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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DE MARABÁ FACULDADE PITAGORAS DE MARABÁ CURSO DE BACHARELADO EM DIREITO ANTONIO EDUARDO ALVES LIMA ALIENAÇÃO PARENTAL E A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ALIENANTE EM CENÁRIO DE PANDEMIA DO COVID 19 MARABA-PA 2021 ANTONIO EDUARDO ALVES LIMA ALIENAÇÃO PARENTAL E A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ALIENANTE EM CENÁRIO DE PANDEMIA DO COVID 19 Projeto apresentado ao Curso de Bacharelado em Direito da Instituição Centro de Ensino Superior de Marabá – Faculdade Pitágoras de Marabá. Orientadora: Profª. FABIANA VIOLIN FABRI MARABA 2021 ANTONIO EDUARDO ALVES LIMA ALIENAÇÃO PARENTAL E A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ALIENANTE EM CENÁRIO DE PANDEMIA DO COVID 19 Projeto apresentado ao Curso de Bacharelado em Direito da Instituição Centro de Ensino Superior de Marabá – Faculdade Pitágoras de Marabá. Orientadora: Profª. FABIANA VIOLIN FABRI Marabá, ___ de ____________ de ______. Banca Examinadora _________________________________________ Profª. Andréa Bassalo Orientador __________________________________________ Prof. Felipe Benedick Examinador Indicado ___________________________________________ Profª. Ceres Ramos Examinador Designado Dedico este trabalho, aos meus pais, minha esposa, aos meus filhos, sempre presentes, os quais me deram total apoio e se esforçaram e me apoiaram, me dando força e coragem para não desistir, não permitindo que nada me faltasse, a todos os meus professores que dedicaram todo o seu tempo para o meu aprendizado. AGRADECIMENTOS Agradeço, primeiramente, a Deus por ter me dado a oportunidade de realizar este grande sonho, cursar Direito, e pela sabedoria e paciência durante toda minha vivência nesta graduação, haja vista por alguns momentos cheguei a pensar em desistir Aos meus pais, que sempre me apoiaram e tiveram a sensibilidade de saber lidar comigo mesmo nos momentos mais difíceis, com apoio incondicional sempre. Aos meus irmãos, que me deram força e incentivo e motivação, e por isso me motiva a sempre me esforçar. A minha família inteira, em especial minha esposa, meus filhos e todos os meus familiares, que foram compreensivos em todos os momentos desta caminhada. Aos todos os meus amigos, principalmente os colegas da faculdade, que se tornaram quase irmãos, pela longa convivência. Aos meus professores, que dedicaram todo o seu tempo para o meu aprendizado, e que por tantas vezes ao longo desses anos estiveram literalmente ao meu lado enquanto eu me dedicava aos estudos. Espero continuar contando com vocês daqui para frente, e que saibam que também podem contar comigo. Enfim, a todos que participaram da minha jornada até a tão sonhada formatura, meus sinceros agradecimentos. RESUMO O presente trabalho tem como principal objetivo apresentar a alienação parental. Começando pelo conceito da síndrome de alienação parental, demonstrando como é possível fazer a identificação e quais são os estágios e as consequências dessa síndrome. Também como é uma violação do direito fundamental da criança ou adolescente à convivência familiar. Expõe uma análise da tramitação do Projeto de Lei nº 4.053/2008, apresentado pelo deputado Régis de Oliveira na Câmara dos Deputados. Expõe também uma análise, artigo por artigo, da Lei nº 12.318, de 26 de agosto de 2010 que dispõe sobre a alienação parental e altera o artigo 136 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Mostra-se que não foi encontrado nenhum dado empírico sobre o assunto, tanto antes quanto depois da aprovação da Lei. Palavras-chave: Alienação Parental. Síndrome da Alienação Parental. Convivência Familiar. ABSTRACT The present work has as main objective to present the parental alienation. Starting with the concept of parental alienation syndrome, demonstrating how identification is possible and what the stages and consequences of this syndrome are. Also as it is a violation of the fundamental right of the child or adolescent to family life. It presents an analysis of the processing of Bill No. 4,053/2008, presented by deputy Régis de Oliveira in the Chamber of Deputies. It also presents an analysis, article by article, of Law No. 12,318, of August 26, 2010 which provides for parental alienation and amends Article 136 of Law No. 8.069, of July 13, 1990. It shows that it was not found no empirical data on the subject, both before and after the Law was passed. Keywords: Parental Alienation. Parental Alienation Syndrome. Family living. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 9 2. A ALIENAÇÃO PARENTAL E SEUS REFLEXOS NAS RELAÇÕES FAMILIARES..............................................................................................................13 3 A EVOLUÇÃO DA FAMÍLIA E A ALIENAÇÃO PARENTAL.................................17 3.1 O ADVENTO DA LEI N° 12.318/10......................................................................19 3.2 A ALIENAÇÃO PARENTAL E AS CONTROVÉRSIAS........................................21 4. O ISOLAMENTO SOCIAL DECORRENTE DA PANDEMIA COVID-19...............24 4.1 ISOLAMENTO SOCIAL E A ALIENAÇÃO PARENTAL.......................................24 CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................29 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 31 9 1 INTRODUÇÃO Esse trabalho tem como objetivo expor a importância da família como um instituto afetivo, socializador e educativo, bem como sua evolução. Sabe-se que a família é um espelho, um princípio orientador para que o melhor interesse da criança seja de fato atendido. Apresenta-se o instituto da alienação parental relatando os critérios de identificação, as características do genitor alienante e as consequências para as crianças e adolescentes alienados. Além disso, serão feitas considerações acerca da 12.318/10 trazendo inclusive a possibilidade de responsabilização civil diante dos fatos decorrente da pessoa alienadora. A alienação parental foi inserida no ordenamento jurídico brasileiro através da Lei no 12.318/2010, refletindo os conflitos familiares que cresceram ao longo dos anos e motivaram disputas judiciais acirradas, em que os prejudicados buscaram a intervenção do Poder Judiciário para resolver problemas familiares, que poderiam ser sanados por meio do diálogo, do entendimento e do compartilhamento de responsabilidades. Nesse contexto, a guarda compartilhada, especificada nas Leis n.º 11.698/2008 e n.