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Unidade 2 LITERATURA INFANTIL

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1 
 
Unidade 2 - Ideologia no Texto Infantil 
REPRESENTAÇÃO DA SOCIEDADE: NORMAS E VALORES 
A palavra ideologia nos soa estranha: somos capazes de associá-la a pontos diferentes e 
divergentes – políticos, científicos, religiosos –, mas ignoramos sua essência: visão de mundo. A 
forma de compreender um discurso, o ―funil‖ por meio do qual todo entendimento a nós chega. 
Assim, ideologia pode ser definido como a forma de se ver e interpretar o mundo, e por meio de 
ambos, a realidade nos atinge. 
 
Porém, e nos apropriaremos de um princípio de Roland Barthes, vivemos em um mundo feito de 
palavras. Os conceitos, a forma de compreender o mundo, o sentido que damos às coisas, tudo 
isso chega até nós por meio das palavras, dos discursos que construímos. Damos sentido, 
criamos conceitos, partimos para outros pressupostos - tudo por meio dos sentidos ali implícitos. 
 
Outro pesquisador, Mikhail Bakhtin, aponta como as práticas culturais dominantes se diluem na 
comunicação (2008), ou seja: como há ideologias dentro da língua que são, por si só, formas de 
perpetuação do status quo. É por isso que a palavra, signo linguístico por excelência, é 
inerentemente ideológico. Barthes vai mais além, e afirma que 
 
os signos de que a língua é feita, os signos só existem na medida em que são reconhecidos, isto 
é, na medida em que se repetem; o signo é seguidor, gregário; em cada signo dorme este 
monstro, um estereótipo: nunca posso falar senão recolhendo aquilo que se arrasta na língua. 
Assim que enuncio, essas duas rubricas se juntam em mim, sou ao mesmo tempo mestre e 
escravo: não me contento com repetir o que foi dito, com alojar-me confortavelmente na servidão 
dos signos: digo, afirmo, assento o que repito (1987, p. 15). 
 
É ai que habita esse servilismo da própria língua. Ela não apenas nos faz dizer, mas nos obriga: 
toda forma de discurso, de contação de algo, está imbricado de uma série de ideologias e 
discursos, dominantes ou não. Estes são representativos de determinadas visões de mundo, 
sejam elas vitoriosas ou ignoradas. Dessa maneira, há um conjunto de valores que se perpetuam 
nas mais diversas formas. 
 
O texto literário não escapa desse princípio. Até mesmo um texto que se propõe a ser um 
contradiscurso, por definição um movimento contra ideológico, já carrega em si uma visão de 
mundo, outra ideologia. O que são textos clássicos, como A Ilíada, ou Os Lusíadas, senão o 
discurso dos vitoriosos? O que é, então, uma obra como Tarzan, com o discurso das narrativas 
de aventura que serve como contação da vitória da empreitada colonial inglesa? Ou as diversas 
narrativas românticas brasileiras, do período indianista, senão uma tentativa de justificar o 
discurso do país recém-formado, em busca do que viria a ser a brasilidade? 
2 
 
 
Esse princípio, claro, não se desassocia do texto literário infantil, mesmo antes de sua 
delimitação. Uma vez que o texto literário é a arte da palavra que representa a variedade ficcional 
do discurso dominante, há uma produção ficcional para a criança, em diferentes períodos, que 
não se desassocia de seu teor ideológico. 
 
Na Grécia Antiga, a obra A Ilíada, na qual é contada a guerra de Troia, era lida em sala de aula 
como se fosse um evento histórico. Nós mesmos não sabemos, de fato, o quanto da história é 
fato ou ficção, mas o ponto é: o texto ensinado foi escrito séculos antes, e mesmo durante sua 
escritura relatava um evento presumivelmente ocorrido em tempos bem anteriores. Porém, todos 
os elementos do que seria apresentado como parte da cultura helênica estava ali: o ideal do 
guerreiro, a hospedagem, o culto aos deuses; o poema de Homero, na verdade, promove uma 
transmissão de valores. 
O mesmo ocorre com Os Lusíadas, de Camões, no qual são transmitidos os valores idealizados 
dos portugueses durante a época das Grandes Navegações. Havia ainda o ideal do português 
que conquistava o mundo, à semelhança de Ulisses em A Odisseia. Mesmo após o domínio 
espanhol, durante o período barroco e após a perda das colônias há portugueses e descendentes 
no mundo todo que leem a obra de Camões como forma de ―matar a saudade da pátria‖. 
 
