Buscar

Karitiana - Povos Indígenas no Brasil

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 25 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 25 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 25 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

Karitiana - Povos Indígenas no Brasil
Os Karitiana constituem um dos muitos grupos do estado de Rondônia ainda
pouco estudados pela Antropologia. Nos últimos anos, suas principais batalhas
em nome de sua reprodução física e sócio-cultural têm sido a reivindicação do
reestudo dos limites de sua Terra Indígena e o investimento na educação
escolar, como forma de reforçar o ensino da língua karitiana – a única
remanescente da família lingüística Arikém –, bem como de valorização dos
costumes e histórias que os particularizam como povo.
Denominação e população
Rapaz karitiana trançando uma peça de cestaria a ser
comercializada. Foto: Felipe Ferreira Vander Velden, 2003.
Não se conhece a origem ou a etimologia da palavra Karitiana, que os próprios
índios afirmam ter-lhes sido atribuída por seringueiros que penetraram seu
território no final do século XIX e início do século XX. Os Karitiana
denominam-se simplesmente Yjxa, pronome da primeira pessoa do plural
inclusivo – “nós”, também traduzido como “gente” –, em oposição aos Opok, os
“não-índios” em geral, e aos opok pita, os “outros índios”.
A população Karitiana atual é de cerca de 320 pessoas (comunicação pessoal,
Nelson Karitiana). Em agosto de 2003, Felipe Ferreira Vander Velden realizou
http://img.socioambiental.org/d/213009-1/karitiana_2.jpg
http://img.socioambiental.org/d/213009-1/karitiana_2.jpg
um recenseamento que registrou 270 pessoas, das quais cerca de 230 residiam
na aldeia Karitiana, ao passo que os outros 40 estavam distribuídos nas cidades
de Porto Velho e Cacoal.
A depressão demográfica do passado [ver item Histórico do contato] foi
revertida com sucesso e, nos últimos trinta anos a população Karitiana vem
crescendo de forma espetacular. Os dados comprovam: 
População Ano Fonte
64 1970 Monteiro 1984
65 1973 D.Landin & R.Landin 1973
78 1976 D.Landin 1988
109 1983 Leonel & Junqueira 1983
168 1994 Lúcio 1996
185 1997 Storto 1997
220 1999 ISA 2000
270 2003 Vander Velden 2004
320 2005 Nelson Karitiana (com. pessoal)
Ou seja, somente na última década (até o censo de Vander Velden) a população
Karitiana cresceu em 60%! Uma rápida visita à aldeia surpreende pelo elevado
número de recém-nascidos e crianças, bem como de mulheres grávidas. Os
Karitiana observam com alegria e contentamento a superação das antigas
perspectivas de extermínio, apontando para um posicionamento ativo do grupo
que, mesmo conhecendo técnicas anti-concepcionais, as teriam abolido como
forma de fazer crescer novamente a população.
Histórico do contato
A fotografia mais antiga de que se tem notícia de um Karitiana. Foto:
membro da Expedição de Carlos Chagas à Amazônia, 1912.
Muito pouco se sabe da história dos Karitiana antes do despontar do século XX.
A primeira referência a esse grupo na literatura data de 1909, pelo capitão
Manoel Teophilo da Costa Pinheiro, um dos membros da Comissão Rondon; em
1910 o próprio Marechal Rondon menciona os Karitiana, então nas imediações
do médio rio Jaci-Paraná: estes são os dados anotados por Curt Nimuendajú no
seu Mapa Etno-histórico. Entretanto, ao que parece, os primeiros contatos com
os brancos teriam ocorrido ainda no final do século XVIII, e intensificados com a
chegada maciça de seringueiros e caucheiros em fins do século XIX. Todavia, os
Karitiana permaneceram arredios ao contato sistemático até os anos 50, e a
http://img.socioambiental.org/d/213016-1/karitiana_3.jpg
http://img.socioambiental.org/d/213016-1/karitiana_3.jpg
presença dos brancos tornou-se permanente apenas a partir de meados desta
década, com a intervenção do SPI e de missionários salesianos.
O grupo parece ter apresentado notável mobilidade no transcorrer do século
XX, possivelmente pressionado pelas frentes de penetração da sociedade
envolvente. Se a referência do capitão Manoel da Costa Pinheiro indica a
presença dos Karitiana no Jaci-Paraná em 1909, um mapa esboçado por
J.Barboza em 1927 localiza os Karitiana na margem esquerda do médio e baixo
Candeias, entre este rio e o Jaci-Paraná; a área compreendida entre os rios
Candeias e Jamari, importantes afluentes da margem direita do rio Madeira, é
declarada território dos Arikém (Ariquême). Nesta mesma área, em 1948 os
registros da 9a. Inspetoria Regional do SPI situam os Karitiana ligeiramente
mais para o leste. Entre 1950 e 53 eles são localizados no médio rio Candeias, no
que parecia ser uma nova movimentação rumo ao ocidente; provavelmente nas
proximidades deste local o grupo recebeu a visita de três padres salesianos em
1958. Ainda mais ao poente, em 1967-69 o Posto Indígena Karitiana foi
instalado, no alto rio das Garças. Aparentemente, alguns anos depois o grupo
dirigiu-se um pouco mais para o oeste, vindo a ocupar o sítio atual, às margens
do igarapé Sapoti.
De acordo com suas narrativas históricas, os Karitiana experimentaram um
brutal declínio demográfico após o contato com os brancos; Darcy Ribeiro
considerou-os extintos em 1957. Tal situação levou o grupo a medidas extremas
para evitar sua completa extinção. Primeiro, um antigo líder, Antônio Morais,
teria desposado várias mulheres Karitiana (7 ou 10, de acordo com diferentes
versões), inclusive algumas em princípio interditas pelas regras matrimoniais.
Este evento acabou por gerar uma população densamente relacionada do ponto
de vista genealógico e também genético: um estudo da Universidade Federal do
Pará, de 1991, demonstrou que o coeficiente de consangüinidade médio – que
mede o grau de parentesco genético de uma população – dos Karitiana é de
0,142 (entre primos de primeiro grau este valor é de 0,125). Todos os Karitiana
menores de 16 anos, ainda segundo a pesquisa, descendem do chefe Morais,
muitas vezes por diferentes vias genealógicas.
O grupo liderado pelo chefe Morais mantinha-se no médio Candeias,
trabalhando para um seringueiro em troca de bens industrializados. Em algum
momento, possivelmente por volta dos anos 1930 ou 40, este grupo deixou a
região, repudiando o contato com os brancos. Dirigiram-se para o oeste,
encontrando um outro grupo – chamado Capivari ou Joari, segundo versões
diversas – dos quais provavelmente se separaram nos momentos iniciais do
contato, no começo do século XX (os Karitiana, ao narrarem o episódio do
encontro, sublinham a possibilidade de comunicação, uma vez que os dois
grupos falariam a mesma língua). Os dois grupos reuniram-se na área
atualmente ocupada pelos Karitiana, que eles reconhecem, hoje, como o antigo
território Capivari\Joari. Nesta região retomaram o contato com os brancos, no
final da década de 50. Suas tradições históricas sublinham a vital importância do
encontro entre os dois grupos: com as populações de ambos os grupos muito
reduzidas, os casais formados após a união mostraram-se fundamentais para a
posterior recuperação demográfica e cultural do povo.
Desconhece-se a razão pela qual o grupo formado a partir da reunião de
Karitiana e Capivari\Joari preservou a denominação dos primeiros, mas é
provável, a crer nas memórias atuais, que Antônio Morais tenha se tornado um
doador pródigo de mulheres – pois os Karitiana contam que Morais buscara
entre os Capivari\Joari homens que desposassem suas muitas filhas – e seu
prestígio tenha crescido enormemente em função dos muitos genros que trouxe
para sua órbita; ao mesmo tempo, Morais já era um líder conhecido na região à
época dos primeiros contatos permanentes com os brancos, peça-chave na
mediação entre estes e os Karitiana: em 1957 foi levado a Porto Velho com seu
filho José Pereira, e os dois teriam sido os primeiros Karitiana batizados,
conforme o registro existente na Catedral da capital rondoniense.
A terra indígena e a aldeia
Casa karitiana na aldeia Kyõwã. Foto: Felipe Ferreira Vander Velden,
2003.
A Terra Indígena Karitiana apresenta-se como um quadrilátero localizado
inteiramente no município de Porto Velho, estado de Rondônia. Uma porção
considerável do leste do território homologado incide sobre a Floresta Nacional
do Bom Futuro.