º 13.058/2014, emerge como possível solução aos casos de alienação parental. Esse estudo tem o objetivo de analisar o fenômeno da alienação parental e seus aspectos jurídicos, sociais e psíquicos, evidenciando a importância da guarda compartilhada para apontar caminhos eficazes para evitar e sanar conflitos relacionados ao tema. Por meio da análise jurisprudencial, a pesquisa propõe o debate sobre a possibilidade da guarda compartilhada quando há alienação parental. A metodologia aplicada parte da revisão da literatura específica, alinhada à pesquisa bibliográfica, documental e jurisprudencial, de caráter qualitativo e descritivo. Os resultados apontam que a guarda compartilhada é um instituto eficaz e adequado para prevenir e solucionar conflitose superar controversas recorrentes nos casos de alienação parental. A questão da alienação parental é fruto de estudos de vários profissionais que se dedicaram a acompanhar as consequências psicológicas, emocionais e comportamentais das crianças após o divórcio de seus pais. Um dos primeiros profissionais a identificar a Síndrome da Alienação Parental – SAP, foi o professor especialista do Departamento de Psiquiatria Infantil da Universidade da Columbia e Perito Judicial Richard Gardner, em 1985, conceituando-a inicialmente como Síndrome da Mãe Maliciosa e posteriormente como Síndrome da Alienação Parental. 10 Os estudos de Richard Gardner foram fundamentais para se estabelecer parâmetros e enquadrar os casos judicialmente. O psiquiatra identificou que seus pacientes filhos de pais em processo de separação possuíam atitudes semelhantes, pois muitos estavam repetindo as emoções do cônjuge alienador de forma programada de maneira inconsciente, e como resultado desse comportamento surgia a rejeição e o distanciamento do genitor alienado. Estudiosos de vários países contribuíram de forma significativa para o diagnóstico da Síndrome da Alienação Parental. No Brasil o tema ganhou maior atenção do Poder Judiciário por volta do ano de 2003 quando houve os primeiros julgados sobre o tema. Em 26 de agosto de 2010, o Brasil editou a Lei de Combate a Alienação Parental sob o número 12.318 trazendo regulação para combater e solucionar este triste problema, ganhando um grande reforço em 2014 com a publicação da nova Lei da Guarda Compartilhada. Dentro da temática da Alienação Parental será desenvolvida uma pesquisa material e jurisprudencial sobre os reflexos sofridos pela parte alienada, dando especial enfoque sobre o modelo de atuação da sociedade e da justiça para coibir a alienação, bem como a responsabilização civil pelos danos afetivos sofridos pela parte alienada. O enfoque principal girará em torno da análise da eficácia da responsabilização civil do alienador pelos danos afetivos sofridos pela parte alienada na Alienação Parental. A pesquisa acadêmica seguirá os moldes qualitativos considerando a dinamização entre os aspectos objetivos e subjetivos, quais seja, os problemas e os sujeitos, respectivamente. Como pilares norteadores para o desenvolvimento do trabalho será constituída uma pesquisa bibliográfica, com a utilização de literatura jurídica-filosófica, pedagógica e analítica da legislação educacional. No Brasil a jurisprudência familiar vem passando por vários processos de aperfeiçoamento com a devida implementação de mudanças e quebra de paradigmas. A questão da Alienação Parental é recorrente em todos os tribunais brasileiros e estudos recentes são capazes de apontar os inúmeros malefícios decorrentes desta prática, projeto em apreço tem a premissa de propor uma reflexão aprofundada do tema que atualmente revela um desejo latente de mudança quanto ao caráter punitivo, muito embora a sociedade ainda é carente de ferramentas que os ponha dentro do viés participativo na busca pela verdade real quando se depara com os crimes contra a administração Pública. 11 O estudo sobre a Alienação parental suas causas, características, consequências e meios de evitar, é de grande importância devido os impactos ocasionados pela mesma nos filhos do casal. Situação agravada pela ocorrência da pandemia de COVID 19, que alterou a vida das famílias, onde com a estipulação do “NOVO NORMAL”, a questão da guarda passou a ser bastante controvertida, pois o isolamento social passou a ser um disfarce em alguns casos para o surgimento da alienação parental. Neste contexto surge a necessidade de buscar a solução de como equilibrar a guarda dos filhos menores e a proteção legal como meio de garantia da manutenção da convivência e a da relação afetiva em períodos de isolamento social? Os conflitos decorrentes da prática do ato de alienação parental podem ser resolvidos através da mediação familiar? Analisar as possibilidades de aplicação do instituto da mediação familiar naqueles casos em que haja a prática do ato de alienação parental. O trabalho contemplará os seguintes objetivos específicos: a) descrever aspectos relevantes quanto à constitucionalização, dissolução das entidades familiares e, do direito do filho à convivência daquele que não detém a sua guarda; b) examinar a lei nº 12.318/2010, sua caracterização, distinção entre alienação parental e a síndrome da alienação parental, e a guarda compartilhada como uma das medidas preventivas da alienação parental; c) identificar a possibilidade de aplicação da mediação familiar, como alternativa de auxílio ao Judiciário, para uma solução pacífica em disputas familiares, quando ocorrida a prática de alienação parental. O tema proposto decorre de questões levantadas ao longo de muitos anos, e nestes dois últimos anos ficou ainda mais comum, os casais separados se utilizarem desta medida, que muitas vezes e na maioria das vezes os filhos é quem mais sofrem com tudo isso. O presente tema é de grande relevância, pois seu estudo aborda a alienação parental, que, apesar de existente há muitas décadas, foi positivado somente em 2010, através da Lei nº 12.318, que, importante se faz referir, apresentou em seu texto, veto presidencial nos artigos 9º e 10º, no tocante à possibilidade de aplicação 12 da mediação familiar para a resolução e/ou amenização dos conflitos advindos do ato de alienação parental. Baseado nisso, surge a indagação da possibilidade de aplicação da mediação familiar, como uma forma minimizadora de conflitos advindos da prática da alienação parental. Assim, importante se faz o presente debate monográfico, pois é necessário delimitar quais são as possibilidades de aplicação do instituto da mediação como “um