Assim, é por meio do texto literário que o autor transmite e perpetua uma série de valores. Como 
aponta Barthes (1987), a língua é um mecanismo de perpetuação do poder, mas ela própria se 
perpetua através do jogo linguístico que propaga, no qual atua por meio da dramaticidade. Para 
Barthes, o texto literário está associado, nos últimos séculos, a um ideal herdado do período do 
Renascimento, no qual havia a imagem das artes como forma de emancipação do indivíduo, ou 
melhor, um perfil de emancipação. 
 
Certos valores se perpetuam no tempo devido a seu registro: há o registro oral, mas também o 
escrito; se determinados valores se revitalizam, o texto escrito permite uma maior interpretação 
destes. Um livro como Os miseráveis, de Victor Hugo, é carregado do desejo romântico de luta 
pelas causas sociais, da mesma forma que um Navio Negreiro, de Castro Alves, é uma ode aos 
movimentos abolicionistas. Essas obras, que surgem na modalidade escrita da língua, atingem o 
status de narrativa oral, uma vez que seu sentido se perpetua para além do seu formato original. 
 
No século XIX, surgiram autores que trouxeram uma nova concepção de literatura para o campo 
literário infantil, valorizando o lirismo e o sentimentalismo. Citemos, como exemplo, Olavo Bilac, 
cujos poemas retratavam os valores ideológicos de sua época. Havia a visão cientificista de 
transformar a sociedade e, principalmente, divulgar esses valores. O prefácio do livro Através do 
Brasil, de Bilac e Manuel Bonfim, explicita a ideologia vigente, à época: ―E também queremos que 
este livro seja uma grande lição de energia, em grandes lances de afeto. Suscitar a coragem, 
3 
 
harmonizar os esforços e cultivar a bondade – eis a fórmula da educação humana‖ (COELHO, 
2012, p. 239). 
 
 
 
i3.png 
Esse apontamento indica o lastro ideológico que irá influenciar e se perpetuar em praticamente 
toda a produção literária infantil das épocas posteriores e, em grande parte, repetindo fórmulas 
pré-construídas durante esse período. Observe alguns desenhos animados infantis da Disney, os 
quais, por sua vez, apresentam adaptações de textos infantis clássicos: em geral, há a figura da 
princesa, do príncipe, do monstro a ser enfrentado, por exemplo. 
 
Talvez você tenha se lembrado de uma animação chamada Shrek, dos estúdios DreamWorks, e 
como a obra é uma sátira aos contos de fadas, abordando seus elementos mais icônicos. Porém, 
observe como os mesmos elementos estão ali presentes: Shrek, o ogro que resgata a princesa e, 
no final da história, eles irão habitar o bosque e ter o seu ―felizes para sempre‖. Salvo elementos 
de outros contos, é o mesmo que ocorre na obra original, de William Steig, na qual o ogro 
encontra uma princesa ogra. 
 
 
É possível observar mesmo nos tempos atuais, a exemplo do livro e da animação, esses mesmos 
elementos. O ogro paulatinamente vai descobrindo coisas que para ele não fazem sentido, como 
amor, família e amigos. 
 
Em suma, até os dias de hoje, no texto literário (seja ele infantil ou não) estamos presos a esse 
―servilismo linguístico‖, essa herança da época na qual o texto era um perpetuador dos valores 
vigentes, sem um foco maior no lado lúdico da sua produção. Em um período pré-lobatiano – e 
até posterior – perpetuou-se a ideia de que o texto infantil é o laboratório dos valores vigentes. 
 
E é nesse ponto que resulta, até os dias de hoje, muito da crítica que considera o texto infantil 
―menor‖: aponta-se esse texto como detentor de um caráter mais didático, pedagógico, ao passo 
que as demais obras da literatura universal tem o valor de abordar as grandes questões. 
Podemos dizer, até, político. 
 
