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2018 Parâmetros de ensino em Língua BrasiLeira de sinais Como L1 Prof. Nilma Moreira da Penha Copyright © UNIASSELVI 2018 Elaboração: Prof. Nilma Moreira da Penha Revisão, Diagramação e Produção: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. P399p Penha, Nilma Moreira da Parâmetros de ensino em língua brasileira de sinais como l1. / Nilma Moreira da Penha – Indaial: UNIASSELVI, 2018. 209 p.; il. ISBN 978-85-515-0206-8 1.Língua de sinais – Brasil. 2.Língua brasileira de sinais – Brasil. 3.Surdos – Educação – Brasil. II. Centro Universitário Leonardo Da Vinci. CDD 419 Impresso por: III aPresentação Prezado acadêmico! É com satisfação que apresentamos a você a disciplina de Parâmetros de Ensino em Língua Brasileira de Sinais como L1. Este livro foi formulado com muito carinho, estudo, pesquisa e dedicação para apresentarmos orientações teóricas e metodológicas que servirão como base para conduzi-lo ao conhecimento acerca das questões e debates que envolvem os parâmetros de ensino em relação às línguas de sinais e, consequentemente, o processo de ensino e aprendizagem dos surdos, assim como a aquisição da língua de sinais. Este material aborda diferentes concepções teóricas com o intuito de problematizar e nos fazer refletir sobre o tema, tendo o objetivo de nos oferecer uma visão ampla dos diversos aspectos relacionados ao processo de ensino-aprendizagem da Libras. Conforme você, acadêmico, tem estudado no decorrer deste curso, nas demais disciplinas, a Libras é uma língua que se destaca pela sua modalidade visual-espacial, é uma língua natural e tem aspectos culturais e de identidade. A Libras é reconhecida na legislação brasileira como língua e da comunidade surda. Pretendemos destacar, neste livro de estudos, a importância da Libras como L1 para o surdo, bem como os aspectos relevantes sobre esse tema tão importante. Na Unidade 1 do livro, nós mostraremos aspectos relacionados à aquisição de parâmetros sintáticos em língua de sinais comparada às línguas orais em relação à aquisição de línguas de sinais como primeira língua e sobre estudos de línguas de sinais e a aquisição da linguagem e a aquisição da linguagem oral para pessoas ouvintes e pessoas surdas, bem como, a aquisição da linguagem por crianças surdas estudando o período pré-linguístico, o estágio de um sinal, o estágio das primeiras combinações e o estágio de múltiplas combinações, bem como a aquisição da sintaxe nas línguas de sinais e a aquisição da morfologia verbal na língua de sinais brasileira e da aquisição da ordem da sentença: implicações nas categorias funcionais e a aquisição de construções com foco na língua de sinais brasileira. Na Unidade 2, apresentaremos os aspectos metodológicos do ensino da língua de sinais, por meio de um contexto, situando o campo da metodologia de ensino de línguas – metodologia de ensino – metodologia de ensino de línguas. Teceremos ainda algumas conversas sobre a alfabetização e o ensino da língua de sinais e a alfabetização e letramento em sinais e escrita de sinais, assim como o ensino da língua de sinais no processo educacional da criança surda, explorando a língua de sinais –produções artísticas em sinais e os problemas IV atuais no processo educacional das crianças surdas, refletindo sobre as práticas atuais de ensino de língua de sinais, em que faremos uma introdução sobre o contexto brasileiro atual, bem como traremos alguns esboços sobre o que as pesquisas dizem em relação aos professores de língua de sinais e sua formação, bem como sobre suas práticas pedagógicas e tudo levando em consideração o processo de ensino e aprendizagem do surdo brasileiro. Na Unidade 3, discutiremos alguns aspectos relevantes em relação ao desenvolvimento linguístico no surdo, teceremos alguns apontamentos iniciais a respeito do contexto histórico e do percurso da educação da criança surda, falaremos sobre oralismo, comunicação total e bilinguismo, refletindo a respeito do desenvolvimento da linguagem na criança surda e sobre o desenvolvimento cognitivo do sujeito surdo no processo de aquisição da língua de sinais – Libras. O texto ainda tem como objetivo nos fazer estudar e refletir sobre a aquisição da linguagem e desenvolvimento cognitivo, psíquico e social do sujeito surdo, estudando alguns teóricos e temas ligados a essas questões, dentre eles: Vygotsky, Piaget e Foucault, entre outros referenciais, bem como o tema surdez. Vamos estudar também a aquisição de L2, no caso do Brasil, a Língua Portuguesa para os surdos brasileiros, e estudos sobre aquisição de L2, bem como sobre a leitura e escrita do ensino de L2, tecendo reflexões sobre a realidade do surdo no mundo ouvinte. No decorrer desse livro apresentamos uma série de atividades e no final traremos uma lista de indicações de filmes que abordam a questão da surdez e das línguas de sinais. Apresentando métodos e ideias de atividades educativas de aprendizagem para alunos surdos. Finalizaremos cada unidade com um minidicionário, com alguns sinais em Libras, referente aos temas trabalhados, para que você, acadêmico, aprenda e treine no dia a dia, oportunizando um aprendizado básico para desenvolver uma comunicação com os surdos brasileiros. É importante ter em mente que, como toda língua, para se aprender Libras é preciso treinar, e nada melhor do que treinar conversando com pessoas que são naturais dessa língua, ou seja, os surdos brasileiros usuários da Libras. Excelentes estudos! V Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades em nosso material. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em questão. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade. Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos! NOTA Olá acadêmico! Para melhorar a qualidade dos materiais ofertados a você e dinamizar ainda mais os seus estudos, a Uniasselvi disponibiliza materiais que possuem o código QR Code, que é um código que permite que você acesse um conteúdo interativo relacionado ao tema que você está estudando. Para utilizar essa ferramenta, acesse as lojas de aplicativos e baixe um leitor de QR Code. Depois, é só aproveitar mais essa facilidade para aprimorar seus estudos! UNI VI VII UNIDADE 1 – AQUISIÇÃO DE PARÂMETROS SINTÁTICOS EM LÍNGUA DE SINAIS COMPARADA ÀS LÍNGUAS ORAIS .....................1 TÓPICO 1 – AQUISIÇÃO DE LÍNGUAS DE SINAIS COMO PRIMEIRA LÍNGUA .............3 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................3 2 ESTUDOS DE LÍNGUAS DE SINAIS E A AQUISIÇÃO DALINGUAGEM ........................4 3 AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM ORAL PARA PESSOAS OUVINTES E PESSOAS SURDAS .................................................................................................6 RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................9 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................10 TÓPICO 2 – AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM POR CRIANÇAS SURDAS ..............................11 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................11 2 PERÍODO PRÉ-LINGUÍSTICO .......................................................................................................19 3 ESTÁGIO DE UM SINAL .................................................................................................................20 4 ESTÁGIO DAS PRIMEIRAS COMBINAÇÕES ...........................................................................23 5 ESTÁGIO DE MÚLTIPLAS COMBINAÇÕES .............................................................................26 RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................30 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................31 TÓPICO 3 – AQUISIÇÃO DA SINTAXE NAS LÍNGUAS DE SINAIS .....................................33 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................33 2 A AQUISIÇÃO DA MORFOLOGIA VERBAL NA LÍNGUA DE SINAIS BRASILEIRA ................................................................................................................34 3 AQUISIÇÃO DA ORDEM DA SENTENÇA: IMPLICAÇÕES NAS CATEGORIAS FUNCIONAIS ...............................................................................................38 3.1 TIPOS DE FRASES NA LIBRAS ..................................................................................................46 4 A AQUISIÇÃO DE CONSTRUÇÕES COM FOCO NAS LÍNGUAS DE SINAIS BRASILEIRAS ...........................................................................................49 5 GLOSSÁRIO COM ALGUNS SINAIS EM LIBRAS ..................................................................50 RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................56 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................57 UNIDADE 2 – ASPECTOS METODOLÓGICOS DO ENSINO DA LÍNGUA DE SINAIS, POR MEIO DE UM CONTEXTO ....................................59 TÓPICO 1 – SITUANDO O CAMPO DA METODOLOGIA DE ENSINO EM RELAÇÃO ÀS LÍNGUAS .....................................................................61 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................61 2 METODOLOGIA DE ENSINO........................................................................................................62 3 METODOLOGIA DE ENSINO DE LÍNGUAS ............................................................................64 3.1 METODOLOGIA ORALISTA ......................................................................................................68 3.2 COMUNICAÇÃO