A área apresenta cobertura vegetal do tipo floresta ombrófila aberta,com alguns
trechos de floresta ombrófila fechada. Cortado por inúmeros igarapés afluentes
do rio Candeias, o terreno eleva-se na direção leste, onde está a Serra Morais,
local de importância histórica e simbólica para os Karitiana. Esta área foi
deixada de fora da terra demarcada, assim como todo o território que se estende
dos limites da área indígena até o rio Candeias, e entre este e o rio Jamari, que
os Karitiana apontam como território tradicional do grupo e almejam, algum
dia, recuperar. A recente tentativa (2003) de reocupar a área a partir da
instalação de uma aldeia às margens do Candeias – fora, portanto, da
demarcação atual – e da criação de um GT da Funai para estudar a ampliação do
território foi violentamente frustrada por fazendeiros locais que atearam fogo à
maloca, destruindo-a (em setembro de 2003).
No momento, a Terra Indígena Karitiana apresenta-se livre de invasões. Num
http://img.socioambiental.org/d/213022-1/karitiana_4.jpg
http://img.socioambiental.org/d/213022-1/karitiana_4.jpg
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-indigenas/3725
https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-indigenas/3725
passado recente, foi alvo da exploração madeireira e mineradora (cassiterita).
Fazendas de gado cercam os limites setentrionais da área, mas o perímetro
restante é integralmente ocupado pela mata.
Distante aproximadamente 100 km de Porto Velho, o acesso à única aldeia
Karitiana é feito pelo asfalto da BR-364. Na altura do quilômetro 50 da rodovia
inicia-se uma estrada de terra de cerca de 45 km que leva, pelo meio da floresta,
à aldeia.
A aldeia atual – Kyõwã, literalmente “boca [sorriso] de criança”, “pois a aldeia é
bonitinha como sorriso de criança” –, é dividida ao meio pelo igarapé Sapoti,
afluente do rio Candeias. Na margem esquerda do igarapé, onde desemboca a
estrada de acesso à aldeia, localizam-se a sede administrativa e as estruturas
instaladas pela Funai, além das residências de parte das famílias. Na margem
direita do igarapé, está situada a maior parte das residências familiares.
As casas karitiana atuais seguem o modelo regional, de duas águas, mas a
matéria de sua construção varia: há moradias de madeira, de taipa e mesmo
algumas construções de alvenaria. As construções antigas, erguidas com troncos,
cipó e palha de babaçu– ambi atyna, “casa redonda” – foram abandonadas há
algumas décadas, mas os Karitiana orgulham-se de recordar sua construção: há
duas delas na aldeia, na extremidade meridional de cada uma das margens do
igarapé; a da margem direita é bem maior e representa, aos olhos dos índios,
modelo fiel das casas de antigamente, aquele ensinado aos índios por Botyj a
divindade criadora.
Construídas com esforço demorado de alguns mais velhos, essas imponentes
construções funcionam, hoje, não mais como moradias, mas como “igrejas” (o
termo é dos Karitiana): reinterpretadas à luz da oposição religiosa que cinde os
Karitiana atualmente, as ambi atyna são, hoje, literalmente, “casas de Deus”. No
passado, dizem, abrigavam uma família extensa organizada em torno de um
homem de prestígio – “chefe” –, que com sua família ocupava a porção mais
distante da porta; os homens casados situavam-se na parte central, e os jovens
solteiros junto à entrada. As residências atuais abrigam, em sua maioria, uma
família conjugal.
A proximidade com Porto Velho resulta em intensa mobilidade dos índios, que
visitam freqüentemente a cidade em busca, sobretudo, da Funai e dos serviços
de saúde. O órgão indigenista mantém alojamentos anexos ao seu prédio
principal – a Casa do Índio – quase sempre ocupada por uma ou mais famílias
karitiana de passagem por Porto Velho. O transporte é facilitado pelas viaturas
da Funasa, da Cunpir (Coordenação das Organizações Indígenas de Rondônia e
Oeste do Mato Grosso, entidade que integra as numerosas associações indígenas
na região), do Cimi-RO e da própria Funai que, ao menos uma vez na semana,
cumprem o trajeto entre a aldeia e a capital.
Por esta razão, os Karitiana contam com um sistema de atendimento à saúde
razoavelmente eficaz. O posto médico possui material e medicamentos básicos
para atendimento local, e – isso é importante reter – é administrado por uma
auxiliar de enfermagem e dois agentes de saúde, todos Karitiana. Alguns jovens
resolveram dedicar-se ao aprendizado de conceitos básicos de enfermagem, com
o objetivo de que a comunidade se tornasse independente de enfermeiros
brancos. A enfermaria local fica por vários meses nas mãos dos membros da
comunidade, que sabem administrar remédios para as principais doenças e a
diagnosticar os casos de malária de forma mais exata, através da leitura de
lâminas de sangue. Os casos mais complicados são encaminhados para Porto
Velho. No entanto, muito resta por ser feito. A ocorrência de malária, por
exemplo, ainda é bastante elevada: como se sabe, Rondônia registra uma das
taxas mais altas de incidência da doença no Brasil.
Atividades econômicas
Mulher karitiana preparando a farinha de milho. Foto: Felipe
Ferreira Vander Velden, 2003.
Os Karitiana são, ainda hoje, agricultores, caçadores e pescadores. A agricultura
de coivara – sobretudo macaxeira, milho, arroz, feijão e café – é realizada nas
terras ao redor da aldeia, pelas unidades familiares, o que não exclui a troca de
trabalho entre famílias. Nos roçados, algumas famílias mantêm casas –
chamadas “sítios” – para onde se transferem por vários dias na ocasião da
intensificação das atividades agrícolas. Da agricultura ocupam-se homens e
mulheres, ainda que a derrubada e a queima dos terrenos caiba exclusivamente
aos homens (um mito, recolhido por Rachel Landin, destaca o grande perigo
associado a esta atividade). Ao redor das residências cada família mantém o que
denominam de “quintais”, onde são plantadas sobretudo fruteiras, cuja
diversidade é bastante grande.
A caça é uma atividade eminentemente masculina. Os homens em geral caçam
sozinhos, ou em grupos de dois ou três; utilizam armas de fogo, ainda que
alguns mais velhos afirmem ainda utilizar arco e flechas. Armadilhas diversas
http://img.socioambiental.org/d/213025-1/karitiana_5.jpg
http://img.socioambiental.org/d/213025-1/karitiana_5.jpg
também são utilizadas. Os Karitiana dizem que a carne de macaco é a “carne
primeira dos índios”, a mais apreciada. Macaco-preto, macaco-prego, queixada,
caititu, paca, cutia, veado (roxo e capoeira) e diversas aves (especialmente
mutum, tucano, jacu e diferentes espécies de nambu) são os principais animais
caçados.
A pesca é, em geral, uma atividade coletiva, que envolve também crianças. É
realizada com redes, anzol e arco e flechas. Nos meses de seca aguda – agosto e
setembro –, em que o volume dos igarapés reduz-se drasticamente, organizam-
se pescas com timbó. Nesta época a abundância de pescado possibilita a
realização de um dos principais rituais karitiana, a festa da jatuarana, um peixe
muito apreciado.
É preciso destacar que a intenção dos Karitiana de recuperar ao menos parte de
seu território tradicional, com a ampliação da Terra Indígena, além da
importância histórica e simbólica, remete também a uma preocupação de ordem
prática. Todos na aldeia são unânimes em destacar o esgotamento das reservas
de caça e pesca no interior da área: as expedições têm chegado cada vez mais
longe, muitas vezes extrapolando os limites demarcados; e os resultados têm
sido mais e mais desapontadores. De todo modo, a ampliação do território
garantiria aos Karitiana uma reserva inestimável de recursos, necessária ao
bem-estar do grupo.
A dependência de gêneros alimentícios e bens industrializados leva os Karitiana
a comercializarem parte dos produtos de suas atividades na cidade. Milho, café e
feijão – além de algumas frutas como a laranja e o açaí – são os principais
gêneros que, em Porto Velho, encontram fácil comprador. O artesanato –
bastante diversificado e produzido por todas as famílias da aldeia – é
comercializado nas dependências da Associação do Povo Karitiana (Akot
Pytim’adnipa), com sede própria, ou em feiras permanentes e esporádicas de
artesanatona capital de Rondônia e outras cidades da região. O volume de
vendas, contudo, é pequeno, em função, principalmente, do reduzido fluxo de
turistas que visitam Porto Velho. Por esta razão, os Karitiana vêm buscando
alternativas para expandir as praças de comercialização de sua cultura material.