Gilles Deleuze e Félix Guattari apontam sobre a ―menoridade‖ de certas literaturas, não no 
sentido deimportância, mas de particularidade. Isso significa dizer que a literatura infantil, em 
4 
 
relação às demais, corre o risco de ter valor apenas político ao utilizar seu espaço para ter como 
objetivo não o lúdico, mas a transmissão ideológica. Uma coisa não anula a outra, mas sua 
exclusividade torna-se um problema para esses textos. 
 
O problema de se pensar o texto literário como mero perpetuador de valores ou apenas como 
instrumento de entretenimento reside, segundo Antônio Candido, no seguinte problema: 
 
A literatura pode formar; mas não segundo a pedagogia oficial [...], conforme os interesses dos 
grupos dominantes, para reforço da sua concepção de vida. Longe de ser um apêndice da 
instrução moral e cívica [...], ela age com o impacto indiscriminado da própria vida e educa como 
ela, — com altos e baixos, luzes e sombras. Daí as atitudes ambivalentes que suscita nos 
moralistas e nos educadores, ao mesmo tempo fascinados pela sua força humanizadora e 
temerosos da sua indiscriminada riqueza. E daí as duas atitudes tradicionais que eles 
desenvolveram: expulsá-la como fonte de perversão e subversão, ou tentar acomodá-la na bitola 
ideológica dos catecismos [...]. Dado que a literatura, como a vida, ensina na medida em que atua 
com toda a sua gama, é artificial querer que ela funcione como os manuais de virtude e boa 
conduta. E a sociedade não pode senão escolher o que em cada momento lhe parece adaptado 
aos seus fins, [...] pois mesmo as obras consideradas indispensáveis para a formação do moço 
trazem frequentemente o que as convenções desejariam banir. [...] Aliás, essa espécie de 
inevitável contrabando é um dos meios por que o jovem entra em contacto com realidades que se 
tenciona escamotear-lhe (1999, p. 84-85). 
 
Essa crítica relativa ao uso direcionado é inerente a toda literatura, não apenas à infantil. Porém, 
pode-se apontar como, historicamente, a ―literatura de adulto‖ (se é que podemos utilizar o termo) 
foi capaz de promover críticas dentro do próprio espaço ideológico. Durante o período do século 
XIX, por exemplo, iriam surgir obras que promoviam, à sua maneira, críticas às mazelas sociais, 
como O Cortiço, de Aluísio de Azevedo, ou O Ateneu, de Raul Pompeia. 
 
Dessa forma, possibilitou-se a representação de visões diferentes do Brasil, mostrando um país 
multifacetado, com descrições e abordagens registradas de diferentes formas pela elite letrada da 
época, como Euclides da Cunha, Lima Barreto e Monteiro Lobato. Este, por sinal, com uma 
produção direcionada para a criança, conforme evidencia Andrade em sua obra Literatura infantil, 
de 2014. 
 
Outro aspecto importante a ser destacado é que o Brasil, na primeira metade do século XX, 
passava por significativas mudanças sociais e políticas, instalando-se assim a modernização e a 
transformação econômica e cultural no país e, consequentemente, na arte. 
 
5 
 
A literatura infantil quebra os paradigmas dos conceitos tradicionais sociais, revelando uma nova 
concepção literária por meio de temas que libertam o nacionalismo e o moralismo da época. O 
ideal de uma pátria emancipada, formada por uma elite intelectual e citadina, passa a ser revisto 
pelo espaço da sátira – promovida pelo jogo discursivo inerente ao espaço literário – de 
determinadas produções literárias. 
 
É por esse viés que surge uma literatura infantil que busca quebrar a ideologia do discurso 
dominante, promovendo uma discussão sobre os valores transmitidos na produção literária infantil 
à época. E, apesar de escritores anteriormente já terem publicados obras voltadas para o público 
infantil, foi Monteiro Lobato o grande divisor de águas, ―separando o que era produzido antes e o 
que se passou a produzir em termos de literatura para crianças no Brasil‖ (ANDRADE, 2014, p. 
40). 
 
Lobato, além de suas obras originais, também realizou adaptações e recriações de fábulas, o que 
na época não foi muito bem-visto pelo campo educacional, uma vez que ultrapassava os 
conceitos pedagógicos, didáticos e educacionais por incentivar a liberdade interior e de ação. 
Nesse sentido, suas adaptações promoviam às crianças a curiosidade intelectual, a descoberta e 
a criatividade, o que proporcionou o encantamento por suas obras, até hoje lidas. 
 
