptividade da filosofia budista. A primeira abrange as últimas décadas do século XIX e a primeira metade do sé- culo XX, correspondendo à chegada dos primeiros imigrantes chineses e japoneses: 19 UNIDADE Religiões Orientais: Aspectos Teológicos Mais relevante para a história do Budismo brasileiro, do que os tímidos movimentos imigratórios de chineses no decorrer do século XIX, foi a chegada de 186.272 imigrantes japoneses oficialmente registrados entre 1908 e o início da Segunda Guerra Mundial (IZUMI, 2012, p.30). Nos meios dos imigrantes japoneses da época, a prática budista predominante era associada ao Budismo Shin, caracterizado pela devoção coletiva ao Buda Amida em desfavor de aspectos meditativos típicos para o Budismo Zen ou de exigências intelectuais típicas de um Budismo “erudito”. (USARSKI, 2016, p. 719) A principal característica desse período é que a religião ficou restrita aos imigrantes e a seus descendentes por dois motivos principais: ele servia de base para a coesão do grupo em meio às diversidades enfrentadas no Brasil e, sobretudo, parte dos japoneses não tinha expectativa de fixar residência em terras brasileiras, portanto, não havia a preocupação em se integrar à sociedade nacional. Fixados na capital e no interior paulista, os japoneses se deslocaram para o norte do estado do Paraná e no Mato Grosso do Sul. Os primeiros templos foram, portanto, fundados nessas regiões, que até hoje lá se concentram, enquanto, em 1923, no Rio de Janeiro, a comunidade chinesa fundou a Sociedade Budista do Brasil, por intermédio do teósofo Loureço Borges. Essa Sociedade era, originariamente, destinada aos budistas ocidentais, entre- tanto, ela foi fechada e reaberta em 1967, como uma instituição voltada à promo- ção do Budismo de tradição Theravada. Importante! O bairro da Liberdade, na capital paulista, concentra a maior comunidade de japoneses fora do Japão no mundo. Você Sabia? A segunda fase corresponde ao período pós-guerra, quando o sonho de retornar de muitos imigrantes japoneses não se concretizou, iniciando um processo de integração à sociedade brasileira e ao enfrentamento dos preconceitos ainda presentes: A derrota do Japão e a posterior desistência pública do Imperador do seu tradicional status como figura divina tiveram um impacto profundo sobre a tradicional relação complementar entre as religiões. Privado da sua base legitimadora, o culto ao Imperador perdeu sua conotação imediatamente religiosa o que, no caso da colônia japonesa no Brasil, coincidiu com o desafio ambíguo de preservar a cultura do país de origem e ao mesmo tempo de se manter aberto para os desafios do abrasileiramento (USARSKI, 2016, p. 722). Nesse período um conjunto de instituições budistas foi fundado em São Paulo e no Paraná, todas associadas à comunidade japonesa, como, por exemplo: expan- são da escola Honmon-Busutryu-shu, Taubaté/SP (1949), Londrina/PR (1950), 20 21 Itaguaí/RJ (1950) e a sede em São Paulo (1962); a Escola Tendai e o ramo Otani da Escola Jodo Shinshu abrem seus tempos na década de 1950. O ramo Honpa da Escola Jodo Shinshu estabeleceu sua sede nacional na cidade de São Paulo; início das missões do Outras Soto-Zen e do Nichiren-shu, no Brasil, e a fundação da Federação das Seitas Budistas no Brasil (1958). Importante! “Quanto ao Budismo, vale a pena lembrar que, no geral, no Japão, o Xintoísmo, o Bud- ismo e,na maioria dos casos, as mais recentemente fundadas novas religiões coexistem harmoniosamente em termos institucionais. Ao mesmo tempo, devido às suas caracte- rísticas específi cas e lógicas particulares, as correntes cumprem funções diferentes, isto é, complementam-se em termos de apoio e conforto diante de problemas experimenta- dos em diferentes níveis da existência. Nesse sentido, é comum que o mesmo indivíduo se identifi que como “xintoísta” e, como “budista”, às vezes, também como aderente de um movimento, como Seicho-no-Iê. Segundo Maeyama, do ponto de vista histórico, o Confucionismo e o associado culto ao Imperador eram mais associados ao ethos na- cional em prol da coesão coletiva no nível “macro”. O Budismo era, em primeiro lugar, relacionado ao “lar” e ao parentesco, enquanto a maioria das novas religiões japonesas direcionava-se ao indivíduo (MAEYAMA, 1983, p.205); (USARSKI, 2016, p. 721). Importante! A partir