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GÁLATAS W i l l i a m Simmons INTRODUÇÃO 1. O Espírito Santo e Gálatas A p e s so a e a o b ra d o E sp írito S a n to d e sem p en h a ra m um p a p el p ro em in en te nas igrejas da Galácia. O evangelism ona Galácia, p o r e x e m p lo , fo i in ic ia d o p o r um m o v i m e n to s o b re n a tu ra l d o E sp ír ito S a n to (At 13.2,4). O Espírito m anifestou tam bém dons c a rism á tico s em seu m e io . O s d isc íp u lo s da A n tioq u ia d e P isíd ia, p o r e x e m p lo , são d escrito s c o m o s e n d o c h e io s d e alegria e d o E sp írito S a n to (1 3 .5 2 ) . O S e n h o r c a pacitou Paulo e B a m a b é para executar sinais e m aravilh as e m Ic ô n io (1 4 .3 ) . P au lo m a n ife sto u o d o m d e cu ra e m Listra, q u a n do um aleijado foi com pletam ente restaurado (1 4 .8 -1 0 ; 1 C o 1 2 .9 ). C laram en te , a fu n d a çã o d as ig re jas d a G a lá c ia e o m in is té rio d e P a u lo e B a rn a b é en tre esta s ig re jas fo ra m o re su lta d o d o tra b a lh o d o E sp íri to Santo . O Espírito Santo d esem p en h o u tam bém u m p ap el-ch av e em resolver os m uitos p ro blem as na G alácia . A lgo estava terrivelm ente errad o e m m e io a estas c o n g re g a çõ e s in i ciais d e P au lo . E m b o ra o s gálatas fo sse m o s p rim eiro s a ouvir o ev a n g e lh o livre da lei, estav am se v o ltan d o p ara o legalism o (At 13-39; G l 4 .8 -10). Paulo havia claram ente pregado a justificação pela fé, m as eles estavam b u sca n d o serem ju stificad o s p elas o b ras (G l 2 .1 6 ; 3 .1 ,1 0 ,1 1 ). A lém d isso , fo i b e m n o m e io d eles q u e P au lo exp licita m en te proclam ou que iria para os gentios (At 13.46- 48). A gora algum as destas p esso as estavam q u e ren d o se to rn ar ju d eu s (G l 5 .2 ). F ica ram fascinados e estavam em perigo d e jogar fora a sua sa lv ação (3 .1 ; 4 .1 1 ,1 9 ) . P ro cu ra n d o tra z er d e v o lta o s g álatas p ara a c o n g re g a ç ã o , P au lo n ã o reafirm a sim p lesm en te a m en sa g em d o ev an gelh o , re ite ra n d o q u e as fo rm u la çõ e s d o u trin á rias n ã o d esfa rã o o d an o q u e e x iste lá. E le deve apontar para algo mais tangível, alguma ex p e r iê n c ia in q u estio n áv el p ara afastar os gálatas para lo n g e d o s d eso rd eiros. É aqui q u e Paulo se con centra ria exp eriên cia com o E sp írito S a n to (B e tz , 1 9 7 4 ,1 4 6 ). P o r e x e m p lo , e m G á la ta s P a u lo n ã o a s so c ia p rin c ip a lm e n te c o n c e ito s -c h a v e c o m o “g ra ç a ”, “ju s tiça ” e “a d o ç ã o ” c o m a cru z e a re ssu rre içã o . P e lo co n trá rio , e s tes tem as p rincip ais são re lacio n ad o s à e x p e riê n c ia d o E sp írito (3 .2 ,5 ,1 4 ; 4 .6 ,2 9 ; 5 .5 ; 6 .8 ) . A lé m d is so , te rm o s s o c io ló g ic o s n e g a tiv o s c o m o “im a tu ro ”, “e s c r a v o ” e “p e d a g o g o ” (3 -2 4 ,2 5 ; 4 .1 ,2 ) sã o co n tra s ta d o s c o m te rm o s m ais p o sitiv o s a s so c i a d o s c o m o E sp írito , tais c o m o “filh o s ”, “liv res” e “P a i” (3 .1 9 — 4 .7 ) (Lull, 1 9 8 0 ,1 1 8 , 1 2 7 -1 2 8 ,1 3 1 )- O p o n to c en tra l d e P au lo é q u e o recebim ento do Espírito p elos gálatas serv e c o m o u m a p ro v a in e g á v e l d e q u e e les são filhos d e D eus (3-1-5) (W edderburn, 1 9 8 8 ,1 7 1 ). A e x p e r iê n c ia d o E sp ír ito e o receb im en to da graça estão correlacionados virtualmente u m a o outro nesta carta. A m bos cria m