Muito se é falado sobre a obra ―adulta‖ de Lobato, a saber, dentre outras: Urupês, que traz uma 
visão regionalista do interior do Brasil, sem a idealização romântica; bem como Cidades Mortas, 
sobre a decadência de cidades que empobreceram. Essas obras, assim como outros romances e 
coletâneas, apresentam uma crítica sóbria com relação às transformações sociais. 
 
Sua obra infantil ocupava um espaço diferente. Embora tenha realizado diversas traduções, a 
coleção de livros que gira em torno do Sítio do Picapau Amarelo – o que inclui as histórias 
contadas por Dona Benta a seus netos, como Os Doze Trabalhos de Hércules, Hans Staden e 
até Peter Pan – é o espaço lobatiano por excelência, seu ―tão tão distante‖. É nesse lugar que, 
por meio de personagens (alguns mágicos), o escritor utiliza o elemento surreal para trazer, de 
maneira lúdica, sua crítica social. 
 
CURIOSIDADE 
 
É comum, na crítica literária, a análise de como o autor se insere em um texto, promovendo uma 
polifonia por meio das personagens. É conhecida a discussão sobre como esse recurso é 
utilizado por Monteiro Lobato através da boneca Emília, personagem do Sítio do Picapau 
Amarelo. O humor ácido e a atitude debochada da boneca carregariam muito da personalidade 
de Lobato, além de como ela interpreta as coisas da vida. 
6 
 
 
SENSIBILIZAÇÃO E APROXIMAÇÃO LÚDICA DA CRIANÇA COM A LINGUAGEM POÉTICA 
Você já percebeu como utilizamos a palavra ―literatura‖ para indicar textos não ficcionais? Isso 
ocorre porque, em seu sentido, a literatura é a arte da palavra. Observe como, em uma aula 
sobre a literatura portuguesa, apontamos que a crônica de Fernão Lopes dá início à moderna 
prosa portuguesa, uma vez que ele utiliza vários elementos literários para contar a historiografia 
nacional. Os sermões do Padre António Vieira, por exemplo, até hoje são objetos de estudo em 
cursos de direito. No entanto, é comum avaliarmos esses textos por seu valor ficcional. 
Há um efeito de transformação possibilitado pela palavra escrita e a forma como o escritor 
manipula o texto literário. Isso se dá desde a origem do texto, no início dos tempos, pela narração 
oral, poética. Quando em tempos antigos o ancião contava as histórias e lendas do seu povo para 
as crianças, narrava-as de maneira lírica, agregando mais do que memórias, mas emoções: por 
meio da manipulação discursiva, o indivíduo pode captar algo que vai além do essencial, enxerga 
além do visível. 
 
Quem é Quindim, rinoceronte que aparece nas obras de Monteiro Lobato? Para o escritor, mais 
do que um paquiderme: onde muitos veem um animal, lobato vê uma criatura que, supostamente, 
devora um livro de gramática e se torna um sábio. E é graças a isso que ele leva as crianças para 
diversas aventuras, como um passeio pelo país da gramática. No mundo visível, onde vemos 
pedras e objetos sem valor, mera manipulação de palavras, o escritor ―dobra‖ o texto escrito, 
criando obras plurissignificativas, como A bolsa amarela, de Lygia Bojunga, ou O menino que 
escrevia versos, de Mia Couto. 
 
O conto O menino que escrevia versos, de Mia Couto, é uma brincadeira linguística com as 
palavras: ele narra a história de um menino que frequenta a escola e começa a escrever versos, e 
isso muda sua percepção da vida. Seus pais ficam assustados, pois ―não são da leitura‖. Mas há 
toda uma relação simbólica entre o ato da escrita e o da descoberta. 
 
O mesmo ocorre com outro escritor: José J. Veiga. Em Tajá e sua gente, há a história de um 
garoto cadeirante que arruma trabalho em um sítio, e passa a experimentar uma série de 
situações com seus amigos. Há a representação de vários ciclos pelos quaispassamos: 
descoberta, amadurecimento, tristeza, desilusão, felicidade. Com prosa simples e direta, seu 
sentido não é amplamente revelado, uma vez que cada leitor, em cada época, alimenta-se dessa 
linguagem poética e a reverbera em sua época específica. Daí o efeito catártico da palavra 
poética, plurissígnica, permitindo a reinvenção da palavra literária. 
 
