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1 Bibliografia: aula da prof. Fátima Negri (8ª diretriz brasileira de hipertensão arterial - 2020) É interessante que todo adulto, mesmo normal do ponto de vista pressórico, tenha sua pressão aferida pelo menos uma vez ao ano. Conceito hemodinâmico A pressão arterial, durante muitos anos, foi entendida e encarada puramente no seu conceito hemodinâmico. Sabemos que ela é decorrente do débito cardíaco (DC) multiplicado pela resistência vascular periférica (RVP). Em qualquer patologia que aumente DC, RVP ou ambos, vai levar à HAS. É claro que não iremos nos ligar apenas a números, pois o conceito, hoje em dia, é mais amplo. Entidade clínica multifatorial caracterizada por: níveis tensionais elevados, alterações metabólicas e hormonais e fenômenos tróficos (vascular ou miocárdico). De qualquer forma, temos que partir de um número. • Níveis pressóricos acima de 140x90 mmHg já são considerados como hipertensão. Vamos supor duas situações: um paciente masculino de 60 anos, com pressão 150x90 mmHg, dislipidêmico e sedentário; outro paciente do mesmo sexo e idade, bem como o mesmo nível pressórico, porém com um passado de infarto agudo do miocárdio (IAM). Dessa forma, percebe-se que, embora os níveis pressóricos de ambos sejam os mesmos, o segundo indivíduo é mais grave, pela história prévia de evento cardiovascular. Deve- se, portanto, olhar o paciente como um todo. • Alterações mais frequentes: dislipidemia, intolerância à glicose, diabetes, obesidade, aterosclerose, microalbuminúria, hipercoagulabilidade. Dificilmente, vê-se um paciente apenas hipertenso. Geralmente, tem alguma coisa associada. Chama-se atenção o diagnóstico de hiperplasia e hipertrofia vascular e miocárdica. Deve-se, assim, encaminhar pacientes hipertensos e diabéticos para o oftalmologista, no intuito de avaliar hipertrofia e grau de comprometimento de arteríolas, por meio do exame de fundo do olho. A hipertensão, isoladamente, é a terceira maior causa de mortalidade cardiovascular e, além disso, é a primeira causa de AVE e segunda causa de IAM. Prevalência na população brasileira • Geral: 32,5% (22,3-43,9%) • 60-69 anos: > 50% • Acima de 70 anos: > 75% Fatores de risco para HAS Normalmente é multifatorial. Existem três fatores de risco não modificáveis: • Fatores de risco não modificáveis o Idade: quanto maior a idade, maior a chance de se tornar hipertenso. o Gênero e etnia: o negro, quando hipertenso, apresenta níveis pressóricos mais elevados. O gênero masculino é mais prevalente em relação ao feminino, sendo que a prevalência, nas mulheres, aumenta após a menopausa e depois dos 65 anos. o Genética: ausência de padrão genético específico no Brasil, pois há uma mistura de várias raças. • Fatores de risco modificáveis: excesso de peso e obesidade, ingestão de sal, álcool, sedentarismo, fatores socioeconômicos, resistência insulínica, dislipidemia. HAS primária ou essencial (85-90%) Não existe uma causa única e resulta da interação de várias disfunções. • Hereditariedade x fatores ambientais: filhos de pais hipertensos apresentam maiores riscos, bem como indivíduos que consomem muito sódio, são sedentários e vivem em ambiente de estresse. Esses pacientes apresentam hiperestimulação do sistema nervoso e do SRAA. Também já foram descritas alterações iônicas, em que os indivíduos tendem a acumular mais sódio, o qual atrai água e leva a um edema vascular e aumento do tônus contrátil. • Sistema nervoso e SRAA: ambos aumentam o DC e a RVP. • Transporte iônico: modificando o estado intracelular – aumento do tono contrátil, em longo prazo, contribui para hipertrofia das paredes arteriolares. 