da década de 1960, inicia-se a terceira fase do Budismo no Brasil, a qual reflete o interesse de intelectuais pela a Soto Zen, em particular, e pelo Budis- mo japonês, em geral. De acordo com Usarski, esse fenômeno se deu por três motivos: primeiramente, houve uma positivação da imagem do Oriente no Ocidente, proporcionada por obras filosóficas e literárias; o segundo, a ampliação do conhecimento sobre o Budismo em geral, e pelo Budismo Zen, promovido pela popularização de publicações sobre o tema; por fim, o terceiro aspecto foi: [...] o papel catalizador do já citado templo soto-zen Busshinji, na cidade de São Paulo, que durante o período em questão abriu-se gradativamente para uma clientela mais ampla. Uma das figuras-chave para este processo era o mestre Rosen Takashina Roshi, que tinha visitado a “colônia japonesa” pela primeira vez em 1955. Um ano mais tarde, sua ordem mandou-lhe novamente para o Brasil, desta vez por ocasião da fundação do templo Busshinji (USARSKI, 2016, p. 725). Por fim, a quarta fase, iniciada nos anos 1980, marcada pela diversidade e expansão da presença budista no Brasil. Multiplica-se o número de instituições, os ramos do Budismo, e cresce o número de adeptos entre brasileiros e não japoneses. Do ponto de vista demográfico, conforme vimos acima, o Budismo é a religião oriental (assim considerada, embora a origem seja indiana) com o maior número de adeptos no país. 21 UNIDADE Religiões Orientais: Aspectos Teológicos O aumento de imigrantes coreanos, chineses e tibetanos tem colaborado para o aumento dessas cifras; mas é sobretudo entre brasileiros que cresce o número de adeptos, compondo o chamado “Budismo de conversão”, principalmente, pela ação de instituições budistas tibetanas. No gráfico a seguir, apresentado por Shoji (apud Frank Usarski – 2008, p. 142), com base no Censo Demográfico de 2000, percebemos que ainda há concentração das instituições budistas nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná. Outros (16%) Distrito Federal (3%) Minas Gerais (4%) Rio Grande do Sul (5%) Paraná (10%) Rio de Janeiro (11%) São Paulo (51%) Gráfico 2 – Distribuição Geográfica das Instituições Budistas no Brasil Fonte: Adaptado de Shoji, 2004 Considerações Finais: Os Movimentos (NEO) Esotéricos Os assinantes de muitos dos grandes jornais e revistas no Brasil não se sur- preendem mais com determinado tipo de anúncio que continua a ocupar espaço no caderno de classificados, oferecendo consultas por meio do tarô, numerologia, runas, I-Ching, astrologia e outros sistemas oraculares. Os frequentadores de livrarias, por sua vez estão já acostumados com o desta- que, nas estantes colocadas estrategicamente na entrada da loja, para livros rotulados sob a rubrica “esotéricos”, “místicos” ou de “autoajuda”. Isso sem mencionar os programas de televisão dedicados a divulgar terapias alterna- tivas, ou ainda os diversos espaços, lojas, agências e comunidades também voltadas para essas atividades (MAGNANI, 2000, p. 7). 22 23 Depois de dez anos de haver escrito essa introdução, a reflexão do antropólogo José Guilherme Magnani sobre o fenômeno conhecido como “nova era” (new age, em inglês), neoesoterismo, misticismo contemporâneo ou Era de Aquário, continua atual. Acrescentaríamos, talvez, na lista acima, as redes sociais e o papel crucial da Internet em substituição aos 0900 tão populares na década de 1990. Quanto ao movimento da Nova Era, nome emprestado da Cosmologia Astrológica, em que é dado destaque a mudanças estruturais na sociedade, devido à passagem de um ciclo zodíaco a outro: De acordo com o esquema dos ciclos do ano zodiacal, a era de Touro, por exemplo, correspondeu às civilizações mesopotâmicas, a de Áries, à religião mosaico-judaica e a de Peixes – que teve início com o advento do cristianismo – ao término dos 2.100 anos de sua duração, levou ao limite os valores identificados com o mundo de vida ocidental. A nova era agora se inicia é a Era de Aquário, trazendo ou anunciando profundas alterações para os homens em sua maneira de pensar, sentir, agir e relacionar-se uns com outros, com a natureza e com a esfera do sobrenatural (MAGNANI, p. 2000, p. 10). A virada do segundo para o terceiro milênio, portanto, seria marcada por transformações profundas no modo de ser e estar no mundo. Essa leitura mística