um a c o n s c iê n c ia d e q u e D e u s está v e rd a d e ira m e n te tra b a lh a n d o n o c ren te . E sta v e rd a d e se to rn a p a rticu la rm en te e v id e n te n o q u e diz re sp e ito à d o u trin a d e Paulo da justificação p ela fé. Em Gálatas, o d o m d o E sp ír ito e a ju s t i f ic a ç ã o sã o in sep a rá v e is , p o is P a u lo n o ta q u e o E s p írito fo i re c e b id o p e lo s g á la ta s da m e s m a fo rm a q u e A b ra ã o r e c e b e u a ju stiça d e D e u s (3 .6 , cf. ta m b é m R m 8 .1 -1 7 ; 1 Co 6 .11 ; 2 Co 3 .8 ,9 ) (D ahl, 1 9 7 7 ,1 3 3 ). Som ente c o m b a s e n a fé e m C ris to , o s g e n t io s in c irc u n c iso s sã o h a b ita d o s p e lo E sp íri to Santo d e D eus, sep aradam ente das obras d a le i. D e s te m o d o , a p re s e n ç a d o E sp í rito n o m e io d o s g á la ta s é o e n d o ss o d i v in o q u e re d e fin e o lu g ar d a le i e e s ta b e le c e a ce n tra liz a ç ã o da fé. A im p o rtân cia te o ló g ica d o E spírito em G á la ta s é e v id e n te a p artir d o s e x e m p lo s d a d o s a c im a . Is to é , a m a n e ira e m q u e o E sp ír ito o p e ro u e n tre o s g á la ta s re v e la a n a tu rez a d e D e u s e su a r e la ç ã o p ara c o m E le . A lém d isso , o a rg u m e n to d e P a u lo s o m e n te te rá p e s o se o tra b a lh o d o E s 1123 GÁLATAS pírito for distinto e inegavelmente real. A função do “clamor Abba” em4.6,7 prova este ponto (Lemmer, 1992,359). Debai xo da influência carismática do Espíri to, os gálatas gritam “Abba, Pai!”. Este clamor de êxtase cria uma consciência filial que é um testemunho para a realidade de seu lugar em Deus. É a prova primária que diz: “Você pertence”. Esta deve ser uma realidade contínua na Igreja para que haja qualquer força no apelo de Paulo. Por tanto, tal atividade do Espírito não é uma parte incidental do culto de adoração. Mais do que isto, é essencial para a presença de Deus no meio dos crentes. Quer di zer que eles nasceram do Espírito e que o Espírito os capacita a viverem como cristãos (4.21-31; 5.16-26). Finalmente, as implicações sociológi cas do Espírito em Gálatas são também importantes. Se Deus demonstra sua so lidariedade amorosa para com os cren tes da galácia concedendo seu Espírito pela fé, como podem discriminar e nutrir as diferenças entre si mesmos? Por isso, não pode haver judeu nem grego, nem escravo nem livre, nem homem nem mulher, porque eles são todos um em Cristo Jesus (3.28) (Heine, 1987,153). Apresença unificadora do Espírito é o que faz separação de Pedro dos gentios ainda mais inaceitável (2.11- 15) (Dunn, 1992,116,117). Segue-se que a carta aos gálatas é de significado especial para os pentecostais. Porque na presença permanente do Espí rito Santo está a legitimidade da vida e da adoração cristã. A habitação do Espírito, acompanhada de seus dons e frutos, ser ve como evidência de que alguém foi to talmente aceito por Deus. E um sinal tan gível de que fomos justificados pela fé, separadamente da lei. Deste modo, a pre sença dinâmica do Espírito na vida do crente marca claramente o fim da lei e qualquer tentativa de assegurar justiça através das obras. O Espírito cria uma solidariedade divina com o Pai que nada pode dissol ver. Em outras palavras, a atividade sobre natural do Espírito não é algum aspecto incidental da adoração pentecostal. É o sinal divino autenticando nossa experiência de salvação. O Espírito serve como o cami nho para o desenvolvimento maduro em Cristo. Serve como a chave