meio facilitador” de entendimento entre os pais, bem como a possibilidade de promover a humanização no Direito de Família, notadamente, naqueles casos decorrentes da prática de alienação parental. Diante do contexto em que se insere, no primeiro capítulo do desenvolvimento da monografia, o objetivo será descrever sobre a constitucionalização do direito das famílias, acerca de seus princípios, da dissolução das entidades familiares e do direito do filho à convivência daquele que não detém a sua guarda e, no segundo capítulo, examinar o fenômeno da alienação parental, Lei nº 12.318/2010, sua caracterização, distinção entre alienação parental e a síndrome da alienação parental, guarda compartilhada como uma das medidas preventivas da alienação parental e o tratamento e prevenção de sua evolução, já, no terceiro capítulo, objetiva-se identificar a possibilidade de aplicação da mediação familiar, como alternativa de auxílio ao Judiciário, para uma solução pacífica em disputas familiares, quando ocorrida a prática de alienação parental, conforme brevemente se apresenta a seguir. 13 2. A ALIENAÇÃO PARENTAL E SEUS REFLEXOS NAS RELAÇÕES FAMILIARES Para Trindade (2007, p.112), Alienação Parental é um processo em que o genitor titular da guarda afasta o outro genitor da vida do(s) filho(s) através de artifícios e manobras para dificultar o encontro entre eles. Tentando atingir um ao outro, esses genitores negligenciam o fato de as crianças, desde o nascimento, terem direito ao afeto, à assistência moral e material e à educação. Guazzeli (2007, p. 68) afirma que a Alienação Parental pode seguir por muitos anos, com graves consequências, tanto de ordem comportamental como psíquica, e só ser superada quando o filho conseguir alcançar certa independência do genitor titular, o que lhe permite perceber com a indução de que foi vítima. Segundo Cachapuz (2003), um fator responsável pela alienação é o econômico, o genitor alienante objetivo obter mais ganhos financeiros, ou mesmooutros benefícios, à custa do afastamento da criança do genitor alienado. Sousa (2010, p. 21-22) diz que quando essa alienação vem do pai, muitas vezes pode ser motivada pelo desejo de vingança pela separação ou pelas causas que a determinam, como por exemplo o adultério. Os motivos que levam o cônjuge a tomar essa atitude nem sempre são claros; pode ser pela necessidade de manter o controle da família ou até mesmo para não ter que pagar pensão alimentícia, nem sempre a Alienação Parental é praticada por meio de “lavagem cerebral” ou discursos atentatórios à outra figura. Para Silva (2010, p. 44), na maior parte dos casos, o cônjuge titular da guarda, diante da resistência do filho em ir ao encontro do outro genitor, limita-se a não interferir, permitindo que a falta de senso da criança prevaleça. A separação por mútuo consentimento, com as partes entrando em acordo, pouco prejudica os filhos (DIAS, 2003, p. 101). Segundo Silva (2010, p. 54), na separação consensual permanecem as obrigações e os deveres na educação dos filhos e nos cuidados necessários ao desenvolvimento das crianças em todas as áreas, como emocional e psicológica. A guarda compartilhada não permite, portanto, que nenhum dos pais se exima de suas responsabilidades, muito menos que um dos pais não possa exercer esse dever para com a vida dos filhos, e por fim, garante que permaneça a convivência dos pais com o filho, mesmo após a dissolução do casamento ou da união estável. Na guarda compartilhada, os pais vão gerir a vida dos filhos acerca de todos os eventos e 14 decisões referentes a eles (FIORELLI & MANGINI. 2009, p. 308-309). Os pais decidem e participam em igualdade de condições exatamente da mesma maneira como faziam quando estavam unidos conjugalmente, de forma que nenhum deles ficará relegado a um papel secundário, como mero provedor de pensão ou limitado a visitas de fim de semana. Para Trindade (2008. p. 102), alienar uma criança ou adolescente é considerado um comportamento abusivo, tal como um abuso sexual ou físico. Na maioria dos casos, a Alienação Parental não afeta apenas a criança ( ou o adolescente), mas afeta também todos ao redor dela, como familiares, amigos, colegas de escola, entre outros, privando, assim, a criança do necessário convívio com todo o núcleo familiar e afetivo no qual ela deveria estar inserida. Coltro & Delgado (2009, p. 54) lembram ainda que, quando as crianças são muito pequenas, até a idade de quatro ou cinco anos, ou nos casos em que há muita insegurança dos filhos, não se aconselha a guarda compartilhada, tendo em vista que “a criança necessita de um contexto o mais estável possível para o delineamento satisfatório de sua personalidade. Conviver ora com a mãe e ora com o pai em ambientes físicos diferentes requer capacidade de adaptação e de codificação- decodificação da realidade só possível com crianças mais velhas”. Esses mesmos autores aconselham que crianças nessas condições sejam permanentemente acompanhadas, no sentido de avaliar sua capacidade psicológica específica de adaptação. Para Silva (2010, p. 46), abusos psicológicos, como a Alienação Parental, são vistos de forma minimizada, e reducionista, como se fossem um desentendimento passageiro entre ex-companheiros, ou então há o preconceito de que, se o pai ou a mãe está sendo vítima de situação semelhante, é porque de alguma forma “merece” passar por isso. A Alienação Parental opera-se pelo pai ou pela mãe, ou, no pior dos casos, pelos dois. Essas manobras não são praticadas exclusivamente por um dos dois sexos, mas se relacionam à estrutura da personalidade de um ou de outro membro também de acordo com a natureza da interação antes da separação do casal (COLTRO & DELGADO, 2009. p. 55). Silva (2010, p. 55), diz que até o advento da Lei nº 12.013/2009, muitos alienadores impediam e até proibiam as instituições escolares de fornecerem informações acerca do rendimento escolar e do comportamento do filho ao outro pai, 15 alegando que o outro “não é o guardião” e “não é o provedor financeiro”. Diante desse quadro, as escolas cometiam a postura equivocada de confundir guarda com poder familiar (o poder familiar é inerente à condição de ser “pai” ou “mãe” de um menor, independentemente de exercer a guarda ou não). Em decorrência da Lei nº 12.013/2009, que modifica a Lei de Diretrizes e Bases (LBD), os estabelecimentos escolares passaram a ser obrigados a fornecer as informações escolares aos pais separados, conviventes ou não. Segundo Muzio (1988, p. 