TOTAL............................................................................................................69 sumário VIII 3.3 BILINGUISMO ...............................................................................................................................69 3.4 PEDAGOGIA SURDA ...................................................................................................................70 RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................71 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................72 TÓPICO 2 – ALFABETIZAÇÃO E O ENSINO DA LÍNGUA DE SINAIS .................................73 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................73 2 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO EM SINAIS E ESCRITA DE SINAIS .........................73 3 O ENSINO DA LÍNGUA DE SINAIS NO PROCESSO EDUCACIONAL DA CRIANÇA SURDA......................................................................................................................77 4 EXPLORANDO A LÍNGUA DE SINAIS – PRODUÇÕES ARTÍSTICAS EM SINAIS ..................................................................................................................................................82 5 PROBLEMAS ATUAIS NO PROCESSO EDUCACIONAL DAS CRIANÇAS SURDAS ...............................................................................................................................................92 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................93 RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................98 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................99 TÓPICO 3 – REFLETINDO SOBRE AS PRÁTICAS ATUAIS DE ENSINO DE LÍNGUA DE SINAIS .............................................................................101 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................101 2 OS PROFESSORES DE LÍNGUA DE SINAIS E SUA FORMAÇÃO .......................................102 3 PRÁTICAS PEDAGÓGICAS ..........................................................................................................106 4 SUGESTÕES DE ALGUMAS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS ....................................................109 RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................112 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................113 UNIDADE 3 – DESENVOLVIMENTO LINGUÍSTICO NO SURDO .........................................115 TÓPICO 1 – APONTAMENTOS INICIAIS A RESPEITO DO CONTEXTO HISTÓRICO E DO PERCURSO DA EDUCAÇÃO DA CRIANÇA SURDA .............................117 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................117 2 ORALISMO, COMUNICAÇÃO TOTAL E BILINGUISMO .....................................................117 3 REFLETINDO A RESPEITO DO DESENVOLVIMENTO DALINGUAGEM NA CRIANÇA SURDA .............................................................................................................................123 RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................135 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................136 TÓPICO 2 – DESENVOLVIMENTO COGNITIVO DO SUJEITO SURDO NO PROCESSO DE AQUISIÇÃO DA LÍNGUA DE SINAIS – LIBRAS ....................137 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................137 2 AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM E DESENVOLVIMENTO COGNITIVO, PSÍQUICOE SOCIAL DO SUJEITO SURDO ..............................................................................138 3 VYGOTSKY, PIAGET E A SURDEZ ...............................................................................................140 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................146 RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................158 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................160 IX TÓPICO 3 – AQUISIÇÃO DE L2 ........................................................................................................161 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................161 2 LEITURA E ESCRITA – O ENSINO DE L2 ...................................................................................161 3 SISTEMAS DE TRANSCRIÇÃO PARA LIBRAS ........................................................................170 4 REFLEXÕES SOBRE A REALIDADE DO SURDO NO MUNDO OUVINTE .......................174 RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................180 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................181 REFERÊNCIAS .......................................................................................................................................183 ANEXO 1 ..................................................................................................................................................190 ANEXO 2 ..................................................................................................................................................193 X 1 UNIDADE 1 AQUISIÇÃO DE PARÂMETROS SINTÁTICOS EM LÍNGUA DE SINAIS COMPARADA ÀS LÍNGUAS ORAIS OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir desta unidade você será capaz de: • conceituar e diferenciar a relação entre L1 e L2 para o surdo; • entender a aquisição da Libras como L1; • compreender a organização Libras; • estudar a aquisição da sintaxe nas línguas de sinais. Esta unidade está dividida em três tópicos e em cada um deles você encontrará atividades visando à compreensão dos conteúdos apresentados. TÓPICO 1 – AQUISIÇÃO DE LÍNGUAS DE SINAIS COMO PRIMEIRA LÍNGUA TÓPICO 2 – AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM POR CRIANÇAS SURDAS TÓPICO 3 – AQUISIÇÃO DA SINTAXE NAS LÍNGUAS DE SINAIS 2 3 TÓPICO 1 UNIDADE 1 AQUISIÇÃO DE LÍNGUAS DE SINAIS COMO PRIMEIRA LÍNGUA 1 INTRODUÇÃO Prezado acadêmico! Sabemos que para as pessoas a comunicação é a maneira mais importante para expressarmos nossos pensamentos, desejos, opiniões, sentimentos e emoções. Podemos dizer que a linguagem é natural do ser humano. Desde o nosso nascimento somos expostos à comunicação, e essa comunicação se enraíza nos dando subsídios para dialogarmos com o mundo à nossa volta, seja através do choro ou do sorriso, através das palavras ou dos gestos. Além disso, é através do meio em que vivemos e no ambiente em que nascemos que adquirimos a língua que nos é natural, pelo fato de pertencer ao nosso cotidiano, para as pessoas ouvintes nascidas e que moram no Brasil, por exemplo, a língua natural é PB (Português Brasileiro). Mas antes de qualquer coisa é importante falarmos sobre língua e linguagem. IMPORTANT E De acordo com especialistas e pesquisadores da Língua portuguesa no Brasil, a Língua portuguesa brasileira se difere da língua portuguesa europeia, de acordo com o Professor e pesquisador e linguista Marcos Bagno em uma entrevista dada ao jornal Opção, disponível em: <https://www.jornalopcao.com.br/entrevistas/o-portugues-brasileiro- precisa-ser-reconhecido-como-uma-nova-lingua-e-isso-e-uma-decisao-politica-37991/>. Acesso em: 2 ago. 2018. “Muitas vezes quando nós, brasileiros, falamos sobre a necessidade de reconhecer o português brasileiro como uma língua autônoma e com um sistema linguístico próprio, ouvimos que isso é nacionalismo, maluquice ou desvario de “gente de esquerda”. Mas aqui trazemos a palavra de um especialista português que reconhece que, de fato, já existe uma “fratura”, como ele diz, que separa as duas línguas. São línguas muito próximas, claro, aparentadas. Mas já com características muito evidentes que nos permitem, de fato, fazer uma descrição mais própria do português brasileiro – inclusive usando esse nome”. Ou seja, trazemos no português brasileiro uma carga histórica, econômica, política e social que nos difere do português falado em Portugal, por isso PB (português brasileiro). Tente acessar e ler a entrevista, vale a pena, é muito interessante. Para Saussure (1987), por exemplo, a língua não se confunde com a linguagem, pois ela é somente uma parte determinada, essencial dela, indubitavelmente, sendo, ao mesmo tempo, um produto social da faculdade de linguagem e um conjunto de convenções necessárias, adotadas pelo corpo social UNIDADE 1 | AQUISIÇÃO DE PARÂMETROS SINTÁTICOS EM LÍNGUA DE SINAIS COMPARADA ÀS LÍNGUAS ORAIS 4 para possibilitar o exercício dessa faculdade nos indivíduos. Já a linguagem, por sua vez, é tida como tudo o que envolve significação, que tem valor semiótico, não se restringindo apenas a uma forma de comunicação, e é nela que o pensamento do sujeito é constituído (GOLDFELD, 1997). Como a linguagem está sempre presente no sujeito, até quando não tem a intenção de se comunicar com os outros, pois o nosso corpo fala, nossos olhos falam e nesse ínterim somos constituídos enquanto sujeitos para nós mesmos e para os outros, onde nos apresentamos e do modo como nos apresentamos; assim, constitui o sujeito, a forma como este recorta, se percebe e atua no mundo e em relação a si próprio, construindo assim sua identidade. Para alguns teóricos, como Vygotsky (1989), por exemplo, a trajetória principal do desenvolvimento psicológico da criança é uma trajetória de progressiva individualização, ou seja, é um processo que se origina nas relações sociais, interpessoais e se transforma em uma relação do sujeito consigo mesmo, ou seja, individual e intrapessoal. Assim, vemos que a língua e a linguagem são importantíssimas na constituição do sujeito, independentemente de ele ser surdo