para a liberda de cristã e a libertação da obediência ser vil a lei. Gera uma atmosfera de unidade e aceitação mútua, que proíbe discrimina ção e segregação no corpo de Cristo. Estas verdades guiarão o restante do estudo. Mas antes de nos dirigirmos ao texto, devemos nos fazer algumas perguntas importantes. Temos permitido que nos sas obras para Cristo substituam as obras de Cristo? Alguma forma de legalismo, não importando quão sutil seja, tem minado a graça de Deus em nossas vidas? Um espírito de justiça pelas obras tem deslocado a obra do Espírito em nosso serviço a Deuse aos homens? Finalmente, estamos buscando uma religião que possamos controlar em lugar de uma fé que guia? Felizmente, o cuidado de Paulo pelos gálatas nos aju dará a direcionar estes assuntos. 2. Autoria a . E v id ên c ia In te r n a Não pode haver nenhuma dúvida de que Paulo escreveu a carta aos Gálatas. É considerada uma das mais “Paulinas” de todas as cartas do Novo Testamento. Sua afinidade com Romanos é inconfundível e tem sido descrita como um rascunho daquela grande carta. Quase toda linha pulsa com o espírito e mente do grande apósto lo. Como em Romanos, os dois grandes temas paulinos, justificação somente pela fé e a vida no Espírito, formam a parte principal do conteúdo de Gálatas. Seu vocabulário mostra consistentemente a mão do após tolo. Palavras como “graça”, “fé”, “justiça”, “lei”, “carne” e “Espírito” aparecem em toda página e são usadas no sentido paulino clássico. Não precisamos nutrir nenhuma reserva com relação à autoria paulina de Gálatas (Bruce, 1982,1). b. E v id ên c ia E x tern a O que podemos reunir de fora do texto bíblico apóia igualmente a autoria paulina. Os primeiros patriarcas da igreja aceitam unanimemente Paulo como o autor, e os cânones mais antigos da Escritura listam 1124 GÁLATAS G á la ta s c o m as c a rta s p a u lin a s (B e tz , 1 9 7 9 ,1 ). 3- Ocasião P a u lo e s c re v e u p a ra o s g á la ta s p o rq u e d e s o rd e iro s e “a g ita d o re s ” se in filtraram e m su as ig re ja s (1 .7 ; 5 .1 0 -1 2 ) . E sta v a m e sp a lh a n d o h e re s ia s q u e a m e a ç a v a m a própria salvação dos convertid os de Paulo. E ste s “fa lso s irm ã o s ” ( 2 .4 ) p a re c e m ser sem e lh a n te s ao s ju d eu s cristão s legalistas e n c o n tr a d o s e m A to s 1 1 .1 -3 e 1 5 .1 -3 - F a r ise u s c o n v e r tid o s re iv in d ica v a m q u e p a ra o s g e n tio s s e r e m sa lv o s , d ev e ria m o b e d e c e r a le i d e M o isé s e s e r e m c ircu n - c id a d o s (1 5 .5 ) . N a G a lá c ia , p a r e c e q u e tais p esso a s d iscutiram d izen d o q u e P aulo o s h a v ia e v a n g e l iz a d o s o m e n te p e la m e ta d e , e q u e a le i d e M o isé s p re c isa v a s e r a cre sc e n ta d a p ara q u e fo ss e m salv o s. O s h e r e g e s e s ta v a m e n tã o b u s c a n d o c o m p e lir o s g e n tio s a se re m c irc u n c id a - d o s (G l 5 .1 ) e a o b se rv a re m as le is c e r i m o n ia is ju d ia s , c o m o o s fe r ia d o s re lig i o s o s e as reg ra s d e p u r ific a ç ã o (2 .1 -1 4 ; 4 .1 0 ). E stavam ten tan d o su bstitu ir o e v a n g e lh o d a g ra ça , q u e P a u lo p re g o u , p o r u m s is te m a d e ju s tif ic a ç ã o p e la s o b ra s . E m re su m o , q u e r ia m re in s ta u ra r o ju d a ísm o c o m o o m o d e lo re lig io s o p rim á rio p a ra o s c r is tã o s g e n tio s . O s g e n tio s te r i am q u e se to m a r ju deus para fazerem parte d o p o v o d e D e u s . P o r e