da realidade, encontra respaldo nos grandes eventos observados na virada do século XIX para o XX: duas grandes guerras, descolonização da África, mudança de regimes políticos, descobertas científicas e tecnológicas, conquista do espaço, revoluções culturais como os movimentos de contracultura experimentados nos Estados Unidos e na Europa (merecendo destaque os movimentos xamânicos, os conflitos de maio de 1968 na França e a primavera de Praga); a descoberta de novos psicoativos, a revolução sexual (com a aprovação do divórcio em muitos países e a popularização do contraceptivo e da fertilização in vitro). Do ponto de visto da reflexão que fazemos nessa Unidade, todos esses eventos ganham novo realce quando percebemos, após a Segunda Guerra, uma aproxima- ção cultural entre o Ocidente e o Oriente. Isto é, a presença de gurus indianos na Europa e nos Estados Unidos, a divulgação de práticas de meditação e novas for- mas filosóficas de vida impactam o modo pelo qual alguns vivem suas experiências sociais e religiosas. A partir dos anos 1970, cresce enormemente a procura pela espiritualidade oriental, ganhando destaque o Hinduísmo, o Budismo e Taoísmo, religiosidades são rapidamente associadas às cosmologias ameríndias, celtas etc. Em síntese, o mundo ocidental que havia racionalizado a transcendência por meio dos dogmas cristãos, vê-se agora povoado por seres e orientado por fluxos energéticos em que as divindades participam da realidade humana de modo muito mais palpável e observável. 23 UNIDADE Religiões Orientais: Aspectos Teológicos No Brasil, conforme Magnani (2000), esse movimento ganha força a partir dos anos 1960 entre a juventude intelectualizada. Embora, conforme vimos acima, as religiões de origem oriental estejam presentes no país desde a virada do século XX, é a partir desse período que práticas orientais como a ioga, a acupuntura, a meditação etc. são difundidas com maior intensidade, saindo do círculo dos asiáticos e de seus descendentes. O movimento da Nova Era contribui, portanto, para familiarizar entre os ocidentais princípios e práticas das religiões orientais. Se, por um lado, há um interesse crescente pelas filosofias budistas, taoístas ou indianas, por outro, missionários dessas religiões também estão empenhados em difundir cada vez mais suas crenças: Procurando colocar um pouco de ordem nessa imensa heterogeneidade, Magnani estabeleceu uma tipologia classificatória, considerando os objetivos a que se dedicam, as normas de funcionamento e os produtos oferecidos. Num primeiro grupo, denominado Sociedades Iniciáticas, aglutinou as práticas que se caracterizam por apresentar um sistema doutrinário com princípios filosóficose religiosos definidos, com corpo de rituais próprios e níveis de iniciação codificados. Nesse grupo, à guisa de exemplo, estão a Sociedade Eubiose, A Sociedade Teosófica, a Sociedade Antroposófica, a Ordem Rosacruz AMORC, as instituições religiosas estruturadas etc. No segundo grupo, Centros Integrados, estão aqueles que reúnem e organizam, num mesmo espaço, vários serviços e atividades, tais como consultas oraculares, terapias e técnicas corporais, palestras, cursos, venda de produtos etc. No terceiro grupo, Centros Especializados, Magnani inclui as associações, academias, clínicas e institutos, como Associação Palas Athena por exemplo. Num quarto grupo, denominado Espaços Individualizados, estariam aquelas organizações sem linha doutrinária e a cargo de uma ou poucas pessoas, que oferecem produtos variados, como astrologia, shiatsu, acupuntura etc. Magnani chama a atenção para o fato de tal grupo apresentar, num de seus extremos, uma aproximação com a religiosidade popular, como a leitura de búzios e cartas. No último grupo, Pontos de Vendas, estão aqueles que possuem um aspecto mais comercial e mantém com o esoterismo uma ligação mais pragmática que doutrinária, comercializando imagens, incensos, cristais, viagens, discos de música New Age etc. Exemplo típico são as lojas Além da lenda em qualquer grande Shopping Center de São Paulo (GUERRIEIRO, 2003, p. 130) 24 25 Embora o Brasil seja majoritariamente cristão, a relação de longa duração entre Cristianismo e religiões afro-brasileiras de certo modo favoreceu certa abertura para a incorporação no cotidiano religioso cristão de elementos de