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Todas as células utilizam freqüentemente trifosfato de adenosina (ATP) e requerem um constante suplemento de substrato energético para prover energia para geração de ATP. A insulina e o glucagon são os dois principais hormônios que regulam a mo- bilização e o armazenamento desse substrato energético. A função deles é assegurar que as células tenham uma constante fonte de glicose, ácidos graxos e aminoácidos para geração de ATP e para manutenção da célula (Figura 26.1). Devido ao fato de a maioria dos tecidos ser parcial ou totalmente dependente de glicose para geração de ATP e para produção de precursores de outras rotas metabólicas, a insulina e o glucagon mantêm a concentração sangüínea de glicose entre cerca de 80 a 100 mg/dL (90 mg/dL é o mesmo que 5 mM), embora o consumo de carboidrato varie consideravelmente durante o curso do dia. A manutenção da concentração sangüínea de glicose constante (glicose homeostase) requer que esses dois hormônios regulem o metabolismo de carboidratos, lipídeos e aminoácidos de acordo com as necessidades e capacidades próprias de cada tecido. Basicamente, os componentes da dieta são, com exceção daqueles com necessidade imediata, armaze- nados, e, quando ocorre a demanda, o substrato energético apropriado é mobilizado. Por exemplo, quando o consumo de glicose pela dieta não está disponível em quanti- dade sufi ciente para que todos os tecidos a utilizem, ácidos graxos são mobilizados e tornam-se disponíveis como substrato energético para serem utilizados pelo músculo esquelético (ver Capítulos 2 e 23), e o fígado pode convertê-los em corpos cetônicos a serem utilizados pelo cérebro. Ácidos graxos são fontes de reserva de glicose a ser utilizada pelo cérebro e por outros tecidos dependentes de glicose (como as células vermelhas do sangue). A concentração de insulina e glucagon no sangue regula a mobilização e o armazenamento de substrato energético (Figura 26.2). A insulina é liberada em res- posta à ingestão de carboidratos, promove a utilização de glicose como substrato energético e seu armazenamento como gordura e glicogênio. Ela é também, o princi- pal hormônio anabólico do organismo. Além disso, promove o aumento da síntese de proteínas e o crescimento celular, em adição ao armazenamento de substrato energé- tico. A concentração de insulina sangüínea diminui quando a glicose é captada pelos tecidos e é utilizada. O glucagon, o principal hormônio contra-regulatório da insu- lina, está diminuído em resposta a uma refeição com carboidratos e tem sua concen- tração elevada no jejum. Sua concentração no sangue sinaliza a abstinência da gli- cose e promove a produção de glicose via glicogenólise (degradação do glicogênio) e gliconeogênese (síntese de glicose a partir do aminoácido e de outros precursores não-carboidratos). O aumento da concentração de glucagon em relação a insulina também estimula a mobilização dos ácidos graxos dos tecidos adiposos. A epinefrina (hormônio de fuga ou luta) e o cortisol (um glicocorticóide liberado do córtex adre- nal em resposta ao jejum ou estresse crônico) têm efeitos opostos aos da insulina no metabolismo de substratos energéticos. Esses dois hormônios são, portanto, também considerados hormônios contra-regulatórios da insulina. A insulina e o glucagon são hormônios polipeptídeos sintetizados como pró-hor- mônios nas células � e �, respectivamente, nas ilhotas de Langerhans no pâncreas. 26 Conceitos Básicos na Regulação do Metabolismo de Substratos Energéticos por Insulina, Glucagon e Outros Hormônios Adipócitos Músculo esquelético Fígado Cérebro [ATP] [ATP] Glicose Corpos cetônicos Ácidos Graxos Figura 26.1 Manutenção do suplemento de substrato energético para os tecidos. Mostra como o glucagon libera a atividade das rotas metabólicas. 478 COLLEEN SMITH, ALLAN D. MARKS, MICHAEL LIEBERMAN A pró-insulina é clivada liberando insulina madura e peptídeo C nas vesículas e precipitada com Zn2+. A secreção de insulina é regulada principalmente pelo nível de glicose no sangue. O glucagon também é sintetizado como um pró-hormônio e cliva- do a glucagon maduro, o qual é armazenado nas vesículas. Sua liberação é regulada principalmente por meio da supressão por glicose e insulina. O glucagon exerce seu efeito nas células por ligar-se a um receptor na membra- na celular, estimulando a síntese intracelular de segundo mensageiro, o monofosfato de adenosina cíclico (AMPc) (Figura 26.3). O AMPc ativa a proteína cinase A, a qual fosforila enzimas regulatórias-chave, ativando algumas e inibindo outras. Mu- danças na concentração de AMPc também induzem ou reprimem a síntese de um nú- mero de enzimas. A insulina promove a desfosforilação dessas enzimas-chave. A insulina liga-se a seus receptores na membrana celular, mas os eventos pós- receptores que seguem diferem daqueles estimulados pelo glucagon. A ligação da insulina ativa a autofosforilação do receptor e a fosforilação de outras enzimas pelo domínio dos receptores de tirosina cinase (ver Capítulo 11, seção III.B.3). As rotas completas de transdução dos sinais entre esses pontos e os efeitos fi nais da insulina nas enzimas regulatórias do metabolismo de substratos energéticos ainda não foram completamente estabelecidas. SALA DE ESPERA Ann Sulin retornou para seu médico para sua consulta mensal. Ela tem con- sultado há um ano por causa de obesidade e níveis de glicose sangüínea eleva- dos. Ela ainda pesava 89,81 kg, apesar de insistir que tem aderido estritamen- te à dieta. Seu nível de glicose sangüínea no momento da consulta, duas horas após o almoço, era 180 mg/dL (valores de referência = 80 a 140). Bea Selmass é uma mulher de 46 anos que há seis meses começou a observar episódios de fadiga e confusão quando terminava sua corrida diária antes do café da manhã. Esses episódios eram ocasionalmente acompanhados de visão turva e fome excessiva incomum. A ingestão de alimento aliviava todos seus sintomas dentro de 25 a 30 minutos. No último mês, esses ataques têm ocorrido mais freqüente- mente durante o dia, e ela aprendeu a diminuir sua ocorrência se alimentando entre as refeições. Como resultado, recentemente ela ganhou 3,62 kg. Um nível de glicose sangüínea em amostra aleatória feito às 16h30min, durante sua primeira consulta, foi 46 mg/dL, abaixo do normal. Seu médico, suspeitando que ela tinha uma forma de hipoglicemia de jejum, solicitou uma série de dosagens de níveis de glicose sangüínea de jejum. Além disso, ele solicitou que Bea mantivesse um controle diário cui- dadoso de todos os sintomas apresentados quando os ataques fossem mais graves. I. HOMEOSTASE METABÓLICA As células requerem para sua sobrevivência uma constante fonte de energia provenien- te do ATP para a manutenção de suas funções normais e seu crescimento. Dessa forma, deve ser alcançado um equilíbrio entre o consumo de carboidratos, gorduras e proteínas e o armazenamento dessas substâncias quando presentes em quantidades excedentes à necessidade imediata e sua metabolização e síntese quando houver demanda. O balan- ço entre a necessidade e a disponibilidade é requerido para a homeostase metabólica (Figura 26.4). A integração intertecidual, requerida para a homeostase metabólica, é realizada de três formas principais: • A concentração de nutrientes ou metabólitos no sangue afeta a taxa em que eles são utilizados ou armazenados nos diferentes tecidos; Fígado GlicoseA Insulina Síntese de triglicerídeo Síntese de glicogênio Ativação de glicólise Degradação de glicogênio Gliconeogênese Fígado Glicose B Glucagon Epinefrina Cortisol Segundo mensageiro (AMPc) Resposta celular (Ativação da proteína quinase A) Membrana celular Citosol Glucagon Pâncreas Baixa glicose sangüínea Receptor Figura 26.3 Resposta celular ao glucagon, o qual é liberado a partir do pâncreas em res- posta à diminuição dos níveis sangüíneos de glicose. Figura 26.2 Insulina e hormônios contra-re- gulatórios de insulina. (A) A insulina promo- ve armazenamentode glicose, como triglice- rídeo ou glicogênio. (B) Glucagon, epinefrina e cortisol promovem a liberação de glicose a partir do fígado, a ativação de glicogenólise e gliconeogênese. BIOQUÍMICA MÉDICA BÁSICA DE MARKS 479 • Hormônios levam mensagens a tecidos individuais sobre o estado fi siológico do organismo e a demanda ou o suprimento de nutrientes; • O sistema