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355607269-SOUZA-BATISTA-Casa-de-Camara-e-Cadeia-de-Mariana-Trajetoria-de-Conservacao

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CASA DE CÂMARA E CADEIA, MARIANA (MG): trajetória de 
conservação. 
SOUZA, CLEYSI MARA. (1); BATISTA, DANIELLE (2) 
 
1. Universidade Federal de Minas Gerais. MACPS 
Av. Minas Gerais, 425 – B. São José. Pará de Minas/MG 
cleysisouza@yahoo.com.br 
 
2. Universidade Federal de Minas Gerais. MACPS 
Rua Vinhático, 903, Rosário. Mariana/MG 
dani_638@hotmail.com 
 
RESUMO 
O objetivo deste trabalho é discorrer sobre a trajetória de conservação da Casa de Câmara e Cadeia de 
Mariana (MG), no que tange a atuação do Serviço do Patrimônio Histórico Artístico Nacional, durante o 
período de 1938 a 1988. A Casa de Câmara e Cadeia, tombada em 1949, se trata de um exemplar 
importante da arquitetura colonial, que compõe o conjunto de uma das praças mais singulares de Minas 
Gerais, qual seja a Praça Minas Gerais. Além disso, a instituição carrega o status de primeira câmara 
municipal da região das Minas. Assim, configurada sua relevância no cenário histórico, artístico e 
cultural nacional, a tarefa de esmiuçar a trajetória deste monumento no que se refere à atuação do 
SPHAN para sua conservação, parece um exercício elucidativo de análise do tema patrimônio. Para 
tanto, foram analisados os documentos disponibilizados pela 13
a
 Superintendência do IPHAN em 
Minas Gerais, e pelo Escritório Técnico de Mariana, como ponto de partida para essa investigação, 
recorrendo-se, em seguida, à bibliografia secundária sobre o tema. Os documentos analisados têm 
naturezas diversas, mas são principalmente cartas e ofícios administrativos internos do SPHAN, que 
trazem à luz a prática no cotidiano da instituição. O recorte do período de 1938 a 1988 se justifica por se 
tratar de um período que compreende pelo menos duas fases distintas do SPHAN, interpretadas pela 
literatura como “fase heroica” e “fase moderna”, permitindo assim um exame mais amplo dessa 
trajetória, vislumbrando seus reflexos para a contemporaneidade. Empreender um estudo do 
patrimônio, sob a perspectiva crítica do próprio patrimônio, representa uma mudança de paradigma 
para este campo de estudo, e pode contribuir de forma consistente para seu entendimento de forma 
mais abrangente. 
 
