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BRASILEIRO Benedito Ferreira Marques Colaboração Carla Regina Silva Marques 11a Edição Revista e Ampliada DIREITO AGRÁRIO Sob a rubrica “Do Uso e da Posse Temporária da Terra”, o Estatuto da Terra (arts. 92 a 96) estabeleceu novos regramentos para os contratos que, no Código Civil brasileiro de 1916, foram tratados como contratos nominados de “Locação de Prédios Rústicos” ou “Parceria Rural” (arts. 1.211 a 1.215 para o arrendamento e 1.410 a 1.423 para a parceria rural). Embora a lei civil nacional seja a principal fonte subsidiária do Direito Agrá- rio e, particularmente, com relação aos contratos agrários, ela ainda possa ser invocada, a Lei no 4.504/64, a Lei no 4.947, de 6.4.66, e o Decreto no 59.566, de 14.10.66, praticamente tomaram o espaço da legislação civil. Tanto é isso verda- deiro, que o novo Código Civil silenciou sobre os contratos agrários. Essa é a opinião de muitos agraristas, valendo destacar, por sua autoridade, a opinião do Prof. PAULO TORMINN BORGES,1 assim manifestada: O Código Civil brasileiro, aliás, não foi omisso em questão de tanta magnitude, quais sejam, os contratos agrários. Com efeito, o arrendamento rural vem tratado nos arts. 1.211 a 1.215, que contêm disposições referentes à locação dos prédios rústicos. E os arts. 1.410 a 1.423 tratam da parceria rural, desdobrando-a em parceria agríco- la e parceria pecuária. 1 Ob. cit., p. 78. 8 Contratos Agrários Contratos Agrários 175 1a Prova Mas é evidente, diante do extraordinário avanço das ciências sociais e das conquistas políticas neste terceiro quartel do século XX, que aquelas minguadas regras civilistas tornaram-se obsoletas e insuficientes para atenderem aos reclamos da Justiça Social e ao fortalecimento econômico do País na zona rural. O Prof. RAFAEL AUGUSTO DE MENDONÇA LIMA2 também tem opinião for- mada sobre o assunto, asseverando que: “O Código Civil, praticamente, nada mais dispõe sobre essas matérias, disciplinando-as como contratos de direito civil e não de acordo com as suas finalidades.” ALTAMIR PETTERSEN e NILSON MARQUES3 ousam dizer que as regras civi- listas foram revogadas pelo Estatuto da Terra, conforme se lê no seguinte trecho, ipsis verbis: Lógico, nos últimos cinquenta anos, as relações contratuais de arren- damento e parceria evoluíram e não poderiam permanecer disciplinados pelo Código cinquentenário. E por esta singela razão, não se compreende a insistência de alguns julgadores em apreciar o mérito das lides agrárias escorados no Código Civil, revogado pelo Estatuto da Terra na parte espe- cífica e passando a servir, apenas como fonte subsidiária do Direito Agrário. Derrogado ou não o estatuto civil brasileiro, interessa precipuamente ao Di- reito Agrário – e, portanto, ao presente estudo – a legislação agrária emergente, consubstanciada naqueles diplomas legais já mencionados. O art. 92 do Estatuto da Terra comete uma visível erronia, quando fala apenas em “proprietário” a figurar num dos polos da relação contratual de que se cuida. Do mesmo modo está no art. 93. Na verdade, também o possuidor, como, por exem- plo, o usufrutuário, pode perfeitamente ceder o uso do imóvel a outrem, para ser explorado em atividade agrária. Bem que o Decreto no 59.566/66, em seu art. 1o, buscou corrigir a anomalia, estendendo a legitimidade também ao possuidor ou a quem tenha a livre administração do imóvel rural. Mas a Lei no 11.443, de 5 de janeiro de 2007, inexplicavelmente, manteve a erronia, conferindo legitimidade para ser arrendador apenas o proprietário. Também registra outra anomalia, ao se referir à forma do contrato, dizendo ser expresso ou tácito, quando queria dizer de forma escrita ou verbal. Os refe- ridos artigos, no entanto, são felizes em estabelecer os princípios que devem nor- tear as relações contratuais, concernentemente ao preço do aluguel, ao direito de preferência na renovação do negócio ou na alienação do imóvel, à subsistência do contrato em caso de alienação, às cláusulas proibidas e às obrigatórias. 2 Ob. cit., p. 168. 3 Uso e posse temporária da terra. São Paulo: Pró-Livro, 1977. p. 22. 