s ta s ra z õ e s os d esordeiros n a G alácia são freqü en tem ente ch a m a d o s d e ju d a iz a n te s (c f. 2 .1 4 ) . O s ju d a iz a n tes p e rc e b e ra m q u e P au lo e seu e v a n g e lh o d e sa lv a çã o p e la g raça através da fé eram grand es o b stá cu lo s q u e o s im p ed ia m d e rea lizar seu s o b je tiv o s . A tacaram e n tã o a p e s so a e a a u to rid ad e d e P a u lo e m u m e s fo rç o p ara m in ar su a in flu ê n cia n a G a lá c ia (4 .1 6 ) . E n fatizav am q u e e le n ã o e ra u m d iscíp u lo d o Je s u s h is tó rico c o m o P ed ro , T ia g o e J o ã o (2 -9 ). D e fa to , P a u lo era s im p le sm e n te u m p ro d u to d este s a p ó s to lo s “c o lu n a s ” e q u e d e v ia a e le s o seu c o n h e c im e n to re lig io so , b e m c o m o a su a e x p e r iê n c ia re lig io s a (1 .1 8 ,1 9 ) . A cu sa ra m P a u lo d e h ip o cris ia , p re g a n d o a c irc u n c isã o e m a lg u m as c o locações, m as proibindo-a na G alácia (5.11). P a u lo p e r c e b e u c o m p le ta m e n te a n a tu re z a c r ít ic a d a s itu a ç ã o . S e a h e re s ia ju d a iz a n te t iv e s se s u c e s s o , fa ria d o cris tia n ism o u m a m e ra s e ita d o ju d a ís m o . S e u e n s in o g o lp e o u o c o r a ç ã o d o c r is A Galácia era uma província romana cujo nome provem dos invasores gauleses que a ocuparam no terceiro século a.C. Paulo fundou igrejas na Galácia, e então partiu. Escreveu aos gálatas após terem ocorrido pro blemas que foram causados por estranhos que discordavam de seus ensinos. Estes desordeiros eram cha mados de judaizantes. jBÊaSm M a r M e d i t e r r â n e a i G A L A C I A C A P A D O C I A / • Antioquia 4 > 1 • Icônio m I Listra Portões ^ da Cilícia / >C 1125 GÁLATAS tianismo. O que os judaizantes prega vam não era o evangelho, absolutamente (1.7); e se o gálatas aceitassem este ensino falso, estariam se afastando de Deus e caindo em desgraça (1.7; 5.4). Se eles concordassem em ser circuncidados, se colocariam debaixo da .maldição da lei (3.10,11), e Cristo não seria de nenhum proveito para eles (5-1,2). Por tais ra zões, Paulo pronunciou uma dupla mal dição aos desordeiros e declarou que eles aguardariam o julgamento de Deus (1.8-10; 5.10). Paulo escreveu também para se de fender contra a calúnia de seus adver sários. Contudo, assim o fez só porque sua autoridade apostólica estava vitalmente ligada ao evangelho livre da lei para os gentios. Então, no que se relaciona a seu chamado e mensagem, enfatizou sua in dependência dos apóstolos de Jerusalém (1.18— 2.6). Contudo, teve que conven cer também os gálatas de que Tiago, Pedro, e João aceitaram sua mensagem e mis são para os gentios (2.7-10). Além dis so, Paulo teve que expor os motivos fal sos dos judaizantes. Eles não estavam in teressados no bem-estar dos gálatas. Ao invés disso, queriam ganhar glória por si mesmos e evitar a perseguição (4.17; 6.13). Queriam escravizar os gálatas aos “rudimentos fracos e pobres” deste mundo, convertendo-os ao judaísmo (4.3,9). 