Palavras-chave: Casa de Câmara e Cadeia; Mariana (MG); patrimônio. 
4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação 
Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro 
1 A Casa de Câmara e Cadeia de Mariana 
Com o final da Guerra dos Emboabas, Dom Antônio de Albuquerque criou as primeiras Vilas 
com a intenção de conseguir controlar a região mineradora. No ano de 1712 o Arraial do 
Carmo se elevou a categoria de vila. Como já possuía uma população numerosa necessitava 
então uma estrutura administrativa mais elaborada, e também por ter se tornado vila, 
conforme as leis de Portugal. 
Para um arraial se elevar á condição de vila era necessário delimitar também 
um lugar para o funcionamento da Câmara e cadeia, a ereção do pelourinho, 
que era o símbolo da justiça e da autonomia do município, além da adequada 
conservação da igreja matriz. (CHAVES; PIRES; MAGALHÃES, 2012, p. 29). 
Quando um arraial se elevava a vila uma das primeiras preocupações era onde seria a 
localização e instalação da Casa de Câmara e Cadeia. O português Antônio Pereira, um dos 
desbravadores da região, foi quem doou o terreno para a construção da Casa de Câmara. A 
escolha do local levou em consideração a vista para o Ribeirão do Carmo, o objetivo de 
defender a vila, possibilitar o controle das atividades de mineração e da vida cotidiana da 
região. Ela foi implantada no centro do terreno e pode se ter vista das quatro fachadas. Sua 
implantação na praça obedece a uma tradição das cidades de Portugal, sendo em local alto e 
privilegiado, centro cívico e religioso de Mariana. Pois ao lado dela temos as igrejas de São 
Francisco de Assis e Nossa Senhora do Carmo, assim fechando a praça com grande valor 
urbano. 
O projeto foi feito pelo mestre de obras José Pereira dos Santos, que também era pedreiro e 
carpinteiro, em 1762 e sua construção se iniciou em 1768. José Pereira participou de outras 
obras em Mariana como as igrejas de Nossa Senhora do Rosário, São Pedro e São Francisco. 
Provavelmente a demora de vinte anos para o inicio da construção deve se a dificuldades 
financeiras existente na época. 
A Casa de Câmara e Cadeia tem tombamento datado em 19/12/1949, feito por meio do 
processo nº414 T e inscrição nº345 no livro de Belas Artes. É um processo considerado 
simples, pois ocorreu uma montagem e arquivamento de correspondências trocadas entre o 
SPHAN, Serviço de Patrimônio Histórico Nacional e a Prefeitura de Mariana. E assim 
receberam a prefeitura recebeu uma notificação da decisão de tombamento. 
O edifício feito para a Casa de Câmara e Cadeia nos tempos da Colônia tem seu uso original 
até a atualidade. Após algumas décadas e algumas transformações políticas e 
administrativas, o edifício não abriga mais a prisão. Somente o poder legislativo, que passa a 
ser focado nas fiscalizações e feitura de leis. Atualmente o edifico abriga somente o plenário 
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para os vereadores, estrutura que atende a Presidência da Câmara e os departamentos 
administrativos mais diretos. 
2 Trajetória de conservação da Casa de Câmara e Cadeia 
Em 2012, por iniciativa da Câmara de Vereadores de Mariana, foi iniciado um projeto com o 
objetivo de recuperar e preservar o bem cultural Casa de Câmara e Cadeia, desenvolvido por 
uma equipe de professores e estudantes da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). 
O prédio encontrava-se em mau estado de conservação devido a vários fatores, como: falta 
de manutenção preventiva para os ataques de insetos xilófagos, combate a umidade para 
evitar danos aos materiais e sistemas construtivos do prédio, desgaste dos materiais de 
construção que causaram o escurecimento e a perda do suporte das pedras e rachaduras. 
Analisando o projeto de recuperação da Câmara, podemos apontar como uma marca da sua 
concepção a abordagem para além dos aspectos físicos da construção, e o enfoque nos 
valores relacionados ao bem. 
É importante percebemos que essas escolhas são sempre baseadas em 
valores, que vão ser centrais tanto para se decidir o que conservar – que bens 
materiais representarão a nós e a nosso passado – quanto para determinar 
como conservar – que tipo de intervenção esses bens devem sofrer para 
serem transmitidos para as gerações futuras. (CARVALHO; CASTRIOTA; 
SOUSA, 2012, p. 159). 
Os valores serão sempre um fator decisivo no campo do patrimônio. Eles irão determinar as 
diversas escolhas tomadas pela comunidade e órgão de preservação. A restauração da 
antiga sede segue aos princípios modernos da preservação de bens culturais, da integridade 
do edifício nos aspectos estéticos, históricos e ambientais. 
Para iniciar esse processo foi feita uma avaliação do edifício, do seu estado de conservação 
em relação aos sistemas construtivos e materiais de construção. A análise feita mostra que a 
tipologia original foi preservada como o exterior do prédio e grande parte dos espaços 