166), “ser mãe e pai implica apropriar-se de um papel social construído historicamente”. A assimilação, bem como a diferenciação entre esses papeis, acontece já no processo de socialização inicial de homens e mulheres. Mudanças, hoje, quanto acontece já no processo de socialização inicial entre homens e mulheres. Mudanças, hoje, quanto ao exercício de paternidade, não estão desvinculadas de uma série de transformações ocorridas nos últimos tempos, tanto nas relações de gênero quanto no âmbito socioeconômico e legal. Ser um pai participativo não é o ideal a ser atingido por todos os homens, pois tal entendimento “pressupõe a existência de uma espécie de essência de pai a ser alcançada por todos” Muzio (1998, p.166). Quanto ao modo de abordagem da futura monografia, a pesquisa será qualitativa, segundo Mezzaroba e Monteiro (2009), pois o que se procura atingir é a identificação da natureza e do alcance do tema a ser investigado, utilizando-se, para isso, exame pelo qual se buscarão as interpretações possíveis para o fenômeno jurídico em análise, que no caso abordará a possibilidade de aplicação do instituto da mediação familiar nos casos advindos da prática do ato de alienação parental. O enfoque qualitativo normalmente está baseado em métodos de coleta de dados, mas sem medição numérica, utilizando-se das descrições e das observações, buscando principalmente a expansão dos dados ou da informação, ao contrário do quantitativo, que busca delimitar a informação, medindo com precisão numérica e/ou estatisticamente os dados coletados. Portanto, na pesquisa qualitativa: [...] questões e hipóteses surgem como parte do processo de pesquisa, que é flexível e se move entre os eventos e sua interpretação, entre as respostas e o desenvolvimento da teoria. Seu propósito consiste em ‘reconstruir’ a realidade, tal como é observada pelos atores de um sistema social predefinido. Muitas vezes é 16 chamado de ‘holístico’ porque considera o ‘todo’, sem reduzi-lo ao estudo de suas partes (SAMPIERI; COLLADO; LUCIO, 2006, p. 5). Para esses doutrinadores, os estudos qualitativos não pretendem generalizar os resultados da pesquisa para populações mais amplas, mas apenas descrever e interpretar o que foi observado e percebido, além de captar experiências na linguagem dos indivíduos pesquisados, analisar ambientes usuais (como as pessoas vivem, se comportam, o que pensam, como atuam, quais são suas atitudes, etc.), descrever situações, eventos, pessoas, interações, condutas observadas e suas manifestações, dentre outras possibilidades. 17 3 A EVOLUÇÃO DA FAMÍLIA E A ALIENAÇÃO PARENTAL A família surgiu espontaneamente, devido à natureza do homem em se agrupar; assim, esse instituto foi sofrendo alterações ao longo da história. Não há como se estudar a família sem considerar o patriarcado que regeu essas relações por um longo período, desde Roma (ROMANO, 2017). O pater família exercia poder sobre sua esposa e filhos, sendo o pater a figura de autoridade dentro do lar; assim, a família, naquele período, era marcada pela autoridade (GONÇALVES, 2018, p.31). No Brasil, a família seguiu os moldes patriarcais por grande período; em 1916 o país teve o seu primeiro Código Civil e o que se observa é uma Leiem que se criou o conceito de família legítima, assim, os filhos nascidos fora do matrimônio eram ilegítimos; a mulher se submetia ao poder do homem, ou seja, estavam presentes a hierarquia, o patriarcado e o cristianismo (AZEVEDO, 2011, p. 170). Até 1977, não se falava em divórcio no Brasil; foi somente em 1977, através da Emenda Constitucional n° 19, que houve a implementação do divórcio; antes disso, o que se tinha era somente o desquite, ou seja, encerrava-se a sociedade conjugal, com a separação de corpos e bens, mas não se extinguia o vínculo do matrimônio. Assim, se a pessoa desquitada desejasse se unir com outra pessoa, sequer teria respaldo legal (BELTRÃO, 2017). Foi através da Constituição Federal de 1988 que os moldes da família notavelmente se transformou; a Carta Magna trouxe em seu cerne a proteção da Família pelo Estado, passando a vigorar a igualdade entre filhos, independentemente de serem ou não advindos do matrimônio, além da igualdade entre cônjuges (BRASIL, 1988). O que se tem, portanto, é uma transição da família nos moldes patriarcais para uma família regida pelo afeto, em que os cônjuges buscam conjuntamente a realização pessoal e a dignidade humana de ambos deve ser respeitada. Conforme leciona Barroso (2015, p. 493): “A Constituição de 1988 foi o rito de passagem para a maturidade institucional brasileira”. Posteriormente, ainda que tardiamente, foi criado o Código Civil ainda vigente, em 2002; o texto legal visou se adequar aos princípios da CF/88, abandonando também os moldes patriarcais (BRASIL, 2002). Após essa contextualização, cumpre o estudo acerca da filiação e de como ficavam os filhos após os reajustes familiares; assim, prevaleceu a convivência familiar 18 e a construção de laços afetivos, independente de consanguinidade ou do estado civil dos genitores. A Lei 11.112/2005 tornou obrigatório a estipulação da convivência dos genitores com os filhos, após ocorrido o divórcio. Posteriormente, foi sancionada a Lei 11.698/2008, Lei da Guarda Compartilhada: |...] A guarda exclusiva, atribuída pelo juiz em virtude de desacordo entre os pais, só se verificaria na inviabilidade da guarda compartilhada, mas sempre respeitando o melhor interesse do menor a partir da identificação do genitor que apresentar melhores aptidões para o cuidado diário e efetivo do filho. Em 2014, a Lei 13.058 torna esta modalidade obrigatória. (MADALENO; MADALENO, 2018, p.36). Neste cenário, qual seja, a transformação da família e a possibilidade de rearranjos familiares, trazidas pela Emenda Constitucional que possibilitou o divórcio, algumas novas situações passaram a surgir, sendo uma delas a possível dificuldade que o genitor pode se deparar no que tange à convivência com os filhos, após a extinção do vínculo matrimonial; a essa situação, dá-se o nome de alienação parental. O termo alienação parental surgiu inicialmente através de Richard Gardner, professor de psiquiatria clínica no Departamento de Psiquiatria Infantil da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, aproximadamente em 1980. Gardner apresentou o termo como uma síndrome (SAP), uma perturbação da infância ou adolescência que seria comum em meio a uma separação conjugal e estaria relacionada à uma campanha feita por um dos pais