4. Data e Destino Embora a carta aos Gálatas seja inques tionavelmente escrita por Paulo, seu destino e data são de difícil determinação. Pau lo claramente endereça a carta às “igre jas na Galácia” (1.2). Em seus dias, po rém, a palavra “Galácia” tinha um signi ficado duplo. Poderia se referir ao reino antigo de Gauls, que abrangia as regi ões do norte de Ponto, Frigia e Capadócia. Por outro lado, “Galácia” poderia se re ferir também à província romana da Galácia, que se estendia ao sul, incluindo as ci dades de Antioquia da Pisídia, Listra, Derbe, e Icônio. Aqueles que acreditam que Paulo escreveu para as regiões do norte, apoi am a “Teoria da Galácia do Norte”; aqueles que sustentam que as igrejas da Galácia eram localizadas na região sul, afirmam a “Teoria da Galácia do Sul”. Cada teo ria afeta a data da carta. a . A T eoria d a G a lá c ia d o N orte Esta teoria enfoca a atividade missionária de Paulo como registrado em Atos 16.1- 6 e 18.23. Ambas as passagens explicita mente mencionam “Galácia” e resumem brevemente as viagens de Paulo em sua segunda e terceira viagens missionárias. Se Paulo se dirigiu a esta região logo depois de sua segunda viagem missionária, não poderia ter escrito antes de 51-52 d.C. Se ele escreveu aos gálatas próximo ao fi nal cie sua terceira viagem missionária, teria escrito aproximadamente em 55-56 d.C. Esta teoria particular deve superar duas dificuldades principais. Atos não regis tra Paulo estabelecendo quaisquer igre jas nesta região do norte. Tudo que se diz é que ele passou pela região e forta leceu os discípulos (At 18.23). Além disso, esta teoria sustenta que Paulo escreveu aos gálatasdepois do decreto chamado de “Concilio de Jerusalém” de Atos 15. Se é assim, por que ele não se referiu ex plicitamente à decisão do concilio quando lutava com os judaizantes na Galácia? Além disso, Gálatas 2.11-15 mostra Pedro ce dendo à pressão dos legalistas de Jeru salém e recusando-se a ter comunhão com os gentios incircuncisos da Antioquia. É difícil acreditar que Pedro teria negado seu próprio testemunho dado em Atos 11.14-17 e 15.7-11. Ele teria também vi olado a decisão de Tiago e da Igreja em Jerusalém como um todo (At 15.13-31). b. A T eoria d a G a lá c ia d o Sul Esta teoria afirma que “as igrejas na Galácia” (1.2) eram aquelas estabelecidas por Pau lo em sua primeira viagem missionária. Embora a palavra “Galácia” não apareça em Atos 13— 14, a região corresponde à província romana da Galácia. Se Paulo escreveu a carta aos Gálatas próximo ao - final de sua primeira viagem missionária, então a carta poderia ter sido escrita por 1126 GÁLATAS1 volta de 48-49 d.C., fazendo dela a mais antiga das cartas de Paulo. Além disso, os gálatas teriam recebido a carta anterior ao Concüio dejerusalém, de forma que Pedro não teria tido qualquer instrução de Tiago e da igreja em Jerusalém com relação à comunhão com os gentios. Deste modo, sua retirada do círculo de comunhão com os crentes gentios na Antioquia se torna mais compreensível. Este cenário explica também por que Paulo, em Gálatas, não se referiu ao Concilio dejerusalém. Estudiosos respeitáveis formaram argu mentos formidáveis em defesa de ambas as teorias. O destino exato de Gálatas e, conseqüentemente, a data precisa não podem ser determinados com certeza. Contudo, a Teoria da Galácia do Sul parece se har monizar melhor com aquilo que sabemos de Atos e das próprias palavras de Paulo em Gálatas. Este ponto de vista significa que os princípios básicos da teologia de Paulo já haviam sido estabelecidos em uma primeira fase no desenvolvimento da Igreja. ESBOÇO Apesar das circunstâncias difíceis em que Paulo escreveu, Gálatas é uma carta bem organizada. Ela consiste nos três seguin tes argumentos bem definidos: autobio gráficos, teológicos e práticos. A seção autobiográfica discute a autoridade apos tólica de Paulo. A seção teológica apre senta claramente as principais doutrinas da fé. A seção prática pede a aplicação destas convicções. Estas seções são co locadas entre uma introdução e uma con clusão. Quando trabalhamos através do esboço, torna-se clara a ênfase que Paulo dá ao Espírito Santo. 