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Pirahã - Povos Indígenas no Brasil

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Pirahã - Povos Indígenas no Brasil
Os Pirahã se auto-denominam hiaitsiihi, categoria de seres humanos ou corpos
(ibiisi) que se diferencia dos brancos e dos outros índios. Possuem um elaborado
sistema de nominação articulado à sua cosmologia. Antes mesmo de nascer,
ainda no ventre materno, recebem um primeiro nome, que acreditam ser
responsável pela criação de seus corpos. Durante a vida, recebem nomes de
seres que habitam camadas superiores e inferiores do cosmos, responsáveis pela
criação de suas almas e destinos, e também de inimigos de guerra.
Nome
Acampamento Pirahã, próximo a Transamazônica. Rio Maici. Foto:
Ezequias Hering, 1981
Os Pirahã são descendentes diretos dos Mura. A língua, a cultura material, a
organização social e a semelhança física não deixam dúvidas quanto a uma
vinculação que tiveram no passado. Nimuendajú (1982a/1925) foi quem fez a
ligação entre os dois grupos, passando a designar os Pirahã por Mura-Pirahã. A
partir de então, a história dos dois grupos liga-se, irremediavelmente, tornando-
se de praxe pensar os Pirahã como os modernos remanescentes da antiga 'Nação
Mura', outrora habitante das margens do Rio Madeira (cf. Nimuendajú, 1948,
1982a; Rodrigues & Oliveira, 1977; Oliveira, 1978).
Pirahã é como os regionais os classificam e como eles se auto-identificam diante
da população envolvente e dos demais grupos indígenas. Hiaitsiihi é a auto-
denominação do grupo, significando um dos seres ibiisi (corpos) que habitam
uma das muitas camadas que compõem o cosmos.
Língua
http://img.socioambiental.org/d/226403-1/piraha_2.jpg
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https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Mura
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Mura
Apaitsiiso ("aquilo que sai da cabeça") é como os Pirahã se referem à sua língua.
A língua pirahã foi classificada como pertencente à família Mura por
Nimuendajú (1982a). Henrichs (1964) classificou-a como tonal. Everett
analisou-a em inúmeros trabalhos (cf. 1979, 1983, 1985a, 1985b, 1986a, 1986b).
Uma língua tonal caracteriza-se por lançar mão de recursos supra-segmentais (a
relação entre os tons) para estabelecer significados. Assim, os Pirahã podem, a
partir dos tons, gerar modos de comunicação específicos: por meio de gritos,
assobios, "falar-comendo". O grito permite a comunicação a grande distância e,
em geral, é usado nas conversas travadas quando estão navegando em uma ou
mais canoas pelo rio. A comunicação por meio de assobios ocorre em expedições
na mata ou no rio, quando as vozes poderiam colocar em risco o objetivo da
expedição. Everett (1983) registrou que os assobios seguem os tons, e não uma
tonalidade padronizada que estabelece um significado. Assim, os Pirahã são
capazes de proferir palavras, e mesmo frases, com o recurso dos assobios. O
"falar-comendo" é a terceira possibilidade de estabelecer comunicação por meio
dos tons; enquanto mastigam, podem continuar conversando.
A maioria dos homens entende o português, mas nem todos são capazes de se
expressar nessa língua. As mulheres entendem mal o português e nunca o usam
como forma de expressão. Os homens desenvolveram uma "língua" de contato
para se comunicarem com os regionais, misturando palavras em Pirahã,
português e língua geral amazônica (mais conhecida como nheengatu).
Localização
Foto: Marco Antônio Gonçalves
Os Pirahã habitam um trecho das terras cortadas pelo rio Marmelos e quase
toda a extensão do rio Maici, no município de Humaitá, estado do Amazonas. O
rio Maici é formador do Marmelos, tributário na margem esquerda do rio
Madeira. Os períodos de seca e de chuva provocam alterações importantes na
ocupação dessa região. O Marmelos é um rio largo, de águas pretas, cujas
margens apresentam mata exuberante, árvores frondosas, típica vegetação de
floresta tropical. Na época da seca, despontam praias de areia branca,
http://img.socioambiental.org/d/226408-1/piraha_3.jpg
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intercaladas por blocos de rochas e ilhas, em toda sua extensão. No período da
chuva, a água invade a floresta, formando extensos igapós, que deixam aparecer
somente as copas das árvores e as "terras altas".