2 • Disfunção endotelial: pacientes respondem menos ao óxido nítrico no relaxamento vascular, mas respondem mais com vasoconstrição à endotelina, que também é endógena. • Resistência insulínica Sistema Renina-Angiotensina-Aldosterona A angiotensina II é um vasoconstritor direto, então aumenta a resistência periférica – efeito pressor. Além disso, ela também ativa o simpático, causando aumento da frequência cardíaca, de débito cardíaco e vasoconstrição por essa via. Ela também retém sódio e água, por meio do estímulo à produção da aldosterona. Ademais, há as alterações metabólicas nos pacientes, uma vez que ela mexe no metabolismo da glicose. Muitas vezes, por si só, induz resistência insulínica (causa hiperinsulinemia) e interfere no mecanismo do LDL-colesterol, aumentando sua concentração plasmática. Há, também, alterações na coagulação sanguínea, levando à formação de microtrombos e lesões de pequenas arteríolas em órgãos alvo. Por fim, ela estimula hipertrofia da camada média das arteríolas e do miocárdio. É por isso que, como a angiotensina II tem várias ações nocivas quando hiperestimulada, temos tantos medicamentos que agem nesse sistema. Uma outra ação da angiotensina II é a redução da produção e aumento da degradação do óxido nítrico, que é um vasodilatador endógeno. Ou seja, diminui a biodisponibilidade do óxido nítrico, fazendo com que haja mais vasoconstrição. Lesões de órgãos-alvo Quando possível, temos que bloquear esse sistema renina-angiotensina-aldosterona no paciente hipertenso. Resistência insulínica e hipertensão A insulina em excesso também tem ações estimulantes no SNA simpático, consequentemente, aumenta os níveis pressóricos. Além disso, a hiperinsulinemia também tem ação no metabolismo dos lipídios, promovendo a formação de placas de ateroma, bem como aumenta o inibidor do ativador do plasminogênio, com tendência à formação de coágulos. Isso dificulta a microcirculação nos órgãos e aumenta a chance de fibrose. Por fim, ainda aumenta a produção de ácido úrico. Esse mecanismo não está bem estabelecido, mas em todo paciente hipertenso e diabético é bom dosar ácido úrico. HAS secundária: prevalência 3-5% 3 Existem várias patologias endócrinas que podem levar a patologias de pressão. Mais comumente, temos as alterações da tireoide, síndrome da apneia e hipopneia obstrutiva do sono (paciente que hipoventila à noite ou para de respirar, o que gera uma descarga adrenérgica muito grande) e medicamentos/drogas. Medicamentos Quando estamos diante de um paciente hipertenso, antes de pensar em HAS secundária, devemos excluir: • Medida inadequada da PA • HAS avental branco • Não adesão ao tratamento • Progressão das lesões de órgão-alvo da hipertensão • Presença de comorbidades • Interação com medicamentos Classificação da pressão arterial para adultos (medida de consultório) Por definição, na medida de consultório, o limite da hipertensão arterial é 140x90 mmHg. A cada 20 mmHg que muda na sistólica, aumenta-se um estágio. De forma semelhante, a cada aumento de 10 mmHg da diastólico, sobe um estágio. Os pacientes normais foram subdivididos em três, sendo que o pré-hipertenso merece uma atenção especial, pois muitas vezes pode-se lançar mão até de medicamentos. AMPA: automedida da pressão arterial. É mais falho, pois é aparelho dependente. Diagnósticos possíveis na HAS (fenótipos) • Pressão normal no consultório e nos exames MAPA/MRPA: paciente normotenso. • Pressão alterada no consultório e normal nos exames MAPA/MRPA: hipertenso do avental branco. • Pressão normal do consultório e alterada nos exames MAPA/MRPA: hipertensão mascarada. • Pressão alterada no consultório e alterada nos exames MAPA/MRPA: hipertensão sustentada. Fenótipos em hipertensos tratados Se o paciente já é hipertenso e já toma medicamento, mede-se a pressão em consultório e por MAPA/MRPA. Se normal nos dois ambientes, temos um hipertenso controlado. Se sempre no consultório anormal, mas fora dele normal, é o hipertenso do avental branco não controlado. Hipertenso sustentado éo que está alterado em todos os lugares. Hipertensão mascarada não controlada é a que está alterada apenas no MAPA/MRPA. Diagnóstico • Confirmar o diagnóstico de HAS: o ideal é medir duas vezes no consultório. Lançar mão do MAPA 4 para confirmar o diagnóstico. Avaliar estresse, dor etc. • Estratificar o risco: fatores de risco para DCV, lesões de órgãos-alvo, presença de DCV. • Diagnosticar HAS secundária, se for o caso. • Ferramentas a serem utilizadas: história clínica + exame físico + exames complementares História clínica • HDA: tempo de diagnóstico, evolução e