O modelo de apropriação dos lucros obtidos na cidade espelha aquele das
atividades produtivas: cabe a cada produtor e sua família o resultado monetário
da venda dos gêneros agrícolas: isso porque o artesanato é uma atividade da
qual se ocupam homens, mulheres e crianças. O mesmo pode ser dito do
comércio do produto – as etiquetas de identificação e preço das peças em
exposição trazem sempre o nome do artesão –, ainda que uma pequena parcela
do valor seja retido pela Associação, que assim mantém-se em funcionamento.
Esta prerrogativa da Associação aponta, ainda, para uma tentativa, entre os
Karitiana, de administrarem coletivamente os problemas que se apresentam
hoje. No entanto, se a iniciativa de assembléias gerais do povo – realizadas na
aldeia, com a presença de praticamente todos os adultos – cabe aos jovens
dirigentes da Associação, durante as reuniões a estrutura política vigente na
aldeia é desvelada na crucial importância dos discursos dos homens mais velhos
– especialmente do pajé e do chefe tradicional, byj – e na participação ativa das
mulheres no processo decisório
Biopirataria e coleta irregular de material
biomédico
Banho de rio na TI Karitiana. Foto: Felipe Ferreira Vander Velden,
2003.
Os Karitiana, assim como os Suruí, foram arrebatados na corrida pela
diversidade e riqueza genética que varreu a Amazônia desde o final dos anos
1980. Tiveram amostras de seus corpos coletadas em duas ocasiões, eventos que,
ainda hoje, têm implicações significativas para a história e a concepção karitiana
dos seus relacionamentos com o mundo dos brancos.
A notícia de que dez amostras de DNA e linhagens celulares karitiana, e também
suruí, estavam sendo comercializadas na internet pela Coriell Cell Repositories
(CCR) explodiu em 1996, após a denúncia feita por Ricardo Ventura Santos e
Carlos Coimbra Jr., que visitaram o stand da instituição na feira paralela ao
congresso da Associação Norte-Americana de Antropólogos Físicos ocorrido em
abril daquele mesmo ano. Material genético de 15 populações procedentes de
várias partes do globo encontrava-se – e ainda encontra-se – disponível para
venda na página da '''Coriell''' na internet , os preços variando entre US$ 85
(para cultura de células) e US$ 55 (para amostras de DNA). O material
permanece estocado na sede da empresa sob a rubrica “Human Variation
Collection” ou “Human Diversity Collection”, e procede das amostras coletadas
no âmbito do Projeto Diversidade do Genoma Humano (HGDP) que, no rastro
do Projeto do Genoma Humano (HGP), propôs um grande banco de dados sobre
a variedade das estruturas genéticas das mais diversas populações indígenas do
http://img.socioambiental.org/d/213031-1/karitiana_6.jpg
http://img.socioambiental.org/d/213031-1/karitiana_6.jpg
http://ccr.coriell.org/nigms/nigms_cgi/hdc.cgi?cKaritiana
http://ccr.coriell.org/nigms/nigms_cgi/hdc.cgi?cKaritiana
planeta. A notícia logo ganhou destaque em numerosos jornais brasileiros, e foi
seguida por um amplo debate que envolveu a Funai, o Congresso Nacional e
diferentes entidades de defesa dos direitos indígenas, bem como os próprios
índios. No entanto, muitas das informações veiculadas na imprensa eram
desencontradas, e ainda hoje restam algumas dúvidas sobre a trajetória das
amostras de sangue das aldeias amazônicas até seu processamento e
comercialização na internet.
Ao que tudo indica, as cinco amostras de sangue karitiana e outras cinco de
sangue suruí estocadas e vendidas pela CCR foram extraídas em 1987 pelo
geneticista Francis Black, um dos autores de um artigo de 1991, em que a coleta
das amostras de sangue dos dois grupos é a ele creditada. Este material teria
sido estocado em laboratórios das universidades de Stanford e Yale nos Estados
Unidos, e estariam aos cuidados do Dr. Kenneth Kidd, de Yale (Folha de São
Paulo, 01/06/97).
Entre 03 e 13 de julho de 1996 ocorreu a segunda coleta de sangue. Nesta
ocasião, uma equipe de televisão britânica, acompanha de três brasileiros,
solicitou autorização da Funai para ingresso na Terra Indígena Karitiana com o
propósito de produzir um documentário sobre a “importância cultural” do
mapinguari, lendária criatura monstruosa presente na cosmologia de muitos
grupos indígenas na Amazônia. Em 19 de setembro do mesmo ano, os Karitiana
endereçaram carta ao Procurador da República no Estado de Rondônia
denunciando que a equipe de brasileiros coletou amostras de sangue de todos os
índios – tanto na aldeia quanto na Casa do Índio em Porto Velho – “para exames
de anemia, vermes e malária”.
O fato da coleta irregular de sangue por parte desta equipe ter ocorrido na
mesma época da denúncia da comercialização das amostras genéticas pela
internet levou a uma ampla confusão entre os dois casos. Levantou-se,
imediatamente, a hipótese de que o sangue coletado pelos médicos brasileiros
em 1996 fora vendido para a Coriell Cell Repositories. Logo após as denúncias
pipocarem na imprensa, o Ministério das Relações Exteriores, através da
Embaixada do Brasil nos EUA, solicitou à empresa norte-americana informações
sobre o material comercializado. O Dr. Richard Mullivor, então diretor da CCR,
informou que as amostras dos dois grupos indígenas brasileiros foram doadas
pelo pesquisador Kenneth Kidd, então titular do Departamento de Genética da
Universidade de Yale, e que teriam sido coletadas em campo há “vários anos por
antropólogos” que teriam observado as regras do “consentimento informado”
por parte dos “doadores” (os termos são assim citados no relatório da Comissão
da Biopirataria na Amazônia, em que a Câmara dos Deputados apresenta os
resultados das investigações sobre casos de pirataria de recursos biológicos e
genéticos amazônicos). Mullivor afirmou, ainda, que as amostras não eram
comercializadas pela CCR, uma vez que esta seria instituição sem fins lucrativos:
os valores cobrados pelo material na página virtual da Coriell fariam referência,
apenas, aos custos de sua embalagem e envio a pesquisadores do mundo todo.
Em um comunicado à imprensa, datado de 11 de junho de 1997, o médico
brasileiro que acompanhou os cinegrafistas britânicos defendeu-se das
acusações denunciadas pelos jornais, afirmando que a coleta de sangue deveu-se
a uma preocupação com o precário estado de saúde dos Karitiana e uma
vontade de trazer melhorias para o grupo, a partir de exames sobre o material
recolhido.
O médico informou, ainda na mesma carta, que todo o material que coletou
permanecia depositado em laboratório na Universidade Federal do Pará, não
tendo qualquer conexão com as amostras comercializadas pela Coriell; estas
teriam sido coletadas, diz o médico, “na década de 70 [sic] por pesquisadores
Norte-Americanos [sic], com o consentimento da Funai”. E, mais ainda, que os
exames prometidos aos Karitiana não foram devolvidos em função das precárias
condições de transporte e armazenamento do material, que sofrera rápida
deterioração e não pudera ser analisado.
Não obstante, o Ministério Público Federal abriu Ação Civil Pública contra dois
dos brasileiros que acompanharam os ingleses, estipulando uma indenização em
favor da comunidade Karitiana. A ação requer, ainda, o completo impedimento
da alienação do material coletado entre os índios por parte dos pesquisadores.
Há de se perguntar, entretanto, como os Karitiana experimentaram estes dois
eventos, e de que modo construíram uma interpretação particular sobre eles.
O caso na perspectiva dos Karitiana
Uma das versões do mito de Byjyty, neto de Botyj, o Deus “maior, chefão” –
coletada em português, com dois informantes, em junho de 2003 –, reconta uma
história de perdas diante do contato com os brancos, ainda que coloque os
Karitiana como os principais responsáveis pelo seu infortúnio. No “tempo
antigamente” – formaKaritiana de, em português, estabelecer a fratura entre o
tempo atual e o tempo mítico ou a história antiga –, Byjyty vivia entre os
Karitiana. Certo dia avisou aos índios que morreria e pouco depois voltaria na
forma de uma grande ave que os Karitiana não deveriam matar; morreu e foi
enterrado dentro da maloca. Seu espírito retornou – como alertara, na forma de
um jaburu –, e pousou em cima da maloca. Entretanto, os índios esqueceram-se
do aviso de Byjyty e mataram o pássaro. Foram, então, punidos pelo seu
“pecado”: Byjyty se foi para sempre, e nasceu de novo entre os brancos. Fora
Byjyty que tirara, tempos antes, os brancos de dentro da “água grande”, dos
domínios de Ora, “chefão das águas” e irmão de seu avô. Para os brancos Byjyty
transmitiu toda a sua sabedoria. Caso não tivessem “errado” ao matarem o
pássaro, Byjyty teria nascido de novo entre os índios, e hoje eles teriam todos os
cobiçados bens de que dispõem os brancos.