O ludismo inerente ao texto literário atinge a criança de várias maneiras: figuras de linguagem, 
associações, rimas e jogos de palavras. Lembra-se como os contos de fada sempre começavam 
com um ―Era uma vez‖, buscando introduzir o elemento mítico ao texto e trazendo a criança a 
7 
 
uma época antiga, a uma história que se perde no tempo? As cantigas de ninar, por exemplo, 
eram uma forma de atrair a atenção da criança, uma forma de descobrir o mundo. 
 
Observe, como exemplo, o seguinte trecho: 
 
―Minha avó, que braços grandes você tem!‖ 
―É para abraçar você melhor, minha neta.‖ 
―Minha avó, que pernas grandes você tem!‖ 
―É para correr melhor, minha filha.‖ 
―Minha avó, que orelhas grandes você tem!‖ 
―É para escutar melhor, minha filha.‖ 
―Minha avó, que olhos grandes você tem!‖ 
―É para enxergar você melhor, minha filha.‖ 
―Minha avó, que dentes grandes você tem!‖ 
―É para comer você‖ (MACHADO, 2010, p. 44-45). 
 
Trazemos um exemplo clássico dos Grimm: sabemos que o lobo está vestido de vovó, pois desde 
antes já somos apresentados à sua artimanha, em que o mesmo despista Chapeuzinho Vermelho 
para chegar antes. Porém, o elemento lúdico manifesta-se pela experiência da descoberta: o 
leitor se coloca no lugar da menina, e participa do jogo de descobrir, palavra por palavra, a 
identidade da vovó-lobo. Usamos os sentidos da criatura e a forma como a menina enxerga o 
mundo e descobre as inconsistências do animal. O lobo, por sua vez, entra no jogo: utiliza 
elementos visuais – olhos para enxergar melhor -, olfativos – nariz para cheirar melhor - e outros, 
como a audição e o paladar. O uso dessa descrição detalhada 
 
fará com que o ouvinte sinta o cheiro das flores, visualize a 
grama verdinha e se encante com o cavalo alado que voa pelo 
céu estrelado. Porém, essa descrição não deve ser exagerada, 
a fim de permitir que o ouvinte coloque a sua própria cor do 
céu, enfeite o campo com arvores. (FARIAS; RUBIO, 2012, p. 5) 
 
8 
 
No mesmo conto, essas experiências vão sendo construídas paulatinamente, e passamos a 
associar os sentidos do lobo, e seus órgãos exagerados, às suas características e atitudes: seus 
olhos, à astúcia; suas orelhas, à atenção; seu nariz, à percepção; e sua boca, à gula e ousadia. 
Cada um desses elementos promove uma transfiguração das imagens por meio da linguagem 
poética, a qual atua de maneira particular diante dos jovens leitores/ouvintes. 
 
Mais do que um conto de fadas, uma história de entretenimento, Chapeuzinho Vermelho é um 
exemplo de como determinadas narrativas contribuem para o desenvolvimento da imaginação e 
da intuição do infante, posto que colaboram para a forma como ele descobre a realidade: há 
morais implícitas, como ―não fale com estranhos‖ e ―obedeça seus pais, do contrário...‖, as quais 
vão sendo transmitidas por meio das imagens poéticas que constroem. 
 
Não é por acaso que esses contos foram banidos durante muito tempo (BETTELHEIM, 2002): 
sua ação pedagógica utilizava uma linguagem poética para criar a experiência da magia, a qual 
oferecia respostas alternativas aos grandes problemas do mundo. 
 
É por meio dessa série de estímulos sensoriais – via linguagem poética – que a criança 
desenvolve sua forma de interagir com o mundo: alimenta-se e desenvolve uma série de 
experimentações para conceber o mundo ao seu redor. Recorrendo à histórias aparentemente 
simples, mas igualmente complexas e lúdicas, o texto transmite essas imagens. 
 