ou ouvinte. Durante muito tempo, as pesquisas e teorias elaboradas em relação à língua e à linguagem se voltaram apenas para o sujeito ouvinte, porém, com um tempo surgiram pesquisas voltadas para a língua e linguagem do sujeito que não é ouvinte. Estudos esses voltados, por exemplo, para a língua de sinais, sendo o nosso foco nesta disciplina e neste livro. Nesta Unidade 1 iremos nos debruçar a estudar a língua de sinais como L1 para os surdos, e faremos um estudo sobre a língua de sinais e sobre a aquisição da linguagem. Sempre que nos referirmos à L1 para o surdo que é brasileiro, estaremos falando da Libras (Língua Brasileira de Sinais), e L2 para esse como sendo o Português Brasileiro (isso, porque o português falado no Brasil tem suas particularidades linguísticas que não temos, por exemplo, no Português de Portugal). DICAS 2 ESTUDOS DE LÍNGUAS DE SINAIS E A AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM “A única força criativa da humanidade, sua única força utópica: a força da linguagem” (MICHON, 2005, p. 289 apud LAZZARATO, 2014, p. 55). Como a linguagem é a força criativa da humanidade, neste tópico iremos falar sobre algumas produções e teorias em relação a estudos relacionados à língua de sinais e sobre a sua aquisição por crianças surdas e a relação desta com o ensino e aprendizagem de um modo geral. TÓPICO 1 | AQUISIÇÃO DE LÍNGUAS DE SINAIS COMO PRIMEIRA LÍNGUA 5 Alguns estudos produzidos em relação a esse tema focaram em crianças surdas, filhasde pais surdos, uma vez que neste contexto a criança está exposta ao contexto adequado para a aquisição da língua de sinais acontecer de forma natural, assim como acontece com as crianças ouvintes expostas às línguas faladas, no caso do Brasil, com o PB. Outras pesquisas já remeteram a pesquisa para a aquisição tardia, uma vez que uma parte das crianças surdas nasce em famílias ouvintes, que desconhecem a língua de sinais, muitas vezes. Além disso, muitas famílias levam muito tempo até conhecerem a língua de sinais, podendo implicar a aquisição tardia. Assim, estudaremos algumas pesquisas considerando os estudos das línguas de sinais, tais como, pesquisas sobre os efeitos de modalidade da língua na aquisição da linguagem. No Brasil, a língua de sinais brasileira começou a ser investigada nas décadas de 1980 e 1990 (QUADROS, 1995, 1999) e a aquisição da língua de sinais brasileira nos anos 1990 (KARNOPP, 1994; QUADROS, 1995, 1997). Estas pesquisas têm mostrado que as crianças surdas, filhas de pais surdos, adquirem as regras de sua gramática de forma muito similar às crianças adquirindo as línguas faladas. A constituição da gramática da criança independe das variações das línguas e das modalidades em que as línguas se apresentam. Para Quadros (2007, p. 677): “Qualquer língua oral exigirá procedimentos sistemáticos e formais para ser adquirida por uma pessoa surda”. Assim, caso a pessoa surda estude, por exemplo, o PB, precisa ter procedimentos formais e sistemáticos, ou seja, sendo necessário criar estratégias de ensino e aprendizagem. Na verdade, todo ensino e aprendizagem precisa de metodologias e didática, e como o ensino da língua oral para o surdo não é diferente, diante disso, na Unidade 2 estudaremos alguns aspectos metodológicos do ensino da língua de sinais, por meio de um contexto. Como diz Chomsky (1995), independentemente da língua, a faculdade da linguagem é algo comum entre os seres humanos. Assim, a aquisição da linguagem é algo natural a todos os seres humanos, na verdade, até mesmo os animais irracionais fazem uso de suas linguagens próprias, cada um com suas particularidades. O ser humano, enquanto ser ainda mais complexo, se mostra mais envolvido em relação à linguagem, pois de um modo geral somos gerados enquanto sujeitos através da linguagem, por isso, e devido a ela, somos seres únicos, que temos uma identidade, porém, devido à linguagem nos tornamos parecidos na nossa unicidade, pois carregamos um pouco da cultura que nos foi impregnada através da linguagem, mas também deixamos, nos outros, nossas marcas por intermédio dela. Por exemplo, se você tiver um parceiro ou uma parceira, sabe o que ele ou ela está pensando por um simples gesto, isso porque você conhece a linguagem corpórea do outro. Com relação à língua de sinais é interessante observarmos que quanto mais cedo for o acesso da criança surda à linguagem que envolve a língua de UNIDADE 1 | AQUISIÇÃO DE PARÂMETROS SINTÁTICOS EM LÍNGUA DE SINAIS COMPARADA ÀS LÍNGUAS ORAIS 6 sinais, melhor será o desenvolvimento dessa criança em relação à linguagem. Na sua maioria, os linguistas têm se ocupado em identificar o que é comum entre as línguas de sinais e as línguas faladas e a importância delas em relação à linguagem. Por volta de 1960 havia um movimento intenso no sentido de “provar” que as línguas de sinais eram, de fato, línguas naturais, entretanto, atualmente, não há dúvida em relação ao estatuto linguístico das línguas de sinais. Assim, principalmente a partir da década de 1990, iniciaram-se investigações com o intuito de identificar não apenas o que era “igual”, mas também o que era “diferente” com o objetivo de enriquecer as teorias linguísticas atuais. No passado, as pesquisas linguísticas perguntavam, por exemplo, como a linguística se aplica às línguas de sinais e aos estudos da aquisição das línguas de sinais? – passando a ser, como as línguas de sinais e os estudos do processo de aquisição das línguas de sinais podem contribuir para os estudos linguísticos? Essa mudança abre novos caminhos investigativos no campo da linguística, buscando explicações para o que é diferente entre estas modalidades, até porque o que nos move é a diferença e não o igual, pronto e acabado. As possibilidades diante do novo e do diferente é que dão o toque e o tempero todo especial às mais diferentes pesquisas, e na linguística não é diferente. A partir de uma perspectiva mais ampla, o desenvolvimento da linguagem depende da interação entre os sujeitos. O conhecimento linguístico vai se construindo desde o nascimento, nos diálogos e partilhas da criança com o adulto. Assim, é importante que no cotidiano escolar haja estimulação e interação, no intuito de dar oportunidade aos alunos, sendo eles ouvintes ou surdos, para ampliar a capacidade de comunicação oral e de sinais por meio de conversas, discussões, comentários, relatos, músicas, escuta e reconto de histórias, como também jogos e brincadeiras, pois, de acordo com Lazzarato (2014, p. 55), “a igualdade é, desse modo, verificável na linguagem”. Ou seja, podemos ver a inclusão e a igualdade de tratamento entre todos os sujeitos, também, através da linguagem. 3 AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM ORAL PARA PESSOAS OUVINTES E PESSOAS SURDAS Desenvolvemos a linguagem de acordo com nossas necessidades. Para Vygotsky (1996), o uso de signos na linguagem conduz os seres humanos a uma estrutura específica do comportamento que se destaca no desenvolvimento biológico e cria novas formas de processos psicológicos enraizados na cultura. Desta forma, o ser humano, através da utilização de instrumentos, criados culturalmente ao longo do curso da história, define o seu comportamento diante da sociedade, se tornando um sujeito com traços culturais do seu entorno, como disse anteriormente. TÓPICO 1 | AQUISIÇÃO DE LÍNGUAS DE SINAIS COMO PRIMEIRA LÍNGUA 7 Assim, a pessoa desenvolve sua linguagem, conforme as suas necessidades. É importante ressaltar que entre a mãe e a criança, ou entre a criança e aquele que está próximo a ela, a comunicação se faz através de laços fraternos. Esta comunicação é natural, pois mesmo através de gestos, do choro e, às vezes, com o próprio olhar, a criança se faz entender. Com a criança surda, entretanto, ela não irá se comunicar através do som dos signos e palavras. Mas irá buscar alternativas para atingir seus objetivos de se fazer entender, assim ela começa a desenvolver sua língua natural, ou seja, a língua de sinais. De acordo com Guattari (1980, p. 178 apud Lazzarato, 2014, p. 65) “A criança não aprende apenas a falar uma língua materna; ela também aprende códigos para andar na rua, certo tipo de relação complexa com as máquinas, eletricidade etc.” Assim, podemos dizer que, independentemente de que forma a criança irá desenvolver o seu processo de comunicação e de linguagem, seja na forma oral, seja na forma gestual, ou através da língua de sinais, é por meio da linguagem que a criança tem acesso a tudo que compõe o meio social e cultural, sejam normas morais e éticas, as regras, as crenças e os mais diversos valores, reunindo assim os conhecimentos da sua cultura e, consequentemente, a sua formação enquanto indivíduo e sujeito. Prezado acadêmico! Sabemos que, por meio da linguagem, constituímos o mundo e nos construímos como sujeitos, com uma identidade, e que essa mesma linguagem é adquirida de forma espontânea, ou seja, a linguagem é o nosso meio de comunicação com o mundo. Como em nossa sociedade há o predomínio da linguagem oral, visto que a maioria das pessoas se comunica através dela, muitas vezes, a linguagem adquirida pelos surdos, a língua de sinais, não é reconhecida, e na maioria das vezes não é prestigiada como língua, ainda que possua características próprias, com estruturas diferenciadas. Além disso, muitos pais de filhos surdos possuem preconceito (no sentido de terem um conceito formado antes mesmo de conhecer a importância social e linguísticada Libras para o surdo) formado em relação à língua de sinais, ficando inseguros em permitir que os