internos. As poucas alterações ocorridas foram devido a alguns acontecimentos históricos 
que tiveram mudanças nos poderes, judiciário, legislativo e executivo. 
Embora este projeto ainda não tenha sido executado, ele aponta os sinais de uma perspectiva 
contemporânea que campo do patrimônio vem assumindo. E desta nova perspectiva, pautada 
no estudo atento dos valores, resultou a manutenção da função e uso do prédio como sede do 
poder legislativo. Ou seja, a simbologia do edifício foi mantida, corroborando para a 
manutenção da história e da memória de Mariana e do poder civil em minas Gerais. 
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Contudo, ao longo destes mais de dois séculos desde a sua construção, outras necessidades 
e intervenções marcaram a trajetóriada Casa de Câmara e Cadeia. E especialmente a partir 
da criação do órgão de preservação do patrimônio no Brasil, em um contexto de assimilação 
da cultura nacional, o tratamento e as respostas a estas necessidades se tornam peças 
fundamentais para o estudo do patrimônio. 
Neste sentido, passaremos ao enfoque principal deste trabalho que é a análise da atuação do 
Serviço do Patrimônio Histórico Artístico Nacional (SPHAN), com relação à Casa de Câmara e 
Cadeia de Mariana, no período de 1938 a 1988. 
2.1 Análise dos arquivos do SPHAN, entre 1938 e 1988 
Investigando a história da Câmara de Mariana, um signo recorrente nos textos e documentos, 
que lhe confere uma importância e significação não só para os marianenses, mas para a 
história do estado, é o fato de se tratar da primeira Câmara de Minas Gerais. Vejamos o trecho 
do artigo de Salomão de Vasconcellos: 
A Primeira Câmara da Vila de N S do Monte do Carmo de Albuquerque – o 
que equivale dizer a primeira edilidade erigida em toda Minas – foi, como se 
sabe, eleita em 4 de julho de 1711 [...]. Foi nesse venerando cenáculo que se 
lançaram as bases do poder municipal no nosso Estado, ou na frase mais 
expressiva de Diogo de Vasconcelos, onde se desfraldou nas Minas o 
estandarte das camaras, principio e ainda fonte das instituições liberais da 
nossa patria. (VASCONCELOS, 1938, p. 43) 
O trecho acima foi extraído de um artigo em que Salomão de Vasconcelos esclarece qualquer 
confusão sobre a data de eleição da primeira câmara das Minas, ao apresentar a descoberta 
do caderno com as atas originais da primeira eleição em 1711, esquecido “há mais de dois 
séculos nos fundos das prateleiras e escaninhos da Câmara” (VASCONCELOS, 1938, p. 47). 
Posteriormente, em 1956, o então Diretor do SPHAN, Rodrigo melo Franco de Andrade 
também publica um artigo na Revista Módulo, exaltando a importância histórica da instituição, 
e a arquitetura da edificação. Mas também chamando a atenção para as problemáticas e os 
desafios para a conservação do conjunto urbano de Mariana, e em especial para dois 
problemas com relação à Casa de Câmara e Cadeia, referente à manutenção até então da 
cadeia no piso inferior do prédio, e sobre o mau estado das instalações internas. 
Urge que removam dali os infelizes presos para qualquer cadeia com 
instalações decentes. Graças a essa medida, não só os pobres detentos 
serão beneficiados, como também a própria Casa da Câmara e Cadeia de 
Mariana, que poderá ter então, internamente, nos dois andares, o tratamento 
que merece. Mas, por enquanto, mesmo no pavimento nobre onde funcionam 
os serviços dos Poderes Executivo e Legislativo municipais, as condições 
internas do edifício são deprimentes pelo mau gosto, a incomodidade e o 
desleixo reinantes, tudo entretanto relativamente fácil de ser corrigido e 
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restituído à dignidade e ao apuro primitivos, aos quais poderiam ser 
acrescentadas as vantagens de confôrto moderno, ajustadas com critério ao 
prédio. (ANDRADE, 1956, p. 13). 
Em um ofício enviado ao Dr Rodrigo Mello Franco de Andrade, em 1945, sem assinatura, o 
remetente esclarece o seguinte: “Casa da Prefeitura – está em bom estado apenas 
notando-se num dos forros vestígios de um princípio de incendio ali verificado” 
(IPHAN/CDI-13ªSR, Caixa 204). 
O reparo do referido forro, bem como pintura do salão parecem ser solucionados nos anos 
seguintes, quando o chefe do 3º Distrito da DPHAN, Sr Sylvio de Vasconcellos, remete ao 
responsável Sr Antonio Ferreira de Morais, um ofício informando o seguinte: “Envio-lhe junto o 
conhecimento das tintas destinadas à Prefeitura Municipal, e peço-lhe a fineza de acusar o 
seu recebimento” (IPHAN/CDI-13ªSR, Caixa 204). 
Assim a obra teria sido concluída no mesmo ano, conforme demonstra uma correspondência 
em que o Sr Sylvio de Vasconcellos, ao prefeito de Mariana, Dr Pio Porto de Menezes, solicita 
informações sobre o andamento das obras da Prefeitura, inclusive da pintura 
(IPHAN/CDI-13ªSR, Caixa 204), e o mesmo é informado de que os serviços de reparação da 