Podemos observar isso nas aventuras da ―Turma do Gordo‖, no livro O Gênio do Crime, de João 
Carlos Martinho. Ao investigarem um crime de falsificação de figurinhas de futebol, Bolachão, 
Edmundo, Pituca e Berenice desbravam a cidade de São Paulo, fazem as vezes de detetives e 
buscam solucionar um crime. O sentimento de aventura, as relações de amizade, a 
experimentação da vida diante do que lhes é importante, tudo vai sendo paulatinamente 
transmitido e construído por meio do narrador. 
 
ASSISTA 
 
Vale a pena assistir a entrevista do escritor João Carlos Marinho sobre a obra O Gênio do Crime, 
bem como a relação entre escritor e obra. Na entrevista, Marinho aborda como certos trabalhos 
atraem os mais jovens, fascinando-os. 
 
 
O escritor cria uma São Paulo ficcional que parasita a sua homônima no mundo real, além de 
conceber personagens que se utilizam do raciocínio para resolver o grande mistério da obra, as 
9 
 
figurinhas falsificadas. Através disso, recorre-se a uma linguagem que transporta o mundo da 
criança para o da fantasia, na qual as personagens exploram sua sagacidade, inteligência, 
noções de dever moral e outras habilidades, de modo que, aqui, não são protegidas ou 
agraciadas por forças superiores, mas heroínas absolutas da trama. Sua ―fada madrinha‖, aqui, é 
sua capacidade de resolver os problemas por meio do seu olhar de criança. 
 
DICA 
 
Vale a pena refletir sobre como há toda uma crítica literária que estuda o caráter psicológico, 
sociológico e antropológico dos contos de fadas. No livro Reis, Moscas e um gole de astúcia: 
contos de fadas para pensar sobre justiça, as escritoras Helena Gomes e Susana Ventura 
abordam como os contos de fadas, em suas revisitações do folclore, abordam conceitos 
atemporais como ética e justiça. 
 
A linguagem poética, mais pelo que induz do que pelo que mostra, destaca-se como uma forma 
de instrumento didática que explora, no texto literário, a aproximação com o público infantil. 
Ocorre que a linguagem poética literária é uma forma de expressar experiências de mundo do 
autor para o leitor, o qual tem sua própria experiência afetada pelas leituras. 
 
A literatura infantil, em sua formação destinada para crianças, também já fora mais voltada para 
adultos. Muitas obras de aventura carregavam uma linguagem mítico-simbólica, e o faziam como 
forma de produção literária, como as aventuras de Robinson Crusoé. 
 
Curiosamente, consideramos As viagens de Gulliver uma obra adulta; mas sua linguagem lírico-
fantástica, tomada de representações absurdas – como os homens diminutos de Liliput – passou 
a ser utilizada para avaliar uma espécie de paródia do mundo dos adultos voltada para a criança. 
 
Muitos pesquisadores apontam haver motivos para que certas obras, em sua origem voltadas 
para o público adulto, passassem a interessar às crianças. Para muitos, a manipulação da 
linguagem poética em determinadas obras as aproximaria do público infantil (BETTELHEIM, 
2002), ao passo que outras causaria certo distanciamento. Muitos textos, em sua origem, eram 
histórias populares, contos e causos que circulavam por meio da população, antes de ganharem 
sua ―adaptação‖ escrita, cristalizada. Independente da motivação dos escritores em resgatar 
elementos do folclore para transmitir novos valores, esses textos já eram carregados de valores a 
serem transmitidos. 
 
Veja o caso do conto Os três porquinhos, de Joseph Jacobs: a história, conforme conta Prado 
(2012), traz elementos do folclore inglês associados a tempos mais modernos, já que, em uma de 
10 
 
suas versões, não são três porcos, mas três duendes. Os três irmãos, Prático, Heitor e Cícero 
podem ser vistos como uma representação da força de trabalho, ou seja, do esforço e do trabalho 
bem feito, estes encarnados em Prático, o qual constrói uma casinha de tijolos. A própria escolha 
do nome já denota isto – pelo menos, em língua portuguesa. Tal qual a ideia do século XIX do 
―burguês‖ que cria empresas e funda impérios, temos a imagem do porco, que supera a astúcia 
do lobo por meio do trabalho duro.Essa transmissão de valores vai sendo produzida linguísticamente por meio da estrutura 
apresentada, pela forma como o autor utiliza a regra de três: são três os porquinhos, são três as 
casas construídas. E a cada embate entre o lobo e um dos porcos, o predador emite um 
provérbio formado por três versos: 
 
- Porquinho, porquinho, deixe-me entrar. 
 - Não, não, pelos fios da minha barba, aqui você não vai pisar. 
- ―Então vou soprar, e vou bufar, e sua casa rebentar (MACHADO, 2010, p. 144). 
 