176 Direito Agrário Brasileiro • Marques 1a Prova A Lei no 4.947/66 (arts. 13 a 15), também de grande alcance normativo, ra- tificou e reforçou os princípios que devem ser observados nos contratos agrários. Os maiores destaques se situam na obrigatoriedade de cláusulas irrevogáveis que visem à conservação dos recursos naturais; na proibição de renúncia, por parte do arrendatário ou do parceiro-outorgado, de quaisquer vantagens ou direitos estabe- lecidos em leis ou regulamentos; na proteção social e econômica aos arrendatários cultivadores diretos e pessoais; e na aplicação das mesmas regras para quaisquer contratos que tenham por objeto a atividade agrária. Vale dizer, não apenas para os contratos agrários típicos, mas também para os atípicos ou inominados. Analisando, com muita sabedoria, os princípios norteadores dos contratos, para adaptá-los aos agrários, o Prof. JOSÉ BEZERRA COSTA,4 depois de dissecar as teorias objetivista e subjetivista, na discussão doutrinária sobre a autonomia da vontade, como um dos princípios básicos dos contratos, concluiu: “Mesmo que se aceite – sem contestação – a teoria dos objetivistas, é moderna a constatação de que a autonomia da vontade tem espaço limitado”. Com referência à máxima pacta sunt servanda, também considerada um dos postulados da teoria contratual, aquele mestre agrarista conclui que esse princípio, em matéria de contrato agrário, não é absoluto, pois que “no arrendamento rural a revisão é imposta por lei, tendo como inexistente a cláusula que fixe remunera- ção a ser paga pelo arrendatário ao proprietário, acima do estatuído”. Referindo-se à “relatividade das convenções”, o mesmo autor também conclui que este princípio, para os contratos agrários, considera-se exceção, na medida em que o art. 1.587 do Código Civil de 1916 previa a transmissão dos efeitos do contrato aos herdeiros.5 É o que também se vê no parágrafo único do art. 26 do Decreto no 59.566/66. Finalmente, depois de ponderar sobre a possibilidade de celebrar o contrato agrário verbalmente, assinalando que o princípio do “consensualismo” não é rele- vante, assevera que a “boa- fé” deve ser examinada à luz dos princípios agraristas, “porque o Direito Agrário busca a promoção social de quem trabalha a terra, a fim de ajustar a propriedade do fundo rústico à sua função social”. O novo Código Ci- vil, em seu art. 422, consagra o princípio da boa-fé. É oportuno observar também que o art. 480 do mesmo Código inovou a favor da parte fragilizada na relação contratual, permitindo-lhe pleitear a redução da prestação ou alterar o modo de sua execução, para evitar onerosidade excessiva. É do Prof. OCTÁVIO MELLO ALVARENGA6 o seguinte conceito de contrato agrário: 4 Arrendamento rural: direito de preferência. Goiânia: AB Editora, 1993. p. 20, 22-24 5 O art. 1.792 do novo Código Civil mantém a mesma regra. 6 Curso de direito agrário: contratos agrários. Brasília: Fund. Petrônio Portella, 1982. p. 9. Contratos Agrários 177 1a Prova Por contrato agrário devem ser entendidas todas as formas de acordo de vontade que se celebrem, segundo a lei, para o fim de adquirir, resguardar, modificar ou extinguir direitos vinculados à produtividade da terra. O renomado agrarista, com esse conceito, quis abraçar todos os contratos, tí- picos ou atípicos, contanto que se relacione com a exploração da terra. Os arts. 3o e 4o do Regulamento (Decreto no 59.566/66), todavia, em lingua- gem minudente, dão as definições dos contratos agrários típicos: Arrendamento e Parceria. Estão assim definidos os mencionados contratos: Art. 3o Arrendamento rural é o contrato agrário pelo qual uma pessoa se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso e gozo de imóvel rural, parte ou partes do mesmo, incluindo, ou não, outros bens, ben- feitorias e ou facilidades, com o objetivo de nele ser exercida atividade de exploraçãoagrícola, pecuária, agroindustrial, extrativa ou mista, mediante certa retribuição ou aluguel, observados os limites percentuais da lei. § 1o Subarrendamento é o contrato pelo qual o Arrendatário transfere a outrem, no todo ou em parte, os direitos e obrigações do seu contrato de arrendamento. Art. 4o Parceria rural é o contrato agrário pelo qual uma pessoa se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso específico de imóvel rural, de parte ou partes do mesmo, incluindo, ou