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COPARENTALIDADE - Uma nova modalidade de família

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COPARENTALIDADE
Uma nova modalidade de família
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1. A PLURALIDADE DE “FAMÍLIAS”
Não é surpresa que o Direito e a sociedade se modificam em consonância, um influenciando o outro e causando modificações em sua própria essência. No contexto familiar, isso não é diferente, sendo o Direito Familiar atual um dos mais questionados e transformados, estando constituído de diversos novos institutos desde o seu surgimento. Ora, se a sociedade como um todo se transforma continuamente, parece óbvio que as relações familiares também se transformem com o passar das gerações.
Hoje, a família é um instituto plural, podendo ser constituída de diversas maneiras distintas, a depender das relações culturais sobre as quais são formadas. A Constituição de 1988 foi essencial para que esse processo acontecesse, haja vista que teve papel principal na desconstrução da ideologia da família patriarcal, a qual se baseia exclusivamente na figura da família monogâmica e parental, centrada na figura do pai[footnoteRef:0]. Agora, a família é entendida não apenas a partir de laços biológicos, mas também de laços afetivos. [0: MADALENO, Rolf. Direito de Família. São Paulo: Editora Atlas, 2021. p. 222] 
Ao mencionar as novas modalidades familiares, Paulo Lôbo destaca que tanto as relações homossexuais com e sem vínculo matrimonial quanto as relações heterossexuais nos dois formatos são hoje entendidas como instituições familiares. Não apenas isso, ainda existe a ideia de família monoparental, em que apenas um dos pais é presente na vida da criança. Não obstante, há diversas outras maneiras de se constituir uma família, como a partir da adoção e da ideia de “filhos de criação”[footnoteRef:1]. [1: LÔBO, Paulo. Direito Civil: Famílias. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 78-79] 
A construção de um conceito ampliativo do termo família, portanto, foi essencial para que as novas concepções sobre a construção deste instituto fossem abarcadas social e juridicamente. Nesse sentido, destaca-se o seguinte conceito de unidade familiar, idealizado por Stolze e Pamplona Filho[footnoteRef:2]: [2: GAGLIANO, Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Manual de Direito Civil. Volume único. 2 ed. São Paulo: Saraiva. 2017 (grifo nosso).] 
“[...] família é o núcleo existencial integrado por pessoas unidas por vínculo socioafetivo, teleologicamente vocacionada a permitir a realização plena dos seus integrantes”, segundo o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Nessa linha, é possível sistematizar o nosso conceito da seguinte maneira: 
a) núcleo existencial composto por mais de uma pessoa: a idéia óbvia é que, para ser família, é requisito fundamental a presença de, no mínimo, duas pessoas; 
b) vínculo socioafetivo: é a afetividade que forma e justifica o vínculo entre os membros da família, constituindo-a. A família é um fato social, que produz efeitos jurídicos; 
 c) vocação para a realização pessoal de seus integrantes: seja qual for a intenção para a constituição de uma família (dos mais puros sentimentos de amor e paixão, passando pela emancipação e conveniência social, ou até mesmo ao extremo mesquinho dos interesses puramente econômicos), formar uma família tem sempre a finalidade de concretizar as aspirações dos indivíduos, na perspectiva da função social; É preciso compreender que a família, hoje, não é um fim em si mesmo, mas o meio para a busca da felicidade, ou seja, da realização pessoal de cada indivíduo, ainda que existam – e infelizmente existem - arranjos familiares constituídos sem amor.”
A liquidez das relações familiares ganhou um novo destaque com a criação da noção de coparentalidade. Esta está sendo inserida dentro do contexto familiar como uma nova forma de constituição de família, muito relacionada com o destrinchamento da ideia de que, para a criação de um filho, necessariamente é preciso que exista um casamento. Isso ocorreu com o art. 226 da Constituição[footnoteRef:3]. É a noção de parentalidade e monogamia sendo aos poucos desconstruídas, atingindo também a esfera judiciária. [3: BRASIL, 1988. Constituição Federal. Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 1º O casamento é civil e gratuita a celebração. § 2º O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei. § 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. § 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. § 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher. § 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio. § 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas. § 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.] 