filhos aprendam Libras, por exemplo. É importante ressaltarmos que o surdo pode vir a aprender a se comunicar através da língua oral, mas esse não é um processo natural a ele, assim como os ouvintes podem aprender a se comunicar através da língua de sinas, todavia esse também não é um processo natural ao ouvinte. Mas não há problema algum em aprender a se comunicar em outra língua. Não é esta a questão que queremos mostrar aqui, mas chamar sua atenção para a importância do aprendizado da língua de sinais para os surdos. Ela é algo natural e o fato de o surdo se comunicar através da língua de sinais não faz dele uma pessoa restringida em relação ao conhecimento. A Libras, no Brasil, deve ser ofertada em cursos de licenciaturas e de fonoaudiologia, isso para que os futuros professores tenham acesso aos conceitos UNIDADE 1 | AQUISIÇÃO DE PARÂMETROS SINTÁTICOS EM LÍNGUA DE SINAIS COMPARADA ÀS LÍNGUAS ORAIS 8 básicos da Libras durante sua formação docente. Na Unidade 3, nós trataremos das questões metodológicas voltadas para o ensino e aprendizagem da Libras, e, também falaremos sobre a formação docente em relação ao ensino da Libras e em relação à Libras como disciplina obrigatória no Curso de Fonologia a partir do segundo semestre/2017, em muitas universidades, principalmente na UFMG. A disciplina já existia desde agosto de 2006 e era oferecida como optativa. Com a mudança, o estudante passou a ter a obrigação de cursá-la e ser aprovado para obter o diploma de graduação. A obrigatoriedade foi imposta pela Lei nº 10.436/2002 e pelo Decreto-lei nº 5.626/2005. 9 No Tópico 1, da Unidade 1, você viu e estudou: • A aquisição de línguas de sinais como primeira língua. • A linguagem é natural do ser humano. • Desde o nascimento somos expostos à comunicação, e essa comunicação se enraíza nos dando subsídios para dialogarmos com o mundo à nossa volta, seja através do choro ou do sorriso, através das palavras ou dos gestos. • É através do meio em que vivemos e no ambiente em que nascemos que adquirimos a língua que nos é natural, pelo fato de pertencer ao nosso cotidiano. • Para as pessoas ouvintes nascidas e que moram no Brasil, por exemplo, a língua natural é PB (Português Brasileiro). • L1para os surdos brasileiros: Libras. • L2 para os surdos brasileiros: Língua Portuguesa. • Para Saussure (1987), a língua não se confunde com a linguagem, pois ela é somente uma parte determinada, essencial dela; indubitavelmente, é, ao mesmo tempo, um produto social da faculdade de linguagem e um conjunto de convenções necessárias, adotadas pelo corpo social para possibilitar o exercício dessa faculdade nos indivíduos. • Já a linguagem é tida como tudo o que envolve significação, que tem valor semiótico, não se restringindo apenas a uma forma de comunicação, e é nela que o pensamento do sujeito é constituído (GOLDFELD, 1997). • Independentemente da língua, a faculdade da linguagem é algo comum entre os seres humanos. • Desenvolvemos a linguagem de acordo com nossas necessidades. Para Vygotsky (1996), o uso de signos na linguagem conduz os seres humanos a uma estrutura específica do comportamento que se destaca no desenvolvimento biológico e cria novas formas de processos psicológicos enraizados na cultura. RESUMO DO TÓPICO 1 10 Perguntas para a pesquisa: 1. Você é filho de pais surdos ou ouvintes? 2. Com quantos anos você passou a ter contato com a Libras? 3. Com quantos anos você passou a ter contato com o Português Brasileiro? 4. Você se considera falante da Língua Portuguesa ou da Libras? 5. Qual língua considera natural para você? O Português ou a Libras? AUTOATIVIDADE Prezado acadêmico, faça uma pesquisa rápida com pessoas que você conheça que sejam surdas, para saber qual é a relação delas com a Libras, de preferência escolha fazer com no mínimo cinco surdos. 11 TÓPICO 2 AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM POR CRIANÇAS SURDAS UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO Caro acadêmico! Conforme nossos estudos, as línguas de sinais são naturais às comunidades surdas dos países que as utilizam. Assim como as línguas faladas, as línguas de sinais não são universais, sendo que geralmente cada país apresenta a sua própria língua. No caso do Brasil, temos a Libras e, além dela, tem-se também a língua de sinais usada por uma tribo indígena brasileira chamada Urubu Kaapor, citada por Ferreira Brito (1993). As línguas de sinais apresentam-se numa modalidade diferente das línguas orais auditivas; são línguas espaço-visuais, ou seja, a realização dessas línguas não é estabelecida através do canal oral-auditivo, mas através da visão e da utilização do espaço. A diferença na modalidade determina o uso de mecanismos sintáticos específicos diferentes dos utilizados nas línguas orais. As línguas de sinais são sistemas linguísticos independentes dos sistemas das línguas orais e não são universais. As línguas de sinais, entre elas a Libras, parecem apresentar especial interesse nas pesquisas linguísticas dentro da perspectiva gerativista. As línguas de sinais podem ser exemplos de línguas que fortalecem a proposta gerativista quanto à existência de um módulo da linguagem na mente/cérebro do ser humano. Quanto aos aspectos estruturais das línguas de sinais, há dois fundamentais: a) o estabelecimento nominal e a pronominalização e b a concordância verbal (conforme podemos ver em relação aos pronomes no glossário ao final dessa unidade). Os sujeitos e objetos podem ser estabelecidos em um ponto no espaço de sinalização, quando isso ocorre, há um estabelecimento nominal e a pronominalização. Esse estabelecimento é completamente espacial e é fundamental para a concordância verbal, principalmente com referentes não presentes. Considerando que o processo de aquisição das línguas de sinais é análogo ao processo de aquisição das línguas faladas, as seções seguintes estão subdivididas nos estágios de aquisição adotados nos estudos sobre a aquisição da linguagem. O estabelecimento nominal, o sistema pronominal e a concordância verbal serão enfatizados tendo em vista que tais tópicos são fundamentais para o estabelecimento de relações gramaticais (espaciais). Até porque o fato de a criança ser surda não é empecilho para que não possa se constituir como sujeito. Essa limitação não priva a criança de adquirir sua linguagem, pode ocasionar um atraso no processo, mas não uma incapacidade. UNIDADE 1 | AQUISIÇÃO DE PARÂMETROS SINTÁTICOS EM LÍNGUA DE SINAIS COMPARADA ÀS LÍNGUAS ORAIS 12 Esse processo dependerá do ambiente linguístico, neste caso o gestual, em que a criança esteja exposta, assim como da interação com outros indivíduos de características semelhantes. Para Quadros (1997, p. 67), “Os estudos sobre a aquisição da linguagem – AL – estão diretamente relacionados com as diferentes abordagens sobre a aquisição”. São para ela três abordagens sobre aquisição da linguagem. A abordagem comportamentalista, a abordagem linguística e a abordagem interacionista. Para falar da abordagem comportamentalista, Quadros (1997) toma como base teórica o pensamento de Skinner (1957). Nesta abordagem, comportamentalista, a experiência é a experimentação planejada como base do conhecimento. Onde os modelos de ensino são desenvolvidos a partir da análise dos processos por meio dos quais o comportamento humano é modelado e reforçado. Assim, a aquisição da linguagem se dá através de estímulos, reforço, condicionamento, treino e imitação. Segue um esquema sobre a abordagem comportamentalista. FIGURA 1 - ESQUEMA DA ABORDAGEM COMPORTAMENTALISTA FONTE: <https://goo.gl/6qB9df>. Acesso em: 4 jun. 2018. HomemAbordagem Comportamentalista Conhecimento Operacionalizado Produto do Meio Comportamento Social enfatiza para moldar manipula-lo Em relação à abordagem linguística, essa abordagem irá utilizar o teórico Chomsky (1957). Para ele, a cada época, cada regiãoe mesmo cada indivíduo sempre modificam um pouco a língua, de maneira que o trabalho seria uma catalogação infinita, pois está sempre em mudança. Chomsky (1957) postulou que se pode descrever algebricamente as línguas – ou melhor, a língua humana –, a partir de esquemas abstratos e não de dados colhidos em cada situação. Saiu da visão indutiva e passou à dedução: em vez de procurar as particularidades de cada língua, ele cogitou que, sendo manifestações de uma condição inata, as línguas devem guardar características universais, marcas de sua origem comum no cérebro humano. TÓPICO 2 | AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM POR CRIANÇAS SURDAS 13 Para descrever o processo cerebral que dá origem às frases, ele postulou a tese de que a linguagem humana ocorre em dois níveis, uma estrutura profunda, na qual o raciocínio ocorre sem o uso de palavras (essa estrutura corresponderia ao que hoje concebemos como um software), e uma estrutura superficial, que são as frases que dizemos, pensamos e escrevemos. Entre os dois níveis haveria um conjunto de transformações, que o linguista deveria descrever. Nesta perspectiva da linha de pensamento de Noam Chomsky, segue a Figura 2, sobre a importância de cada sujeito independentemente da sua linguagem. FIGURA 2 - NOAM CHOMSKY FONTE: <https://goo.gl/K7Lg7H>. Acesso em: 4 jun. 2018. Ainda em relação à abordagem linguística, esse dispositivo é a gramática universal, que contém princípios rígidos e abertos. Esses princípios rígidos captam os aspectos gramaticais que são comuns às línguas humanas, já os princípios abertos captam as variações das línguas, também chamadas de parâmetros. Para Quadros (1997, p. 68), “Quando