escada e sanitário só ficariam prontos no dia seguinte (21/11/1947). E que por motivo de 
demora na limpeza do forro e o curto prazo, resolveram adiar a pintura do salão, para depois 
das eleições (IPHAN/CDI-13ªSR, Caixa 204).. 
Neste caso observamos como a rotina para um reparo no monumento, parecia bastante 
simples, e se concentrava especialmente no diretor da regional, que por sua vez prestaria 
contas posteriormente ao diretor nacional. Exemplo que verificamos no oficio n 146, de 20 de 
fevereiro de 1948, do diretor substituto do DPHAN, Renato de Azevedo Duarte Soeiro, ao 
chefe do 3º Distrito da DPHAN, Sr Sylvio de Vasconcellos, informando que os comprovantes 
de despesas com as obras da Prefeitura de Mariana, em novembro de 1947, estavam 
corretos. 
Com relação às intervenções e/ou modificações nos monumentos tombados, aparece nos 
documentos um exemplo interessante. Por meio do ofício 6-48, de 15 de janeiro de 1948, do 
chefe do 3º Distrito da DPHAN, Sr Sylvio de Vasconcellos, ao prefeito de Mariana, Cônego 
José Cota, o mesmo informa o seguinte: 
(...) examinando, porém, o projeto, chegamos à conclusão de que não nos 
parece muito indicado o local para a destinação que se tem em vista. Não só 
a importancia do predio da Prefeitura exige área livre em suas fachadas para 
uma melhor perspectiva que seria prejudicada pelo indispensável 
fechamento de uma das áreas laterais que, como foi alvitrado, com cerca de 
arame e vegetação, em muito prejudicaria o imóvel da municipalidade. Por 
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outro lado, à aglomeração de público para as práticas esportivas junto a 
prédio público, inclusive cadeia, não nos parece muito aconselhável, 
levando-se ainda em conta os danos que porventura sofreria o predio devido 
os lançamentos de bola, etc. (VASCONCELLOS, Sylvio, 1948. 
IPHAN/CDI-13ªSR, Caixa 204) 
Já em janeiro 1958, um telegrama do prefeito de Mariana, Afonso Bretas, ao encarregado Sr 
Ivo Porto Menezes, informa que: “telhado prefeitura parte destinada sala arquivo patrimonio 
desabou necessitando sua vinda aqui urgente mudança sob pena grandes prejuízos”. E em 
julho do mesmo ano, em ofício ao chefe do 3º distrito, Sylvio de Vasconcellos, o prefeito 
solicita o seguinte: 
(...) no sentido da urgente necessidade de ser feito o telhado desta Prefeitura, 
obra esta há muito prometida, uma vez que esse telhado não mais resiste a 
qualquer conserto, ou embondo. É urgentíssima esta obra, antes das futuras 
chuvas, sob pena de vermos desabar todo telhado, com prejuízo de tudo e 
todo arquivo colonial guardado no prédio. Vossos encarregados, Drs Ivo e 
Wilson, podem atestar o estado lastimavel em que se encontra esse telhado e 
bem assim o carpinteiro dessa Repartição, o Sr José Tomé. (BRETAS, 
Afonso, 1958. IPHAN/CDI-13ªSR, Caixa 204). 
Em resposta ao apelo do prefeito de Mariana, o chefe do 3º distrito respondeu o seguinte: 
Cumpre informar que, embora não caiba a esta repartição responsabilidade 
por obras necessárias a imóveis pertencentes ao poder público, senão 
excepcionalmente, tendo em vista a colaboração dessa Prefeitura, a acolhida 
dispensada aos arquivos por ela recolhidos e o pessoal empenho de V. Sa., 
foram autorizados os reparos na cobertura da antiga Casa da Câmara e 
Cadeia de Mariana. (VASCONCELLOS, Sylvio, 1958. IPHAN/CDI-13ªSR, 
Caixa 204). 
O desenrolar deste episódio se deu com a execução das obras no telhado, a partir de recursos 
disponibilizados pelo SPHAN, “limitadas mínimo necessário” conforme frisado por Sylvio de 
Vasconcellos em telegrama enviado ao encarregado Wilson Vasconcelos Sampaio. 
No ano seguinte em uma carta ao chefe Sylvio de Vasconcellos, o carpinteiro José Tomé dos 
Anjos solicita a mudança da cor da sala onde funcionava a audiênciada Câmara, pois era 
muito escura. Nesta carta ele também comenta sobre os serviços que ainda faltam, inclusive 
sobre o pavimento onde funciona a cadeia. Sobre estas intervenções Sylvio de Vasconcellos 
remete o seguinte: “1 – Tôdas [sic] as paredes devem ser pintadas a cal branca; 2 – não tocar 
nas partes relativas às prisões” (VASCONCELLOS,Sylvio, 1959. IPHAN/CDI-13ªSR, Caixa 
204). 
Tendo acatado as orientações do chefe do 3º distrito, José Tomé dos Anjos retorna a 
correspondência daquele, nos seguintes termos: 
Informo-lhe que o restante da obra da Prefeitura, falta instalação elétrica e a 
parte das prisões; conforme o oficio de nº 600 também de V. S., não toquei 
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nas partes das referidas prisões. Quanto as instalações, o Sr. Prefeito quer 
que o patrimônio faça para ele. Peço ao senhor mandar aqui o representante 
para resolver com o Senhor Prefeito, pois ele quer abrir uma porta ou uma 
passagem da sala onde funciona a secretaria da Prefeitura para o quarto 
onde funcionava a Agencia de Estatística, onde pretende ele colocar a 
instalção [sic] sanitária. (ANJOS, José Tomé dos, 1959. IPHAN/CDI-13ªSR, 
Caixa 204) 
 