Subindo o rio Marmelos, depara-se com um longo trecho em linha reta,
denominado "Estirão Grande", início do território Pirahã. Prosseguindo na
mesma direção, mais à frente, junto à embocadura do rio Maici, encontra-se
uma das principais praias do Marmelos, ponto estratégico para habitação, uma
vez que dá acesso à exploração dos dois rios. Cruzando a boca do rio Maici,
ainda no Marmelos, passa-se por inúmeras praias, lagos, igarapés e pelos rios
Juqui e Sepoti. Este último demarca os limites do território Pirahã, visto que as
referências topográficas e toponímicas esgotam-se em suas adjacências.
O Rio Maici é estreito e profundo. Na travessia, avistam-se centenas de
castanheiras em toda a sua extensão. A ocupação neste rio se faz desde a
embocadura até as proximidades da cabeceira; a ponte que o cruza na rodovia
Transamazônica, distante 90 quilômetros da cidade de Humaitá, delimita o
território Pirahã. O Maici é o lugar das terras altas, pontos estratégicos para a
exploração dos seus 17 castanhais. No verão, formam-se pequenas praias que
servem de locais para habitação. A terra pirahã foi demarcada em 1994, tendo
como limite norte o rio Marmelos: do igarapé Folharal até o igarapé Água Azul,
compreendendo toda a extensão da margem esquerda deste rio; o limite sul é a
ponte sobre o rio Maici, na rodovia Transamazônica; o limite leste e oeste é
composto por uma extensa faixa de terra que avança mais de 8 quilômetros
partindo das margens esquerda e direita, respectivamente. A região soma
aproximadamente 400 mil hectares num perímetro de 410 quilômetros.
Demografia
Foto : Marco Antônio Gonçalves
A população Pirahã era de aproximadamente 360 pessoas no ano 2000. Na
década de 1920 e na de 1970, foram estimados em 90. Em 1985, data do
primeiro censo, a Funai contou 141 pessoas, registrando um equilíbrio entre os
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sexos (cf. Levinho, 1986). Essa população se espalha ao longo do Maici e no
trecho do rio Marmelos, em pequenos grupos, na época das chuvas, dedicando-
se à coleta de castanha nos locais de exploração do produto.
Na época da seca, concentra-se em grupos maiores, habitando algumas praias
dos rios referidos. Dois grandes grupos populacionais pirahã dividem o
território. Um grupo de aproximadamente 120 indivíduos habita a região do
Marmelos e as margens do Maici, até um local denominado Cuatá. Outro
agrupamento, composto por 100 pessoas, vive à distância de cerca de dois dias
de barco deste último ponto (Cuatá), ocupando, pelo menos, quatro locais até as
proximidades da Transamazônica. Segundo os Pirahã, até a década de 60, estes
grupos habitavam conjuntamente os locais próximos à foz do Maici. Os motivos
alegados para a separação dos grupos e interiorização de um grande número de
indivíduos na região do alto Maici, foram conflitos provocados por 'roubo' de
mulher, desencadeando dois assassinatos. A crise definiu, assim, uma nova
configuração na ocupação do território.
Histórico do contato
Foto : Marco Antônio Gonçalves
Os Pirahã propriamente ditos surgem nas crônicas e documentos somente a
partir do final do século XIX e começo deste século. Nimuendajú, em 1921,
encontra uma aldeia Pirahã no Estirão Grande do Marmelos e outra no curso
inferior do Maici. Informa que, em 1921, o SPI fundou um posto no Maici para
atender a estes índios que, em sua opinião, são "felizes na sua pobreza, ...até hoje
pouco têm ligado às vantagens da civilização e, excepção feita às ferramentas,
quase não se encontra entre eles sinal de contato permanente com os civilizados.
São extremamente indolentes, mas pacíficos, tanto que não me consta nenhuma
hostilidade contra os civilizados, invasores de seus castanhais, apesar dos
freqüentes abusos que estes intrusos cometem."(Nimuendajú, 1982a:117).
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Nimuendajú registrou conflitos entre os Pirahã, Matanawi e Parintintin na área
do alto Maici. Datam dessa mesma época as informações fornecidas por Gondin
(1938), atribuindo aos Pirahã a mesma atitude belicosa dos Mura. Segundo o
autor, os Pirahã guerreavam no alto Maici com os Torá e Parintintin, mantendo
esse estado de beligerância até 1922, data da instalação de um posto de
vigilância pelo Serviço de Proteção aos Índios - SPI (cf. Gondin, 1925).