todos os parâmetros estão fixados, a criança adquiriu a Gramática Núcleo, isto é, a gramática de sua língua”. A abordagem interacionista tem dois aspectos, que são: cognitivista e o enfoque social. Os enfoques cognitivistas têm como base teórica o pensamento de Piaget, investigando o que há de comum e de universal no desenvolvimento. E a abordagem sociointeracionista, tendo como base o pensamento de Vygotsky, enfatizando o papel do ambiente na produção da estrutura da linguagem, em que a interpretação e as associações, bem como as regras gramaticais (signos), estão dentro de um contexto social. Segue esquema sobre a abordagem interacionista dentro da perspectiva cognitivista. UNIDADE 1 | AQUISIÇÃO DE PARÂMETROS SINTÁTICOS EM LÍNGUA DE SINAIS COMPARADA ÀS LÍNGUAS ORAIS 14 Objeto Abordagem Cognitivista Interacionista Aprendizagem Adaptação ao Meio Assimilação do Conhecimento Modificação de estruturas mentais Pensamento Sujeito faz faz base FIGURA 3 - ESQUEMA SOBRE ABORDAGEM COGNITIVISTA FONTE: <https://goo.gl/6GT7AD>. Acesso em: 5 jun. 2018. Enquanto Piaget (1990) defende que a estruturação do organismo procede o desenvolvimento, para Vygotsky (1989 - 1996) é o próprio processo de aprender que gera e promove o desenvolvimento das estruturas mentais superiores. Segue esquema do pensamento interacionista na visão de Piaget. São quatro fatores que Piaget (1990) considera essenciais e, até mesmo, responsáveis pelo desenvolvimento cognitivo da criança: 1) Fator biológico: é um fator que está relacionado ao crescimento orgânico e à maturação do sistema nervoso. 2) Fator de experiências e de exercícios: este fator é obtido na ação da criança sobre os objetos. 3) Fator de interações sociais: é um fator que se desenvolve por meio da linguagem e da educação. 4) Fator de equilibração das ações: é um fator que está relacionado à questão da adaptação ao meio e/ou às situações. TÓPICO 2 | AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM POR CRIANÇAS SURDAS 15 FIGURA 4 - ESQUEMA SOBRE A ABORDAGEM INTERACIONISTA DE PIAGET FONTE: <https://goo.gl/p2zrZi>. Acesso em: 5 jun. 2018. Agora, esquema sobre a linha de pensamento de Vygotsky (1989) em relação à abordagem interacionista. UNIDADE 1 | AQUISIÇÃO DE PARÂMETROS SINTÁTICOS EM LÍNGUA DE SINAIS COMPARADA ÀS LÍNGUAS ORAIS 16 Teoria Sociocultural Vygotsky Zona de Desenvolvimento Proximal - ZDP Mediação Cognitiva Processo de Internalização Nível Potencial Nível Social Nível Individual Interação Social Planejar Comprar Imaginar Lembrar Trocas mediadas pela linguagem Professor Instrumentos Funções Psicológicas Superiores Colega Signos relaciona outro mais capaz por meio corresponsável pelo desenvolvimento das processos mentais não inatos, Ex: devidamente mediado envolve para facilitadas pela o conhecimento é adquirido pelascorre do Nível Real FIGURA 5 - ESQUEMA SOBRE ABORDAGEM INTERACIONISTA – VYGOTSKY FONTE: <https://goo.gl/V75urH>. Acesso em: 5 jun. 2018. Assim, na perspectiva interacionista, o meio em que a criança vive é influenciador de sua linguagem. As relações sociais são importantíssimas nessa perspectiva. Na perspectiva de Vygotsky (1996), o desenvolvimento histórico acontece do social para o individual, podemos dizer assim que a aquisição da língua de sinais se estende do social para o individual, sendo algo natural e que é fomentado no meio social, assim como ocorre com as línguas orais. Vygotsky (1996) fez seus estudos baseando-se no materialismo-histórico-dialético de Marx e Engels, que afirmavam que as mudanças históricas sociais ocorridas dentro de uma sociedade influenciam o comportamento dos indivíduos. Vygotsky (1989) afirmava que o homem só se constrói ser humano nas suas relações sociais, pois é na vivência em sociedade que acontece a transformação do ser biológico para o ser humano. As informações e a linguagem nunca são absorvidas diretamente do meio, mas elas são intermediadas, direta ou indiretamente, pelas pessoas que nos cercam, e que são carregadas de significados sociais e históricos. Essas informações intermediadas e reelaboradas se concretizam numa espécie de linguagem interna, que caracterizará a sua individualidade, sendo essa fundamental. Um dos meios importantes para o desenvolvimento da linguagem são as brincadeiras infantis que proporcionam a interação do indivíduo um com o outro. TÓPICO 2 | AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM POR CRIANÇAS SURDAS 17 FIGURA 6 - ABORDAGEM INTERACIONISTA – CRIANÇAS BRINCANDO FONTE: <https://goo.gl/4kUNof>. Acesso em: 5 jun. 2018. É importante também levarmos em conta o pensamento de Vygotsky (1989), em que ele caracterizou a chamada zona de desenvolvimento proximal, que é a distância entre o que se pode fazer sozinho e o que se faz com a mediação de outra pessoa, ou de signos. O que novamente valida a importância de conhecer o contexto social no qual o sujeito está inserido, para entender a maneira como estrutura o seu pensamento. Essas medidas são essenciais para iniciar e nortear um processo significativo de alfabetização, em que o aluno seja capaz de relacionar aprendizagens anteriores às atuais e não apenas decodificar signos, não bastando ao surdo apenas aprender os sinais, mas ser letrado, ou seja, saber refletir utilizando a linguagem de sinais, dentro desse processo de ensino e aprendizagem como um todo. UNIDADE 1 | AQUISIÇÃO DE PARÂMETROS SINTÁTICOS EM LÍNGUA DE SINAIS COMPARADA ÀS LÍNGUAS ORAIS 18 FIGURA 7 - CRIANÇAS APRENDENDO BRINCANDO-INTERAÇÃO FONTE: <https://goo.gl/68bFM6>. Acesso em: 5jun. 2018. Para Vygotsky (1989), o desenvolvimento da linguagem implica o desenvolvimento do pensamento, pois pelas palavras o pensamento ganha existência (MIRANDA; SENRA, 2012). A linguagem intervém no desenvolvimento intelectual da criança ouvinte e surda desde seu nascimento, pois, para Fossile (2010), a linguagem fornece os conceitos e as formas de organização do real que constituem a mediação entre o sujeito e o objeto de conhecimento. FIGURA 8 - SUJEITO-OBJETO-CONHECIMENTO FONTE: <https://goo.gl/fKJGFX>. Acesso em: 5 jun. 2018. TÓPICO 2 | AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM POR CRIANÇAS SURDAS 19 O contato que o indivíduo tem com o meio e com seus iguais, ou seja, como outros que falam a sua língua, é mediado por um conhecimento e/ou experiênciaassimilados anteriormente, uma vez que o indivíduo não tem contato direto com os objetos, e sim mediado através da linguagem. Por isso, ele tem a sua teoria como socioconstrutivista, pois percebe que interação é mediada por várias relações, diferentemente do construtivismo, em que o sujeito age diretamente com o objeto (MAGALHÃES, 2007). Assim, nós iremos entender um pouco mais sobre esse processo de aquisição da linguagem, quando estudaremos o período pré-linguístico, o estágio de uma palavra, estágio das primeiras combinações e estágio das múltiplas combinações. 2 PERÍODO PRÉ-LINGUÍSTICO De acordo com Quadros (1997, p. 70): Petitto & Marantette (1991) realizaram um estudo sobre o balbucio em bebês surdos e bebês ouvintes no mesmo período de desenvolvimento (desde o nascimento até por volta dos 14 meses de idade). Elas verificaram que o balbucio é um fenômeno que ocorre em todos os bebês, surdos assim como ouvintes, como fruto da capacidade inata para a linguagem. As autoras constataram que essa capacidade inata é manifestada não só através de sons, mas também através de sinais. Nos dados analisados por Petitto & Marantette foram observadas todas as produções orais para detectar a organização sistemática desse período. Também foram observadas todas as produções manuais tanto dos bebês surdos como dos bebês ouvintes para verificar a existência ou não de alguma organização sistemática. Nos bebês surdos foram detectadas duas formas de balbucio manual: o balbucio silábico e a gesticulação. O balbucio silábico apresenta combinações que fazem parte do sistema fonético das línguas de sinais. Ao contrário, a gesticulação não apresenta organização interna. Os dados apresentam um desenvolvimento paralelo do balbucio oral e do balbucio manual. Os bebês surdos e os bebês ouvintes apresentam os dois tipos de balbucio até um determinado estágio e desenvolvem o balbucio da sua modalidade. É por isso que os estudos a firmavam que as crianças surdas balbuciavam (oralmente) até um determinado período. As vocalizações são interrompidas nos bebês surdos assim como as produções manuais são interrompidas nos bebês ouvintes, pois o input favorece o desenvolvimento de um dos modos de balbuciar. As semelhanças encontradas na sistematização das duas formas de balbuciar sugerem haver no ser humano uma capacidade linguística que sustenta a aquisição da linguagem independente da modalidade da língua: oral-auditiva ou espaço-visual. Assim, Petitto & Marantette (1991 apud QUADROS 1997) nos apresenta estudos realizados sobre o balbucio dos bebês, que independem. São um fenômeno que ocorre em bebês, surdos e ouvintes, pois o balbucio é parte da linguagem, destacando que essa capacidade inata é manifestada não só através de sons, mas também através dos sinais, ou seja, através da língua de sinais, porém esse balbucio UNIDADE 1 | AQUISIÇÃO DE PARÂMETROS SINTÁTICOS EM LÍNGUA DE SINAIS COMPARADA ÀS LÍNGUAS ORAIS 20 é interrompido assim como ocorre com as crianças ouvintes. Caro acadêmico, o mais interessante é que as semelhanças encontradas em relação ao balbuciar nos apresentam que a aquisição da linguagem independe da modalidade da língua que será usada futuramente pelo bebê, se ela será oral-auditiva ou espaço-visual. Portanto, no