nervoso central utiliza sinais neurais para controlar o metabolismo dos tecidos, diretamente ou por meio da liberação de hormônios. A insulina e o glucagon são os dois principais hormônios que regulam o armaze- namento ou a mobilização de substratos energéticos (ver Figura 26.2). A insulina é o principal hormônio anabólico do organismo, ela promove o armazenamento de subs- trato energético e sua utilização para o crescimento. O glucagon é o principal hormônio de mobilização de substratos energéticos. Outros hormônios, como a epinefrina, são liberados como resposta do sistema nervoso central à hipoglicemia, a exercícios ou a outro tipo de estresse fi siológico. A epinefrina ou outros hormônios do estresse tam- bém aumentam a disponibilidade de substrato energético (Figura 26.5). A principal função da glicose na homeostase metabólica é destacada pelo fato de muitos tecidos (p. ex., o cérebro, as células vermelhas do sangue, o cristalino do olho e algumas células renais [camada medular dos rins], músculo esquelético em exercício) serem dependentes da glicólise para toda ou para uma porção de sua necessidade ener- gética e requererem acesso ininterrupto de glicose em uma base de segundo-a-segundo para encontrar sua rápida taxa de utilização de ATP. No adulto, um mínimo de 190 g de glicose é requerido por dia, aproximadamente 150 g para o cérebro e 40 g para os ou- tros tecidos. Um decréscimo signifi cativo na glicemia sangüínea, abaixo de 60 mg/dL, limita o metabolismo de glicose no cérebro e promove os sintomas de hipoglicemia (como experimentado por Bea Selmass), provavelmente porque todos os processos de fl uxo da glicose através da barreira hematencefálica, dentro do fl uido intersticial e, conseqüentemente, dentro da célula neuronal, são lentos quando os níveis de glicose no sangue estão baixos por causa do valor de Km que os transportadores de glicose requerem para isso ocorrer (ver Capítulo 27). O movimento contínuo dos substratos energéticos para dentro e para fora dos de- pósitos de armazenamento é exigido em função da alta quantidade requerida em cada dia para alcançar o nível necessário de ATP. Resultados desastrosos podem ocorrer se mesmo por um dia o suplemento de glicose, aminoácidos e ácido graxos não circular no sangue. A glicose e os aminoácidos podem estar em concentrações tão altas que o efeito hiperosmolar pode causar progressivamente severos défi cits neurológicos e até mesmo coma. Se a concentração de glicose e aminoácidos estiver acima do limiar tubular renal para essas substâncias (a concentração máxima no sangue em que os rins Os ácidos graxos são um exemplo da infl uência que os níveis de com- postos no sangue têm sobre a sua própria taxa de metabolismo. A concentração de ácidos graxos no sangue é o principal fa- tor determinante de quando o músculo es- quelético irá utilizar ácidos graxos ou glicose como fonte energética (ver Capítulo 23). De forma oposta, os hormônios são (por defi ni- ção) carregadores de mensagens entre os te- cidos. A insulina e o glucagon, por exemplo, são dois hormônios mensageiros que partici- pam da regulação da fonte de metabolismo por carregarem mensagens que refl etem o tempo e a composição de combustível ingeri- do na dieta. A epinefrina, entretanto, é um hormônio "fuga ou luta" que sinaliza uma imediata necessidade de aumento de subs- trato energético disponível. Seu nível é regu- lado principalmente por meio da ativação do sistema nervoso simpático. Disponibilidade de substrato energético • Nível sangüíneo de nutrientes • Nível hormonal • Impulso nervoso Necessidade dos tecidos Figura 26.4 Homeostase metabólica. O ba- lanço entre a disponibilidade de substrato energético e a necessidade dos tecidos por diferentes fontes de energia é ativado por três tipos de mensagens: o nível de substra- to energético e nutrientes no sangue, o nível de um dos hormônios da homeostase me- tabólica ou impulsos nervosos que afetam o metabolismo tecidual ou a liberação dos hormônios. Armazenamento de substrato energético Crescimento Substratos energéticos da dieta • Carboidratos • Gordura • Proteínas Utilização de substrato de energia ATP Função celular Substrato energético no sangue Substrato energético no sangue Substrato energético no sangue Glucagon SinaisSinais neuraisneurais Sinais neurais Hormônios de estresse + Insulina+ + Figura 26.5 Sinais que regulam a homeostase metabólica. Os principais hormônios do estresse são epinefrina e cortisol. 480 COLLEEN SMITH, ALLAN D. MARKS, MICHAEL LIEBERMAN podem reabsorver metabólitos), alguns componentes podem ser desperdiçados pela urina. A glicosilação não-enzimática de proteínas pode aumentar em altas concentra- ções de glicose no sangue. I. PRINCIPAIS HORMÔNIOS DA HOMEOSTASE METABÓLICA Os hormônios que contribuem para a homeostase metabólica respondem a mudanças nos níveis circulantes de substratos energéticos, que, em parte, são determinados pelo tempo e pela composição da dieta. A insulina e o glucagon são considerados os prin- cipais hormônios da homeostase metabólica, pois eles se modifi cam continuamente, em resposta ao padrão de alimentação diária. Eles são um bom exemplo dos conceitos básicos da regulação hormonal. Certas características da liberação e da ação de outros hormônios contra-regulatórios da insulina, como a epinefrina e o cortisol, serão descri- tas e comparadas com insulina e glucagon. A insulina é o principal hormônio anabólico que promove o armazenamento dos nutrientes: armazenamento de glicose como glicogênio no fígado e no músculo, con- versão de glicose em triacilgliceróis no fígado e seu armazenamento nos tecidos adipo- sos e captação de aminoácidos e a síntese de proteínas no músculo esquelético (Figura 26.6). Ela também aumenta a síntese de albumina e outras proteínas plasmáticas pelo fígado e promove a utilização de glicose como um substrato energético, estimulando seu transporte para dentro do músculo e do tecido adiposo. Ao mesmo tempo, a insuli- na atua inibindo a mobilização dos substratos energéticos. O glucagon mantém a disponibilidade dos substratos energéticos na ausência de glicose da dieta por estimular a liberação de glicose a partir do glicogênio hepático (ver Capítulo 28), a gliconeogênese a partir de lactato, glicerol e aminoácidos (ver Capítulo 31) e, associado à diminuição da insulina, por mobilizar ácidos graxos a partir dos triacilgliceróis do tecido adiposo, promovendo uma origem alternativa de fontes de energia (ver Capítulo 23 e Figura 26.7). Seus sítios de ação são principalmente o fígado e os tecidos adiposos; ele não tem infl uência no metabolismo do músculo esquelético, pois as células do músculo não possuem receptores de glucagon. A liberação de insulina a partir das células β-pancreáticas é acionada primeira- mente pelo nível de glicose sangüínea. O maior nível de insulina ocorre aproxima- damente 30 a 45 minutos após uma alimentação rica em carboidratos (Figura 26.8) e retorna aos níveis basais quando a glicemia sangüínea diminui, cerca de 120 minutos após a refeição. A liberação de glucagon a partir das células α-pancreáticas, ao contrá- rio, é controlada principalmente por meio da supressão de glicose e insulina. Assim, o menor nível de glucagon ocorre após uma refeição rica em carboidratos. Devido ao fato de todos os efeitos do glucagon serem opostos aos da insulina, o estímulo simultâ- neo da liberação de insulina e da supressão da secreção de glucagon pela alimentação rica em carboidratos promove um controle integrado do metabolismo de carboidratos, gorduras e proteínas. A hiperglicemiapode causar uma grande variedade de sintomas, como poliúria e, subseqüentemente, poli- dipsia (aumento da sede). A inabilidade de mover a glicose para o interior da célula re- quer a oxidação de lipídeos como uma fonte de energia alternativa. Como conseqüência, as reservas energéticas armazenadas no teci- do adiposo são utilizadas, e o paciente com diabetes melito pouco controlado perde peso mesmo que apresente bom apetite. Níveis extremamente altos de glicose sérica podem causar coma hiperosmolar não-cetótico em pacientes com diabetes tipo 2. Tais pacientes em geral apresentam insulina sufi ciente res- ponsável por bloquear a liberação de ácidos graxos e a formação de corpos cetônicos, mas não para estimular signifi cativamente a entrada de glicose para o interior dos tecidos