Em 1959, é iniciada a ação do Summer Institute of Linguistics - SIL, que
permanece na área indígena até 1980. Um casal atuou entre 1960 e 1966 e outro
de 1967 até 1977. O SIL estabeleceu sua Missão em três localidades distintas: no
Estirão Grande do Marmelos, no interior do rio Maici em um local de nome
Tuxaua, e em um barranco denominado 'Posto Novo', nas proximidades da foz
do Maici. Embora os missionários tenham estado em contato permanente com
os Pirahã por mais de 20 anos, desenvolvendo trabalho assistencial e de
evangelização, é difícil, hoje, reconhecer traços de sua passagem pelo grupo.
Informações encontradas nos relatórios do SIL revelam as dificuldades para
instalação de uma Missão, em virtude de os índios estarem "espalhados em
vários pontos ao longo dos rios", as mulheres não falarem com estrangeiros,
além dos conflitos com regionais que não queriam qualquer tipo de controle
sobre o território. Em 1967, são registrados conflitos entre os Pirahã e os
brancos, provocados pelo comércio de castanha, resultando na morte de um
índio. Em 1968, há uma epidemia de sarampo que dizima 10% da população
indígena, registrando 14 óbitos. Em 1971, ocorrem mais conflitos com os
regionais, no período da safra da castanha, quando um Pirahã é esfaqueado e
jogado no rio. Depois deste episódio, os índios pensam em migrar para as
cabeceiras dos igarapés do Maici, fugindo, assim, dos embates com os regionais.
Um relatório de 1979, escrito por missionário voluntário católico que viveu por
10 meses entre os Pirahã na foz do Maici, estimava sua população em 107
indivíduos, sendo que 56 viviam no baixo Maici e 51 nas aldeias do alto.
Informava, também, que, em 1974, o grupo fora atingido por uma epidemia de
sarampo, registrando mais de 30 óbitos.
As informações deste século sobre os Pirahã - fornecidas por Nimuendajú,
missionários do Summer, funcionários da Funai e antropólogos - enfatizam que
o grupo, embora mantenha estreito contato com os brancos, consegue manter
sua cultura tradicional e seu estilo próprio de vida. A região do Marmelos e do
Maici é até hoje invadida, durante determinados momentos do ano, por
comerciantes de Manicoré, Auxiliadora, Humaitá e Porto Velho. As fontes
consultadas, narram, desde o começo deste século, o envolvimento conflituoso
entre os Pirahã e agentes da frente extrativa da castanha. Na estação das chuvas,
é constante o movimento de barcos pelo Maici. Até 1985, os regionais ocupavam
feitorias ao longo deste rio, explorando os castanhais circunvizinhos. Nos dias de
hoje, a situação sofreu considerável mudança. Após intervenção da Funai e de
uma equipe do Conselho Indigenista Missionário - Cimi que atua na área desde
1991, os Pirahã passaram a ocupar os castanhais da região do Maici, coletando
diretamente o produto que trocam por farinha, munição, roupas e instrumentos
de trabalho com os comerciantes locais, numa negociação intermediada pela
equipe do Cimi.
Os Pirahã concebem o tempo como uma alternância entre duas estações bem
marcadas, definidas pela quantidade de água que cada uma possui: piaiisi
(época da seca) e piaisai (época da chuva). Essas marcações temporais
combinam-se com formas de organização espaço-sociais. Temos, portanto, uma
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Parintintin
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Parintintin
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Tor%C3%A1
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Tor%C3%A1
série de oposições concebidas a partir das relações entre tempo e espaço:
Seca Chuva
praia terra alta
casa familiar casa coletiva
concentração dispersão
abundância escassez
vida ritual vida cotidiana
A organização da vida social a partir das duas estações é projetada no espaço,
criando, assim, um tempo-espaço da praia versus um tempo-espaço da terra
alta. Os Pirahã se organizam em pequenos núcleos residenciais, cujo número
varia conforme a estação do ano. Na época da seca, encontra-se uma média de
cinco agrupamentos e, na época da chuva, 10 a 13. Estes núcleos estão
concentrados em duas áreas distintas do território, o alto e o baixo Maici,
conformando, assim, conjuntos maiores que englobam os diversos arranjos
residenciais. Os núcleos que fazem parte de um conjunto mantêm relações
pautadas pela contigüidade espacial e pelos laços de consangüinidade e
afinidade. Os conjuntos estão separados por uma distância considerável, são
praticamente independentes, com relações esporádicas entre seus membros. Por
conseguinte, as relações sociais, os casamentos, as trocas, os rituais de
congraçamento se dão no interior de um conjunto.