não, benfeitorias, outros bens e ou facilidades, com o objetivo de nele ser exercida atividade de ex- ploração agrícola, pecuária, agroindustrial, extrativa vegetal ou mista; ou lhe entregue animais para cria, recria, invernagem, engorda ou extração de matérias-primas de origem animal, mediante partilha de riscos de caso fortuito e da força maior do empreendimento rural, e dos frutos, produtos ou lucros havidos nas proporções que estipularem, observados os limites percentuais da lei. A definição de Parceria Rural foi modificada com o advento da recente Lei no 11.443, de 5.1.2007, que alterou o art. 96 do Estatuto da Terra, assim dispondo, verbis: § 1o Parceria rural é o contrato pelo qual uma pessoa se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso específico do imóvel rural, de parte ou partes dele, incluindo, ou não, benfeitorias, outros bens e/ou facilidades, com o objetivo de nele ser exercida atividade de exploração agrí- cola, pecuária, agroindustrial, extrativa vegetal ou mista; e/ou lhe entrega animais para cria, recria, invernagem, engorda ou extração de matérias- primas de origem animal, mediante partilha, isolada ou cumulativamente, dos seguintes riscos: I – caso fortuito e de força maior do empreendimento rural: 178 Direito Agrário Brasileiro • Marques 1a Prova II – dos frutos, produtos ou lucros havidos nas proporções que estipu- larem, observados os limites percentuais estabelecidos no inciso VI caput deste artigo; III – variações de preços dos frutos obtidos na exploração do empreen- dimento rural. De tais conceitos se extraem os seguintes elementos configuradores dessas modalidades contratuais: • partes contratantes: no arrendamento, “arrendador” e “arrendatário”; e, na parceria, “parceiro-outorgante” e “parceiro-outorgado”; • objeto: no arrendamento, o arrendador cede o uso e o gozo do imóvel ao arrendatário, mediante recebimento de aluguel; e, na parceria, o par- ceiro-outorgante cede apenas o uso específico do imóvel ao parceiro-ou- torgado, mediante partilha dos frutos; • analogia: na hipótese de analogia, aplicam-se as normas dos contratos de locação ao arrendamento, enquanto para a parceria se aplicam as dos contratos de sociedade; • vantagens e riscos: no arrendamento, as vantagens e os riscos são do arrendatário, ficando o arrendador com o direito de receber o aluguel, sem nenhum risco de frustração do empreendimento; já na parceria, os riscos e as vantagens são de ambas as partes, já que os resultados são partilhados, lucros ou prejuízos. Cumpre advertir que, nos termos do inc. VII do art. 96 do Estatuto da Terra, aplicam-se à parceria agrícola, pecuária, agropecuária, agroindustrial ou extrativa as normas pertinentes ao arrendamento rural, no que couber, bem como as regras do contrato de sociedade, no que não estiver regulado pela presente Lei. É imperioso consignar, outrossim, que o art. 39 do Decreto no 59.566/66 prevê a possibilidade de existirem outros contratos – que seriam os inominados ou atípicos – aos quais se aplicam as mesmas regras estabelecidas para contratos agrários típicos. O que importa é que se verifique o uso ou a posse temporária da terra. São exemplos desses contratos o comodato, a empreitada, o compáscuo, o “cambão”, o “fica” etc. Segundo a melhor doutrina, a natureza jurídica dos contratos agrários pode ser assim explicada: são contratos bilaterais, onerosos, consensuais e não so- lenes. Bilaterais, porque ambas as partes assumem obrigações recíprocas; onero- sos, porque as partes também suportam redução patrimonial; consensuais, porque a perfeição dos contratos não depende da entrega efetiva da coisa, bastando o Contratos Agrários 179 1a Prova acordo de vontades das partes; e não solenes, porque não se exige forma especial para a sua celebração. Qualquer que seja a forma do contrato, as partes devem observar a obrigação de conservar os recursos naturais e o dever de proteção ao mais fraco na relação contratual, que são o arrendatário e o parceiro-outorgado. E mais do que isso, de- vem observar os prazos mínimos estabelecidos; a fixação do preço do aluguel de acordo com as regras legais, e não pela livre vontade das partes; a indenização, com direito de retenção, das benfeitorias úteis e necessárias que, na hipótese, se