periféricos. Níveis muito elevados de glicose no sangue comparados com o do interior da célula levam a um efeito osmótico que faz com que a água saia do interior da célula e vá para o sangue. Devido ao efeito osmótico diurético da hiperglicemia, os rins produzem mais urina, levando à desidratação, que pode refl etir em um aumento da glicose sangüínea. Se a desidratação se tornar grave, posterior- mente ocorre uma disfunção cerebral que pode levar o paciente a um estado comatoso. A hiperglicemia crônica também pode produ- zir efeitos patológicos por meio da glicosila- ção não-enzimática de diversas proteínas. A hemoglobina A (HbA), uma das proteínas que começa a ser glicosilada, forma HbA1C (ver Capítulo 7). Os altos níveis de HbA1C de Ann Sulin (14% do total de HbA, comparado com a referência que varia de 4,7 a 6,4%) indicam que sua glicose sangüínea tem estado signifi - cativamente elevada durante as últimas 12 a 14 semanas, a meia-vida da hemoglobina na corrente sangüínea. Todas as membranas e as proteínas séri- cas expostas a altos níveis de glicose no san- gue ou no fl uido intersticial são candidatas a glicosilação não-enzimática. Esse processo distorce a estrutura protéica e diminui a de- gradação da proteína, o que leva a uma acu- mulação desses produtos em vários órgãos, alterando, portanto, suas funções. Tais efei- tos contribuem, em longo prazo, para compli- cações micro e macrovasculares do diabetes melito, as quais incluem retinopatia, nefro- patia e neuropatia (microvascular) diabética, além de insufi ciência arterial coronariana, ce- rebral e periférica (macrovascular). Os triacilgliceróis circulantes em lipopro- teínas que possuem colesterol e os níveis de lipoproteínas podem ser cronicamente elevados, aumentando a probabilidade de doenças vasculares ateroscleróticas. Conse- qüentemente, a glicose e outros substratos energéticos são continuamente transporta- dos para dentro e para fora dos depósitos de armazenamento, conforme o necessário. Estudos realizados na paciente Bea Selmass confi rmaram que os níveis séri- cos de glicose em jejum estavam abaixo do normal. Ela continuou apresen- tando fadiga, confusão e visão embaralhada, sintomas que havia descrito na sua primeira consulta, os quais são chamados de neuroglicopênicos (sintomas neuro- lógicos resultantes de um suplemento inadequado de glicose no cérebro para forma- ção de ATP). Bea também notava sintomas que são parte da resposta adrenérgica ao estresse hipoglicêmico. A estimulação do sistema nervoso simpático (porque o baixo nível de glicose alcança o cérebro) resulta na liberação de epinefrina, um hormônio do estresse, a partir da medula adrenal. Níveis elevados de epinefrina causam taquicardia, palpita- ção, ansiedade, tremores, palidez e suor. Em adição aos sintomas descritos por Bea Selmass, podem ser observados con- fusão, tontura, dor de cabeça, comportamento bizarro, visão embaralhada, perda de consciência ou apreensão. O médico da Srta. Selmass explicou que o diagnóstico geral de hipoglicemia de jejum estava estabelecido e que uma causa específi ca para esse distúrbio deve ser descoberto. BIOQUÍMICA MÉDICA BÁSICA DE MARKS 481 A insulina e o glucagon não são os únicos reguladores do metabolismo de substra- tos energéticos. O balanço intertecidual entre o armazenamento e a utilização de glico- se, gordura e proteínas também é acompanhado pelo nível de metabólitos circulantes no sangue, por sinais neuronais e por outros hormônios da homeostase metabólica (epinefrina, norepinefrina, cortisol e outros) (Tabela 26.1). Esses hormônios opõem- se à ação da insulina por mobilizarem a fonte de energia. Como o glucagon, eles são chamados hormônios contra-regulatórios de insulina (Figura 26.9). De todos esses Figura 26.6 Principais sítios de ação da insulina no metabolismo de substratos energé- ticos. + = estimulação pela insulina; – = inibição pela insulina. Adipócito FígadoGlicogênio Proteína Glicose Ácidos Graxos VLDL – –+ Ácidos graxos Triacilgliceróis – + + + Músculo esquelético Proteína CO2Glicose Aminoácidos + + + Glicogênio Adipócitos FígadoGlicogênio Glicose Ácidos graxos – – + Ácidos graxos Triacilgliceróis + + Músculo esquelético Glicose Ácidos graxos Aminoácidos Nenhum efeito Figura 26.7 Principais sítios de atuação do glucagon no metabolismo de fontes de ener- gia. + = rotas estimuladas pelo glucagon; – = rotas inibidas pelo glucagon. A mensagem carregada pelo gluca- gon é “glicose está perdida”; isto é, o suplemento de glicose em circula- ção é inadequado para encontrar fonte de energia imediata requerida pelo organismo. 482 COLLEEN SMITH, ALLAN D. MARKS, MICHAEL LIEBERMAN 90 0 6060 120 180 240 Minutos 100 110 120 pg /m L Glucagon 0 40 80 120 μU /m L Insulina 80 100 120 m g/ dL Glicose Refeição rica em carboidrato Centro Regulatório Hipotalâmico Sistema nervoso autônomo Glicose Sangüínea Baixa Medula Córtex Pituitária ACTH Pâncreas Norepinefrina GlucagonEpinefrinaCortisol Células A Adrenal Figura 26.9 Principais hormônios contra-regulatórios da insulina. O estresse de um baixo nível sangüíneo de glicose medeia a liberação dos principais hormônios contra- regulatórios da insulina por meio de sinais neuronais. A hipoglicemia é um dos sinais de estresse que estimula a liberação de cortisol, epinefrina e norepinefrina. O hormônio adenocorticóide (ACTH) é liberado da pituitária e estimula a liberação de cortisol (um glicocorticóide) do cortéx adrenal. Os sinais neurais estimulam a liberação de epinefrina pela medula adrenal e norepinefrina pelos nervos terminais e também participam em menor fração da liberação de glucagon. Embora a norepinefrina tenha ação contra-re- gulatória, ela não é o principal hormônio contra-regulatório. Figura 26.8 Níveis de glicose, insulina e glu- cagon no sangue após uma refeição rica em carboidratos. Tabela 26.1 Ações Fisiológicas da Insulina e dos Hormônios Contra-Regulatórios da Insulina Hormônio Função Principal Rota Metabólica Afetada Insulina • Promove o armazenamento da fonte de energia após a refeição • Promove crescimento • Estimula o armazenamento de glicose como glicogênio (músculo e fígado) • Estimula a síntese e o armazenamento de ácidos graxos após uma refeição rica em carboidrato • Estimula a utilização de aminoácidos e a síntese de proteína Glucagon • Mobiliza fonte de energia • Mantém o nível de glicose sangüí- nea durante jejum • Ativa a gliconeogênese e a glicogenóli- se (fígado) durante jejum • Ativa a liberação de ácidos graxos a partir de tecido adiposo Epinefrina • Mobiliza a fonte de energia duran- te estresse agudo • Estimula a produção de glicose a partir do glicogênio (músculo e fígado) • Estimula a liberação de ácido graxo a partir de tecidos adiposos Cortisol • Prepara para as mudanças requeri- das por longo período • Estimula a mobilização de aminoácidos a partir da proteína muscular • Estimula a gliconeogênese • Estimula a liberação de ácidos graxos a partir de tecido adiposo BIOQUÍMICA MÉDICA BÁSICA DE MARKS 483 hormônios, somente a insulina e o glucagon são sintetizados e liberados em resposta diretaa mudanças na concentração sangüínea dos substratos energéticos A liberação de cortisol, epinefrina e norepinefrina é mediada por sinais neuronais. Níveis elevados de hormônios contra-regulatórios de insulina no sangue refl etem, em geral, um corrente aumento na demanda de fontes de energia. III. SÍNTESE E LIBERAÇÃO DE INSULINA E GLUCAGON A. Pâncreas Endócrino A insulina e o glucagon são sintetizados em diferentes tipos de células endócrinas do pâncreas, as quais consistem em aglomerados (feixes) microscópicos de glândulas – as ilhotas de Langerhans – dispersos em uma quantidade de exócrinas pancreáticas. As células α secretam glucagon, e as células β secretam insulina para dentro da veia porta hepática via veias pancreáticas. B. Síntese e Secreção de Insulina A insulina é um hormônio polipeptídeo; sua forma ativa é composta por duas cadeias polipeptídeas (cadeia A e cadeia B) unidas por duas ligações dissulfeto. A cadeia A tem uma ligação dissulfeto entre as cadeias adicionais (Figura 26.10). A insulina, como vários outros hormônios polipeptídeos, é sintetizada como um pró-hormônio que é convertido no retículo endoplasmático rugoso (RER) em pró-in- sulina. A “pré”-seqüência, um sinal hidrofóbico curto, seqüência do fi nal N-terminal, é clivada assim que entra no lúmen