tratamento prévio. • O paciente deve ser interrogado sobre: FR específicos para DCV, comorbidades, aspectos socioeconômicos e estilo de vida, uso prévio e atual de medicamentos ou outras substâncias que possam interferir na medição da PA e/ou no tratamento da HÁ. • Pesquisar indícios que sugiram uma causa secundária para a HAS. • História familiar: fundamental para aumentar a certeza do diagnóstico de HAS primária. Exame físico O exame físico pode ser normal, mas pode-se encontrar repercussões de lesões em órgãos alvo. Índice tornozelo-braquial (ITB) • Medição da PAS no braço e no tornozelo, em ambos os lados. • Normal: PAS tornozelo/PAS braquial > 0,90 • DAP (doença arterial periférica) o Leve: relação é 0,71-0,90 o Moderada: 0,41-0,70 o Grave: 0,00-0,40 Na suspeita, solicita doppler arterial de membros inferiores. Medida da pressão arterial – requisitos básicos • Local confortável, braço apoiado, repouso prévio. • Manômetro bem calibrado, de fácil visualização e de tamanho adequado (2/3 da circunferência do braço). • Inflar rapidamente até 30 mmHg acima do desaparecimento do pulso arterial distal e desinflá-lo a uma velocidade de 2-4 mmHg/seg. • Considerar a fase I de Korotkoff para a PAS e a fase V para a PAD (crianças PAD também = fase V) • Desinflar totalmente o manguito após a aferição e aguardar pelo menos 1-2 minutos para nova medida. Recomendações importantes • Realizar pelo menos duas medidas em cada consulta. • Posições mais recomendadas: sentada e/ou deitada. • Nos idosos, disautonômicos, alcoólatras e/ou em uso de medicação anti-hipertensiva, aferir a PA também em posição ostostática. • Na primeira avaliação em ambos os MMSS. • A aferição da PA pode ser influenciada por: exercício, dor, estresse, fumo, refeição, frio, distensão vesical e calor excessivo. Avaliação complementar • Sumário de urina • Potássio plasmático: potássio baixo sem tomar diurético pode significar hiperaldosteronismo primário (tumor de suprarrenal que produz aldosterona). Lembrar que a aldosterona causa retenção de sódio e água, com eliminação de potássio. • Creatinina plasmática + estimativa da TFG • Glicemia de jejum e Hb A1c • Colesterol total, HDL e TG plasmáticos • Ácido úrico plasmático • ECG. Casos específicos • Radiografia de tórax • Ecocardiograma • Microalbuminúria • US carótidas: avaliar placa nas carótidas. • Teste ergométrico: angina. • Hb glicada / TOTG • MAPA / MRPA • Investigação HAS secundária, S/N 5 A borda do coração não pode ultrapassar 2/3 do hemitórax esquerdo. Na imagem acima, por exemplo, provavelmente há aumento do ventrículo esquerdo. Triagem e diagnóstico de hipertensão • Normotenso: repetir as medidas anualmente. • Pré-hipertenso e hipertenso grau I e II: é importante fazer medida fora do consultório. Se os números forem normais, repete anualmente. Se anormal, já iniciar tratamento. • Hipertenso grau III: já inicia tratamento. Tratamento O objetivo primordial do tratamento da hipertensão arterial é a redução da morbidade e da mortalidade cardiovascular. A cifra tensional não deve ser a única a ser levada em consideração. A presença de fatores de risco adicionais, o comprometimento de órgãos-alvo e a presença de doença cardiovascular estabelecida devem compor uma classificação de risco que estratifique o paciente em relação ao tratamento. Fatores de risco adicionais Lesão de órgãos-alvo 6 VOP: reflete rigidez arterial. Quanto maior a velocidade de pulso, maior a rigidez e maior a doença. Doença cardiovascular e renal estabelecida Avaliação do risco cardiovascular adicional no hipertenso O paciente diabético se comporta como um indivíduo que já teve doença coronariana, então o risco é alto. • Fatores de risco associados: gênero masculino, idade, história familiar de DCV prematura, tabagismo, dislipidemia, resistência à insulina, obesidade. Perceber que dificilmente se encontra um paciente hipertenso com risco baixo. Quando é que esse doente será de risco intermediário? Mudanças de estilo de vida: devem ser sempre recomendadas. Controle de peso é o que mais impacta. Tratamento medicamentoso Início do tratamento 7 • A decisão terapêutica deve-se basear