O comentário Karitiana acerca deste mito sugere o sofrimento experimentado
pelos Karitiana ao longo de décadas de convivência com os homens brancos. Em
paralelo, alinha-se uma coleção de narrativas que detalham a abundância do
“tempo antigamente” e a trajetória de declínio inaugurada com o contato,
sobretudo no que tange à radical depressão demográfica que sofreram e ao
surgimento de doenças desconhecidas e muito mais agressivas. Os dois eventos
de coleta de sangue entre os Karitiana devem ser vistos da perspectiva destas
narrativas.
A etnografia Karitiana faz referência anterior a pouca profundidade da memória
nesta sociedade. Com efeito, os Karitiana não se recordam com precisão do
evento de 1987 que, para eles, parece estar na categoria temporal estabelecida
pelas expressões “tempo” ou “era tempo”, que aparentemente compreende o
período entre o presente e passado imediato e o passado remoto, mítico e
histórico. Há algumas informações fragmentadas, oferecidas por algumas
pessoas, sobre a visita, “faz muitos anos”, de dois “americanos magros, de
barriga funda, barriga de sapo”. Nesta época a escola da aldeia ainda nem estava
completa, “era pequena ainda”. Os “americanos” vieram em dois aviões e
coletaram o sangue na enfermaria. Isto teria ocorrido em 1984 ou 1985, de
acordo com alguns Karitiana, e as referências à idade que tinham na época do
evento – marco temporal comum – apontam também para a segunda metade da
década de 80.
Do evento de 1996 muitos Karitiana recordam-se com precisão, mesmo porque
já se fez acompanhar de uma manifestação positiva do grupo frente ao que
consideraram lesivo aos seus interesses, e este posicionamento encontrou
reverberação nas preocupações da Funai, do Ministério Público, de outros
pesquisadores e da sociedade em geral quanto à biopirataria e ao acesso de
pesquisadores mal-intencionados a áreas indígenas. Os índios contam que o
médico brasileiro e uma equipe de “americanos” vieram até a aldeia e disseram
que coletariam sangue para fazer exames, e que depois disso enviariam, todo
mês, remédios para a comunidade. Durante dois dias todos os moradores da
aldeia, até mesmo crianças, compareceram ao posto de saúde local, onde cada
um teve duas ampolas de vidro de “sangue puro” retiradas, o suficiente para
encher duas caixas grandes de isopor, que depois foram levadas. Na ocasião os
médicos teriam distribuído bombons às crianças e chocolates aos adultos, o que
deve ter conferido ao episódio ares de festa. Os Karitiana relembram a
relutância de alguns em ceder o sangue, posteriormente convencidos diante da
sedutora proposta de ter seu acesso aos serviços de saúde ampliados. No
entanto, as promessas feitas pelos pesquisadores jamais foram cumpridas, de
acordo com os Karitiana, e esse é o maior motivo de revolta: após saírem da
área, os médicos nunca retornaram, e nem chegaram até a aldeia os tão
esperados medicamentos.
Há, na cosmologia Karitiana, uma série de elementos que permitem caracterizar
a problemática imposta pela retirada do sangue e a estocagem de amostras do
material, sobretudo no tocante aos perigos associados ao sangue fora do corpo,
especialmente na situação deste sangue que, no caso de pessoas já falecidas,
resta insepulto. Os aspectos poluentes do sangue são enfatizados,
aparentemente, na inutilidade da simples devolução do material: este seria o
caminho lógico aos olhos dos Karitiana, que não entendem os motivos que
acompanham a coleta de material biológico humano e o potencial científico e
mercadológico nela envolvidos. Mas, ao mesmo tempo, é evidente a
impossibilidade de ele ser reutilizado, recolocado nos corpos: o sangue retirado
está “frio”, é sangue morto e, além disso, há o temor de que seu sangue tenha
sido misturado com o sangue de outras pessoas e com sangue de animais –
“cachorro, boi e burro”, animais introduzidos pelos brancos e tratados com certa
ambigüidade pelos índios – e que, por isso, esteja “sujo”, ao contrário do sangue
que circula nos corpos vivos, “puro” e “limpo”.
Por esta razão, os Karitiana falam em indenização pelo sangue “roubado” (o
termo é deles): eles querem dinheiro. Tendo percebido que o sangue, signo em
seu código cosmológico, foi mercantilizado, os Karitiana conceberam a
contrapartida em mercadoria como tradução mais adequada para tornar
mutuamente inteligíveis o confronto entre sua cosmologia e uma “cosmologia do
capitalismo”.
A coleta irregular de seu sangue terá sido, portanto, uma afronta às concepções
simbólicas Karitiana acerca do corpo e de seu funcionamento regular.
Entretanto, mais do que isso, tratou-se de uma ofensa moral grave: os Karitiana
falam sobre os tasoty literalmente “homens grandes”, não apenas no tamanho
físico, mas, sobretudo, na sabedoria, no pensamento e no trabalho: o “homem
grande” é aquele que não tem o “pensamento num só caminho”, mas o “espalha
em todas as direções”, homem que tem sabedoria e responsabilidade. Em suma,
o modelo de personalidade social adequada e respeitada: o homem que “fala
bem com as pessoas”, recebe-as com presteza em sua casa, não “conta mentiras
ou pensa e faz mal” a outrem, e respeita as regras da reciprocidade, tão
importantes para o grupo.
Muitos brancos estão nesta categoria, pois a eles são creditados longos anos de
estudo e vasto conhecimento. É, pois, com incredulidade e resignação que os
Karitiana refletem sobre a traição de que foram vítimas, posto que jamais
poderiam esperar conduta tão desviada por parte de tasoty, sobretudo por parte
de médicos, cuja confiança é fundamental e foi, possivelmente, alimentada pela
razoável eficiência dos serviços de saúde oferecidos aos Karitiana na aldeia e em
Porto Velho. Uma quebra da ética da dádiva, fundada no intercâmbio entre o
sangue coletado em diferentes contextos e os remédios e a assistência médica –
intercâmbio já há muito estabelecido entre os Karitiana – que deixou um forte
ressentimento e a necessidade de recuperar, de alguma forma, o que se foi.
Refeição comunal na aldeia Kyõwã. foto: Felipe Ferreira Vander
Velden, 2003.
É impossível falar da organização social dos Karitiana hoje sem abordar a cisão
religiosa que caracteriza o grupo. Entre 1972 e 1978 o casal de missionários
David e Rachel Landin, ligados ao Summer Institute of Linguistics, residiu entre
os Karitiana, com o objetivo de estudar sua língua para, em seguida, efetuar a
tradução do Novo Testamento. O trabalho de conversão, entretanto, teve
resultados apenas parciais, o que pode ser aferido atualmente: com efeito, a
comunidade é dividida em dois grupos distintos – correspondendo, cada um, a
aproximadamente metade da população da aldeia –, que identificaremos como
“povo do pajé (xamã)” e “povo do pastor” ou “crentes”. Note-se que há,
atualmente, um único xamã (que eles denominam “pajé”) entre os Karitiana; os
pastores são três – embora possam ser substituídos por outros indivíduos
treinados –, e cada um deles “possui” uma das três “igrejas” existentes na aldeia.
Os Karitiana enfatizam o pouco rendimento sociológico desta oposição, dizendo
que “são os ‘espíritos’ – Jesus, entre os “crentes” e Itamama, para os“do pajé” –
que não se gostam”, e que na vida cotidiana as pessoas relacionam-se
http://img.socioambiental.org/d/213034-1/karitiana_7.jpg
http://img.socioambiental.org/d/213034-1/karitiana_7.jpg
normalmente: casam-se, trabalham, divertem-se. Entretanto, esta oposição,
expressa no nível do sobrenatural, se indica uma diferenciação notável no
universo simbólico, também não deixa de apontar implicações sociológicas e
políticas importantes.
Assim sendo, é forçoso constatar que a cisão religiosa recobre um conflito
político significativo, que opõe as principais lideranças Karitiana; ou, em outras
palavras, o conflito é expresso na linguagem da religião. Os desdobramentos
mais recentes deste confronto podem ser rastreados na tentativa, por parte do
xamã, de construir uma nova aldeia (tentativa frustrada, como vimos no item A
Terra Indígena e a aldeia). Ainda que muitas famílias manifestassem desejo de
visitar ou passar algum tempo neste novo local, apenas aquelas ligadas ao xamã
– ou seja, o “povo do pajé” – falava, abertamente, em deixar, permanentemente,
a aldeia atual.