do RER. A pró-insulina dobra-se em sua própria conformação, e as ligações dissulfeto são formadas entre os resíduos de cisteína. Ela é, então, transportada em microvesículas para o complexo de Golgi e deixa o complexo de Golgi em vesículas de armazenamento, nas quais uma protease remove o peptídeo C (um fragmento sem atividade hormonal) e alguns pequenos remanescentes, resultando na formação da atividade biológica da insulina (ver Figura 26.10). Íons de zinco são também transportados nessas vesículas de armazenamento. A clivagem do peptídeo C diminui a solubilidade da insulina resultante, a qual co-precipita com o zinco. A exoci- tose das vesículas de armazenamento de insulina do citosol de células β para o sangue é estimulada pelo nível aumentado de glicose no sangue que banha as células β. A glicose entra na célula β via proteína específi ca transportadora de glicose, co- nhecida como GLUT2 (ver Capítulo 27). Ela é fosforilada pela ação de glicocinase para formar glicose-6-fosfato, a qual é metabolizada por meio da glicólise, do ciclo TCA e da fosforilação oxidativa. Essas reações resultam no aumento dos níveis de ATP dentro da célula β (Figura 26.11, círculo 1). Como a proporção [ATP]/[ADP] das células β aumenta, a atividade do receptor de membrana, ATP-dependente de canal de K+ (K+ ATP) é inibida (p. ex., o canal é fechado) (Figura 26.11, círculo 2). O fechamento desses canais leva a uma despolarização da membrana (Figura 26.11, círculo 3), a qual ativa um portão de voltagem de canais de Ca2+ que permite a entrada de Ca2+ nas células β, aumentando, assim, os níveis intracelulares de Ca2+ de forma signifi cativa (Figura 26.11, círculo 4). O aumento intracelular de Ca2+ estimula a fusão das vesículas exo- citóticas que contêm insulina com a membrana plasmática, resultando na secreção de insulina (Figura 26.11, círculo 5). Assim, um aumento nos níveis de glicose dentro das células β inicia a liberação de insulina. A mensagem que a insulina leva aos tecidos é que a glicose é abundante e pode ser utilizada como fonte ime- diata de energia ou pode ser convertida em formas de armazenamento, como triacilglice- rol em adipócitos ou glicogênio no fígado e no músculo. Como a insulina estimula a utilização de glicose pelos tecidos, onde essa deve ser imediatamente oxidada ou armazenada para futura oxidação, ela diminui os níveis sangüí- neos de glicose. Entretanto, uma das possí- veis causas da hipoglicemia de Bea Selmass é um insulinoma, um tumor que produz insu- lina de forma excessiva. Sempre que uma glândula endócrina continua a liberar o seu hormônio, mesmo na presença do sinal que normalmente iria suprimir a secreção, essa li- beração inapropriada é chamada de “autôno- ma”. Neoplamas secretados de glândulas en- dócrinas em geral produzem seus produtos autonomamente e de forma crônica. A hipersecreção autônoma de insulina a partir de um suspeito tumor nas células β pancreáticas (um insulinoma) pode ser de- monstrada de diversas formas. O teste mais simples é extrair simultaneamente uma amostra de sangue para medir a concentra- ção de glicose e insulina enquanto o paciente está apresentando de forma espontânea os sintomas adrenérgicos ou neuroglicopênicos característicos de hipoglicemia. Durante esse teste, os níveis de glicose de Bea Selmass caíram a 45 mg/dL (normal = 80 a 100), e sua proporção de insulina para glicose era bem maior do que o normal. Os níveis elevados de insulina aumentam o consumo de insulina pelos tecidos periféricos, resultando em uma diminuição dramática nos níveis sangüíneos de glicose. Em indivíduos normais, quando os níveis de glicose diminuem, os níveis de insulina também diminuem. Di Abietes tem diabetes melito tipo 1, formalmente conhecida como diabetes melito insulino-dependen- te (DMDI). Esse distúrbio metabólico é nor- malmente causado por uma destruição me- diada contra o organismo (auto-imune) das células β-pancreáticas. A propensão ao dia- betes melito tipo 1 é, em parte, conferida por um defeito genético no antígeno de leucócito humano (ALH) da região das células β que co- difi cam para o complexo de histocompatibili- dade principal II (MHC II). Essa proteína apre- senta um antígeno intracelular da membrana celular para “próprio reconhecimento” das células envolvidas na resposta imune. Devi- do a essa proteína defeituosa, uma resposta imune mediada por células leva a vários ní- veis de destruição de células β e fi nalmente à dependência de administração de insulina exógena para controlar os níveis sangüíneos de glicose. A forma de diabetes conhecida como MODY (maturity onset diabetes of the young) resulta de mutações ou nas glicocinases pancreáticas ou em fatores de transcrição nuclear específi cos. MODY tipo 2 é devido à mutação de glico- cinase que resulta em uma enzima com atividade reduzida, ou devido a um elevado Km de glicose ou uma redução Vmáx da reação. Indivíduos com essa mutação de glicocinase não podem metabolizar signifi cativamente a glicose, a menos que seus níveis sejam maiores do que o normal, pois a liberação de insulina é dependente no metabolismo normal de glicose dentro da célula β que cede uma crítica proporção de [ATP]/[ADP] nessa célula. Então, embora esses pacientes possam liberar insulina, eles o fazem so- mente em níveis de glicose acima do normal e estão, por isso, quase sempre em um estágio hiperglicêmico. No entanto, esses pacientes são um pouco resistentes a com- plicações a longo prazo da hiperglicemia crônica. 484 COLLEEN SMITH, ALLAN D. MARKS, MICHAEL LIEBERMAN C. Estimulação e Inibição da Liberação de Insulina A liberação de insulina ocorre minutos após a exposição do pâncreas à alta concentra- ção de glicose. O limiar para a liberação de insulina é 80 mg de glicose/dL. Acima de 80 mg/dL, a fração de insulina liberada não é uma resposta alta ou baixa, é proporcio- nal à concentração de glicose até aproximadamente 300 mg/dL dessa. Quando a insuli- na é secretada, a síntese de nova molécula de insulina é estimulada, a secreção é, então, mantida até a concentração sangüínea de glicose diminuir. A insulina é rapidamente removida da circulação e degradada pelo fígado (e em uma menor extensão pelos rins e pelo músculo esquelético), então os níveis de insulina diminuem rapidamente, uma vez que a taxa da secreção diminui. NH2 COOH Insulina S S S S S S Ala Asn Asn Val Phe Ala Leu Pro ProGln Gln Gln Val Val His Leu Leu Leu Asp Glu Glu Lys Pro Thr Thr Tyr Tyr Tyr Tyr Phe Phe Gly Gly Gly Gly Cys Cys Cys Glu Gln Gln Glu Glu Glu Arg Asn Arg Arg Arg Lys Ala Leu Leu Leu Leu Leu His Leu Leu Leu Glu Ser Ser Ser SerSer Thr Cys Cys Cys Gln Ile Ile Gly Gly Gly Gly Gly Gly Gly Val Glu Val Val Gln Ala Peptídeo C Cadeia A Cadeia B 20 20 10 10 30 1 21 31 Figura 26.10 Clivagem da pró-insulina a insulina. A pró-insulina é convertida em insulina por clivagem proteolítica, a qual remove o peptídeo C e alguns resíduos adicionais de aminoácidos. A clivagem ocorre nas setas indicadoras. A partir de Murray RK, et al. Harper´s Biochemistry, 23rd Ed. Stanford, CT: Appleton & Lange, 1993:560. Figura 26.11 Liberação de insulina pelas células β. Detalhes são fornecidos no texto. + – Ca2+ K+ [Ca2+] ATP Δψ Células β Glicólise Ciclo do TCA Fosforilação oxidativa InsulinaFusão e Exocitose Glicose 3 4 2 1 5 BIOQUÍMICA MÉDICA BÁSICA DE MARKS 485 Outros fatores, além da concentração de glicose sangüínea, podem modular a liberação de insulina (Tabela 26.2). As ilhotas pancreáticas são inervadas pelo sistema nervoso autônomo, incluindo uma ramifi cação do nervo vago. Esses sinais neurais ajudam a coordenar a liberação de insulina com sinais secretórios iniciados pela in- gestão de substratos energéticos. Entretanto, sinais do sistema nervoso central não são requeridos para secreção de insulina. Certos aminoácidos também podem estimular a secreção de insulina, embora a quantidade de insulina liberada após uma refeição rica em proteínas seja bem menor do que a liberada após uma refeição rica em carboi- dratos. O polipeptídeo inibidor gástrico (GIP, um hormônio intestinal liberado após a ingestão de alimentos) também ajuda no início da liberação de insulina. A epinefri- na, secretada em resposta a jejum, estresse, trauma e exercício vigoroso, diminui a secreção de insulina. Ela libera sinais de utilização de energia, os quais indicam que deve ser secretada uma menor quantidade de