junto à criança, para rejeitar ou até mesmo odiar o outro (GARDNER, 1985); apesar do psiquiatra ter encontrado apoiadores, foi alvo também de muitas críticas, haja vista que não há comprovação científica para essa síndrome. No Brasil, foi sancionada em 2010, a Lei n° 12.318, colocando o país em uma espécie de vanguarda na legislação específica sobre a alienação parental. Porém, diversamente das ideias de Gardner, a legislação brasileira não trata a alienação parental como uma síndrome e sim como um comportamento sobre o qual incide intervenção judicial. Nesse escopo, a partir da ruptura do casamento, é muito comum que um dos cônjuges não consiga processar de maneira adequada sentimentos como rejeição e raiva, de maneira que se torna inevitável o desejo de vingança. Assim, inicia-se uma campanha de desmoralização do outro genitor perante os filhos, de maneira que sua 19 imagem seja prejudicada o que, na maioria das vezes, acaba por afastá-lo dos filhos (DIAS, 2010). 3.1 O ADVENTO DA LEI N° 12.318/10 O dispositivo de Lei n° 12.318, sancionado em 2010, conceitua a alienação parental como um comportamento de um indivíduo, denominado alienador, que possui nítida intenção de depreciar a imagem de um dos genitores perante a criança ou adolescente (FIGUEIREDO; ALEXNDRIDIS, 2014, p.87). Nesse sentido, o legislador procurou definir, no artigo 2o, os agentes que causam e sofrem esse comportamento, bem como ramificar as possíveis manifestações desse comportamento: Art. 2° Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este. Parágrafo único. São formas exemplificativas de alienação parental, além dos atos assim declarados pelo juiz ou constatados por perícia, praticados diretamente ou com auxílio de terceiros: I - realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade; II - dificultar o exercício da autoridade parental; III - dificultar contato de criança ou adolescente com genitor; IV - dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar; V - omitir deliberadamente do genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço; VI - apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente; VII - mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós. (BRASIL, 2010 Dentre outras coisas, se extrai do supramencionado artigo, que os agentes que podem protagonizar essa intervenção prejudicial na formação psicológica da criança ou do adolescente não são somente os genitores, podendo ser avós ou qualquer um que possua a guarda ou que esteja cuidando dos menores. O inciso I do supramencionado dispositivo identifica uma forma de alienação parental em que um dos genitores procura depreciar o desempenho do outro, fazendo com que o mesmo não pareça qualificado para ser pai ou mãe, enquanto direciona para si a atenção, na intenção de demonstrar que desempenha perfeitamente os papéis nos quais o outro genitor é insuficiente, o que cria na criança uma confusão 20 que, na maioria das vezes, gera o afastamento do genitor que teve seu papel questionado (FIGUEIREDO; ALEXNDRIDIS, 2014, p.88). No inciso III deste artigo, é abordado o convívio familiar e como este não pode ser rompido com o fim do casamento ou convívio dos pais. Isso porque esse contato deve ir muito além dos momentos estipulados para a visita, podendo ser utilizado o telefone, troca de mensagens, vídeo-chamada, entre outros. De maneira que, quando o genitor que possui a guarda do filho dificulta esse contato, pode estar praticando alienação parental. O dispositivo fala também, no inciso IV, a respeito da situação onde o genitor dificulta de alguma maneira não somente outros meios de convivência, mas as visitas legalmente estipuladas. Mesmo diante da regulamentação de visitas, se o genitor que possui a guarda agir de maneira a impedidas de qualquer maneira, também será considerado alienador. No inciso V, é disposto a respeito da prática de omitir do genitor, que não está com a guarda, informaçõespessoais a respeito dos filhos, de maneira que ele não consiga participar efetivamente da vida deles. A seguir, no inciso VI, evidencia-se que a alienação parental também pode ser promovida através de falsas denúncias contra o outro genitor ou familiares, sejam elas de maus tratos ou abuso sexual, ambas extremamente graves e que causam consequências não só para o genitor acusado e para os filhos, mas para toda família (FIGUEIREDO; ALEXNDRIDIS, 2014, p.101). Adiante, no artigo 3o, da Lei 12.318/10, é abordado que a alienação parental vai contra o direito fundamental da criança e do adolescente a um bom convívio familiar, ferindo, assim, o princípio da dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, a prática vai contra valores que são indissociáveis à proteção constitucional dada à família. O inciso I, do art. 6o da supramencionada Lei, traz a possibilidade de advertir o alienador para que interrompa a prática; essa advertência, facultada ao magistrado, deve conter cunho educativo e reiterar as demais consequências caso o alienador continue com as mesmas ações. No inciso II, a Lei aborda a possibilidade de “ampliar o regime de convivência familiar em favor do genitor alienado” justamente para mitigar as consequências do afastamento gerado pela prática da alienação parental. O inciso III menciona a possibilidade de aplicação de multa ao alienador. Já o inciso IV de acompanhamento psicológico. Isto porque parte do princípio de que o fenômeno 21 ocorre a partir de desvios de comportamento do alienador, por isso a possibilidade de submetê-lo a tratamento psicológico. Por fim, da análise da Lei 12.318/10, convém ressaltar o inciso V, do artigo 6o, que prevê a faculdade do juiz de determinar a alteração ou inversão da guarda e a suspensão do poder familiar, diante dos casos de alienação parental; baseado no fato de que ao alienar, o genitor detentor da guarda não está agindo de acordo com o princípio do melhor interesse do menor, podendo, portanto, acarretar nessas medidas. 