na estratificação do risco cardiovascular e não apenas no nível tensional do paciente hipertenso. • A escolha do anti-hipertensivo deve levar em conta seus efeitos sobre as alterações metabólicas e tróficas. • A adesão do paciente ao tratamento é imprescindível para a obtenção dos benefícios. Características importantes do anti-hipertensivo Principais classes de anti-hipertensivos 1. Diuréticos • Mecanismo anti-hipertensivo o Primeira fase: redução de volume o Após 4-6 semanas: redução da resistência vascular periférica, uma vez que alguns pacientes podem ter edema de arteríola, por infiltração de sódio. • Exemplos o Tiazídicos: preferidos, porque a ação é de 24 horas. ▪ Hidroclorotiazida, clortalidona, indapamida SR (não interfere na parte metabólica do paciente, as duas primeiras podem levar à intolerância à glicose). o De alça: na HAS associada a IR e ICC. ▪ Furosemida (ação de 8 horas) o Poupadores de potássio ▪ Espironolactona, amilorida (em associação). 2. Betabloqueadores • Mecanismo anti-hipertensivo: diminuição inicial do DC (por redução do inotropismo e da FC), redução da secreção de renina, diminuição das catecolaminas nas sinapses nervosas. • Primeira opção na HAS associada à doença arterial coronária ou arritmias. • Exemplos: propranolol/atenolol; metoprolol, bisoprolol, carvedilol, nebivolol. Bloqueadores dos canais de cálcio • Mecanismo anti-hipertensivo: diminuição da concentração de cálcio nas células musculares lisas vasculares, consequentemente, leva à redução da resistência vascular periférica. • Reduzem morbidade e mortalidade cardiovasculares em idosos. • Exemplos: nifedipino retard e oros / anlodipino / manidipino / nitrendipino Sistema renina-angiotensina-aldosterona Existe o IECA, que é o inibidor da ECA. Ou seja, a enzima ECA faz com que haja a conversão de angiotensina 8 I em II (que é justamente a vilã). Ao bloquear a sua formação, reduz pressão arterial, melhora perfil metabólico e diminui hipertrofia. Outro medicamento importante é o BRA (bloqueador do receptor da angiotensina). A angiotensina II, quando se forma, se acopla ao receptor AT1 (que leva à vasoconstrição e hipertrofia). Quando esse receptor é bloqueado, faz a angiotensina se acoplar ao receptor AT2, promovendo vasodilatação e ação antiproliferativa. • Inibidor direto de renina: age no início da cascata. Na época em que foi lançado, achou-se que seria um medicamento super potente, mas na prática, a potência dele é média e ele é caro. Um efeito colateral importante dos IECAs é a tosse... por quê? Porque leva ao aumento da bradicinina, uma vez que a enzima ECA é responsável pela degradação da bradicinina também. Embora tal substância seja broncodilatadora, pode irritar os brônquios, causando tosse. • Vantagens dos IECA e BRA: reduzem a morbidade e mortalidade cardiovascular - nos hipertensos, pacientes comICC, IAM, pacientes de alto risco para doença aterosclerótica. Úteis na prevenção secundária do AVC. Retardam o declínio da função renal em pacientes com nefropatia diabética ou de outras etiologias. O captropril deve ser feito 3x ao dia, por causa da farmacocinética dele. Usar apenas 1x/dia não controla pressão. • Importante saber: ação metabólica, contraindicações, efeitos colaterais e interações medicamentosas. Associação medicamentosa – potenciais benefícios • Complementação de ações, maior eficácia anti- hipertensiva, menor quantidade de comprimidos, minimização de custos, maior facilidade posológica, melhor aderência ao tratamento. Usa-se medicamentos de diferentes classes em doses baixas pois, por agirem de maneiras diferentes, apresentarão efeito sinérgico. Não é toda associação que pode ser feita, veja abaixo: Pode-se começar com um diurético tiazídico e, se ainda não controlado, acrescentar bloqueador de canal de cálcio. O contrário já não é tão interessante, porque além de o bloqueador de canal de cálcio ter as ações normais dele, ele promove um pouco de natriurese, então a associação do diurético não nos dá tanto ganho/potência em termos de controle de pressão. Fluxograma do tratamento medicamentoso - 2020
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