insulina, uma vez que essa estimula o armazenamento de energia. B. Síntese e Secreção de Glucagon O glucagon, um hormônio polipeptídeo, é sintetizado nas células α-pancreáticas pela clivagem de pré-pró-glucagon, um peptídeo com estrutura muito maior, com 160 ami- noácidos. Como a insulina, o pré-pró-glucagon é produzido no retículo endoplasmático rugoso e é convertido em pró-glucagon assim que entra no lúmen RE. A clivagem pro- teolítica de vários sítios produz o glucagon maduro com 29 aminoácidos (peso molecu- lar de 3.500) e grandes fragmentos contendo glucagon (peptídeos denominados como glucagon 1 e 2). O glucagon é rapidamente metabolizado, primeiramente no fígado e nos rins. Sua meia-vida plasmática é de apenas 3 a 5 minutos. A secreção de glucagon é regulada principalmente pelos níveis de glicose e in- sulina circulantes. O aumento desses níveis inibe a liberação de glucagon. A glicose provavelmente apresenta um efeito supressor direto na secreção do glucagon a partir das células α, bem como um efeito indireto, mais lento, mediado pela habilidade da glicose em estimular a liberação de insulina. A direção do fl uxo sangüíneo nas ilhotas Tabela 26.2 Reguladores da Liberaçãoa da Insulina Principais Reguladores Efeito Glicose + Reguladores secundários Aminoácidos + Produção neural + Hormônios do intestinob + Epinefrina (adrenérgico) – a + = estímulo – = inibição b Hormônios do intestino que regulam o metabolismo de substratos energéticos são discutidos no Capí- tulo 43. Ann Sulin está tomando um com- posto de sulfoniluréia conhecido como glipizida para tratar o diabe- tes. As sulfoniluréias agem nos canais de K+ATP na membrana das células β-pancreáti- cas. A ligação do fármaco a esses canais fe- cha os canais de K+ (devido ao elevado nível de ATP), o qual, em resposta, aumenta o mo- vimento de Ca2+ para o interior da célula β. Esse fl uxo de Ca2+ para o interior da célula modula a interação das vesículas que arma- zenam insulina com a membrana plasmática das células β, resultando na liberação de in- sulina para a circulação. A medida de pró-insulina e peptídeo conectado entre as cadeias α e β da insulina (peptídeo C) no sangue de Bea Selmass durante o seu jejum hospitalar confi rma que ela possui um insulinoma. A in- sulina e o peptídeo C são secretados em pro- porções aproximadamente iguais a partir das células β, mas o peptídeo C não é depurado rapidamente do sangue como a insulina. Des- sa forma, ele permite uma razoável medida da estimativa da taxa de secreção da insulina. As medidas plasmáticas do peptídeo C são também potencialmente úteis no tratamento de pacientes com diabetes melito, porque elas provêm uma maneira de estimar o grau de secreção endógena de insulina em pacien- tes que estão recebendo insulina exógena, a qual carece de peptídeo C. Pacientes com diabetes melito tipo 1, como Di Abietes, têm níveis pratica- mente indetectáveis de insulina no sangue. Pacientes com diabetes melito tipo 2, como Ann Sulin, de forma oposta, apresentam níveis normais ou até mesmo elevados de insulina no sangue; entretanto, o nível de insulina em seu sangue é inapropriadamente baixo em relação à sua concentração sangüínea de glicose eleva- da. No diabetes melito tipo 2, músculos esqueléticos, fígado e outros tecidos apresen- tam uma resistência à ação da insulina. Como resultado, a insulina tem um efeito menor do que o normal sobre a glicose e o metabolismo graxo nesses pacientes. Os níveis de insulina no sangue devem ser maiores do que o normal para manter níveis sangüíneos de glicose normais. Nos primeiros estágios de diabetes melito tipo 2, esse ajuste compensatório na liberação de insulina pode manter o nível de glicose próximo ao normal. Com o passar do tempo, como a capacidade da célula β em secretar altos níveis de insulina diminui, os níveis sangüíneos de glicose aumentam, e a insulina exógena passa a ser necessária. 486 COLLEEN SMITH, ALLAN D. MARKS, MICHAEL LIEBERMAN pancreáticas carrega a insulina das células β, no centro das ilhotas, para as células α periféricas, onde ela suprime a liberação do glucagon. Certos hormônios estimulam a secreção de glucagon. Muitos desses são as cate- colaminas (incluindo epinefrina), o cortisol e certos hormônios gastrintestinais (intes- tinais) (Tabela 26.3). Muitos aminoácidos também estimulam a liberação de glucagon (Figura 26.12), portanto o maior nível de glucagon que pode ser esperado no estado de jejum não diminui após uma refeição rica em proteína. De fato, os níveis de glucagon podem aumentar, estimulando a glicogenólise na ausência de glicose da dieta. As quantidades relativas de insulina e de glucagon no sangue após uma refeição mista são dependentes da composição da refeição, pois a glicose estimula a liberação de insulina, e os amino- ácidos estimulam a liberação de glucagon. Tabela 26.3 Reguladores da Liberaçãoa de Glucagon Principais Reguladores Efeito Glicose – Inulina – Aminoácidos + Reguladores secundários Cortisol + Neural (estresse) + Epinefrina + Hormônios do intestino + a + = estímulo – = inibição Os aminoácidos induzem a secreção de insulina e glucagon. Embora isso pareça paradoxal, realmente faz sen- tido. A liberação de insulina estimula a utiliza- ção de aminoácidos pelos tecidos e aumenta a síntese de proteína. Entretanto, como os níveis de glucagon também aumentam em resposta a uma refeição com proteína, a gliconeogê- nese é acentuada (em detrimento da síntese de proteína), e os aminoácidos apanhados pe- los tecidos servem como substrato para a gli- coneogênese. A síntese de glicogênio e triacil- gliceróis é também reduzida quando os níveis sangüíneos de glucagon aumentam. Em indivíduos em jejum, a variação dos níveis sangüíneos de glucagon imunorreativo é 75 pg/mL e não va- ria muito mais do que a insulina no ciclo je- jum-alimentado. Entretanto, somente 30 a 40% de glucagon imunorreativo detectado correspondem a glucagon pancreático madu- ro. O restante é composto por uma grande quantidade de fragmentos também produzi- dos no pâncreas ou nas células L intestinais. A importância fi siológica da ação usual da insulina em mediar o efei- tosupressivo da glicose na secre- ção de glucagon é vista em pacientes com diabetes melito tipo 1 e tipo 2. Apesar da pre- sença da hiperglicemia, os níveis de gluca- gon nesses pacientes inicialmente permane- cem elevados (próximos aos níveis de jejum), ou devido à ausência do efeito supressor da insulina ou devido à resistência das células α a esse efeito supressor, mesmo na presença de quantidades adequadas de insulina em pacientes com diabetes tipo 2. Então, esses pacientes tem níveis elevados de glucagon de forma inapropriada, o que sugere que o diabetes melito é realmente um distúrbio “bi-hormonal”. 100 –60 120 140 160 180 200 85 8 7 6 90 0 60 120 Minutos 180 240 10 20 Refeição rica em proteína Nitrogênio Glicose Insulina Glucagon G lu ca go n (p g/ m L) In su lin a (μ U /m L) α- ni tr og ên io a m in o (m g/ dL ) G lic os e (m g/ dL ) Figura 26.12 Liberação da insulina e do glucagon em resposta a uma reação rica em proteína. Essa fi gura demonstra o aumento da liberação de insulina e glucagon no interior da corrente sangüínea após uma noite em jejum seguida por uma ingestão de 100 g de proteína (equivalente a uma fatia de rosbife). Os níveis de insulina não aumentam logo após uma refeição rica em carboidratos (ver Figura 26.8); os níveis de glucagon, entretanto, aumentam signifi cativamente acima da concentração presente no estado de jejum. BIOQUÍMICA MÉDICA BÁSICA DE MARKS 487 IV. MECANISMOS DE AÇÃO HORMONAL Para o hormônio afetar o fl uxo de substrato através da rota metabólica, ele deve ser capaz de modifi car a taxa em que cada rota metabólica procede por aumentar ou di- minuir a velocidade das etapas mais lentas. Os hormônios afetam tanto direta quanto indiretamente a atividade de enzimas específi cas ou proteínas transportadoras que regulam o fl uxo em uma rota metabólica. Dessa forma, o hormônio pode causar o aumento da quantidade do substrato da enzima (se o suplemento de substrato for um fator limitante), modifi car a conformação do sítio ativo – por fosforilar a enzima –, modifi car a concentração de um efetor alostérico da enzima ou alterar a sua fração de renovação ou localização. A insulina, o glucagon e outros hormônios utilizam todos esses mecanismos regulatórios para controlar a