estádio pré-linguístico, a criança, em princípio, usa o choro para se comunicar, podendo ser rica em expressão emocional. Logo ao nascer este choro ainda é indiferenciado, porque nem a mãe sabe o que ele significa, e muitas vezes é desesperador, pois a criança chora e você, adulto, não sabe o significado daquele choro, mas aos poucos começa a ficar cheio de significados e é possível, pelo menos para a mãe, ou para a pessoa mais próxima daquele bebê, saber se o bebê está chorando de fome, de cólica, por estar se sentindo desconfortável, por querer colo etc. É importante ressaltar que é a relação do bebê com sua mãe, ou com a pessoa que cuida dele, que lhe dá elementos para compreender seu choro. Além do choro, a criança ouvinte começa a produzir o arrulho, que é a emissão de um som gutural, que sai da garganta, que se assemelha ao arrulho dos pombos. O balbucio ocorre de repente, por volta dos 6-10 meses, e caracteriza-se pela produção e repetição de sons de consoantes e vogais como “ma – ma – ma – ma”, que, muitas vezes, é confundido com a primeira palavra do bebê. No desenvolvimento da linguagem, os bebês começam imitando casualmente os sons que ouvem. Por exemplo: os bebês repetem repetidas vezes os sons como o “da – da – da”, ou “ma – ma – ma – ma”. Por isso as crianças que têm problema de audição não evoluem para além do balbucio, já que não são capazes de escutar. De acordo com Petitto e Marantette (1991) (apud Quadros e Schmiedt, 2006) e Karnopp (1994), por volta dos dez meses, os bebês imitam deliberadamente os sons que ouvem, ou os sinais que vêm deixando clara a importância da estimulação externa para o desenvolvimento da linguagem. Ao final do primeiro ano, o bebê já tem certa noção de comunicação, uma ideia de referência e um conjunto de sinais, para se comunicar com aqueles que cuidam dele. Para o surdo, o uso de expressões faciais, a repetição de sinais e a utilização de movimentos mais lentos e amplos na articulação dos sinais são estratégias utilizadas para atrair a atenção visual do bebê surdo. Por fim, quanto à produção manual, o período pré-linguístico caracteriza-se, em linhas gerais, pela produção do que é denominado balbucio manual, pelos gestos sociais, sendo eles o bater palmas, dar tchau, enviar beijinhos, dentre outros, e pela utilização do apontar. 3 ESTÁGIO DE UM SINAL De acordo com Quadros (1997, p. 71), O estágio de um sinal inicia por volta dos 12 meses da criança surda e percorre um período até por volta dos dois anos. Karnopp (1994) cita estudos que apontam o início do estágio de um sinal por volta dos seis meses em bebês surdos filhos de pais surdos adquirindo língua de sinais. Por outro lado, sabe-se que os estudos de crianças adquirindo TÓPICO 2 | AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM POR CRIANÇAS SURDAS 21 línguas orais iniciam esse período por volta dos 12 meses. Lillo- Martin (1986) observa que as razões apontadas por esses estudos para explicar tal diferença cronológica baseiam-se no desenvolvimento dos mecanismos físicos (mãos e trato vocal). Entretanto, Petitto (1987) argumenta que a criança simplesmente produz gestos que diferem dos sinais produzidos por volta dos 14 meses, analisando essa produção gestual como parte do balbucio, período pré-linguístico. As primeiras produções na língua de sinais americana – ASL incluem as formas chamadas congeladas da produção adulta. São sinais que não são flexionáveis, tipo MOTHER na ASL. Quando um sinal apresenta flexões no padrão adulto, a criança usa formas morfofonêmicas. Desta forma, o estágio de um sinal, de acordo Karnopp (1994), começa por volta de seis meses, quando esses bebês surdos são filhos de pais surdos, e por volta dos 12 meses de um modo geral, pois essa criará estratégias para se comunicar, ou seja, para se fazer entendida, para conseguir aquilo que almeja. Explicando assim, a diferença cronológica tem como base os desenvolvimentos dos mecanismos físicos (mãos e trato vocal), porém a criança simplesmente produz gestos que diferem dos sinais produzidos por volta dos 14 meses, analisando essa produção gestual como parte do balbucio, período pré-linguístico. FIGURA 9 - SINAL DE MOTHER NA ASL FONTE: <https://goo.gl/nxrpzT>. Acesso em: 5 jun. 2018. UNIDADE 1 | AQUISIÇÃO DE PARÂMETROS SINTÁTICOS EM LÍNGUA DE SINAIS COMPARADA ÀS LÍNGUAS ORAIS 22 De acordo com Quadros (1997, p. 71), os autores Petitto & Bellugi (1988) observaram que as crianças surdas com menos de dois anos não fazem uso dos dispositivos indicativos da ASL. Os dispositivos indicativos envolvem o sistema pronominal das línguas de sinais. As crianças omitiam essas indicações até quando imitavam seus pais. Petitto (1987) e Bellugi e Klima(1989) analisaram a descontinuidade no uso da indicação (apontação) nas crianças surdas. As crianças surdas com menos de um ano, assim como as crianças ouvintes, apontam frequentemente para indicar objetos e pessoas. Mas quando a criança entra no estágio de um sinal, o uso da apontação desaparece. Petitto (1987) sugere que nesse período parece ocorrer uma reorganização básica em que a criança muda o conceito da apontação inicialmente gestual (pré-linguística) para visualizá-la como elemento do sistema gramatical da língua de sinais (linguístico). O segundo estágio, denominado de "estágio de um sinal", inicia-se, segundo Quadros (1997), como vimos na citação acima, entre o primeiro e segundo ano de vida da criança. No início deste período, tanto a criança surda quanto a ouvinte deixam de apontar objetos e pessoas. É neste estágio que ela inicia as primeiras produções, na língua de sinais, assim como a criança ouvinte começa a pronunciar as primeiras palavras. Para Quadros (1997), é nesse período que ocorre uma reorganização básica, em que a criança muda o conceito da "apontação" inicialmente gestual, pré-linguística, para visualizá-la como elemento do sistema gramatical da língua de sinais, ou seja, o linguístico. Ou seja, o estágio de um sinal inicia por volta dos 12 meses da criança surda e vai até por volta dos dois anos. Estudos mostram que a criança surda, filha de pais surdos, inicia o estágio de um sinal por volta de seis meses, enquanto que uma criança ouvinte iniciaria a linguagem oral em torno dos 12 meses; porém, se sabe que essa produção gestual inicial é relativa ao balbucio de crianças sem deficiência auditiva. As formas inflexionáveis são as primeiras a se apresentarem, enquanto que as flexionáveis são utilizadas morfofonemicamente. Crianças surdas, com menos de dois anos de idade, não fazem uso dos dispositivos indicativos da ASL, e consequentemente da Libras, ou seja, não utilizam pronomes nem mesmo quando imitando seus pais. Com menos de um ano, usam a apontação assim como uma criança que adquire a língua oral, e este processo desaparece quando inicia o estágio de um sinal. Veja a figura a seguir resumindo esse estágio. TÓPICO 2 | AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM POR CRIANÇAS SURDAS 23 FIGURA 10 - ESTÁGIO DE UM SINAL – RESUMO FONTE: Disponível em: <https://goo.gl/gRYGS2>.Acesso em: 22 jul. 2018. 4 ESTÁGIO DAS PRIMEIRAS COMBINAÇÕES Já no estágio das primeiras combinações, que se inicia por volta dos dois anos de idade, começa o estabelecimento da ordem das palavras que é utilizada nas relações gramaticais. Para Quadros (1997, p. 71-74), Surgem as primeiras combinações de sinais por volta dos dois anos das crianças surdas. Fischer (1973) e Hoffmeister (1978) observaram que a ordem usada pelas crianças surdas durante esse estágio é SV, VO ou, ainda, num período subsequente, SVO. Meier (1980) verificou que a ordem das palavras é utilizada para o estabelecimento das relações gramaticais. Meier (1980) observou que, assim como o japonês e o croata, nem todos os verbos da ASL podem ser flexionados para marcar as relações gramaticais em uma sentença. Há alguns tipos de verbos que apresentam limitações lexicais e fonológicas para incorporar os pronomes, por exemplo, os verbos ancorados no corpo, como GOSTAR e PENSAR na Libras. Isso sugere que as crianças surdas devem adquirir duas estratégias para marcar as relações gramaticais: a incorporação dos indicadores e a ordem das palavras. A incorporação dos indicadores envolve a concordância verbal, e essa depende diretamente da aquisição do sistema pronominal. UNIDADE 1 | AQUISIÇÃO DE PARÂMETROS SINTÁTICOS EM LÍNGUA DE SINAIS COMPARADA ÀS LÍNGUAS ORAIS 24 No estágio em discussão, as crianças começam a usar o sistema pronominal, mas de forma inconsistente. Os estudos realizados por Bellugi e Klima (1979) detectaram que o padrão de aquisição das crianças surdas é bastante próximo ao das crianças ouvintes. Bellugi e Klima (1979), a princípio, consideravam que seria mais fácil para as crianças surdas a aquisição do sistema pronominal. Os resultados foram surpreendentes. Os pronomes EU e TU na ASL são identificados através da indicação propriamente dita, a si mesmo e ao outro, respectivamente. Parece óbvio que uma criança aprendesse essa regra rapidamente e a usasse sem cometer erros. Mas o que acontece é, na verdade, diferente. Assim como na aquisição do Inglês por crianças ouvintes, a aquisição na ASL desses pronomes apresenta as mesmas características conforme mencionam os estudos de Petitto (1986, 1987). Petitto (1986) observou que nesse período ocorrem 'erros' de reversão pronominal, assim como ocorrem com crianças ouvintes. As crianças usam a apontação direcionada ao receptor para referirem-se a si mesmas. A princípio, causa certa surpresa constatar esse tipo de erro nas crianças surdas