A despeito de existir e ser de crucial importância, contudo, o conflito entre os
“do pajé” e os “do pastor” permanece bastante velado no cotidiano da aldeia, e
jamais expresso em termos políticos claros. A eclosão das diferenças no discurso
aparece, recorrentemente, no nível simbólico-religioso ou naquele das práticas
intimamente ligadas ao universo sobrenatural. E, neste último caso, não apenas
no discurso: o principal locus de materialização da cisão religiosa entre os
Karitiana são as chamadas “festas”, rituais destinados a celebrar o contato com o
mundo sobrenatural para “pedir saúde e alegria para o povo”, como dizem.
Nesses eventos, a comunidade divide-se, e os dois grupos revelam-se com
nitidez: ainda que sejam planejadas por todos, e que se façam convites de parte
a parte, sempre duas “festas” são realizadas, uma em cada “lado” da aldeia,
preparadas e assistidas por cada uma das facções. E neste ponto se concentram
os comentários de uma facção a respeito da outra, pois ambas afirmam que sua
contraparte faz as festas de modo equivocado, e que esta é a principal razão para
as mazelas experimentadas pelos Karitiana. Deste modo, é a própria história do
grupo que está em jogo, pois cada uma das facções afirma a ancestralidade – e,
por isso, a autenticidade – de seus ritos, e culpa a facção oposta pelas perdas
acumuladas pela história em função de procedimentos rituais equivocados. Em
termos práticos, é preciso dizer, as festas de cada um dos “lados” guardam
poucas diferenças notáveis entre si.
“Lados”, porque a cisão também toma forma, nas referências dos próprios
índios, de uma oposição geográfica: os “de cá” contra os “do lado de lá”. As
famílias “do pajé” residem, sobretudo, na porção mais central da margem direita
do igarapé: as casas formam um núcleo integrado em torno da moradia do
xamã. As famílias do “pastor” distribuem-se, em sua maioria, na margem
esquerda e nas extremidades da direita. Digno de nota é o fato de que, na
margem esquerda, avizinham-se das estruturas instaladas pelos brancos; ali,
também, está o pátio das reuniões comunitárias. As três “igrejas” – “casas de
Deus” –, do mesmo modo, situam-se nas extremidades da aldeia: duas na
margem direita e uma na esquerda. Tem-se, portanto, um núcleo “central”,
ocupado pelo xamã, circundado pelas áreas periféricas onde estão os pastores.
A filiação a uma ou outra facção parece dar-se em torno dos homens mais velhos
da aldeia e suas famílias; os homens, ao se casarem, são integrados à facção do
sogro: mesmo que seus pais pertençam a uma facção, nas “festas” estarão do
lado do seu sogro. Aparentemente, a oposição faccional não tem papel
significativo nas alianças matrimoniais, pois os casamentos entre pessoas de
distintas facções são comuns – e isso é enfatizado pelos Karitiana quando
discorrem sobre a pouca operacionalidade da cisão religiosa entre eles.
Os parágrafos anteriores sintetizam os mecanismos de oposição entre “crentes”
e “não-crentes” e o modo como aparecem nos ritos e no discurso sobre eles e o
universo sobrenatural com o qual procuram relacionar-se. Resta, portanto,
compreender como se dá, exatamente, a oposição no nível cosmológico. Por
“povo do pajé”, deve-se entender as famílias que se mantêm fiéis, como dizem
eles próprios, ao modo de vida e às crenças tradicionais dos Karitiana, aquele
anterior ao contato: por isso mesmo, o pajé salienta que, na nova aldeia, tudo
deverá voltar a ser “como antigamente”. Não obstante, as famílias “crentes”,
aquelas ligadas aos pastores, também enfatizam o caráter original de seu
conhecimento: para estes, suas concepões religiosas são as verdadeiras, aquelas
ensinadas por Botyj e observadas pelos Karitiana desde os tempos antigos.
Assim sendo, as distintas ancestralidades evocadas por cada uma das facções
acabam por constituir corpos diferenciados de mito e história, que informam as
práticas correntes e são por elas informados.
Estes conjuntos diferenciados, contudo, apresentam certa coerência que torna
possível, ao que parece, desvelar alguns dos efeitos do discurso religioso cristão
sobre a cosmologia karitiana e, em especial, sobre suas noções escatológicas.
Com efeito, aparentemente, a intrusão de elementos cristãos provocou uma
espécie de desdobramento da escatologia Karitiana, a partir da introdução do
conceito de culpa – ou pecado – , caro ao pensamento judaico-cristão. Nesse
sentido, a noção de que a “alma” – ou uma delas, já que os Karitiana afirmam
que a pessoa possui quatro “almas” – que deixa o corpo após a morte sobe ao
céu para a companhia de Deus e para uma vida de fartura é alargada, de modo a
conter a possibilidade do “inferno” àqueles cuja conduta em vida fugiu aos
preceitos corretos. Note-se que a crença em quatro “almas” com destinos
diferenciados após a morte do indivíduo permanece: a mudança verifica-se
quanto ao rumo tomado por uma das “almas” – aquela que retém o sangue e
retoma, no além, as relações com parentes já falecidos – que pode, dependendo
das ações da pessoa em vida, seguir o rumo de Deus ou do “Cão”.
A noção de “culpa/pecado” promoveu, da mesma forma, uma reconfiguração no
corpus mítico que versa sobre a origem dos Karitiana, dos outros índios e dos
brancos. Como ocorre em muitas outras cosmologias indígenas sul-americanas, a
relação assimétrica entre índios e brancos é vista, pelos Karitiana, como
resultado de uma má ação (um “pecado”) realizada por eles próprios na origem
dos tempos. De modo significativo, os Karitiana também “mataram o Deus”:
carregam a culpa pela morte de Byjyty, neto da divindade, transformado em um
enorme pássaro, no “tempo antigamente”, e morto pela ignorância dos índios.
Renascido entre os brancos, como Jesus, Byjyty deu a estes últimos todos os
maravilhosos bens industriais e conhecimentos que, hoje, os Karitiana cobiçam:
automóveis, máquinas, armas de fogo e a escrita (ver um resumo do mito no
item Biopirataria e coleta de irregular de material biomédico).
A oposição entre “os do pajé” e os do “pastor” também é operativa, da
perspectiva karitiana, no campo das práticas terapêuticas, ainda que, aqui,
novamente, ela deva ser matizada. Tal constatação é importante uma vez que as
atividades rituais do grupo estão voltadas para uma busca incessante pela
“saúde” e o afastamento das doenças que cercam, ameaçadoramente, a aldeia.
Aqueles ligados ao xamã o são porque acreditam no seu poder de contatar o
universo dos espíritos e, desta forma, curar enfermidades. De sua parte, os
“crentes” preferem apelar, diretamente, para a divindade, seja nos “cultos” –
realizados às quartas e sextas, e nos finais de semana; todo o ritual é oficiado na
língua nativa, incluindo “hinos” traduzidos do português ou compostos
diretamente em Karitiana –, seja nas “festas”. Como vimos, entretanto, as festas
de ambas facções são em quase tudo semelhantes: na festa da caça, por exemplo,
o ponto alto consiste no banho com uma infusão feita de folhas recolhidas no
mato, chamadas de“remédios” (gopatoma) pelos Karitiana. Acredita-se que,
com este banho, os indivíduos mantêm as doenças afastadas. Este conhecimento
prático de “remédios” e práticas médicas tradicionais é, portanto, domínio da
maior parte dos adultos Karitiana.
Parentesco
Quanto ao sistema de parentesco Karitiana, os dados mais completos são
fornecidos pelo estudo de Rachel Landin. Para a família nuclear os termos são
"pai" (syp para o Ego feminino e 'it para o Ego masculino), "mãe" (ti, para ambos
os sexos) e "filhos" (o Ego masculino se refere a seus filhos fazendo uso do
termo 'it, e o Ego feminino usa 'et). Note que o termo para "pai" e "filho" são os
mesmos ('it). Assim, é como se o filho de Ego chamasse seu pai de "filho", uma
vez que o neto e o avô se identificam no sistema.