As solicitações dos prefeitos para alterações, instalações de melhorias, ou adaptações no 
edifício podem revelar o cotidiano de se permanecer com a função para a qual o monumento 
foi criado, concomitante ao tombamento. Neste caso, muito embora o monumento tenha sido 
construído para abrigar o que hoje conhecemos como poder legislativo, e não para abrigar 
uma prefeitura nos moldes do século XX – ainda assim consideremos as funções como afins. 
Certamente para a instituição, isso possa gerar algum tipo de mal estar, contudo por outro 
lado lhe agrega um valor simbólico ligados à história da própria instituição. 
No entanto, os impasses entre os interesses da instituição e o pensamento o órgão de 
conservação seriam inevitáveis. Observemos que em 1960 o prefeito da cidade solicita a 
construção de um muro perpendicular ao prédio da Câmara: 
A pedido do Senhor Prefeito desta cidade de Mariana, Daniel Carlos Gomes, 
peço ao Senhor a fineza de enviar a esta cidade o Exmo. Sr. Engenheiro 
Representante, afim de deliberar-se sobre [sic] a construção de um muro ao 
lado da esquerdo da Prefeitura Municipal. (ANJOS, José Tomé dos, 1960. 
IPHAN/CDI-13ªSR, Caixa 204). 
E como podemos depreender pelo ofício enviado dias depois ao encarregado, tal pedido fora 
negado: 
Esteve em Mariana o engenheiro desta repartição, que opinou 
contrariamente à construção do muro junto ao prédio da Prefeitura Municipal 
dessa cidade, que, por suas características monumentais, deve ser mantido 
solto [sic] em seu terreno. (VASCONCELLOS, Sylvio, 1960, 
IPHAN/CDI-13ªSR, Caixa 204) 
No entanto, parece que esta era uma solicitação recorrente e que retorna em 1971, inclusive 
com sugestão do desenho: 
Dr Luciano, o Prefeito de Mariana pediu-me para mostrar-lhe esse desenho 
para um muro junto à Casa da Câmara (atual prefeitura). Caso não seja 
possível pede uma sugestão de como fechar o patio lateral que serve de 
oficina da prefeitura. (Pinheiro, 1971. IPHAN/CDI-13ªSR, Caixa 204) 
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Figura 1: Desenho proposto para o muro perpendicular à Câmara 
 Fonte: IPHAN/CDI-13ªSR, Caixa 204, 1971. 
 