devido à aparente transparência entre a forma de apontação e o seu significado. Esse tipo de erro e a evitação do uso dos pronomes são fenômenos diretamente relacionados com o processo de aquisição da linguagem. Petitto descarta a hipótese de mudança de perspectiva, pois, no caso das línguas de sinais, se essa hipótese fosse verdadeira, as crianças deveriam apresentar erros na perspectiva de todos os sinais. Para Petitto, a criança usa o sinal 'YOU' como um item congelado, não dêitico, não recíproco e que refere somente a ela. Petitto (1987) concluiu que, apesar da aparente relação entre forma e significado da apontação, a compreensão dos pronomes não é óbvia para a criança dentro do sistema linguístico da ASL. A aparente transparência da apontação é anulada diante das múltiplas funções linguísticas que apresenta. Se as crianças não entenderem a relação indicativa entre a forma apontada e o seu referente, a plurificação da apontação pode tomar-se uma dificuldade na aquisição dos mecanismos gramaticais. Esse estudo nos revela evidências da descontinuidade da transição dos fatores pré-linguísticos aos linguísticos. Petitto afirma que aspectos da estrutura linguística e da sua aquisição parecem envolver conhecimentos específicos da linguagem. Ela conclui que, apesar da relação entre a forma e o símbolo e a apontação e seu significado, a compreensão das funções da apontação dos pronomes não é óbvia para a criança dentro do sistema linguístico da ASL. A ideia de que a gesticulação pode funcionar linguisticamente é tão forte que anula a transparência indicativa da apontação. As semelhanças na aquisição do sistema pronominal entre crianças ouvintes e surdas sugerem um processo universal de aquisição de pronomes, apesar da diferença radical na modalidade. Hoffmeister (1978) observou que a apontação envolve o sistema pronominal, o sistema dos determinadores e modificadores, o sistema de paralisação e a modulação do sistema verbal. No estágio das primeiras combinações, Hoffmeister observou que os objetos são nomeados e referidos somente em situações do contexto imediato. Na Libras, Quadros (1995) observou algumas combinações de sinais, normalmente envolvendo dois a três sinais (Os nomes dos informantes observados por Quadros (1995) foram substituídos por letras maiúsculas. Cinco crianças foram observadas: F tinha 2:04 anos de idade; D, 3:05; L, 3:03; G, 5:11 e M, 6:04) congelados, pois IR é um verbo com concordância na Libras e F usou-o sem flexioná-lo (a Libras é uma língua ágrafa). Para efeitos de simplificação, foram usadas palavras da Língua Portuguesa em letras maiúsculas para transcrição dos enunciados das crianças. Os índices indicam as pessoas envolvidas no discurso (i, j, k para 1a. 2a e 3ª, respectivamente). Para diferentes 3" pessoas citadas foram usadas aspas simples para diferenciá-las (k, k' k", k'")). TÓPICO 2 | AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM POR CRIANÇAS SURDAS 25 (DF (2:4) a. AULA IR. '(Eu) vou à aula'. b. TRÊS kBRINCAR AQUI. '(Eles) três brincam aqui'. Exemplos como os ilustrados em (2) mostram que F já usa o sistema pronominal com referentes presentesde forma adequada. (2) a. EU SAIR TCHAU! 'Eu estou saindo. Tchau!' b. ELEk OLHAR ELEk. 'Elei olhou para ele/. Sobre esse período, Quadros e Schmiedt (2006, p. 20) explicam: A língua de sinais vai ser adquirida por crianças surdas que tiverem a experiência de interagir com usuários de língua de sinais. Se isso acontecer, por volta dos dois anos de idade, as crianças estarão produzindo sinais usando um número restrito de configurações de mão [...]. As crianças nesta fase começam a marcar sentenças interrogativas com expressões faciais concomitantes com o uso de sinais [...]. Nesse período, também é verificado o início do uso da negação não manual através do movimento da cabeça para negar, bem como o uso de marcação não manual para confirmar expressões comuns na produção do adulto. Como podemos observar nas citações de Quadros (1997) e Quadros e Schmiedt (2006), neste estágio das primeiras combinações, a criança começa a formular frases para expressar o que ela quer, onde também começa a usar o sistema pronominal, mas de forma inconsistente. Detecta-se que o padrão de aquisição das crianças surdas é bastante próximo ao das crianças ouvintes. Neste período, elas usam em média três sinais. Como é bonito ver o desenvolvimento da linguagem humana e em especial da criança surda, todavia a língua de sinais vai ser adquirida por crianças surdas que tiverem a experiência de interagir com usuários de língua de sinais, e isso é um ponto importantíssimo das citações acima. O estágio das primeiras combinações surge por volta dos dois anos e a ordem usada nas combinações frasais é: SV, VO ou depois SVO, havendo uma limitação no que diz respeito às ligações lexicais e fonologias, além de não ocorrer a flexão de alguns verbos. Devido a esta deficiência, as crianças surdas utilizam duas estratégias para marcarem as relações gramaticais, são elas: a incorporação dos indicadores e a ordem das palavras. Neste estágio, é iniciado o uso da forma pronominal, porém de forma ainda inconsistente; há ocorrência de erros, principalmente no que diz respeito a indicações pronominais, por exemplo, na utilização do pronome “tu” ao invés de “eu”. Em pesquisas, foi observado que a apontação envolve o sistema pronominal, o sistema dos determinadores e modificadores, onde objetos são nomeados e referidos somente em situações do contexto imediato, ou seja, que estejam presentes no espaço onde se encontra o não ouvinte. UNIDADE 1 | AQUISIÇÃO DE PARÂMETROS SINTÁTICOS EM LÍNGUA DE SINAIS COMPARADA ÀS LÍNGUAS ORAIS 26 FIGURA 11- RESUMO: ESTÁGIO DAS PRIMEIRAS COMBINAÇÕES FONTE: <https://goo.gl/gRYGS2>. Acesso em: 22 jul. 2018. 5 ESTÁGIO DE MÚLTIPLAS COMBINAÇÕES O estágio das múltiplas combinações tem como característica uma ampliação do vocabulário nas crianças surdas e ouvintes, que ocorre dos dois anos e meio em diante. Karnopp (1999) explica que neste estágio, a criança surda comete os mesmos erros gramaticais na língua de sinais que a criança ouvinte comete na língua oral. Quadros e Schmiedt (2006, p. 22) relatam os principais avanços desse estágio: A partir desse período, elas começam a combinar unidades de significado menores para formar novas palavras de forma consistente. [...] Nesse período, as expressões faciais são usadas de acordo com a estrutura produzida, isto é, as produções não manuais das interrogativas, das topicalizações e negações são produzidas corretamente [...]. Aos poucos, torna-se mais claro o uso da direção dos olhos para concordância com os argumentos, bem como o jogo de papéis desempenhados através da posição do corpo. Por volta dos dois anos e meio aos três anos, a criança surda inicia o processo de distinções derivacionais, de expansão do vocabulário e da formação pronominal para indicar pessoas e objetos que não estejam presentes fisicamente no espaço onde ela se encontra. De acordo com Quadros (1997, p. 74), Em torno dos dois anos e meio a três anos, as crianças surdas apresentam a chamada explosão do vocabulário. Lillo-Martin (1986) cita que nesse período começam a ocorrer distinções derivacionais (por exemplo, a diferenciação entre CADEIRA e SENTAR). As crianças começam a usar formas idiossincrásicas para diferenciar nomes e verbos. O domínio completo dos recursos morfológicos da língua é totalmente adquirido por voltados cinco anos. TÓPICO 2 | AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM POR CRIANÇAS SURDAS 27 Segundo Bellugi e Klima (1989), a criança surda ainda não usa os pronomes identificados espacialmente para referir-se às pessoas e aos objetos que não estejam fisicamente presentes. Ela usa substantivos não associados com pontos no espaço. Mesmo quando a criança apresenta algumas tentativas de identificação de pontos no espaço, ela apresenta falhas de correspondência entre a pessoa e o ponto espacial. Com referentes presentes no discurso já há o uso consistente do sistema pronominal e inclusive indicações espaciais (indicações ostensivas). Dos três anos em diante as crianças começam a usar o sistema pronominal com referentes não presentes no contexto do discurso, mas ainda apresentam erros. Algumas crianças empilham os referentes não presentes em um único ponto do espaço. Petitto e Bellugi (1988) observaram que, de três anos a três anos e meio, as crianças usam a concordância verbal com referentes presentes. Entretanto, elas flexionam alguns verbos cuja flexão não é aceita nas línguas de sinais. Bellugi e Klima (1990) identificam essa flexão generalizada dos verbos nesse período como supergeneralizações, considerando esse fenômeno análogo a generalizações verbais como 'fazi', 'gosti' e 'sabo' em língua portuguesa. Meier (1980) detectou esse uso supergeneralizado observando que, nesse período, as crianças usam os verbos como pertencentes a uma única classe verbal na ASL, a classe dos verbos com concordância, chamada por ele de verbos direcionais. Neste estágio das múltiplas combinações, como podemos ver nas citações acima, ela envolve as expressões faciais, que são usadas de acordo com a estrutura produzida, isto é, as produções não manuais das interrogativas, das topicalizações e negações são produzidas corretamente. Além disso, o uso da direção dos olhos para concordância com os argumentos, bem como o jogo de papéis desempenhados através da posição do corpo ao pronunciar suas palavras, para se comunicar. Para Meier (1980) surgem supergeneralizações, que são flexões de verbos que não