outras religiões. Do ponto de vista institucional, cada religião ocupa seu espaço (e observa-se, inclusive, ações de conflito e intolerância religiosa); entretanto, na prática, o trânsito entre os universos cosmológicos é bastante atuante. Esse fenômeno pode ser explicado, em parte, pelo fato de que, assim como as religiões afro-brasileiras, as religiões orientais não exigem exclusividades de seus fiéis (como no Cristianismo, Judaísmo e Islamismo) e alguns de seus rituais e filosofia dialogam com o universo cristão: a prática da caridade, a busca pelo equilíbrio e a evitação do mal. Importante! “O fenômeno da Nova Era está, sim, relacionado a modifi cações que vêm ocorrendo no campo dos comportamentos e das práticas religiosas contemporâneas, mas não constitui uma religião específi ca (ao menos no molde eclesiástico), pois não se encaixa em seu formato canônico, com hierarquia, dogmas, culto organizado, doutrina revelada. Insere- se nesse campo porque abre espaço e condições para o exercício de novas formas de manifestar o sentimento religioso. Nesse sentido inclui, favorece e desenvolve aspectos de religiosidade, pois em muitos de seus arranjos há ritos e celebrações como forma de expressão coletiva da experiência religiosa. E certamente incorpora o elemento da espiritualidade, entendida como forma mais individualizada de expressar a vivência do sagrado em seu sentido mais amplo” (MAGNANI, 2000, p. 52). Em Síntese Por fim, convém destacar que a marca do Brasil é a diversidade cultural, racial e também religiosa. Portanto, como num grande mosaico, religiosidades de origem africana, europeia e oriental dialogam com as cosmologias ameríndias. Embora os conflitos não estejam ausentes nesses diálogos, vemos a cada dia florescer novas formas dos sujeitos relacionarem-se com o transcendente. 25 UNIDADE Religiões Orientais: Aspectos Teológicos Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Sites Budismo https://goo.gl/1egcuo O Tao e o Taoísmo https://goo.gl/bFp5Rx Taoísmo https://goo.gl/UqzVMY Filosofia Vedanta https://goo.gl/Baxzwp Livros Mystica urbe: um estudo antropológico sobre o circuito neo-esotéricos na metrópole MAGNANI, José Guilherme. Mystica urbe: um estudo antropológico sobre o circuito neo-esotéricos na metrópole. São Paulo: Studio Nobel, 1999. Resumo: o livro descreve e analisa um conjunto particular de atividades e comportamentos, que, não obstante a heterogeneidade que à primeira vista exibe, configuram um circuito bem delimitado na dinâmica e na paisagem da cidade; História, religiões e religiosidade: da antiguidade aos recortes contemporâneos, novas abordagens e debates sobre religiões RODRIGUES, André Figueiredo; AGUIAR, José Otavio (org.). História, religiões e religiosidade: da antiguidade aos recortes contemporâneos, novas abordagens e debates sobre religiões. São Paulo: Humanitas, 2016. v. 1. p. 1-488. As máscaras de Deus: mitologia oriental CAMPBELL, Joseph. As máscaras de Deus: mitologia oriental. São Paulo: Palas Athena, 1999. Nova Era: uma manifestação de fé da contemporaneidade Fernandes Serrano Birchal, Fabiano. Nova Era: uma manifestação de fé da contemporaneidade, Horizonte: Revista de Estudos de Teologia e Ciências da Religião, Minas Gerais, v. 5, n. 9, p. 97-105, 2006. As Novas Religiões Japonesas e suas Estratégias de Adaptação no Brasil Peter B. Clarke. As Novas Religiões Japonesas e suas Estratégias de Adaptação no Brasil, REVER: Revista de Estudos da Religião, São Paulo, n. 02, p. 22-45, 2008. O Budismo em São Paulo Usarski, Frank. O Budismo em São Paulo, REVER: Revista de Estudos da Religião, São Paulo, v.13, n. 2, p.83-99, 2013. 26 27 Referências ARMSTRONG, Karen. Uma história de Deus: quatro milênios de busca do judaísmo, cristianismo e islamismo. São Paulo: Cia das Letras, 2008. GAARDER, Joistein et al. O livro das religiões. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. GUERRIEIRO, Silas. A Diversidade Religiosa no Brasil: A Nebulosa do Esoterismo e da Nova Era, Revista Eletrônica Correlatio, n. 3, p. 128-140, abr. 2003. HAIBARA, Alice; OLIVEIRA, Maria Isabel. Verbete: prece. In: Enciclopédia de Antropologia. Disponível em: <http://ea.fflch.usp.br/obra/prece>. Acesso em: 01/02/2018. MAGNANI, José Guilherme. O Brasil da Nova Era. 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