presumem de boa-fé; a proibição de prestação de serviços gratuitos pelo arren- datário ou parceiro-outorgado; a exclusividade da venda dos produtos colhidos ao arrendador; a obrigatoriedade de beneficiamento desses produtos nas usinas do arrendador; a obrigatoriedade de comprar do arrendador os gêneros e as uti- lidades em seus armazéns ou barracões; a aceitação, pelo parceiro-outorgado, de pagamento dos seus frutos, através de ordens, vales, borós etc. Há uma obrigação imposta somente ao arrendatário: não pode subarrendar sem o expresso con- sentimento do arrendador (art. 95, VI, e Decreto no 59.566/66, art. 31). A observância dos prazos mínimos é de fundamental importância nos contratos agrários, quase sempre não obedecidos, gerando-se, em consequência, uma ava- lanche de processos nos pretórios. Esses prazos são os seguintes: três anos, para a lavoura temporária e pecuária de pequeno e médio portes, ou em todos os casos de parceria; cinco anos, para a lavoura permanente e pecuária de grande porte para cria, recria, engorda ou extração de matérias-primas de origem animal; sete anos, para a exploração florestal. Os preços dos aluguéis, nos contratos de arrendamento, devem obedecer a parâmetros estabelecidos em lei (art. 17 e seus respectivos parágrafos do Regu- lamento), de sorte que não podem ficar ao livre arbítrio das partes. Sabe-se que ninguém obedece a essas regras estabelecidas, mas é possível que sejam suscita- das em juízo, e aí o aplicador da lei há de observar os parâmetros legais. Talvez por isso, o sempre lembrado Prof. PAULO TORMINN BORGES7 oferece elucidati- vos exemplos práticos, em seu disputado livro. É interessante observar que a Lei 11.443/07 substitui o vocábulo preços por remuneração, na redação dada ao inc. XII do art. 95, mas, como já informado atrás, manteve o equívoco nos inc. IV, V e VIII do mesmo artigo, considerando como arrendador somente o proprietário. E, quanto à parceria, o Regulamento também estabelece os percentuais numa tabela que ia de 10% a 75%, conforme a participação do parceiro-outorgante com mais ou menos bens, conforme o art. 35, assim expresso: Art. 35. Na partilha dos frutos da parceria, a cota do parceiro-outor- gante não poderá ser superior a: I – 10%, quando concorrer apenas com a terra nua; II – 20%, quando concorrer com a terra preparada e moradia; 7 Ob. cit., p. 98-103. 180 Direito Agrário Brasileiro • Marques 1a Prova III – 30%, caso concorra com o conjunto básico de benfeitorias, consti- tuído especialmente de casa de moradia, galpões, banheiro para gado, cer- cas, valas ou currais, conforme o caso; IV – 50%, caso concorra com a terra preparada, e o conjunto básico de benfeitorias enumeradas no inciso III, e mais o fornecimento de máquinas e implementos agrícolas, para atender aos tratos culturais, bem como as sementes e animais de tração e, no caso de parceria pecuária, com animais de cria em proporção superior a 50% do número total de cabeças objeto da parceria; V – 75%, nas zonas de pecuá- ria ultraextensiva, em que forem os animais de cria em proporção superior a 25% do rebanho onde se adotem a meação do leite e a comissão mínima de 5% por animal vendido. Agora, com anova redação dada ao inc. VI do art. 96 do Estatuto da Terra, pela Lei no 11.443/07, esses percentuais foram alterados. Consequentemente, o art. 35 do Decreto no 59.566/66, foi derrogado. Nas hipóteses de alienação do imóvel, devem ser observadas duas regras bá- sicas: (1) o arrendatário tem direito de preferência na aquisição, em igualdade de condições com terceiros; e (2) no caso de o arrendatário não o adquirir, mesmo sendo notificado para exercer o direito de preempção, o contrato não será desfei- to, subsistindo até o seu final ou o da ultimação da colheita. Quanto às benfeitorias, o arrendatário tem direito à indenização pelas úteis e necessárias, podendo inclusive reter o imóvel, se não forem pagas, independente- mente de comprovação da boa-fé, que, em tal caso, se presume. É oportuno escla- recer que, para o Direito Agrário, o conceito de benfeitorias é mais amplo do que o do Direito Civil, pois abarca obras consideradas verdadeiras acessões, conforme § 1o do art. 6o do Decreto no 84.685, de 6.5.80, assim expresso: § 1o Consideram-se