Foto: Adélia de Oliveira
Nos núcleos residenciais, torna-se difícil precisar o grupo doméstico ou a família
elementar como unidade de produção e consumo. O casal é a unidade mais
perceptível; por meio desta unidade a fragmentação da vida social ganha
amarração e sistematicidade. Kage é a designação para uma relação entre duas
pessoas de sexo oposto, não implicando, necessariamente, relação sexual e/ou
filhos. A autonomia do casal é evidenciada nas expedições de pesca e de coleta;
http://img.socioambiental.org/d/226417-1/piraha_6.jpg
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permanece sozinho por dias, semanas, passando, assim, a idéia de se bastar para
constituir uma vida social. Por um lado, o casal produz a fragmentação, estimula
o estilo de vida autônomo, não gregário, marcado por uma forma provisória de
viver (mudanças constantes, abrigos frágeis, bens escassos). Por outro lado, o
casal aparece como unidade fundamental, opera como um ordenador das
relações sociais, costurando, mesmo que de forma tortuosa, o tecido social.
O conjunto que engloba os núcleos residenciais do baixo Maici é o mais
populoso. A conformação destes conjuntos e sua manutenção no tempo devem-
se a três fatores: a "herança do território", a classificação dos parentes em
"próximos" e "distantes" e os casamentos, preferencialmente, contraídos no
interior dos conjuntos.
Através das noções de consangüinidade e afinidade, criam-se duas formas de
classificação distintas: os parentes distantes, os mage, e os parentes próximos, os
ahaige. A partir dessas classificações, engendram-se formas distintas de
reciprocidade e, conseqüentemente, diferenças que reproduzem níveis de
inclusão e exclusão dos núcleos residenciais ou dos conjuntos maiores.
Os arranjos matrimoniais são, também, os responsáveis pela maneira como se
organizam no espaço. Os casamentos podem ocorrer no interior de um mesmo
núcleo residencial, entre núcleos, ou até mesmo se dar entre os conjuntos.
Na sociedade Pirahã, raramente escuta-se alguém chamar ou referir-se a uma
pessoa pelos termos de parentesco; não servem de emblema para as relações
interpessoais. O fato de não serem enunciados não significa que não cumpram
uma função classificatória ou que não informem sobre o modo como essas
relações interpessoais se constróem.
Observa-se a existência de quatro termos básicos usados numa primeira
classificação do universo dos parentes. Esses termos, antepostos ou pospostos a
outras palavras produzem os modos derivados para classificar uma relação. Os
três modos derivados definem-se pela fixação de elementos (como pronome,
verbo e substantivos que definem sexo e idade) ao termo básico.
Foto: Marco Antônio Gonçalves
Pode-se incluir o sistema de parentesco pirahã numa "estrutura elementar", se
levarmos em consideração o termo ibaisi, que corresponde às primas cruzadas
bilaterais, que vem a ser o modo como os Pirahã designam a mulher com quem
se casam. No caso Pirahã,o termo ibaisi recobre as posições genealógicas
"primas cruzadas" (filha do irmão da mãe e filha da irmã do pai), e é de fato o
único traço, no nível da terminologia, que aponta, neste contexto, uma afinidade
virtual.
Um homem se relaciona com sua mãe, com a esposa do pai, com a irmã, com a
prima paralela, com a prima cruzada, com a sogra, com a cunhada, com a
esposa, com a filha e com a filha da esposa. Se considerarmos que é o homem o
responsável pela pesca e roça, principais atividades produtivas da sociedade
pirahã, tem-se que ele é o provedor de alimentos.
As relações com a mãe, irmãs, primas paralelas e cruzadas são do tipo ahaige, ou
seja, implicam que, o homem "deva pescar" para estas mulheres. Se for casado,
tal prática também se aplica à sua esposa e às suas filhas e filhas de sua esposa.
Através de sua esposa, sua sogra e suas cunhadas têm acesso ao produto de sua
pesca. Um homem jamais afirmaria que pesca para seu sogro ou para seu
cunhado, pois estes terão acesso aos produtos de sua pescaria através das
mulheres.
http://img.socioambiental.org/d/226419-1/piraha_7.jpg
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As roças estão referidas aos homens, geralmente, irmãos que se uniram para
dividir o serviço e, juntos, "comer daquela roça". Um homem terá acesso aos
produtos da roça de outro homem através de uma mulher, assim poderá comer
da roça do marido de sua mãe, do marido de sua irmã, do marido de sua filha e
do marido da filha de sua mulher.