É a casa de tijolos do terceiro porco a única adequada para impedir o lobo – que, em algumas 
versões, devora os dois irmãos -, encerrando a história. 
 
DICA 
 
A regra de três é um recurso narrativo através do qual a história progride por meio de três 
elementos, três repetições, de modo a se atingir um resultado – ou, no caso, aprender uma lição. 
Muitos contos de fadas e outras produções textuais seguem essa estrutura devido à facilidade de 
se lembrar dos elementos. 
 
Três porquinhos, três duendes: o conto escrito, herdeiro de uma variedade oral, carrega valores já 
conhecidos da população. Mesmo a população que não era de origem popular conhecia essas 
histórias. Esses primeiros textos transcendem o campo da escrita, tendo origem no mito dos 
povos, nas lendas. Pode-se, ainda resgatando a regra de três, avaliar como há uma relação entre 
os três irmãos e as temporalidades da infância, na qual a saída de casa, a construção das novas 
casas e as experiências enfrentadas representam suas etapas de amadurecimento (PRADO, 
2012). 
 
Importante destacar que literatura oral é o conjunto de manifestações literárias de uma sociedade 
ou civilização preservadas por meio da palavra falada e/ou cantada. A literatura produzida na 
11 
 
vasta área subsaariana do continente africano, por exemplo, distingue-se da literatura escrita em 
línguas europeias, a qual tem como fonte suas próprias tradições orais. 
 
Essa linguagem simbólica vai sendo construída e carrega elementos da formação humana. Como 
aponta Prado (2012), a relação entre infância e formação/emancipação se encontram nessas 
narrativas. É na criança, uma metonímia do homem primitivo, do povo em suas origens, que a 
sociedade vai sendo descoberta. Muitos desses escritores, antes não considerados como 
escritores de literatura infantil, abordavam o mito em sua versão literária como forma de atingir os 
processos formativos do ser humano. 
 
 
Estes concebiam textos em que a personagem conhece o mundo por meio do sentidos, das 
emoções, não dos conhecimentos mais racionais, ou seja, da experiência. Dessa maneira, 
predomina nos contos de fadas uma linguagem diferente, singular, mágica. É por isso que há 
essa relação entre infantil e popular, posto que ambos compreendem o mundo de uma outra 
maneira e seguindo uma lógica não convencional. 
 
Habita aí o motivo da linguagem poética, em sua variedade escrita, estar associada à 
transmissão de saberes desde o início dos tempos, uma vez que era por meio destes que se 
transmitia a ideologia de dada sociedade. Como aponta Zilberman (2007), esses contos, em sua 
origem, eram transmitidos entre a população adulta e para eles produzidos, mas não faziam parte 
da formação da burguesia, pelo contrário: foram posteriormente declamados em salões como 
forma de entretenimento. 
 
Com o avançar das épocas, esses textos passam a sofrer alterações e receber um 
―encapamento‖ de linguagem burguesa e um novo senso de ética, moral e visão religiosa, que por 
sua vez utilizam os textos infantis como forma de conformação aos papeis sociais. Esses contos 
utilizam uma linguagem que explana sua função pedagógica de transmitir esses novos valores 
aos pequenos leitores. 
 
Diferente escritores farão uso dessa linguagem mítico simbólica em confronto a uma outra, de 
lógica racionalista, como forma de transmissão de imagens. É por meio dessa linguagem que o 
escritor transforma o abstrato em algo concreto. O conto A gata borralheira, por exemplo, busca 
transmitir uma história sobre conflitos sociais: a protagonista precisa superar os maus tratos das 
irmãs e mãe e somente nos sonhos encontra sua liberdade. A fada madrinha representa o ideal 
de que as pessoas boas possuem um caminho maior a trilhar, independentemente da sua classe 
social. 
 