3.2 A ALIENAÇÃO PARENTAL E AS CONTROVÉRSIAS A Lei da Alienação parental completa dez anos no ano de 2020, data marcada por algumas controvérsias e questionamentos a respeito da sua eficácia. A deputada Iracema Portella, apresentou o Projeto de Lei 6.371/19 que revoga o dispositivo, este atualmente aguarda designação de Relator na Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF). A justificativa para o projeto de revogação da Lei da Alienação Parental baseia- se, substancialmente, na ausência de pesquisas e periódicos científicos sobre o tema, além de manifestações contrárias de órgãos especializados ao uso da teoria (preconizada pelo psiquiatra Richard Gardner), tais como a Organização Mundial de Saúde, a Associação Americana de Psiquiatria e a Associação Espanhola de Neuropsiquiatria. A deputada aponta que a lei estaria sendo utilizada como instrumento de defesa por partes de pais abusadores, que se utilizam do fato de que, muitas vezes, abusos sexuais não conseguem detectados em perícias, para manter o convívio com os filhos e até mesmo tirá-los da tutela da mãe. Nesse sentido, os que criticam o dispositivo têm ressalvas especialmente em relação ao inciso V, do artigo 6o, que prevê a “alteração da guarda para guarda compartilhada ou sua inversão” como punição para o genitor que pratica a alienação parental. Isso porque, diante da recorrente dificuldade de se comprovar o abuso sexual, o abusador invoca o mencionado artigo, conseguindo, muitas vezes, não somente conviver com a vítima, mas inverter para si a tutela da mesma. A justificação para a revogação da Lei 12.318/10 traz ainda a ideia de que ela desrespeita a Declaração Universal dos Direitos da Criança, adotada pela Assembleia 22 das Nações Unidas de 20 de novembro de 1959 e ratificada pelo Brasil, destacando especialmente o 6o princípio da mesma, “in verbis”: Para o desenvolvimento completo e harmonioso de sua personalidade, a criança precisa de amor e compreensão. Criar-se-á, sempre que possível, aos cuidados e sob a responsabilidade dos pais e, em qualquer hipótese, num ambiente de afeto e de segurança moral e material, salvo circunstâncias excepcionais, a criança da tenra idade não será apartada da mãe. À sociedade e às autoridades públicas caberá a obrigação de propiciar cuidados especiais às crianças sem família e aquelas que carecem de meios adequados de subsistência. É desejável a prestação de ajuda oficial e de outra natureza em prol da manutenção dos filhos de famílias numerosas. Além disso, a deputada aponta que a Lei fere princípios constitucionais, quando acaba por entregar “crianças e adolescentes a pais acusados de violência física ou sexual ” e o Estatuto da Criança e do Adolescente, “ao desconsiderar a primazia do direito da criança e do adolescente à proteção contra qualquer forma de violência ou agressão, permitindo até que se desacredite nas palavras da própria criança ou daqueles que buscam protegê-la em benefício de seu algoz” (PORTELLA, 2019, p. 6). Porém, em que pese, por um lado, a Lei da Alienação Parental sofra severas críticas, parte dos especialistas aponta que sua revogação representaria um atraso para a justiça brasileira, defendendo então que a mesmo passe por alterações ao invés de ser revogada. Nesse sentido, a advogada Silvia Felipe (2019) aponta que: Existem falhas no sistema judiciário, principalmente em relação à realização das perícias judiciais. Para fazer perícia com a criança há poucos profissionais, alguns desmotivados pelo excesso de trabalho. De fato, nosso corpo técnico pode ter melhorias, que são sempre bem-vindas. A lei foi um avanço no Direito de Família por reconhecer a responsabilidade psicológica dos pais em relação às crianças. Muitos possíveis alienadores mudam seus comportamentos por saber que existe a Lei e receberem devida orientação sobre os efeitos de seu comportamento. Não dá para culpar a LAP pelo comportamento de algumas pessoas mal-intencionadas. É comum em casos de guarda que os pais levem os problemas conjugais para a relação parental e acabem agindo dessa forma. O Instituto Brasileiro de Direito de Família, até então, se posiciona também contrário à revogação da lei supramencionada, seus membros apontam que as críticas à mesma seriam infundadas e que a lei deve ser mantida em sua integralidade (PEREIRA, 2019), no sentido de que o mais adequado seria prevenir a má utilização da lei. Nessa linha, o que se defende é que para prevenir uma interpretação equívoca dessa lei, o ideal é que se promova um amplo debate a respeito do tema. Por fim, o que se tem é que se trata de uma lei polêmica desde sua edição, conforme explica Maria Estarque (2018): “A lei foi criticada desde a sua criação. O 23 Conselho Federal de Psicologia sempre se opôs à medida, por considerar que acirrava os conflitos familiares e por avaliar que a teoria da alienação parental carece de comprovação científica”. Assim, conclui-se que as opiniões acerca desta lei são variadas; para o presente trabalho o que se cumpre é explicar a lei e o que essa prevê como alienação parental, a fim de conectar a prática ao novo problema que o mundo vem enfrentando: a pandemia covid-19. 24 4. O ISOLAMENTO SOCIAL DECORRENTE DA PANDEMIA COVID-19 O termo “pandemia” é utilizado “para referir-se a uma doença que se espalhou por várias partes do mundo de maneira simultânea, havendo uma transmissão sustentada dela” (SANTOS, 2020); essa realidade tem sido encarada pelo mundo nos tempos atuais, devido ao novo coronavírus. Devido ao fato de se tratar de uma doença até então desconhecida, o que se notou foi que esta é de fácil transmissão e, assim, a Organização Mundial da Saúde passou a recomendar o isolamento social como uma das medidas de combate ao vírus. Asituação da contaminação pela covid-19 no Brasil é alarmante, o país tem subido rapidamente nos rankings, ocupando a 14° posição no ranking de mortes pelo vírus no mundo, segundo dados extraídos em julho de 2020 (FRANCO, 2020). A orientação é manter o distanciamento social e tomar os devidos cuidados de higiene; o que se nota é que a sociedade tem enfrentado uma série de desafios para se adequar a essa nova realidade e, assim, muitas demandas têm sido levadas ao Judiciário. Não há como um desafio desta dimensão não afetar todas as áreas do direito e com a área da família não foi diferente, o que se notou foi um grande aumento de denúncias de violência doméstica, bem como o inadimplemento de pensão alimentícia em vista da crise econômica que o Brasil vem enfrentando por precisar paralisar por tempo considerável o comércio e também houve grandes dificuldades para a adaptação da dinâmica de visita dos filhos, bem como das guardas compartilhadas. 4.1 ISOLAMENTO SOCIAL E A ALIENAÇÃO PARENTAL Em síntese, a alienação parental é um fenômeno já muito vivenciado na esfera familiar e que causa grandes prejuízos para a formação social e afetiva dos filhos; a pandemia traz impactos nessa seara, uma vez que a recomendação da OMS é o distanciamento social, podendo essa recomendação ser usada como fundamento para que o genitor pratique alienação parental. Como seguir as recomendações para preservar a saúde dos filhos, sem que isso enseje alienação parental? Impedir as visitas é um fenômeno de alienação parental? Como o Judiciário tem enfrentado essas questões? 