A caça é uma atividade pouco praticada, podendo ser exercida pelos homens e
pelas mulheres. Os homens caçam com espingarda (macacos, anta, caititu,
queixada, cutia, capivara, paca) e as mulheres caçam com auxílio dos cachorros
(paca, caititu, cutia). A coleta é uma atividade cotidiana entre os Pirahã
desenvolvida tanto na época da seca quanto na época da chuva, por homens e
mulheres.
Cosmologia
O cosmos é representado de modo estratigráfico: camadas de terra sobrepostas
umas às outras, produzindo planos paralelos que não se comunicam fisicamente,
a não ser pelos seres que os habitam. O que identifica estas camadas como
pertencentes a uma mesma classe é a sua base morfológica. Cada patamar
apresenta uma morfologia própria composta por água, terra, árvores e animais,
variando apenas em forma, tamanho e número. Embora todos os patamares
sejam designados migi, "terra", a diferença entre eles é marcada pelo que
contém e o lugar que ocupam na estruturação do cosmos.
Os Pirahã admitem não saber ao certo o número de patamares. Apesar da
incerteza quanto ao número de camadas de terra que compõem o cosmos, as
pessoas reduzem essa estrutura complexa a um modelo simples, guardando
detalhes e impressões de apenas cinco patamares, que parecem constituir a
forma mínima possível para representar a cosmologia.
____________________ abaisi e ibiisi
____________________ abaisi e ibiisi
____________________ ibiisi
____________________ abaisi, kaoaiboge, toipe, ibiisi
____________________ abaisi e ibiisi
As linhas são os patamares do cosmos. Cada um deles é habitado por
determinados seres (ver nomes, à direita). O patamar intermediário é habitado
exclusivamente por seres ibiisi, os demais o são pelos abaisi e pelos ibiisi, exceto
o patamar imediatamente abaixo do intermediário, que abriga, também, os
kaoaiboge e os toipe. Ibiisi é uma designação genérica para "ser humano": são
ibiisi os Pirahã, os brancos e os outros índios. O que define um ibiisi é o fato de
ele possuir um corpo com uma forma específica. Os abaisi têm a mesma forma
geral dos ibiisi (são antropomorfos), mas ela é imperfeitamente realizada, são
seres defeituosos ou deformados. Os kaoaiboge e os toipe são transformações
póstumas dos ibiisi, habitando o patamar imediatamente abaixo do
intermediário.
Os Pirahã têm um elaborado sistema de nominação articulado diretamente à sua
cosmologia. Um Pirahã recebe o primeiro nome antes mesmo de nascer, ainda
no ventre materno. O nome que recebe tem uma estreita relação com a sua
concepção, é o nome do corpo (ibiisi). Outra fonte de nomes vem dos seres
abaisi que habitam o cosmos. Se os nomes ligados à concepção, nomes de
origem, são responsáveis pela criação de sua matéria, seu suporte, o ibiisi
(corpo), os nomes ligados aos seres abaisi estão relacionados à sua "alma",
nomes de "destino". Os mortos têm um papel importante no processo de
nominação. Se aos abaisi compete prover nomes que dão a "alma" ou a
possibilidade de destino póstumo, aos mortos, em geral, compete a
responsabilidade de comparecer ao ritual xamânico representando os nomes
dos abaisi e de passá-los, por intermédio do xamã, para os ibiisi. A crença pirahã
é de que, ao possuir um nome de abaisi, estará assegurada a transformação em
kaoaiboge e toipe, cada qual podendo ter, assim, um destino.
Cada nome de abaisi que um indivíduo possui refere-se à possibilidade de se
transformar em dois seres, denominados kaoaiboge e toipe. Kaoaiboge é um ser
pacífico, que se alimenta de frutas e peixes, vítima canibal dos toipe. Assim, se
um indivíduo tem oito nomes de abaisi terá, certamente, seu destino assegurado
através da transformação em oito kaoaiboge e oito toipe. A relação com os
inimigos é uma fonte de nomes. Segundo os pirahã, existiu na sua sociedade
uma classe de pessoas designada euebihiai. Essa categoria compreendia os
guerreiros/matadores que tinham como principal objetivo o assassinato de
inimigos e a caça, provendo o alimento ritual a ser consumido. O inimigo
produzia nome, a caça não, mas ambos eram tratados da mesma forma nos
rituais realizados para a sua ingestão. Os matadores observavam
cuidadosamente o inimigo antes de matá-lo para nominá-lo. O matador, então,
dava ao inimigo o nome de abaisi que um morto possuíra. Vê-se que a lógica
desse tipo de prática onomástica baseava-se na semelhança física de corpos:
corpo de inimigo e corpo de um pirahã morto. Corpos iguais, nomes iguais. Essa
lógica é empregada até hoje para a nominação dos estrangeiros. O euebihiai ao
matar o inimigo apossava-se do seu nome. Guardava para si ou o transmitia a
outros pirahã.