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Por meio da história da gata borralheira, as classes mais pobres transformam o seu desejo 
abstrato em algo concreto, dando forma, nome e continuidade aos seus desejos. É por meio 
dessas obras, da transmissão dessa linguagem poética, que o texto literário auxilia na formação 
do pensamento do indivíduo e em sua formação cognitiva. Assim, produz-se uma linguagem que 
auxilia a criança em sua etapa de amadurecimento: é por meio do texto literário que ele aprende, 
imagina e idealiza as situações do cotidiano. 
 
A IMPORTÂNCIA DA EXTERIORIZAÇÃO – PERSONAGENS E ACONTECIMENTOS 
FANTÁSTICOS 
Literatura infantil e elementos fantásticos são quase sinônimos: em meio a gatos falantes, gansos 
que colocam ovos de ouro e lobos mal-intencionados, temos personagens que desbravam o 
mundo e vencem as dificuldades da vida recorrendo à sua astúcia. Isso ocorre porque muito 
dessa literatura, como abordado, encena elementos morais, os utilizando para mostrar como os 
elementos sobrenaturais são uma forma de se reinterpretar o mundo. 
 
É por isso que, para abordarmos como os elementos sobrenaturais perduram, mesmo diante de 
uma literatura que em sua forma contemporânea surge como maneira de ―doutrinação dos 
adultos em formação‖, precisamos abordar a sofisticação do texto literário, a qual ocorre de tal 
forma que até o elemento sobrenatural nele perdura. 
 
Para tanto, devemos falar das fábulas e de um dos mais famosos escritores de literatura infantil 
que irá polir esse gênero: La Fontaine. Gênero muito utilizado na história da literatura ocidental 
desde a Grécia antiga, por seu caráter didático vai sendo retomada durante o período do 
Humanismo. No século XV, escritores franceses e italianos a redescobrem por meio das fábulas 
de Esopo, transmitindo diversas de suas versões. 
 
Assim, 200 anos depois há fábulas orientais como O livro das luzes ou A conduta dos reis, 
traduzidas por David Sahib, e Modelo da sabedoria dos antigos indianos, traduzida por Pussines. 
O gênero perdura durante vários séculos, mantendo seu formato sem grandes alterações. 
 
Porém, assim como os grandes escritores que foram responsáveis por renovar constantemente a 
língua portuguesa em pleno século XX – a exemplo de Guimarães Rosa –, La Fontaine resgata 
todo o elemento lírico da fábula, alimentando-a com valores filosóficos que mesclavam elementos 
das narrativas populares. Dotado de formação literária, sob influência dos clássicos greco-latinos 
e renascentistas, entre outros, e tendo realizado experiências com vários textos, foi por meio das 
fábulas que Fontaine se consagrou um gênero literário de origem popular. 
 
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A produção de La Fontaine reúne uma miríade de fontes, as quais tanto negociam com a cultura 
popular quanto se alimentam de uma tradição de parábolas das mais variadas matizes. Além 
destas, ele produziu contos, alegorias e histórias curtas. O grande diferencial é que as obras, das 
cotidianas às sobrenaturais, encerram valores morais, o que singularizou sua produção. 
 
Dessa forma, muitas de suas criações originais passaram à categoria de ―contos de fadas‖, como 
as narrativas folclóricas das quais ele se alimentou para produzir seus textos. Eis o valor do 
escritor: as situações humanas que ali são transfiguradas em detrimento das intenções do 
escritor. Essa transfiguração, muitas vezes de teor sobrenatural, atrai o público infantil. 
 
Quando abordamos o elemento sobrenatural nos contos de fadas, devemos lembrar que suas 
origens já incluíam elementos maravilhosos. Isso influenciou, à época, uma série de indivíduos a 
conceber uma outra realidade, ocupada por seresmágicos e mitológicos, os quais contribuíram 
para o desenvolvimento crítico desses leitores. O que seria a Rainha Má, da Branca de Neve, se 
não uma revisitação do mito de Caim e Abel (a inveja), adaptado para os infantes? 
 
Ademais, é importante evidenciar que muito desse elemento sobrenatural não é gratuito, uma vez 
que agrega significantes e significados familiares à sociedade.

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