O objetivo deste trabalho, por si, se concentra em torno da definição da coparentalidade e de suas implicações jurídicas e sociais.
2. A COPARENTALIDADE
Basicamente, a coparentalidade é definida como “uma guarda compartilhada, que se amplificou com o advento dos contatos virtuais mediante a internet”[footnoteRef:4]. Ela é firmada a partir do pacto entre duas partes que, sem nenhuma convivência afetiva ou sexual, pretendem ter um filho em comum, de forma biológica. Descreve Rolf Madaleno que coparentalidade “é a família parental cujos pais se encontram apenas para ter filhos, de forma planejada, para criá-los em sistema de cooperação mútua, sem relacionamento conjugal ou mesmo sexual entre os genitores”[footnoteRef:5]. É essencial, portanto, para “abranger as pessoas que sonham exercer a paternidade/maternidade, mas não possuem interesse em manter ou nutrir um vínculo amoroso com a outra parte”.[footnoteRef:6] [4: LOBO, Paulo. Direito Civil: Famílias 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 135] [5: MADALENO, Rolf. Fraude no Direito de Família e Sucessões 1. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2021. p. 222] [6: BASTINONI, Micheli Raldi. SARTORI, Giana Lisa Zanardo. Coparentalidade: uma nova configuração familiar?. Disponível em: http://repositorio.uricer.edu.br/bitstream/35974/139/2/Micheli%20Raldi%20Batistoni.pdf. Acesso em 06 de set. de 2021
] 
Ora, a partir desta breve definição, já se depreende que tal noção de constituição familiar causa grandes polêmicas no âmbito social. Isso porque a coparentalidade vai de encontro com várias noções morais, religiosas e até mesmo jurídicas já entendidas como regra geral. É a própria ideia romantizada de casamento de biparentalidade sendo aos poucos desconstruída, dando lugar a mais uma concepção de família, entendida como mais livre e mais benéfica aos pais, haja vista que diversos ônus matrimoniais são dispensados e apenas a vontade de ter filhos é atendida, sem nenhum óbice.
A faculdade de escolher essa modalidade de família, logo, tem relação direta com a vontade pessoal do indivíduo, moldada a partir de sua concepção de família, de mundo, de sociedade e de relações de gênero. Na relação de coparentalidade, há total cooperação entre os pais, sem a necessidade de se estabelecer hierarquias, como nas relações parentais convencionais. Assim, há maior foco no bem-estar da criança, estando a relação apoiada no apoio e comprometimento de ambos os pais, por meio da negociação dos papéis exercidos por cada um deles, bem como das responsabilidades e das contribuições pessoais para as crianças[footnoteRef:7]. [7: SPAGNOL, Débora. Novos arranjos familiares: a coparentalidade. Disponível em: http://femininoealem.com.br/23788/novos-arranjos-familiares-acoparentalidade/ Acesso: 06 de set, de 2021] 
De acordo com Rolf Madaleno apud Cristiano Chaves de Farias, existemalguns elementos no próprio Código Civil brasileiro que validam a coparentalidade, estando três artigos deste Diploma se interseccionando entre si, a saber:
“[...] a coparentalidade estaria recepcionada no ordenamento jurídico brasileiro em uma trilogia composta pela intersecção do artigo 104 do Código Civil, que valida negócios jurídicos que envolvam agente capaz e objeto lícito, com o artigo 107 do Código Civil, pelo qual a declaração de vontade não dependerá de forma especial, salvo expressa exigência da lei, e finalmente com o artigo 425 do Código Civil, ao admitir que as partes estipulem contratos atípicos [..][footnoteRef:8]” [8: Idem.] 