A categoria "irmãos" é dividida por sexo de Ego e do alter; irmãos do mesmo
sexo são divididos por sexo do alter: para o alter mais velho, o termo usado é
haj, e para o alter mais novo o termo é ket se o Ego é masculino, e kypet se o Ego
é feminino. Irmãos do sexo oposto ao Ego estão divididos por sexo de Ego:
irmãos do sexo oposto de Ego masculino são chamados pan'in e irmãos do sexo
oposto ao Ego feminino são chamados de syky.
Estendem-se as categorias "pai" para os "irmãos do pai" de Ego, e "mãe" para as
"irmãs da mãe" de Ego. Os "irmãos" de indivíduos nesta categoria são
considerados "tios" de Ego. Os "tios" paternos de Ego são divididos pelo sexo do
alter: sokit é o nome dado à tia paterna, e os termos para tios paternos são
divididos de acordo com idade do alter; os mais velhos são chamados de sypyty,
e os mais jovens são divididos pelo sexo de Ego (sypy'et para Ego masculino e
sypysin para Ego feminino). Tios maternos são divididos pelo sexo de Ego: Ego
masculino usa o termo ta 'it, e Ego feminino usa o termo syky'et. Tias maternas
são divididas pela idade do alter: uma tia mais velha será chamade de tiity, e
uma tia mais jovem será chamada de ti'et. A categoria "sobrinhos" é dividida
pela relação com o Ego (linha materna ou paterna) e pelo sexo do Ego: o
sobrinho paterno de um Ego masculino será chamado de 'it ongot e sua sobrinha
paterna será chamada de ti ongot. Todos os outros sobrinhos de um Ego
masculino serão chamados de saka'et. A sobrinha materna de um Ego feminino
será chamada de ti ogot e todos os outros sobrinhos serão divididos pela idade
relativa da irmã do Ego que é mãe dos sobrinhos: os filhos da irmã mais velha
do Ego serão chamados haja'et e os filhos da irmã mais nova serão chamados de
koroj'et.
Nos sistemas dravidianos o primo cruzado da mãe de Ego costuma ser o pai de
Ego e a prima cruzada do pai do Ego costuma ser a mãe de Ego. Isto decorre do
fato de que, nestes grupos, o casamento preferencial é com os primos cruzados.
No sistema de parentesco Karitiana, Ego se identifica com seu avô ou avó
paternos (dependendo do sexo de Ego). Este fato pode ser observado também
no sistema de nominação. No entanto, como nomes pessoais têm uso restrito
entre os Karitiana, utilizam-se os termos de parentesco para referência. O termo
usado por um menino para se referir ao seu avô paterno ou por uma menina
para se referir a sua avó paterna, é ombyj, em que se pode reconhecer a raiz byj
"chefe". Esta criança vai receber o mesmo nome de seu ombyj, ou se o nome já
tiver sido concedido a um de seus irmãos, a criança receberá o nome de um
irmão/irmã de seu ombyj. Aqueles avós que não são chamados de ombyj por
Ego, recebem os termos de parentesco owoj (masculino) e timoj (feminino). A
categoria "netos" é dividida primeiramente pela relação com Ego e depois pelo
sexo de Ego: ongot é o termo usado por Ego para um neto do mesmo sexo na
linha paterna, a quem ele dá nome. Para os outros tipos de netos, os termos
usados são sokite'et para Ego masculino e ete'et para Ego feminino.
Rachel Landin diz que não há termo de parentesco para primos cruzados em
Karitiana porque esta categoria é constituída daqueles indivíduos que são os
esposos preferenciais de Ego. Assim, tradicionalmente, os termos usados para
designar tais indivíduos podem ter sido "marido" (man), e "esposa" (sooj).
Língua e educação escolar
Liderança karitiana. Foto: Felipe Ferreira Vander Velden, 2003.
http://img.socioambiental.org/d/213039-1/karitiana_8.jpg
http://img.socioambiental.org/d/213039-1/karitiana_8.jpg
O Karitiana é a única língua sobrevivente da família Arikém, que por sua vez é
uma das dez representantes do tronco lingüístico Tupi. Essa família em si é
especial no que diz respeito à história das línguas Tupi, por ter sido a única
família em que se identificou uma mudança completa do padrão vocálico a
partir da língua mãe. No entanto, o interesse teórico do Karitiana não se limita à
diacronia. Do ponto de vista sincrônico, fenômenos como caso ergativo, ordem
variável de constituintes, interação previsível entre tom e acento, espalhamento
de nasalidade e pré e pós oralização de consoantes nasais são alguns dos
assuntos de interesse que a língua apresenta.
O estudo da língua Karitiana pode contribuir bastante para o conhecimento das
populações indígenas no Brasil antes do contato. Luciana Storto apresentou, em
co-autoria com Philip Baldi, um artigo no encontro anual da Linguistic Society
of America, em janeiro de 1994, onde foi estabelecida a existência de uma
mudança regular em cadeia no sistema vocálico da família Arikém a partir do
Proto-Tupi. Neste trabalho foram considerados itens lexicais da língua Arikém
(língua até o que se sabe extinta, também pertencente à família Arikém) obtidos
em duas listas da década de 1920 e comparadas com dados originais de
Karitiana conseguidos em trabalho de campo. O processo foi descrito como uma
mudança histórica em cadeia no sistema de cinco vogais em movimento anti-
horário, onde Proto-Tupi (PT) *a se torna Proto-Arikém (PA) *o, PT *o se torna
PA *i, PT *i > PA *e, e PT *e > PA *a (a vogal *i do Proto-Tupi continuou *i em
Proto-Arikém). Sawada & Storto (2004) confirmaram as mudanças
apresentadas por Storto & Baldi com um grande número de cognatos de todas as
famílias do tronco.
O entendimento de processos como a mudança vocálica acima descrita é
fundamental para a reconstrução do Proto-Tupi, um projeto do qual Luciana
Storto atualmente participa em associação com pesquisadores de várias
instituições coordenados por Denny Moore, do Museu Emílio Goeldi. Este tipo
de reconstrução permite acesso a uma riqueza de informações sobre a pré-
história dos povos em questão (que viveram aproximadamente 4.500 anos atrás)
que é única, porque revela aspectos sociais e culturais daquela população que
não se poderia conhecer de outra forma. Por exemplo, através da reconstrução
em PT de palavras para roça, mandioca e pau de plantar, pode-se saber que os
Proto-Tupi eram agricultores.
O estudo lingüístico pode também contribuir para o conhecimento do
povoamento pré-histórico do Brasil, pois são passíveis de serem identificadas
em uma língua certas características cuja origem não é genética, mas resultante
de contato com outros povos. O Karitiana é neste aspecto especialmente
interessante, pois há evidências culturais que indicam um período de contato em
que eles tiveram convívio com um povo não Tupi. Por exemplo, eles não têm
como prática a produção de farinha de mandioca, que é uma característica típica
Tupi. Ao invés de farinha de mandioca, processam o milho. O instrumento
usado para processar o milho em mingau é um pilão horizontal e uma pedra
retangular. Até algumas gerações atrás, possuíam uma prática de deformação
craniana ritual através do uso de um aparato feito de madeira e algodão que,
quando usado desde cedo na cabeça de crianças, produzia um achatamento da
porção frontal do crânio. Este tipo de pilão e deformação craniana, ao que se
sabe, não são característicos dos povos Tupi. Assim, assume-se que estes
aparatos devem ter sido adquiridos via contato. É possível que este suposto
contato tenha dado origem também á mudança vocálica apresentada acima, que
atinge apenas a família Arikém dentre as dez famílias lingüísticasdo tronco
Tupi.
Alfabetização
O projeto de alfabetização em grande escala foi iniciado em 1994. A escola da
aldeia, que contava com uma professora branca da Funai em 1991, e apenas um
professor índio em 1992 (Nelson Karitiana), tornou-se majoritariamente
indígena em 1995, quando dois professores índios foram contratados pela
prefeitura e pelo estado para ministrar aulas na escola. Atualmente (maio de
2005), os professores da escola são Inácio Karitiana, João Karitiana, Luiz
Karitiana, Nelson Karitiana e Marcelo Karitiana, que dão aulas na escola
bilingüe da aldeia.
Em janeiro de 1996, financiado pelo projeto, Nelson Karitiana passou 20 dias
em Belém a fim de conhecer o Museu Goeldi, aprender a utilizar o computador
(especificamente, o editor de texto Word), e contribuir para a elaboração duma
nova versão do Livro de Apoio ao Aprendizado da Ortografia. Nelson voltou
para a aldeia com 80 cópias do guia, que entregou a Luiz Carlos Karitiana, que
havia sido nomeado chefe da Casa da Língua pela associação.