1. Introdução (1.1-10) 1.1. Saudação (1.1-5) 1.2. Ponto Central de Paulo: Um Só Evangelho (1.6-10) 2. O A rgum ento Autobiográfico de Paulo (1.11— 2.14) 2.1. O Evangelho e a Chamada de Paulo São de Deus (1.11-17) 2.2. A Independência de Paulo de Jerusalém (1.18-24) 2.3. O Evangelho de Paulo É Confirmado pelos Apóstolos dejerusalém (2.1-10) 2.4. Confrontação de Paulo com Pedro (2.11-14) 3. O Argumento Teológico de Paulo (2.15— 4.11) 3.1. A Justificação É pela Fé, Não pelas Obras da Lei (2.15-21) 3.2. O Espírito É Recebido pela Fé (3.1-5) 3-3- Abraão É Justificado pela Fé (3.6-9) 3.4. A Maldição da Lei (3.10-12) 3.5. A Promessa do Espírito (3.13,14) 3.6. A Prioridade da Promessa acima da Lei (3.15-18) 3.7. O Propósito da Lei (3.19-25) 3.8. Unidade em Cristo (3.26-29) 3.9. O Espírito e a Adoção (4.1-7) 3.10. A Advertência e a Repreensão São Renovadas (4.8-11) 4. O Argumento Prático de Paulo (4.12—6.10) 4.1. Um Apelo à Reconciliação (4.12-16) 4.2. Os Falsos Motivos dos Judaizantes (4.17-20) 4.3. Os Filhos Verdadeiros Nascem pelo Espírito (4.21-31) 4.4. Esperando no Espírito (5.1-5) 4.5. A Advertência e a Repreensão São Renovadas (5.6-12) 4.6. Vivendo no Espírito (5.13-26) 4.7. Semeando para Agradar ao Espírito (6 .1-10) 5. Conclusão (6.11-18) 5.1. O Sinal de Autenticidade de Paulo (6 .11) 5.2. Mais uma Vez: Expondo os Judaizantes (6.12-15) 5-3. Palavras e Bênçãos Finais (6.16-18) COMENTÁRIO 1. Introdução (1 .1 -1 0 ) 1.1 . S a u d a ç ã o (1 .1 -5 ) Paulo não perde tempo em chegar ao âmago da questão em Gálatas. Ele usa cada palavra de sua saudação para defender o 1127 GÁLATAS1 evangelho da graça. Sua estratégia é ba sicamente dupla. Deve substanciar sua autoridade apostólica e destacar a sufici ência completa de Cristo para a salvação. Ambas as questões abordam os proble mas que os judaizantes criaram na Galácia. Em um esforço para ganhar atenção ali, devem desacreditar Paulo; a fim de atrair os gálatas ao judaísmo, devem arruinar a pessoa e o trabalho de Cristo. Paulo segue as convenções das cartas greco-romanas ao escrever esta carta. Isto é, ele se identifica como o autor, inclui uma saudação, e continua a remeter aos destinatários (Hansen, 1994,31,32). Des te modo, a primeira palavra do texto é “Pau lo”. Mas mesmo aqui, Paulo pode estar expondo seu chamado especial para mi nistrar aos gentios. Pois seu nome hebreu, Saulo, foi usado somente antes de sua primeira viagem missionária. Começan do com Atos 13-9, as referências ao apóstolo são sempre mencionadas pelo seu nome grego, Paulo. É como se Paulo quisesse que sua identidade inteira fosse associa da ao mundo gentio, inclusive seu pró prio nome (Cole, 1984,30). A próxima palavra no texto é “apósto lo”. O significado desta palavra é deriva do da palavra rabínica da administração religiosa sbaliach , que designava alguém que foi “enviado” ou “comissionado” ofi cialmente para realizar uma tarefa espe cífica (Bruce, 1982,72). Aquele assim comis sionado era capacitado com a mesma autoridade daquele que o enviou (cf. At 9.1,2, onde Saulo obteve documentos oficiais do sumo-sacerdote, autorizando-o a per seguir os cristãos em Damasco). O Senhor Jesus e a igreja primitiva usaram este ter mo para designar liderança espiritual. Em seu sentido restrito ela se refere aos doze apóstolos originais designados pelo Senhor (Mt 10.2-4; Lc 6.13-16; At 1.19-26). Em seu sentido