Ritual e xamanismo
Classificamos como pertencentes ao plano ritual todas as ações que põem em
relação os ibiisi com os abaisi e com os kaoaiboge e toipe. São dois os tipos de
rituais: o xamanismo e a festa. Ambos têm a intenção de colocar em relação o
domínio social com o do sobrenatural, mas o xamanismo é o ritual privilegiado
pela sociedade, enquanto as festas, qualificadas de "grandes" e "pequenas", são
rituais complementares.
O xamanismo materializa o processo de interação entre os ibiisi e os abaisi e/ou
entre os ibiisi e os abaisi e os kaoaiboge e toipe. É por meio do xamã e de sua
performance que o encontro ganha dramaticidade e sustentação. O xamã "troca
de lugar" com os abaisi ou com os mortos visitando os seus respectivos
patamares enquanto estes vêm ao patamar pirahã. O desempenho do xamã
permite à sociedade o aumento e o resgate do patrimônio onomástico. O
xamanismo é uma possibilidade de fornecimento de nomes "novos" à sociedade.
Sua inserção no complexo onomástico se faz a partir da apresentação de nomes
de abaisi aos ibiisi para que estes os utilizem, posteriormente, na nominação.
Assim, o xamã é a base do ritual, ser único que é capaz de representar, a cada
sessão, toda a cosmologia.
A "Festa Pequena" e a "Festa Grande" têm a mesma justificativa de existência:
colocar o cosmos em operação. Na percepção pirahã, ambos rituais são
realizados com a intenção de provocar ruídos, fazer barulho, para que o
demiurgo Igagai, localizado no segundo patamar celeste, possa ouvi-los,
cientificar-se de sua existência e do lugar exato aonde se encontram. O receio
dos Pirahã de não serem localizados por Igagai pode ser interpretado como um
temor de que se repita o que está contido no fragmento mítico que narra a
destruição do mundo. A destruição do mundo deveu-se, em última instância, ao
fato de Igagai ignorar onde os pirahã estavam. Foi somente com o choro das
mulheres, que restaram sozinhas e sem o fogo, que Igagaipôde, então, escutar,
localizar e iniciar a reconstrução do mundo. Ambos os rituais são
preferencialmente realizados em época de lua cheia. A lua cheia é interpretada
pelos pirahã como o forno onde Igagai torra a sua farinha. Entendemos que a
realização do ritual no período da lua cheia seja uma tentativa de que, ao
localizar Igagai sob a lua cheia, este possa, também, localizar os pirahã.
Fontes de informação
• EVERETT, Daniel Leonard. Aspectos da fonologia Pirahã. Campinas :
Unicamp, 1980. 142 p. (Dissertação de Mestrado)
• --------. Dialogue and selection of data for grammar. In: DASCAL, M.
(Org.). Dialoguer an interdiciplinary approach. Amsterdan : John
Benjamins Pu, 1985.
• --------. A língua pirahã e a teoria da sintaxe : descrição, perspectivas e
teoria. Campinas : Unicamp, 1991. 400 p. (Línguas Indígenas).
Originalmente Tese de Doutorado, Unicamp, 1983.
• --------. Pirahã clitic doubling. Natural Languages and Linguistic Theory,
s.l. : s.ed., n. 4, p. 4, 1986.
• GONÇALVES, Marco Antônio Teixeira. O mundo inacabado : ação e
criação em uma cosmologia amazônica. Rio de Janeiro : UFRJ, 2001.
• --------. Um mundo inacabado : cosmologia e sociedade Pirahã. Rio de
Janeiro : UFRJ-Museu Nacional, 1995. 337 p. (Tese de Doutorado)
• --------. Mura-Pirahã : castanha por cachaça. In: RICARDO, Carlos Alberto
(Ed.). Povos Indígenas no Brasil : 1987/88/89/90. São Paulo : Cedi, 1991.
p. 300-1. (Aconteceu Especial, 18)
• --------. Nomes e cosmos: onomástica entre os Mura-Pirahã. Rio de
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