Segundo o autor, a junção desses dispositivos permitiria que a formação da coparentalidade seja válida, haja vista que esta é nada mais do que um negócio jurídico de natureza parental. Seria possível, juridicamente, portanto, a formação de um “contrato de geração de filhos”, na figura de um instrumento que materializaria a manifestação da vontade das partes em ter filhos e criá-los de maneira cooperativa, sem vínculo matrimonial e patrimonial.
Pode-se concluir, logo, que a observância dos preceitos puramente contratuais formaria um instrumento hábil a formalizar e conceder segurança à família formada por coparentalidade[footnoteRef:9] [9: FILHO, Rodolfo Pamplona; VIEGAS, Claudia Mara de Almeida Rabelo. Coparentalidade: A Autonomia Privada dos Genitores em Contraponto ao Melhor Interesse da Criança. Revista de Direito UNIFACS, 2020. Disponível em: https://revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/view/6518. Acesso em 06 de set. de 2021] 
3. CONCLUSÃO
A concepção de unidade familiar passou por diversas modificações ao longo do tempo, estando a ideia homogênea de unidade parental heterossexual e matromonial sendo acrescentada aos poucos por outras formas de conceber a família. 
Hoje, a ideia de coparentalidade se mostra forte na sociedade, uma vez que se apresenta como uma oportunidade das pessoas se desviarem das amarras do casamento e estabelecerem entre si contratos formais que garantam, juridicamente, a estabilidade de suas relações entre pais e filhos. Abandona-se, então, a ideia de patriarcalismo e de hierarquização familiar, haja vista que a cooperação entre os pais implica na divisão igualitária e consensual entre os ônus, deveres e direitos de se criar uma criança e de ser pais.
A jurisprudência brasileira acerca do tema ainda é pobre, haja vista que a coparentalidade no modelo aqui apresentado se mostra como uma novidade. Não obstante as discussões sociais acerca do tema, é inegável que essa nova constituição familiar valoriza a liberdade das pessoas. Mas é importante lembrar, ainda, que a situação da criança durante seu crescimento e desenvolvimento dentro dessa família há de ser considerada. 
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BASTINONI, Micheli Raldi. SARTORI, Giana Lisa Zanardo. Coparentalidade: uma nova configuração familiar?. Disponível em: http://repositorio.uricer.edu.br/bitstream/35974/139/2/Micheli%20Raldi%20Batistoni.pdf. Acesso em 06 de set. de 2021
FILHO, Rodolfo Pamplona; VIEGAS, Claudia Mara de Almeida Rabelo. Coparentalidade: A Autonomia Privada dos Genitores em Contraponto ao Melhor Interesse da Criança. Revista de Direito UNIFACS, 2020. Disponível em: https://revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/view/6518. Acesso em 06 de set. de 2021
GAGLIANO, Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Manual de Direito Civil. Volume único. 2 ed. São Paulo: Saraiva. 2017
LÔBO, Paulo. Direito Civil: Famílias. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. 
LÔBO, Paulo. Direito Civil: Famílias. 5.ed. São Paulo: Saraiva, 2021. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/reader/books/9786555593655/epubcfi/6/30[%3Bvnd.vst.idref%3Dmiolo12.xhtml]!/4/2/88/1:616[az%C3%A3%2Co%20d]. Acesso em 06 de set. de 2021
MADALENO, Rolf. Direito de Família. 11. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2021. Acesso em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786559640515/cfi/6/50!/4@0:0. Disponível em 06 de set. de 2021
MADALENO, Rolf. Fraude no Direito de Família e Sucessões. 1. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2021. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/reader/books/9786559641109/epubcfi/6/24[%3Bvnd.vst.idref%3Dhtml10]!/4/326/3:164[%20no%2C%20pr]. Acesso em 06 de set. de 2021
SPAGNOL, Débora. Novos arranjos familiares: a coparentalidade. Disponível em: http://femininoealem.com.br/23788/novos-arranjos-familiares-acoparentalidade/ Acesso: 06 de set. de 2021

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