No período entre fevereiro e dezembro de 1996, ocorreu um grande salto
qualitativo e quantitativo na participação dos Karitiana no projeto de
alfabetização. Liderados por Luiz Carlos Karitiana, chefe da Casa da Língua,
alguns jovens trabalharam na documentação escrita da cultura, e produziram
cinco textos, várias gravações, e alguns estudos de itens lexicais já extintos do
vocabulário em uso na língua.
Em janeiro de 1997, Luiz Carlos Karitiana contribuiu para a organização do
trabalho no dicionário, do qual participaram 15 membros da comunidade.
Professores formados nos anos anteriores contribuiram para a alfabetização de
24 estudantes. Três textos (um ritual, um mito e uma narrativa histórica) foram
produzidos (transcritos, digitados e traduzidos).
O projeto de alfabetização, que dispunha de financiamento apenas por quatro
anos, foi concluído em 1997, tendo recebido avaliação positiva de um parecerista
externo. No entanto, apesar do sucesso, não foi possível manter a continuidade
do processo educativo sem uma fonte de financiamento permanente para
garantir o andamento dos trabalhos.
Nota sobre as fontes
Time de futebol karitiana. foto: Felipe Ferreira Vander Velden, 2003.
O material etnográfico a respeito dos Karitiana é bastante escasso como, de
resto, para a maior parte das sociedades indígenas em Rondônia e sudoeste da
Amazônia brasileira. Nesse sentido, contrasta com a excelência das análises de
sua língua, bem como com os estudos genéticos, biomédicos e bioantropológicos
realizados entre eles.
Ainda que os materiais produzidos pela Comissão Rondon – depositados no
Museu do Índio, no Rio de Janeiro – tragam as primeiras referências sobre os
Karitiana, a primeira descrição – absolutamente sumária – de sua cultura está
nas memórias do padre Angelo Spadari – que os visitou em 1958 –, publicadas
por Vitor Hugo, em italiano, na revista alemã Anthropos (56, de 1961), e depois,
em português e com pequenas alterações, no segundo volume de seu
monumental Desbravadores.
Depois dele, o casal de missionários David e Rachel Landin – ligados ao
Summer Institute of Linguistics, SIL – residiu entre os Karitiana nos anos 70.
Ainda que interessados na tradução do Novo Testamento para a língua
Karitiana, os missionários deixaram uma coleção de análises lingüísticas,
publicadas principalmente na Série Lingüística do SIL, bem como uma
http://img.socioambiental.org/d/213042-1/karitiana_9.jpg
http://img.socioambiental.org/d/213042-1/karitiana_9.jpg
dissertação sobre parentesco e nominação (Kinship and naming among the
Karitiana) e um curto artigo sobre mitologia (Nature and culture in four
Karitiana legends), ambos de Rachel Landin, além de dois manuscritos, sobre
tecnologia lítica e economia, por David Landin.
Carlos Frederico Lúcio produziu a primeira etnografia detalhada do grupo, em
sua dissertação de mestrado defendida em 1996 na Unicamp (Sobre algumas
formas de classificação social: etnografia sobre os Karitiana de Rondônia)
centrada na análise da interseção dos sistemas classificatórios da genealogia, da
onomástica e do parentesco. O parentesco Karitiana é também objeto – numa
perspectiva comparativa, dentro do universo dos grupos Tupi de outras famílias
que não Tupi-Guarani – da dissertação de mestrado de Carolina Araújo, de
2002, na UFRJ (A dança dos possíveis: o fazer de si e o fazer do outro em alguns
grupos Tupi). A história do contato dos Karitiana com os brancos, tendo por
base as narrativas dos próprios índios, foi tratada por Lilian Moser em sua
dissertação de mestrado na UFPE de 1997 (Os Karitiana no processo de
desenvolvimento de Rondônia nas décadas de 1950 a 1990). Os casos de coleta
irregular de amostras biológicas, bem como as implicações simbólicas e políticas
desta intervenção para os Karitiana, são objeto da dissertação de mestrado de
Felipe Ferreira Vander Velden, defendida na Unicamp em 2004 (Por onde o
sangue circula: os Karitiana e a intervenção biomédica).
A língua Karitiana foi previamente estudada por David e Rachel Landin. A partir
do material dos Landin, Daniel Everett publicou 4 artigos. Luciana Storto – que
tem trabalhado na descrição e análise da língua Karitiana desde sua primeira
visita profissional àquela aldeia em meados de 1992 – fez uma análise detalhada
de aspectos fundamentais da gramática do Karitiana, em sua tese de doutorado
de 1999, no MIT (Aspects of Karitiana grammar), e publicou vários artigos em
periódicos nacionais e estrangeiros.
A fotografia mais antiga de que se tem notícia de um Karitiana – tirada pela
Expedição de Carlos Chagas à Amazônia em 1912 – introduz o grupo no campo
das pesquisas bioantropológicas e biomédicas. De uma curiosidade inicial em
torno da deformação craniana – antigamente praticada pelos Karitiana, mas,
hoje, abandonada, embora muitos indivíduos mais velhos ainda apresentem o
achatamento artificial do crânio – passou-se a um conjunto de investigações em
torno das condições epidemiológicas e sanitárias do grupo e, por fim, a estudos
que focam a estrutura genética deste povo. Dos primeiros destacam-se a
dissertação de mestrado de José Odair Ferrari, defendida na USP em 1995 (A
saúde do índio: um desafio sem endereço, os Karitiana de Rondônia) e vários
artigos publicados em periódicos da área de saúde pública e biologia humana.
Dos segundos é preciso sublinhar a pesquisa de Gilberto Araújo, publicada em
Ciência Hoje (v.13, n.76, de 1991), periódico de divulgação científica de grande
circulação, além de um número expressivo de artigos, quase todos em periódicos
estrangeiros, que discutem genética e biologia molecular Karitiana. Estes
últimos não tratam especificamente dos Karitiana, mas analisam o material
coletado entre eles em comparação com amostras recolhidas e estudos efetuados
entre outras populações indígenas no Brasil e no mundo.
Fontes de informação
• Ciência Hoje, Rio de Janeiro : SBPC, v. 13, n. 76, p. 14-5, set. 1991.
• ANGENOT, Jean-Pierre & SAMPAIO, Wany Araújo. La nasalization des
oclusives à la périphérie syllabique em Karitiana et em urueuwauwau. In:
ANGENOT, J. P. & ANGENOT, Geralda (Orgs.). Tópicos em arquiteturas
de representações fonológicas. CEPLA Working Papers 3. Guajará-Mirim :
CEPLA-UNIR, 2001.
• ARAÚJO, Carolina. A dança dos possíveis: o fazer de Si e o fazer de Outro
em alguns grupos Tupi. Rio de Janeiro : UFRJ, 2002 (Dissertação de
Mestrado).
• ARAÚJO, Carolina & STORTO, Luciana. Terminologia de parentesco
Karitiana e Juruna: uma comparação de algumas equações entre
categorias paralelas e gerações alternas. Línguas indígenas brasileiras:
fonologia, gramática e história. Atas do I Encontro Internacional do Grupo
de Trabalho sobre Línguas Indígenas da ANPOLL, tomo II. Belém :
ANPOLL, 2002.
• COIMBRA JÚNIOR, Carlos E. A. et al. Estudos epidemiológicos entre
grupos indígenas de Rondônia. I: piodermites e portadores inaparentes de
Staphylococcus sp. na boca e nariz entre os Suruí e Karitiana. Rev. da
Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, Brasília : Sociedade Brasileira
de Medicina Tropical,v. 27, n. 1, p. 13-9, 1985.
• -------. Estudos epidemiológicos entre grupos indígenas de Rondônia. II:
bactérias enteropatogênicas e gastrenterites entre os Suruí e Karitiana.
Rev. da Fundação SESP, Rio de Janeiro : Fundação SESP, v. 30, n. 2, p.
111-9, 1985.
• DEMOLIN, Didier & STORTO, Luciana. Production and perception of
vowels in Karitiana. Resumo publicado no Journal of the Acoustical
Society of America, vol. 115, n. 5, p. 2251, 2002.
• -------. Perceptual and articulatory constraints in the phonology of
complex nasal segments and emergent stops. Resumo publicado no
caderno de resumos da conferência From representations to constraints,
Toulouse, 2003.
• -------. Desbravadores. Porto Velho : Edição do Autor Beron, 2 volumes,
1991.
• LANDIN, David. Some aspects of Karitiana food economy. Arquivos de
Anatomia e Antropologia, vols. IV e V, São Paulo, pp. 225-241, 1979/80.
• --------. An outline of the syntatic structure of Karitiana sentences. Estudos
sobre línguas Tupi do Brasil. Série Linguistica, vol. 11. Brasília : SIL, pp.