podem ser flexionados através da linguagem de sinais. As crianças utilizam os verbos sempre direcionados, achando que somente eles fazem parte do vocabulário. Aos quatro anos, a linguagem de sinais não é, ainda, correta, pois param de empilhar os referentes e apresentam dificuldade em estabelecer associações entre o local e as referências, e a partir dos cinco ou seis anos é que as crianças surdas começam a corrigir os erros apresentados nestas associações. Em Libras, a partir dos três anos e meio ocorre o uso da concordância com referentes presentes. Aos cinco e seis anos se torna comum o uso de sujeito e objeto nulo, porém quando se trata de referentes ausentes no diálogo, há uma necessidade de definir mais claramente os referentes. Cada etapa, cada estágio é marcado por uma evolução linguística importante para o desenvolvimento da língua. Quantas vezes sorrimos ao ver um bebê construindo suas primeiras palavras, sejam elas em Libras, ou na linguagem oral. A partir da análise desses estágios, podemos perceber que, de fato, a surdez não se caracteriza como impedimento para a aquisição da linguagem, porém é importante esclarecer que, de acordo com os autores acima citados, as crianças surdas, em geral, têm esse processo retardado pelo fato de não estarem expostas à língua de sinais na idade correspondente a cada estágio. UNIDADE 1 | AQUISIÇÃO DE PARÂMETROS SINTÁTICOS EM LÍNGUA DE SINAIS COMPARADA ÀS LÍNGUAS ORAIS 28 Segundo Quadros e Schmiedt (2006, p. 20), "95% das crianças surdas são filhas de pais ouvintese, portanto, na maioria dos casos, não dominam uma língua de sinais". No caso de crianças surdas filhas de pais surdos, esse processo acontece naturalmente, mas as demais acabam por sofrer um grande atraso na aquisição da linguagem, o que é muito prejudicial para criança. Sendo que a maior parte das crianças surdas só terá contato com a língua de sinais no período escolar. Desta forma, é imprescindível que o professor conheça e compreenda os processos que envolvem a aquisição da linguagem pelo surdo, daí a importância de uma formação de qualidade para esses docentes, a fim de se organizar no sentido de trabalhar formas adequadas para facilitar a aquisição da língua de sinais e, consequentemente, a apropriação do conhecimento pelo discente. A esse respeito, Rinaldi (1997, p. 27) destaca que o objetivo da escola é "propiciar às crianças surdas o desenvolvimento espontâneo da língua de sinais como forma de expressão linguística, de comunicação interpessoal e como suporte do pensamento e do desenvolvimento cognitivo”. Assim, é o domínio da língua de sinais que tornará o surdo apto a produzir sua comunicação e adquirir conhecimentos, assumindo papel semelhante ao que a oralidade desempenha para o aluno ouvinte. Para Quadros (1997), a primeira língua de uma criança norteia, promove e facilita o acesso aos conhecimentos escolares, e é por isso que os surdos têm experiências diferenciadas em relação à construção do conhecimento. Diferentemente da criança ouvinte, o processo de significação da criança surda acontece da língua de sinais para a língua portuguesa escrita, ao invés de ser da língua portuguesa oral para a língua portuguesa escrita. Além disso, é importante ressaltar que é através da língua de sinais que o surdo construirá sua identidade enquanto sujeito surdo. TÓPICO 2 | AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM POR CRIANÇAS SURDAS 29 FIGURA 12 - RESUMO: ESTÁGIO DAS MÚLTIPLAS COMBINAÇÕES FONTE: <https://goo.gl/gRYGS2>. Acesso em: 22 jul. 2018. 30 RESUMO DO TÓPICO 2 Neste tópico, viu e estudou: • Aquisição da linguagem por crianças surdas. • Assim como as línguas faladas, as línguas de sinais não são universais, geralmente cada país apresenta a sua própria língua. • No caso do Brasil, temos a Libras e, além dela, tem-se também a língua de sinais usada por uma tribo indígena brasileira chamada Urubu Kaapor, citada por Kakumasu (1968) e Ferreira Brito (1993). • As línguas de sinais apresentam-se numa modalidade diferente das línguas orais-auditivas; são línguas espaço-visuais, ou seja, a realização dessas línguas não é estabelecida através do canal oral-auditivo, mas através da visão e da utilização do espaço. • A diferença na modalidade determina o uso de mecanismos sintáticos específicos diferentes dos utilizados nas línguas orais. As línguas de sinais são sistemas linguísticos independentes dos sistemas das línguas orais e não são universais. • As línguas de sinais, dentre elas a Libras, parecem apresentar especial interesse nas pesquisas linguísticas dentro da perspectiva gerativista. A razão de tal interesse está relacionada à possibilidade de determinar os princípios da UG independentemente da modalidade da língua. Se isso for possível, as línguas de sinais podem ser exemplos de línguas que fortalecem a proposta gerativista quanto à existência de um módulo da linguagem na mente/cérebro do ser humano. • Quanto aos aspectos estruturais das línguas de sinais, há dois fundamentais: (a) o estabelecimento nominal e a pronominalização e (b) a concordância verbal. • Para Quadros (1997), existem três abordagens sobre aquisição da linguagem. A abordagem comportamentalista, a abordagem linguística e a abordagem interacionista. • Para Vygotsky (1989), o desenvolvimento da linguagem implica o desenvolvimento do pensamento, pois pelas palavras o pensamento ganha existência. • Piaget defende que a estruturação do organismo procede o desenvolvimento. • Estudamos o processo de aquisição da linguagem, em que analisamos o período pré-linguístico, o estágio de uma palavra, estágio das primeiras combinações e estágio das múltiplas combinações. 31 2. Vários fatores contribuem e favorecem o desenvolvimento da linguagem e da comunicação. Para ocorrer a aquisição e o desenvolvimento de bons padrões de comunicação precisamos circunstâncias externas em relação ao sujeito, para tanto o sistema simbólico de cada língua precisa ser aprendido de maneira dinâmica, dentro da comunidade em que vivemos. Todavia existem estímulos que interferem neste processo. Que estímulos são esses? 3. Explique quais são as implicações da interação precoce das crianças surdas com adultos surdos, usuários da língua de sinais. AUTOATIVIDADE 1. No Brasil, a Língua Brasileira de Sinais (Libras) é usada pelas comunidades surdas e, ainda, pela tribo de índios Urubu-Kaapor. Pode-se afirmar que as línguas de sinais se caracterizam como: 32 33 TÓPICO 3 AQUISIÇÃO DA SINTAXE NAS LÍNGUAS DE SINAIS UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO Acadêmico! A sintaxe é o estudo da estrutura interna da frase. Diferente da Língua Portuguesa, a sintaxe da Libras é estudada a partir da organização dos sinais no espaço. Em relação à aquisição da sintaxe nas línguas de sinais, temos Rohrbacher (1999), entre outros teóricos, que diz que os estudos em aquisição da sintaxe e da morfologia situam-se em um debate que se coloca teoricamente entre os que sustentam que a sintaxe é guiada pela morfologia e aqueles que sustentam que processos morfológicos sejam derivados da sintaxe, como Bobaljik (2001). Por morfologia entendemos que é o estudo da estrutura, da formação e da classificação das palavras, independentemente de sua função sintática na participação da frase ou oração. Em Libras, a morfologia refere-se ao modo como os sinais são estruturados segundo seus parâmetros de configuração. Morfema refere-se às partes constituintes das palavras, em sua menor unidade gramatical. Em palavras como “infelizmente” temos o prefixo “in”, o radical “feliz” e o sufixo “mente”. Em Libras, os parâmetros de configuração equivalem aos morfemas, que combinados formam o sinal. Cada morfema (parâmetro de configuração) reúne, por sua vez, unidades menores diferenciadoras de sentido, chamadas de quiremas (quiro em grego significa mão), equivalendo aos fonemas em línguas orais. Em relação à sintaxe, podemos dizer que a sintaxe da Libras não é organizada aleatoriamente, ao contrário, segue regras. Possui, na estrutura de suas sentenças, restrições e ordenações complexas e específicas de uma língua visual. Há especificidades em sua produção linguística que devem ser respeitadas, tais como a utilização de verbos com concordância e da marcação não manual ou ENM. Assim, a Libras não deve ser entendida como um instrumento para aquisição da Língua Portuguesa (língua majoritária do país). Mas para os surdos, a Língua Brasileira de Sinais é a língua que proporciona o acesso à informação e à cultura, especificamente a cultura surda e, concomitantemente, possibilitando expressar o jeito como o surdo pensa, sente e aspira ao mundo, como foi dito anteriormente. Em relação à sintaxe da Libras, muitas pesquisas têm comprovado que embora a ordem básica das sentenças seja SVO (sujeito, verbo e objeto), há derivações em OSV, SOV e VOS e que estas derivações são possíveis devido à utilização de marcas como a concordância e a ENM, as quais devem ser analisadas com aprofundamento para sua real compreensão. Para detalhar as restrições sobre estas estruturas, apresentaremos algumas evidências apontadas por Quadros (2004): 34 UNIDADE 1 | AQUISIÇÃO DE PARÂMETROS SINTÁTICOS EM LÍNGUA DE SINAIS COMPARADA ÀS LÍNGUAS ORAIS 1. As frases com ordem SVO são gramaticais. 2. As ordens OSV e SOV ocorrem com a incorporação da ENM e as marcas de concordância. 3. No caso das organizações OSV e SOV com incorporação das ENM, se o objeto não for uma oração simples e sim, subordinada, não será possível mudar este objeto de ordem.
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