Pela análise dos documentos analisados não foi possível verificar como se deu os trâmites 
para a construção do muro. O fato é que conforme verificado pela fotografia a seguir, no ano 
de 1975 o muro estava construído. E ainda, que em 1982 já não havia nenhum muro na 
perpendicular esquerda do prédio. 
 
Figura 2 – Parte da fachada e muro da Casa de Câmara e Cadeia de Mariana 
Fonte: IPHAN/CDI-13ªSR, Caixa 204, 1975. 
 
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Figura 2 – Fachada da Casa de Câmara e Cadeia de Mariana. 
Fonte: IPHAN/CDI-13ªSR, Caixa 204, 1983. 
 
Outro impasse, eu em 1956 já havia sido apontado pelo Dr Rodrigo Mello Franco de Andrade, 
era permanência da cadeia no pavimento inferior do prédio. Em uma carta endereçada ao 
chefe do 3º distrito, o delegado de 1ª classe em exercício em Mariana, aponta os problemas 
com relação a esta situação: 
Vim hoje de Mariana afim de por seu intermédio solucionar, se possível, a 
questão da cadeia de Mariana. Estive quarta-feira com o Dr. Fernando Leal. 
Disse-me ele que o prédio da cadeia era “tombado” e assim não era possível 
de alteração. – A cadeia não oferece nenhuma segurança. Necessita mudar 
as grades e o assoalho. – O secretario da segurança disse-me pessoalmente 
que depende de se consertar somente pois a verba está aprovada, creio de 
acordo com o Sr. E o governador do Estado. – Precisamos também dotá-la de 
um muro atrás a fim de os presos tomarem sol. Confio em seu préstimo não 
só para a causa pública de Mariana, mas também para mim, pois não posso 
deixar a cadeia como está. (Delegado de 1ª classe de Mariana, 1962. 
IPHAN/CDI-13ªSR, Caixa 204). 
Certamente que o uso de um monumento tombado, inclusive mantendo sua função original, a 
despeito de algum mal estar que possa gerar ao usuário, merece ser incentivado, conforme já 
mencionado anteriormente neste trabalho. Contudo, por razões óbvias, essa manutenção 
deve levar em consideração a manutenção em primeiro lugar da dignidade humana. Neste 
sentido é que transferir aqueles presos para instalações adequadas se mostrava como uma 
providência urgente, e que até 1962, ainda não havia desfecho. 
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Além dos desafios impostos pelas demandas do uso cotidiano do monumento, a conservação 
da Câmara de Mariana também tem sua trajetória marcada pelas intempéries e acidentes. A 
capela que figura nos fundos do edifício foi alvo de uma ocorrência elucidativa, de como as 
medidas tendiam mais para ações emergenciais do que preventivas. 
Cumpre-me, como Prefeito desta Cidade Monumento, levar ao conhecimento 
de V. Exa. que as constantes chuvas estão provocando o desmoronamento 
da capela, sita no terreno localizado nos fundos do prédio da Prefeitura e 
visto não se encontrar esta Municipalidade em condições de arcar com 
maiores despesas em face de sua precária situação financeira, serei 
obrigado a proceder à demolição da mesma.(Prefeito Municipal de Mariana, 
1965. IPHAN/CDI-13ªSR, Caixa 204). 
Em resposta ao prefeito, o 3º distrito da DPHAN esclarece que a demolição não seria medida 
legal, e que já haveria autorização ações emergenciais para reparo e contenção do possível 
desmoronamento. 
Tomo a liberdade de lembrar ao presado [sic] amigo que, de acôrdo com o 
art. 17 do decreto-lei nº 25 de 30 de novembro de 1937, as coisas tombadas 
não poderão, em caso nenhum, serem demolidas. Outrossim, informo a V. 
Excia, que foi mandado efetuar vistoria na Capela dessa Prefeitura tendo em 
vista assegurar sua estabilidade. (VELLOSO, Antonio Augusto, chefe 
substituto do 3º Distrito da DPHAN, 1965. IPHAN/CDI-13ªSR, Caixa 204). 
Cabe observar outro caso em que a Câmara sofreu com a falta de medidas preventivas, 
quando em 1988 um início de incêndio ameaçou a integridade do edifício. Como danos 
principais, o laudo do Corpo de Bombeiros relata o seguinte: “queima de documentos 
diversos, divisória de madeira, 06 máquinas de escrever marva Olivette, 07 máquinas de 
calcular marca Olivette, 01 arquivo, além de danos na estrutura física do prédio.” E o laudo 
ainda aponta: “o prédio é tombado pela SPHAN, e não existe nenhum sistema preventivo 
contra incêndios”. 
Fica demonstrado, ou pelo menos indicado, que a Casa de Câmara e Cadeia de Mariana 
embora mantenha sua imponência arquitetônica, destacando-se no conjunto urbano de 
Mariana até os dias atuais, percorreu caminhos tortuosos no que tange sua conservação.O 
fato de abrigar os órgãos de maior status na municipalidade, quais sejam Prefeitura e Câmara, 
sempre lhe atraíram o olhar atento daqueles que detinham um poder de voz. 
Logo, se nos anos anteriores à constituição do SPHAN, a Câmara de Mariana tenha se 
salvado de todo azar da descontinuidade, que nas palavras do Dr Rodrigo Mello Franco de 
Andrade marca a administração pública no Brasil, por obra do acaso propicio. Nos anos 
seguintes o acaso deu lugar às demandas cotidianas dessa administração que esbarravam na 
lei do tombamento. 
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Neste sentido, em um ofício datado de 1980, a arquiteta Lívia Romanelli d’Assumpção, 
elucida de forma taxativa o contexto geral da proteção do patrimônio em Mariana, e expõe 
claramente que o órgão responsável não dá conta de sua função. 
I – Em virtude de uma série de dificuldades encontradas em nossas visitas 
semanais a cidade de Mariana, feitas com o apoio do Convênio 
SPHAN-UFOP-PMOP, gostaríamos que a Diretoria Geral da SPHAN ficasse 
ciente da maneira com que aquela comunidade recebe a atuação do SHAN. 
Assim, esperamos possibilitar o estudo da melhor forma de agir, de modo a 
obter a conscientização da população para o problema das cidades históricas 
a melhorar a imagem do “Patrimônio” junto a citada comunidade. 
II – Estamos observando em Mariana um aumento significativo no número de 
construções novas, principalmente do tipo comércio no térreo e apto(s) no(s) 
pavimento(s) superior(es). Estas últimas palavras colocadas no plural é o que 
nos assusta; a escala urbana de Mariana corre sério risco de ser 
completamente alterada por grandes volumes, sem nenhuma significação 
histórica ou arquitetônica, em geral de arquitetura duvidosa (que merece 
discussão á parte), que são o resultado da especulação imobiliária que já se 
faz nos lotes (ou casas) mais centrais da cidade. 
Já está mais que evidente que o antigo IPHAN não teve estrutura suficiente 
para evitar uma série de alterações e descaracterizações que Mariana sofreu 
nestes últimos anos. E o que é pior, tornou se um órgão antipático na opinião 
da população local, um órgão de caráter repressor, cheio de faltas apontadas 
aqui e ali e que, sendo o responsável pela conservação dos Monumentos 
antigos, muitas vezes o deixava arruinar se por falta de verbas, pessoal, 
intercâmbio com outros órgãos públicos, etc.,etc. 
III – Sentimos que está muito frágil nossa posição de órgão controlador de 
restaurações e novas construções em Mariana. Para não acerbar mais as 
posições da população contra o “Patrimônio” tentamos dialogar, esclarecer, 
“negociar” até, nos casos em que temos maiores alterações. Mas chegamos 
as vezes a um ponto onde precisamos firmar as posições e não ceder sob 
pena de perdemos mais uma vez a batalha e constatar que os valores de 
nossa cultura, que tentamos preservar, estão sendo irremediavelmente 
perdidos, alterados, incompreendidos e o que é pior, muitas vezes até 
ridicularizados. 
É evidente que este enfraquecimento de posições torna impossível que seja 
feito, com dignidade e controle, o trabalho que a SPHAN se propõe a fazer, e 
para o qual afinal foi criada. 
IV – Por termos consciência de que nossa formação profissional foi, e é, 
muito dispendiosa aos cofres públicos e por sabermos das imensas 
dificuldades por que passa a economia de nosso país, existe para nós o 
comprimento moral de retribuir com o nosso trabalho na forma de preservar 
nossos valores culturais. Mas sentimos que para isso é essencial nosso apoio 
da instituição que representamos. 
V – Cremos que o que vai “salvar” Mariana não é a resolução de um ou outro 
caso isolado (embora atualmente isso represente bastante), mas o 
estabelecimento e cumprimento de diretrizes bem estudadas e definidas. 
Embora sabendo da fase de transição por que passa a SPHAN e 
consequentes dificuldades, pedimos que sejam estudadas e viabilizadas as 
seguintes propostas: 
Que a SPHAN ou Fundação Pró-Memória dê inicio a formação de equipe 
inter-disciplinar, para estabelecer as diretrizes de um Plano Diretor para 
Mariana, usando naturalmente todos os estudos já feitos até agora para a 
cidade; 
Que os mesmos organismos também provoquem a consequente formação 
de um Código de Obras Municipal; 
Que se estude e coloque em prática uma forma de conscientizar e fazer a 
população participar da defesa do patrimônio da cidade; 
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Que enquanto não se põem em prática os estudos que deverão ser feitos, 
necessitamos do apoio imediato da SPHAN, para as providências referentes 
aos casos flagrantes de desrespeito ao Decreto Lei 25, sem qualquer sanção, 
por falta de iniciativa do órgão. (D’ASSUMPÇÃO, Lívia Romanelli, 1980. 
Ofício enviado ao Dr Augusto Carlos da Silva Telles, Diretor da DCR da 
SPHAN. IPHAN/CDI-13ªSR, Caixa 211/160). 
 