219-254, 1984.
• -------. Dicionário e léxico Karitiana\Português. Brasília : SIL, 1983.
• -------. As orações Karitiana. Série Lingüística 9 (2). Brasília : SIL, 1988.
• ------- & LANDIN, Rachel. Karitiana phonology statement. Brasília : SIL.
Manuscrito (inédito), 1973.
• -------. A preliminary description of the Karitiana phonological structure.
Arquivo Lingüístico n.163. Brasília : SIL, 1973.
• LANDIN, Rachel. Word order variation in Karitiana. Arquivo Lingüístico n.
149. Brasília : SIL, 1982.
• -------. Conjunções Karitiana de nível superior. Série Lingüística 9 (1).
Brasília : SIL, 1987.
• -------. Kinship and naming among the Karitiana of northwestern Brazil.
Arlington : University of Texas, 1989 (Masters Thesis).
• -------. Nature and culture in four Karitiana legends. In: MERRIFIELD,
William R. (Ed.). Five amazonian studies : on world view and cultural
change. Dallas : International Museum of Cultures, 1985. p. 59-70.
• LÚCIO, Carlos Frederico. Heróis civilizadores, demiurgos sociais: algumas
considerações sobre genealogia, mito e história entre os Caritianas (tupi-
ariqueme). Mosaico – Revista de Ciências Humanas. Vitória : UFES. Ano 1,
vol. 1 (1), pp. 39-67, 1998.
• LÚCIO, Carlos Frederico. Sobre algumas formas de classificação social :
etnografia sobre os Karitiana de Rondônia (Tupi-Arakem). Campinas :
Unicamp, 1996. (Dissertação de Mestrado)
• MONTEIRO, Maria E. B. Relatório sobre os índios Karitiana – Estado de
Rondônia. Rio de Janeiro: Ministério do Interior – Fundação nacional do
Índio (inédito), 1984.
• MOORE, Denny & STORTO, Luciana. As línguas indígenas e a pré-história.
In: PENA, S.D. (ed.). Homo brasilis: aspectos genéticos, linguisticos,
históricos e sócio-antropológicos da formação do povo brasileiro. Ribeirão
Preto : Ed. FUNPEC, 2002.
• MOSER, Lílian. Os Karitiana no processo de desenvolvimento de
Rondônia nas décadas de 1950 a 1990. Recife : UFPE, 1997 (Dissertação
de Mestrado).
• -------. A festa da chicha, símbolo de reintegração da sociedade Karitiana.
Ethnos (disponível em www.biblio.ufpe.br/libvirt/ethnos/lilian.html).
• -------. Os Karitiana e a colonização recente em Rondônia. Porto Velho :
UFRO, 1993. 190 p. (Monografia de Bacharelado em História)
• OLIVEIRA, Cleide B. Levantamento dos dados culturais da tribo Karitiana.
Porto Velho : UNOESTE FEC-Cacoal, 1994 (trabalho de conclusão de
curso).
• SAMPAIO, Wany & SILVA, Vera. Os povos indígenas de Rondônia:
contribuições para a compreensão de sua cultura e de sua história. Porto
Velho : UNIR, 1998.
• SANDALO, Filomena & STORTO, Luciana. Concordância e caso em línguas
ergativas. Resumo publicado no Caderno de Resumos da ANPOLL.
Maceió: ANPOLL, 2004
• SANTOS, R.V.; LINHARES, A.C. & COIMBRA Jr., C.E. Estudos
epidemiológicos entre grupos indígenas de Rondônia. IV: inquérito
sorológico para rotavírus entre os Suruí e Karitiana. Revista de Saúde
Pública, vol. 25 (3), pp. 230-232, 1991.
• SANTOS, S.E.; GUERREIRO, J.F & AGUIAR, G.F. Polimorfismos protéicos
em indígenas da Amazônia: tribos Araweté, Kararaô e Karitiana. Ciência e
Cultura, 39 (suplemento), p. 757, 1987.
• SAWADA, C. & STORTO, L. Mudança vocálica em cadeia do Proto-Tupi
para o Proto-Arikém. Resumo publicado no caderno de resumos do II
Encontro da Associação Brasileira de Estudos Crioulos e Similares. São
Paulo : USP, 2004.
• SOUZA, Sheila Mendonça de. Deformação craniana entre os índios
Karitiana : análise de fotos de arquivo. Boletim do MPEG, Série
Antropologia, Belém : MPEG, v. 10, n. 1, p. 43-56, jul. 1994.
• STORTO, Luciana Closure and release – pre and post oralization of nasal
stops in Karitiana. Pennsylvania State University (inédito), 1993.
• --------. Basic word order in Karitiana (Arikém family, Tupi stock). Report
8: survey of California and other Indian languages: proceedings of the
Meeting of the Society for the Study of the Indigenous Languages of the
Americas, july 2-4, 1993 & Hokan Penutian Workshop, july 3, 1993. Dept.
of Linguistics, University of California at Berkeley, pp. 138-144, 1994.
• --------. A report on language endangerment in Brazil”. In: Language
endangerment and the maintenance of linguistic diversity. MIT Working
Papers in Linguistics, 28. Cambridge : MIT, 1996.
• --------. Verb raising and word order variation in Karitiana. Boletim da
Associação Brasileira de Linguística (ABRALIN) 20 – Homenagem a Aryon
Dall’Igna Rodrigues, 1997.
• --------. Karitiana: a verb second language from Amazonia. Proceedings of
the Sixth Conference of Students of Linguistics of Europe (CONSOLE),
1998.
• --------. Aspects of Karitiana grammar. Cambridge : Massachusetts
Institute of Technology, 1999 (Dissertação de Ph.D.).
• --------. Concordância irregular em construções de foco do objeto em
Karitiana. II Congresso Nacional da ABRALIN e XIV Instituto Lingüístico.
Florianópolis, 2000 [2003], CD-ROM.
• --------. Duas classes de verbos intransitivos em Karitiana (família Arikém,
tronco Tupi). In: QUEIXALÓS, F. (Ed.). Des noms et des verbs en Tupi-
GuaranI: état de la question. Muenchen: Lincom-Europa, 2001.
• --------. Dicionário preliminar Karitiana-Português-Inglês: um produto do
processo de educação e manutenção da cultura entre os Karitiana. Línguas
indígenas brasileiras: fonologia, gramática e história. Atas do I Encontro
Internacional do Grupo de Trabalho sobre Línguas Indígenas da ANPOLL,
tomo I, Belém, 2002
• --------. Algumas categorias funcionais em Karitiana. Línguas indígenas
brasileiras: fonologia, gramática e história. Atas do I Encontro
Internacional do Grupo de Trabalho sobre Línguas Indígenas da ANPOLL,
tomo I, Belém, 2002.
• --------. Relativas de núcleo interno em Karitiana. Caderno de Resumos da
ABRALIN 2003, Rio de Janeiro: ABRALIN, 2003.
• --------. Interactions between verb movement and agreement in Karitiana
(Tupi stock). Revista Letras – UFPR, Curitiba: UFPR, n. 60: 411-433, 2003.
• --------. Passives, Antipassives and Object Focus Constructions in Karitiana.
Artigo apresentado na conferência internacional da EVELIN, Campinas,
UNICAMP, janeiro de 2004.
• STORTO, Luciana & DEMOLIN, Didier. Control and timing of articulatory
gestures in pre and post oral nasal consonants in Karitiana. Resumo do
artigo apresentado na Conferência LabPhon 8: Varieties of Phonological
Competence. New Heaven, Connecticut, 27-30 de julho 2002.
• --------. Características fonéticas e fonológicas da oralização parcial de
consoantes nasais em Karitiana e a teoria do controle. Caderno de
Resumos da ABRALIN 2003, Rio de Janeiro : ABRALIN, 2003.
• --------. The phonetics and phonology of unreleased stops in Karitiana.
Proceedings of the Berkeley Linguistic Society, pp. 487-497, 2003.
• --------. Descriptive and Phonetic Aspects of Pitch Accent in Karitiana.
Poster apresentado na conferência International Conference on Tone and
Intonation. Santorini, Grécia, Setembro de 2004.
• STORTO, Luciana & HALE, Ken. Agreement and spurious antipassives.
Boletim da Associação Brasileira de Lingüística(ABRALIN), 20, 1996.
• VANDER VELDEN, Felipe. Por onde o sangue circula: os Karitiana e a
intervenção biomédica. Campinas: Unicamp, 2004 (Dissertação de
Mestrado).

Outros materiais