velocidade do fl uxo nas rotas metabó- licas. Os efeitos mediados por fosforilação ou mudanças nas propriedades cinéticas da enzima ocorrem rapidamente, em minutos. De forma oposta, pode levar horas para a indução ou a repressão da síntese enzimática modifi car a quantidade de uma enzima na célula. Os detalhes da ação hormonal foram previamente descritos no Capítulo 11 e são apenas indicados aqui. A. Sinais de Transdução por Hormônios que se Ligam a Receptores da Membrana Plasmática Os hormônios iniciam suas ações nas células-alvo por ligação a um receptor específi - co ou proteína transportadora. No caso de hormônios polipeptídeos (como insulina e glucagon) e catecolaminas (epinefrina e norepinefrina, a ação do hormônio é mediada através de ligação a um receptor específi co na membrana plasmática (ver Capítulo 11, Seção III). A primeira mensagem do hormônio é transmitida a enzimas intracelulares por ativação do receptor e de um segundo mensageiro intracelular; o hormônio não precisa entrar na célula para desenvolver o seu efeito. (De forma oposta, hormônios esteróides, como o cortisol e o hormônio da tireóide triiodotirionina [T3], entram no citosol e, fi nalmente, movem-se para o interior do núcleo da célula para exercer seus efeitos). O mecanismo pelo qual a mensagem transportada pelo hormônio defi nitivamente afeta a porcentagem da enzima regulatória na célula-alvo é chamado de transdução de sinal. Os três tipos básicos de transdução de sinal de hormônios ligados a receptores na membrana plasmática são (a) receptores acoplados à adenilato-ciclase que produz AMPc, (b) receptor de atividade quinase e (c) receptores acoplados a hidrólises de fos- fatidilnositol bisfosfato (PIP2). Os hormônios da homeostase metabólica utilizam um desses mecanismos para transmitir seus efeitos fi siológicos. Além disso, alguns hor- mônios e neurotransmissores agem por meio de receptores acoplados a canais iônicos (previamente descritos no Capítulo 11). 1. TRANSDUÇÃO DE SINAL PELA INSULINA A insulina inicia sua ação ligando-se ao receptor na membrana plasmática de muitas de suas células-alvo (ver Figura 11.13). O receptor de insulina possui dois tipos de su- bunidades, a subunidade α, à qual a insulina se liga, e a subunidade β, que atravessa a membrana e se estende até o citosol. A porção citosólica da subunidade β tem ativida- de da tirosina-quinase. Ao se ligar com a insulina, a tirosina-quinase fosforila resídu- os de tirosina na subunidade β (autofosforilação), assim como várias outras enzimas dentro do citosol. Um substrato principal da fosforilação pelo receptor, o substrato do receptor de insulina (IRS-1), então, reconhece e liga-se a várias proteínas transdutoras de sinais em regiões referidas como domínos SH2. IRS-1 é envolvido em muitas das respostas fi siológicas da insulina por meio de mecanismos complexos que são tópicos de intensas investigações. O principal tecido celular específi co de resposta à insulina, entretanto, pode ser agrupado em cinco grandes categorias: (a) a insulina anula a fos- forilação estimulada pelo glucagon, (b) a insulina trabalha através da cascata de fosfo- rilação que estimula a fosforilação de diversas enzimas, (c) a insulina induz e reprime a síntese de enzimas específi cas, (d) a insulina age como um fator de crescimento e Durante o estresse da hipoglicemia, o sistema nervoso autônomo esti- mula o pâncreas a secretar glucagon, o qual tende a restabelecer a concentração sé- rica de glicose a níveis normais. O aumento da atividade do sistema nervoso adrenérgico (por meio da epinefrina) também alerta uma pa- ciente como Bea Selmass para presença de uma hipoglicemia severa que pode aumentar cada vez mais. Espera-se que isso induza o pa- ciente a ingerir açúcar simples ou outro car- boidrato, o qual, em resposta, irá aumentar os níveis sangüíneos de glicose. Bea Selmass ga- nhou 3, 62 kg antes da retirada de seu adeno- ma pancreático de secreção de insulina atra- vés desse mecanismo. 488 COLLEEN SMITH, ALLAN D. MARKS, MICHAEL LIEBERMAN tem um efeito usual estimulatório na síntese de proteínas, e (e) a insulina estimula o transporte de glicose e aminoácidos para o interior da célula. Diversos mecanismos têm sido propostos para a ação da insulina na reversão da estimulação da fosforilação de enzimas e metabolismo de carboidratos, causada pelo glucagon. Do ponto de vista dos estudantes, a capacidade da insulina de reverter a fos- forilação estimulada pelo glucagon ocorre como se ela estivesse diminuindo o AMPc e estimulando fosfatases que podem remover os fosfatos adicionados pela proteína-qui- nase A. Contudo, o mecanismo é mais complexo e ainda não está bem esclarecido. 2. TRANSDUÇÃO DE SINAL PELO GLUCAGON A rota de transdução de sinal pelo glucagon é comum a diversos hormônios; o re- ceptor do glucagon é acoplado à adenilato-ciclase e à produção de AMPc (ver Figura 11.11). O glucagon, por meio da proteína G, ativa a membrana ligada a adenilciclase, aumentando a síntese do segundo mensageiro intracelular 3´,5´-AMP cíclico (AMPc) (ver Figura 9.10). O AMPc ativa a proteína-quinase A (proteína-quinase dependente do AMPc), a qual modifi ca a ação de enzimas por fosforilá-las a resíduos de serina específi cos. A fosforilação ativa algumas enzimas e inibe outras. As proteínas G, as quais acoplam o receptor do glucagon à adenilato-ciclase, são proteínas da membrana plasmática que ligam trifosfato de guanosina (GTP) e tem su- bunidades dissociadas que interagem tanto com o receptor quanto com a adenilato- ciclase. Na ausência de glucagon, o complexo de proteína Gs estimulatória liga-se ao difosfato de guanosina (GDP), mas não pode se ligar ao receptorlivre ou à adenilato- ciclase (ver Figura 11.17). Uma vez que o glucagon se liga ao receptor, esse também se liga ao complexo Gs, o qual, então, libera GTP e liga a GTP. A subunidade α, então dissociada da subunidade βγ, liga-se à adenilato-ciclase e a ativa. Como o GTP na subunidade α é hidrolisado a GDP, a subunidade se dissocia e forma novamente o complexo com a subunidade βγ. Somente a ocupação contínua do receptor do glucagon pode manter a atividade da adenilato-ciclase. Embora o glucagon atue por ativação da adenilato-ciclase, poucos hormônios inibem essa enzima. Nesse caso, o complexo inibitório da proteína G é chamado de complexo Gi. O AMPc é rapidamente degradado a AMP por uma fosfodiesterase ligada à mem- brana. A concentração de AMPc é, então, muito baixa na célula, de modo que altera- ções nessa concentração podem ocorrer de forma rápida em resposta a mudanças na velocidade de síntese. A quantidade de AMPc presente em qualquer momento está diretamente relacionada com a ligação do hormônio e a atividade da adenilato-ciclase. Ela não é afetada pelos níveis de ATP, ADP ou AMP na célula. O AMPc transmite o sinal do hormônio para a célula por ativar a proteína-quinase A (proteína-quinase dependente de AMPc). Como o AMPc liga-se à subunidade regu- latória da proteína-quinase A, essa subunidade se dissocia das subunidades catalíticas, as quais são, dessa forma, ativadas (ver Figuras 9.9 e 9.11). A proteína-quinase A ativada fosforila resíduos de serina de enzimas-chave da regulação nas rotas meta- bólicas de carboidratos e gorduras. Algumas enzimas são ativadas, e outras, inibidas pela modifi cação de seu estado de fosforilação. A mensagem do hormônio é fi nali- zada pela ação de proteínas-fosfatase semi-específi cas que removem o grupo fosfato das enzimas. A atividade das proteínas-fosfatase é também controlada por regulação hormonal. Mudanças no estado de fosforilação de proteínas que se ligam aos elementos que respondem ao AMPc (response elements [CREs] na região promotora de genes contri- buem para a regulação da transcrição de genes por um número de hormônios acoplados ao AMPc (ver Capítulo 16). Por exemplo, elementos de resposta a AMPc ligados a proteína (CREB) são diretamente fosforilados por proteína-quinase A, um passo essen- cial para o início da transcrição. A fosforilação de outros sítios na CREB, por diversas quinases, também pode apresentar um papel na regulação da transcrição. O AMPc é o segundo mensageiro intercelular para um número de hor- mônios que regulam o metabolismo dos substratos energéticos. A especifi cidade da resposta fi siológica a cada hormônio re- sulta da presença de receptor específi co para o hormônio no