Não obstante o texto da arquiteta faça referência a todo o conjunto urbano de Mariana, se 
aplicamos sua visão ao caso particular da Câmara de Mariana, entendemos que sua 
conservação até hoje se deve menos à ação efetiva do órgão de patrimônio e mais ao uso que 
se sustenta ainda nos dias atuais. 
3 Considerações 
No âmbito das discussões sobre conservação, parece haver uma tendência contemporânea 
em participar outros atores que não apenas os especialistas no assunto. Neste ponto, 
comunidades de entorno, ou a população em geral, se tornam peças chaves no processo de 
gestão do patrimônio e o entendimento dos valores percebidos por estes atores se apresenta 
como um caminho eficiente de sucesso para tal. 
No caso da Casa de Câmara e Cadeia, o projeto recente, ainda não executado, de restauro da 
edificação parece seguir este caminho contemporâneo. Este caminho de certa encontra 
referências na trajetória de conservação do próprio monumento. 
Na investigação dos documentos disponíveis nos arquivos da 13a Superintendência do Iphan 
em Minas Gerais, e pelo Escritório Técnico de Mariana, notamos uma recorrente demanda 
feita pelo poder municipal, motivado talvez pelo fato do monumento ser também a sua sede. 
Assim, por um lado, o abrigo dos poderes executivo e legislativo conferiu ao monumento a 
possibilidade de se fazer ouvir por uma voz representativa. Por outro lado, contudo, o seu 
papel enquanto patrimônio parecia provocar certo desconforto aos usuários que algumas 
vezes tiveram suas demandas negadas. 
Por fim, a atuação do SPHAN na conservação da Câmara de Mariana, durante os anos de 
1938 e 1988, pareceu mais emergencial do que preventiva, e ou de proteção. A lei do 
tombamento conseguiu evidentemente evitar danos severos ao patrimônio, no entanto na 
ação efetiva do órgão faltou a articulação com os atores, e a percepção dos valores 
envolvidos. 
 