benfeitorias as casas de moradia, galpões, banhei- ros para gado, valas, silos, currais, açudes, estradas de acesso e quaisquer edificações para instalações do beneficiamento, industrialização, educação ou lazer. O que a lei não responde é qual o tempo da retenção do imóvel, pois se deve considerar que a permanência do arrendatário no imóvel só tem sentido se for para continuar exercitando as atividades agrárias. Então se indaga: se o arrenda- tário tiver iniciado uma nova lavoura no mesmo imóvel, durante a retenção, por exemplo, deverá abandoná-la quando a indenização for paga pelo arrendador, ou terá direito de ficar até a ultimação da colheita (art. 95, ET), considerando-se que este é também um direito irrenunciável previsto na regulamentação? De fato, a redação do § 1o do art. 25 do Decreto no 59.566/66 deixa transpa- recer esse direito ao arrendatário, quando reza: Contratos Agrários 181 1a Prova Art. 25. Omissis § 1o Enquanto o arrendatário não for indenizado das benfeitorias neces- sárias e úteis, poderá reter o imóvel em seu poder, no uso e gozo das van- tagens por ele oferecidas, nos termos do contrato de arrendamento (arts. 95, VIII, do Estatuto da Terra e 516 do Código Civil). Imagina-se que, em face da omissão da lei, a solução mais prática seja a com- posição em perdas e danos em favor do arrendatário e não a sua permanência no imóvel até a colheita, pois a relação contratual já teria sido extinta subjacen- temente. A retenção teria sido apenas um incidente no momento da restituição do imóvel ao arrendador. A retenção, no caso, parece ter a mesma natureza da prorrogação, que, como sabido, não se confunde com a renovação, na medida em que ela se presta apenas para a ultimação da colheita, quando não for possível no prazo do contrato (§ 1o, art. 21 do Regulamento). Ademais, se se permitisse a colheita de mais uma safra, na hipótese figurada, o contrato estaria renovado e, nesse caso, ter-se-ia de obedecer ao prazo mínimo de três anos. Um dos mais importantes direitos assegurados ao arrendatário é o de prefe- rência na renovação do contrato. O Prof. JOSÉ BEZERRA COSTA8 considera-o tão importante, que, na conclusão XXIV de sua dissertação do curso de mestrado em Direito Agrário, transformada em livro, qualifica-o como uma “obrigação propter rem especial”. Com efeito, o art. 22 do Decreto no 59.566/66 estabelece todo um procedi- mento para o exercício desse direito. O arrendador, pretendendo arrendar o imóvel a terceiros, é obrigado a notificar o arrendatário, até o prazo de seis meses antes do vencimento do contrato, remetendo-lhe cópias autênticas das propostas rece- bidas. Essa notificação deverá ser feita por carta, através do Cartório de Títulos e Documentos da Comarca de situação do imóvel, ou por via judicial. Na ausência dessa notificação, o contrato considera-se renovado automaticamente, salvo se o arrendatário, nos 30 dias seguintes ao do término do prazo para a notificação, manifestar a sua desistência ou formular nova proposta. Cumpre registrar, aqui, que o arrendador poderá notificar o arrendatário, não para arrendar a terceiros, mas para retomar o imóvel para explorá-lo diretamente, ou para cultivo direto e pessoal ou através de descendente seu. A insinceridade do arrendador, que poderá ser provada por quaisquer meios de provas em direito admitidos, importa na obrigação de indenizar ao arrendatá- rio por perdas e danos. O Regulamento, nos seus arts. 26 e 32, enumera as hipóteses de extinção e de despejo. Pela semelhança das causas, dispensa-se a transcrição dos respectivos itens, até porque não são exaustivos. Merece registro, todavia, a hipótese de des- 8 Ob. cit., p. 1 50. 182 Direito Agrário Brasileiro • Marques 1a Prova pejo por falta de pagamento de aluguel (art. 32, inc. III). É que, no caso, assiste o direito de purgação da mora ao arrendatário. O procedimento difere da purgação da mora nas locações urbanas, pois o adotado para os contratos agrários é sumá- rio (art. 275, II, a, CPC), o que oportuniza a contestação no dia da audiência. O pedido de purgação da mora é feito no prazo da contestação, e o juiz, se o deferir, concede ainda um prazo de até 30 dias para que seja efetuado o depósito.
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