tecido-alvo. Por exemplo, o glucagon ativa a produção de glicose a partir do glicogênio no fígado, mas não no músculo esquelético, pois receptores de glucagon es- tão presentes no fígado e ausentes no mús- culo esquelético. Contudo, músculos esque- léticos apresentam adenilato-ciclase, AMPc e proteína-quinase A, que podem ser ativadas pela epinefrina ligada ao receptor β2 na mem- brana das células musculares. As células he- páticas também apresentam receptores para epinefrina. A fosfodiesterase é inibida por me- tilxantinas, uma classe de compos- tos que inclui a cafeína. O efeito de uma metilxantina no metabolismo energético pode ser semelhante ao jejum ou a uma re- feição rica em carboidratos? BIOQUÍMICA MÉDICA BÁSICA DE MARKS 489 O mecanismo de transdução de sinal pelo glucagon ilustra alguns princípios im- portantes do mecanismo sinalizador dos hormônios. O primeiro princípio é que a espe- cifi cidade da ação em tecidos é conferida pelo receptor de glucagon na célula-alvo. Em geral, a maior ação do glucagon ocorre no fígado, no tecido adiposo e em certas células dos rins que contêm receptores de glucagon. O segundo princípio é que a transdução de sinais envolve a amplifi cação da primeira mensagem. O glucagon e outros hormônios estão presentes no sangue em concentrações muito baixas; entretanto, essas pequenas concentrações de hormônios são adequadas para desencadear a resposta da célula, pois a ligação de uma molécula de glucagon ao seu receptor fi nalmente ativa várias molécu- las de proteína-quinase A, e cada uma dessas fosforila centenas de enzimas a jusante. O terceiro princípio envolve a integração da resposta metabólica. Por exemplo, o glu- cagon estimula a fosforilação de enzimas, simultaneamente ativa a degradação de gli- cogênio, inibe a síntese de glicogênio e inibe a glicólise no fígado. O quarto princípio relaciona-se a agonismo e antagonismo de sinais. Um exemplo de agonismo envolve a ação de glucagon e epinefrina (a qual é liberada durante o exercício). Embora esses hormônios se liguem a diferentes receptores, cada um pode aumentar o AMPc e esti- mular a degradação de glicogênio. O quinto princípio diz respeito à rápida fi nalização de um sinal. No caso do glucagon, tanto o término da ativação de proteína Gs quanto a rápida degradação do AMPc contribuem para a fi nalização do sinal. B. Transdução de Sinal pelo Cortisol e outros Hormônios que Interagem com Receptores Intracelulares A transdução de sinal pelo glicocorticóide cortisol e por outros esteróides e pelos hor- mônios da tireóide envolve a ligação dos hormônios a receptores intracelulares (citosó- licos) ou proteínas carreadoras; em seguida, após esses complexos hormônio-proteína carreadora movem-se para dentro do núcleo, onde interagem com a cromatina. Tal in- teração modifi ca a proporção de transcrição de genes na célula-alvo (ver Capítulo 16). A resposta celular a esses hormônios irá continuar durante o tempo de exposição da célula ao hormônio específi co. Assim, alterações que causam um estresse crônico nas suas secreções irão resultar em uma infl uência igualmente persistente no metabolismo energético. Por exemplo, estresse crônico como é visto em sepse prolongada pode le- var a uma variável diminuição da intolerância à glicose se persistirem altos níveis de epinefrina e cortisol. Os efeitos do cortisol na transcrição de genes em geral são sinérgicos a de outros determinados hormônios. Por exemplo, as velocidades de transcrição de genes para algumas enzimas da rota de síntese de glicose a partir de aminoácidos (glicogenólise) são induzidas pelo glucagon, bem como pelo cortisol. C. Transdução de Sinal por Epinefrina e Norepinefrina A epinefrina e a norepinefrina são catecolaminas (Figura 26.13). Elas podem atuar como neurotransmissores ou como hormônios. Um neurotransmissor permite que um sinal neural seja transmitido através das junções sinápticas entre o nervo terminal de um nervo proximal do axônio e a célula do organismo do neurônio distal. Um hormô- nio, de forma contrária, é liberado no sangue e percorre a circulação para interagir com um receptor específi co na membrana plasmática ou no citosol do órgão-alvo. O efeito básico dessas catecolaminas é preparar para “luta ou fuga”. Em função das circunstân- cias intensamente estressantes, esses hormônios “do estresse” aumentam a mobiliza- ção do substrato energético, do rendimento cardíaco, do fl uxo sangüíneo, etc., os quais permitem o enfrentamento desse estresse. As catecolaminas se ligam aos receptores adrenérgicos (o termo adrenérgico se refere às células nervosas ou fi bras que são parte do sistema nervoso involuntário ou autônomo, um sistema que emprega norepinefrina como um neurotransmissor). R A inibição de fosfodiesterase pela metilxantina pode aumentar o AMPc e ter o mesmo efeito no metabolis- mo energético causado por um aumento de glucagon ou epinefrina, no estado de jejum. O aumento da mobilização de substratos energéticos pode ocorrer por meio de glico- genólise (a liberação de glicose a partir do glicogênio) e de lipólise (a liberação de áci- dos graxos a partir de triacilgliceróis). Proteína-quinases são uma classe de enzimas que modifi cam a ativi- dade de outras enzimas, fosforilan- do-as em resíduos de serina outirosina e são referidas como serina-quinase e tirosina-qui- nase, respectivamente. A serina-quinase tam- bém fosforila algumas enzimas em resíduo de treonina. A proteína-quinase A (uma seri- na-quinase) fosforila muitas enzimas nas ro- tas do metabolismo energético. Epinefrina CH3 C C H H O H H NHHO HO Norepinefrina C C H H O H H NH2HO HO Figura 26.13 Estrutura da epinefrina e da no- repinefrina. A epinefrina e a norepinefrina são sintetizadas a partir de tirosina e agem tanto como hormônios quanto como neurotrans- missores. Elas são catecolaminas; o termo catecol se refere à estrutura do anel que con- tém dois radicais hidroxilas. 490 COLLEEN SMITH, ALLAN D. MARKS, MICHAEL LIEBERMAN Existem nove diferentes tipos de receptores adrenérgicos: α1A, α1B, α1D, α2A, α2B, α2C, β1, β2 e β3. Somente os três receptores β e o α1 são discutidos aqui. Os três recep- tores β trabalham por meio do sistema adenilato-ciclase-AMPc, ativando uma proteína GS, a qual ativa a adenilato-ciclase e, eventualmente, a proteína-quinase A. O receptor β1 é o principal receptor adrenérgico no coração humano e é primeiramente estimulado pela norepinefrina. A ativação dos receptores β1 aumenta a velocidade da contração muscular, em parte devido à fosforilação de fosfolambam mediada pela PKA (ver Ca- pítulo 47). O receptor β2 está presente no fígado, no músculo esquelético e em outros tecidos e é envolvido na mobilização do substrato energético (como a liberação da glicose por meio da glicogenólise). Ele também é mediador vascular, brônquico e da concentração do músculo liso uterino. A epinefrina é um agonista mais potente des- ses receptores do que a norepinefrina, a qual tem maior ação como neurotransmissor. O receptor β3 é encontrado predominantemente no tecido adiposo e, em uma menor quantidade, no músculo esquelético. Sua ativação estimula a oxidação de ácidos graxos e termogêneses. Os agonistas desse receptor têm demonstrado ser um agente benéfi co na perda de peso. Os receptores α1, que são receptores pós-sinápticos, medeiam a con- tração vascular e de músculo liso. Eles trabalham através do sistema fosfatidilinositol bisfosfato (ver Capítulo 11, Seção III.B.2) por meio da ativação da proteína Gq e da fosfolipase C-β. Esse receptor também medeia a glicogenólise no fígado. COMENTÁRIOS CLÍNICOS Di Abietes tem diabetes melito tipo 1 (formalmente designada diabetes melito insulino-dependente, DMID), enquanto Ann Sulin tem diabetes meli- to tipo 2 (formalmente chamada de diabetes melito não-insulino-dependente). Embora a patogênese seja diferente nessas duas formas principais de diabetes melito, ambas causam graus variáveis de hiperglicemia. No tipo 1, as células β-pancreáticas são gradualmente destruídas por anticorpos dirigidos para uma variedade de proteínas das células β. À medida que a capacidade de secreção de insulina pelas células β gra- dualmente diminui abaixo de um nível crítico, os sintomas de hiperglicemia crônica rapidamente se desenvolvem. No diabetes melito tipo 2, esses sintomas se desenvol- vem mais sutil e gradualmente durante meses ou anos. Oitenta e cinco