 
4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação 
Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro 
 
4 Referências 
ANDRADE, Rodrigo Melo Franco de. Arquitetura Colonial: A Casa de Câmara de Mariana. 
Revista Módulo, n 4, p. 10-13, 1956. 
CARVALHO, Fernanda Trindade de; CASTRIOTA, Leonardo Barci; SOUSA, Vilmar Pereira 
de. A construção do projeto. In: Leonardo Barci Castriota. (Org.). Casa de Câmara e Cadeia 
de Mariana: a recuperação de um patrimônio nacional. 1ed. Belo Horizonte: Instituto de 
Estudos do Desenvolvimento Sustentável, 2012, p. 159-179. 
CASTRIOTA, Leonardo Barci. Casa de Câmara e Cadeia de Mariana – A recuperação de um 
patrimônio nacional. Belo Horizonte: IEDS, 2012. 
CHAVES, Cláudia Maria das Graças; PIRES, Maria do Carmo; MAGALHÃES, Sonia Maria 
de.(Orgs.). Casa de Vereança de Mariana: 300 anos de história da Câmara Municipal. Ouro 
Preto: UFOP, 2012. 
VASCONCELOS, Salomão. Relíquias do Passado. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico 
Nacional, Rio de Janeiro, v. 2, p. 43-55, 1938. 
 
Arquivos consultados 
IPHAN/CDI-13ªSR/Belo Horizonte-MG (IPHAN/CDI-13ªSR) 
IPHAN/ESCRITÓRIO TÉCNICO –Mariana – MG

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