25 E imprescindível a compreensão acerca da importância de os filhos conviverem com ambos os genitores, independentemente do tipo de guarda. O que se observa é que, muitas vezes, após a ruptura de um relacionamento, sobram mágoas que passam a interferir na relação dos pais com os filhos, em virtude de um deles se tomar alienador e colocar o filho contra o outro. Na atual conjuntura em que o país vem enfrentando com o novo coronavírus, se observou um aumento das demandas concernentes à guarda e visitas no Judiciário. Isso porque muitos genitores não têm entrado em consenso e a pandemia virou, para alguns, pretexto para praticar alienação parental. E, portanto, um desafio a ser enfrentado, haja vista que, ainda que a OMS recomende o distanciamento social, não há como simplesmente impedir os genitores de terem contato com o menor, pois isso pode acarretar em grandes prejuízos. A convivência e o exercício das responsabilidades parentais não precisam ocorrer somente via presencial; existem inúmeros meios de se manter contato nos dias atuais, seja através de ligações de videoconferência, por ligação telefônica, por mensagens etc. Ademais, se houver formas de possibilitar os encontros pessoalmente, sem colocar em risco a integridade física da criança, é importante que se encontre meios de fazê-lo, visando justamente não causar danos à sua integridade psíquica. O direito à convivência familiar é um direito fundamental, previsto na Constituição Federal: Art. 227 É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária [...] (BRASIL, 1988). Assim, é de suma importância não tolher o direito da criança e do adolescente de ter convivência familiar, a menos que por alguma razão relevante e justificada, como é o caso da pandemia e o risco de saúde que o menor poderá correr no deslocamento até o outro genitor e também no contato com este. Contudo, não há e nunca deverá haver espaço e justificativa para qualquer tipo de alienação parental. A alienação parental é um modelo de abuso psicológico difícil de diagnosticar. É preciso ficar atento, pois muitas vezes é tão sutil, que nem os familiares mais próximos conseguem perceber. É óbvio que quando há o distanciamento físico, a alienação parental pode aumentar. Mas o que tem que ser passado para o filho, nesse momento, é a segurança de que toda a 26 família o está protegendo. E que, após esse período, os genitores vão continuar a conviver com ele do jeito que sempre foi. Isso faz com que a criança se sinta fortalecida. (TJES, 2020). O quadro ideal é aquele em que há efetivos esforços dos genitores a fim de manter a convivência dos filhos com ambos e o consenso entre eles de que o que deve ser priorizado é o bem-estar e a saúde do menor; em relação a vínculos de filiação, não há espaço para utilizar-se dos filhos como forma de vingança. Não importa se os genitores possuem uma relação amigável, é preciso que o interesse do menor seja sempre colocado em primeiro lugar, a fim de não trazer nenhum trauma a este. Para quem já usa o expediente da alienação parental, parece que o isolamento social obrigatório virou uma desculpa perfeita para retirar completamente da vida do filho a presença de um dos pais. A questão é muito sensível e merece especial atenção. É preciso verificar se esse afastamento específico é realmente necessário para preservar a saúde do menor ou não. Em caso positivo, deve ser utilizada toda a tecnologia disponível para minimizar a distância (internet, smartphones etc) entre pais e filhos, bem como precisam ser verificadas futuras compensações. (NEGRELLI, 2020). Há inúmeras saídas a fim de solucionar o impasse de manter a convivência com os filhos durante a pandemia, como o uso da tecnologia, para aqueles que possuem acesso e, posteriormente, “compensar” os dias que o outro genitor tinha direito de estar com o filho; ou um acordo entre os genitores de não deslocar o menor a todo tempo, mas após um período de 15 dias, por exemplo; estipular um período maior para o filho estar com o outro genitor, após a pandemia; planejar formas de manter contato por videoconferência, quando possível etc. O momento é delicado, em virtude do pouco conhecimento que se tem acerca da COVID-19, restando, desta forma, apenas seguir o que é recomendado pelos órgãos de saúde; portanto, respeitar o distanciamento social e suspender o direito de convivência entre o menor e o genitor, não pode ser considerado, por si só, alienação parental. A suspensão da convivência pessoal neste momento social é o que tutela o melhor interesse dos filhos. Inclusive, para os pais que vivem em cidades diferentes, a convivência das crianças não pode ser presencial e devemos no socorrer dos meios de comunicação virtual para permitir a coexistência de outra forma. (IBIAS; SILVEIRA. 2020). Dessa forma, para que seja considerada alienação parental, é preciso analisar caso a caso; há situações em que realmente o filho estaria sendo exposto se convivesse com o genitor (em caso deste último ser da área de saúde, por exemplo); há situações em que não há possibilidade de o menor manter contato via meios 27 tecnológicos com seu genitor, sendo, portanto, a suspensão de visitas uma quebra total de convivência. E necessário também analisar a intenção do genitor que se encontra com o menor, observar se o distanciamento é realmente justificado ou está servindo como uma “desculpa” para a alienação. O artigo 1.586 do Código Civil dispõe que: “havendo motivos graves, poderá o juiz, em qualquer caso, a bem dos filhos, regular de maneira diferente da estabelecida nos artigos antecedentes a situação deles com os pais” (BRASIL, 2002). Assim, resta claro que a pandemia é um motivo grave e, a depender do caso concreto, o contato físico dos genitores com os filhos podem sim ser restringido. O fato é que se trata de uma situação excepcional e inesperada, portanto, torna-se importante que os genitores busquem acordos entre si, observando o melhor para a criança ou o adolescente. A inclinação do Judiciário tem sidono sentido de suspender a convivência presencial, em vista da recomendação da OMS. Trata-se de uma tentativa de preservar o menor, em vista dos riscos a que esse poderá ser exposto na manutenção das visitas. O jurista Rodrigo da Cunha Pereira (2020) tece uma importância crítica acerca da posição adotada pelo Judiciário: A suspensão das “visitas”, na maioria dos casos, é sempre em favor da mãe. E aqui tem funcionado como nos juizados de violência doméstica: a medida protetiva é sempre concedida, e se toma até mesmo uma medida de segurança para os juízes, pois caso a negue, e o marido/companheiro/namorado, mate a mulher, o juiz estaria implicado em alguma responsabilidade pela não concessão da medida protetiva. Da mesma forma, poderiam ser responsabilizados, se a não suspensão da “visita” resultar em contaminação pelo vírus. Melhor pecar pelo excesso do que pela falta, até porquê ficar sem contato físico com o filho por um ou dois meses, por mais doloroso que seja, não mata ninguém. Mas o contrário, sim, pode matar. Imagino que esta seja a lógica da maioria destas decisões. De toda forma, em vista da impossibilidade de manter a convivência do menor com ambos os genitores de forma plena, sem que isso acarrete em riscos à saúde, é preciso que a criatividade e o bom senso vigorem essa nova dinâmica a fim de garantir que o distanciamento social não signifique o isolamento dos pais em face dos filhos. A advogada Carolina Alt (2020) traz considerações importantes: [...] entristece o fato de a quarentena estar sendo utilizada como um pretexto para tolher o vínculo afetivo da criança ou adolescente e o seu progenitor, levando em consideração que as consequências geradas pelo ato da alienação parental podem ser devastadoras na vida de uma criança ou adolescente. Espera-se que o período de quarentena sirva como um momento de reflexão, para que nos tomemos humanos mais solidários e tenhamos um novo olhar sobre as relações familiares. Somente assim, 28 garantiremos a observância do princípio do melhor interesse da criança e, por fim, combateremos a triste síndrome da alienação parental. Não há uma regra especial adotada pelo Judiciário acerca do exercício da guarda compartilhada e do direito de visita durante a pandemia. Explica a magistrada Fabrícia Calhau Novaretti (TJES, 2020): As regras para o exercício da guarda permanecem as mesmas estabelecidas anteriormente, mas ambos os pais devem tomar as devidas cautelas no tocante a saúde das crianças. Evitar sair de casar, evitar transportes públicos e atender às determinações das autoridades de saúde. Sempre olhando para o superior interesse da criança, para que ela fique sempre protegida. Em suma, é preciso ponderar o que visa o melhor interesse do menor, a fim de não se tomar medidas drásticas; a busca pelo meio termo é imprescindível e é um fato que o direito de família enfrenta e enfrentará desdobramentos na seara da família durante essa pandemia e no período pós-pandemia. 29 CONSIDERAÇÕES FINAIS Percebendo essas dificuldades, o mediador, a partir do restabelecimento do diálogo entre as partes envolvidas, busca trabalhar essa diferenciação a fim de que os mediados compreendam que a separação põe fim unicamente à relação conjugal, permanecendo a responsabilidade de ambos os pais em relação à educação e à criação dos filhos enquanto menores, e a assistência deles quando maiores. É neles que os ex-cônjuges acabam depositando toda a sua carga emocional, suas tristezas e angústias, buscando incessantemente a exclusão de um dos genitores da relação com os filhos ou, então, instigando-os a optar entre a convivência com um ou outro, chegando a configurar a denominada Alienação Parental. Nesse contexto conflitivo, o mediador exerce papel fundamental, pois a compreensão da distinção entre conjugalidade e parentalidade por parte do ex-casal estimula-os a refletir sobre as atitudes que estão adotando em relação aos filhos. Mais, estimula-os a trabalhar o divórcio psíquico e a perceber que a forma como conduzem o processo de separação reflete diretamente na vida dos filhos, podendo- lhes causar graves sequelas quando mal conduzido. Para dar ênfase ao entendimento supramencionado, citam-se as palavras de Luís Otávio Sigaud Furquim que corroboram com o tema abordado: É importante salientar que, quando o casamento termina, cessa apenas a relação de conjugalidade, mantendo-se, então, a relação de parentalidade, que vai ser exercida e compartilhada entre pais e filhos para sempre (2008, p. Assim, o que se espera do ex-casal é que a partir do procedimento de mediação familiar consigam visualizar de forma clara o que diz respeito à conjugalidade e à parentalidade para, em um momento posterior, poder dialogar sobre assuntos referentes a esses aspectos, mantendo sempre o respeito mútuo, a fim de decidir juntos as questões relativas aos filhos, privilegiando a qualidade de vida e o bem estar destes, amenizando as perdas e os sofrimentos suportados com a separação. Não se pode permitir que as divergências existentes entre ex-casais sejam utilizadas como justificativas para o afastamento da criança do convívio familiar, a final de contas, pai e mãe são igualmente essenciais na constituição dos filhos enquanto sujeitos, devendo compartilhar as tarefas inerentes à criação, educação, assistência, 30 afeto e amor. Sobre esse aspecto, destaca-se a colocação feita por Furquim quanto à importância das relações familiares: A convivência com ambos os pais é fundamental para a construção da identidade social e subjetiva da criança. A diferença das funções de pai e mãe é importante para a formação dos filhos, pois essas funções são complementares e não implicam na hegemonia de um sobre o outro (2008, p.80). A relevância da presença materna e paterna para o desenvolvimento da criança é, portanto, indiscutível e, em casos de separação conjugal, é de fundamental importância que sejam abordadas e trabalhadas pelo mediador familiar e pelos mediados questões relativas à conjugalidade e à parentalidade, pois a sua diferenciação pode ser fundamental para evitar desentendimentos em relação aos filhos, possíveis práticas de Alienação Parental ou até mesmo para que essa prática seja interrompida. Dessa forma, tem-se que a mediação possibilita a comunicação entre os mediados e consequentemente a readaptação desses a sua nova realidade de vida enquanto ex-casal, bem como a remodelagem do exercício da parentalidade, a qual precisa ser adaptada ao contexto de separação conjugal a fim de priorizar o “melhor interesse da criança”, mantendo-se o contato desta com ambos os genitores, zelando pela sua integridade física, moral e intelectual. 31 REFERÊNCIAS ALT, Carolina. 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