por cento ou mais de pacientes tipo 2 são obesos e, como Ivan Applebod, têm uma razão cintura- quadril alta com relação a distribuição de tecido adiposo. Essa distribuição anormal de gordura nos adipócitos viscerais (perintestinal) está associada à sensibilidade reduzida de células adiposas, células musculares e células hepáticas às ações da insulina desta- cadas anteriormente. Essa resistência à insulina pode ser diminuída por meio da perda de peso, especifi camente nos depósitos viscerais. Bea Selmass realizou uma ultra-sonografi a de alta resolução no seu abdô- men superior, a qual mostrou uma massa de 2,6 cm na porção média de seu pâncreas. Com esse achado, seus médicos decidiram que outros exames não- invasivos não seriam necessários antes que fosse realizada exploração cirúrgica de seu abdômen superior. No momento da cirurgia, uma massa branco-amarelada de 2,8 cm, consistindo primariamente em células β ricas em insulina, foi ressecada de seu pân- creas. Nenhuma alteração citológica de malignidade foi vista ao exame citológico do espécime cirúrgico, e nenhuma evidência grosseira de comportamento maligno do tu- mor (tal como metástase local) foi encontrada. Bea teve uma recuperação sem intercor- rência e não teve mais sinais e sintomas de hipoglicemia induzida por insulina. COMENTÁRIOS BIOQUÍMICOS Uma importante resposta celular à insulina é o efeito reverso da estimulação da enzima de fosforilação causado pelo glucagon. O mecanismo proposto para essa ação inclui a inibição da adenilato-ciclase, uma redução dos níveis de AMPc, a estimulação de fosfodiesterases, a produção de uma proteína específi ca Ann O’Rexia, para permanecer ma- gra, freqüentemente permanece em jejum por um longo período, mas pratica caminhadas toda a manhã (ver Capítu- lo 2). A liberação de epinefrina e norepinefrina e o aumento de glucagon e a queda de insuli- na durante o seu exercício promovem coorde- nação e aumento dos sinais que estimulam a liberação de substratos energéticos acima dos níveis de jejum. A mobilização de substratos energéticos irá ocorrer, evidentemente, so- mente enquanto ela tiver substratos energéti- cos armazenados como triacilgliceróis. Ann Sulin, uma paciente com diabe- tes melito tipo 2, está experimentan- do resistência à insulina. Seus níveis de insulina circulantes são normais a eleva- dos, embora inapropriadamente baixos para o seu nível elevado de glicose sangüínea. En- tretanto, suas células-alvo de insulina, como músculo e gordura, não respondem como as de um indivíduo não-diabético responderia com esse nível de insulina. Para a maioria dos pacientes tipo 2, o sítio de resistência à insulina é subseqüente à ligação de insulina a seu receptor; por exemplo, o número de re- ceptor e sua afi nidade pela insulina é pratica- mente normal. Todavia, a ligação da insulina a esses receptores não promove a maioria dos efeitos intracelulares normais discutidos anteriormente. Como conseqüência, existe uma pequena estimulação do metabolismo da glicose e do seu armazenamento após uma refeição rica em carboidrato e uma pe- quena inibição da gliconeogênese hepática. BIOQUÍMICA MÉDICA BÁSICA DE MARKS 491 (fator de insulina), a liberação de um segundo mensageiro de uma ligação fosfatidilno- sitol glicosilada e a fosforilação das enzimas em um sítio que antagoniza a fosforilação da proteína-quinase A. Nem todas essas ações fi siológicas da insulina ocorrem em cada um dos órgãos sensíveis a ela no organismo. A insulina também é capaz de antagonizar a ação do glucagon no nível de indução ou repressão específi ca de uma enzima regulatória-chave do metabolismo de carboidra- tos. Por exemplo, a taxa de síntese do mRNA pela carboxiquinase fosfoenolpiruvato, uma enzima-chave na rota de gliconeogênese, é aumentada severamente pelo glucagon (via AMPc) e diminuída pela insulina. Então, todos os efeitos do glucagon, até mesmo a indução de certas enzimas, podem ser revertidos pela insulina. Esse antagonismo é exercido por meio de um elemento de resposta ao hormônio sensível à insulina (IRE) nas regiões promotoras de genes. A insulina causa repressão de síntese de enzimas que são induzidas pelo glucagon. A estimulação geral da síntese de proteína pela insulina (seu efeito mitogênico ou de promoção do crescimento) parece ocorrer por meio de um aumento geral na taxa de translação do mRNA por um amplo espectro da estrutura da proteína. Essas ações resultam de uma cascata de fosforilação iniciada por autofosforilação do receptor da insulina e fi nalizada na fosforilação de subunidades de proteínas que se ligam e inibem um fator de iniciação (eIFs) da síntese de uma proteína eucariótica. Quando fosforila- das, as proteínas inibitórias são liberadas do eIFs, permitindo a estimulação da trans- lação de mRNA. Nesse caso, as ações da insulina são similares às daqueles hormôniosque agem nos fatores de crescimento e que também têm receptores com atividade de tirosina-quinase. Em adição à transdução de sinal, à ativação dos receptores de insulina serve de me- diador para a internalização do receptor ligado a moléculas de insulina aumentando sua subseqüente degradação. Embora receptores não-ocupados possam ser internalizados e eventualmente reciclados na membrana plasmática, o receptor pode ser degradado de forma irreversível após uma prolongada ocupação pela insulina. O resultado desse pro- cesso, referente à regulação negativa dos receptores, é um atenuante ao sinal da insuli- na. A importância fi siológica da internalização do receptor na sensibilidade à insulina é pouco conhecida, mas pode eventualmente levar a uma hiperglicemia crônica. Leituras Sugeridas Kahn SE, Porte D Jr. β-cell dysfunction in type 2 diabetes. In: Scriver CR, Beaudet AL, Sly WS, Valle D, eds. The Metabolic and Molecular Bases of Inherited Disease, 8th Ed. New York: McGraw-Hill, 2001:1407-1431 O’Brien C. Missing link in insulin’s path to protein production. Science 1994;266:542-543. Saltiel AR, Pessin JE. Insulin signalling pathways in time and space. Trends Cell Biol. 2002;12:65-71 Stride A, Hattersley AT. Different genes, different diabetes: lessons from maturity-onset diabetes of the young. Ann Med 2002; 34:207-216. White MF, Kahn CR. The insulin signalling system. J Biol Chem 1994; 269: 1-4. QUESTÕES DE REVISÃO – CAPÍTULO 26 1. Um paciente com diabetes melito tipo 1 administra uma inje- ção de insulina antes do jantar, mas se distrai e não se alimen- ta. Cerca de três horas mais tarde, o paciente torna-se pouco fi rme, suado e confuso. Esses sintomas ocorrem devido a qual dos seguintes fatores? (A) Aumento da liberação de glucagon pelo pâncreas (B) Diminuição da liberação de glucagon pelo pâncreas (C) Altos níveis de glicemia sangüínea (D) Baixos níveis de glicemia sangüínea (E) Níveis elevados de corpos cetônicos 2. A cafeína é um potente inibidor da enzima AMPc-fosfodies- terase. Qual das seguintes conseqüências pode se esperar que ocorra no fígado após a ingestão de dois copos de um forte café expresso? (A) Uma resposta prolongada à insulina (B) Uma resposta prolongada ao glucagon 492 COLLEEN SMITH, ALLAN D. MARKS, MICHAEL LIEBERMAN (C) Uma inibição da proteína-quinase A (D) Uma atividade glicolítica acentuada (E) Um redução da taxa de glicose exportada para circulação 3. Suponha-se que um aumento dos níveis de glicose no sangue de 5 para 10 mM poderia resultar na liberação de insulina pelo pâncreas. Uma mutação na glicoquinase pancreática pode levar à MODY dentro das células β-pancreáticas devido a qual dos seguintes fatores? (A) Uma inabilidade de aumentar os níveis de AMPc (B) Uma inabilidade de aumentar os níveis de ATP (C) Uma inabilidade em estimular a transcrição de genes (D) Uma inabilidade em ativar a degradação de glicogênio (E) Uma inabilidade de aumentar os níveis intracelulares de lactato 4. Qual dos seguintes órgãos tem a maior demanda de glicose como substrato energético? (A) Cérebro (B) Músculo (esquelético) (C) Coração (D) Fígado (E) Pâncreas 5. A liberação de glucagon não altera o metabolismo muscular devido a qual dos seguintes fatores? (A) Células musculares carecem de adenilato-ciclase. (B) Células musculares carecem de proteína-quinase A. (C) Células musculares carecem de proteínas G. (D) Células musculares carecem de GTP. (E) Células musculares carecem de receptores de glucagon.
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