mais amplo, a igreja primitiva usava o termo “apóstolos” para designar os mi nistros enviados para pregar o evangelho (At 14.4,14; Rm 16.7; Gl 1.19). Paulo claramente reivindica ser um apóstolo no sentido restrito em Gálatas como em suas outras cartas (1.1; cf. Rm 1.1; 1 Co 1.1; Ef 1.1). Também deve-se dizer que, uma vez que ele foi diretamente comissionado pelo Senhor, Paulo está enfatizando que ele mesmo e sua men sagem foram autorizados por Deus, deforma que ele fala com a autoridade de Cristo (2 Co 10.8). Seu apostolado se apóia na mesma base dos apóstolos anteriores a ele. Então, se qualquer um na Galácia rejeitar sua autoridade apostólica, terá também que rejeitara autoridade dos demais após tolos, inclusive Tiago, Pedro e João, os chamados apóstolos “colunas” (Gl 2.9). Paulo não inclui um artigo (“o”) antes da palavra “apóstolo”. Sua ausência faz com que “apóstolo” sirva mais como uma des crição do caráter de Paulo, do que um títu lo ou ofício. Paulo não diz que foi designa do para um ofício específico na Igreja. Na verdade, Pedro e o restante dos apóstolos indicaram Matias como um apóstolo para substituir Judas (At 1.12-26), porém nunca mais se ouviu falar de Matias. Em contras te, Paulo foi divinamente chamado e está sendo usado por Deus para divulgar o Evangelho a todo o mundo gentio (At 9.1— 28.31). Deste modo, através de um traba lho sobrenatural de Deus, todo o ser de Paulo assume a natureza de “apóstolo”. Em ou tras palavras, “apóstolo” não é algum tra balho que Paulo faça ou um posto admi nistrativo que ele ocupe; é o que ele é. Conseqüentemente, a autoridade apos tólica de Paulo “não é de homens nem por homem algum”. Estas palavras podem refletir as acusações dos judaizantes. Eles provavelmente reivindicaram que Paulo era apenas um “João-ninguém que apa receu depois” no que se refere à fé. Ele não foi um discípulo dejesus durante seu ministério terrestre. De fato, era bem conhecido que rejeitou a fé e perseguiu violentamente a igreja, começandocom Estevão (At 7.58—8.3; 9-1,2). Os judaizantes reivindicavam que tudo o que Paulo sa bia a respeito dejesus foi aprendido com homens como Tiago, Pedro e João. Ele é discípulo deles , não um discípulo d e je sus. Queriam dizer que Paulo era subor dinado aos apóstolos originais, e que estava fazendo uma reivindicação falsa da au toridade apostólica. Acusavam Paulo de ser uma fraude, e que sua mensagem de 1128 GÁLATAS1 justificação pela fé, separadamente das obras da lei, seria igualmente fraudulenta. Estas acusações são a causa de Paulo declarar enfaticamente que seu chama do e mensagem “não eram de homens, nem por homem algum”. O lugar de Paulo no reino não teve sua origem em qual quer homem ou grupo de homens. Nem Deus comunicou sua vontade a Paulo através de quaisquer intermediários humanos. Antes, a autoridade e a missão apostóli cas de Paulo para os gentios vieram como um mandato divino, através de uma re velação sobrenatural na estrada de Da masco (At 9.1-8; 22.1-11; 26.9-20) (Kim, 1981, 82, 97,98). Como os profetas anti gos, Paulo sustenta que foi divinamente escolhido para cumprir um papel crucial no plano de salvação de Deus (cf. Is 49.1- 3; Jr 1.4,5; Gl 1.15,16). Em contraste total a ser nomeado apóstolo por outras pessoas, a autoridade de Pau lo veio “por Jesus Cristo e Deus o Pai”. A divindade de jesus está fortemente implícita neste ponto, pois Ele é colocado na mes ma ordem que Deus, o Pai (1.12). O ponto de Paulo é que ele recebeu uma comis são conjunta dejesus Cristo e de Deus Pai. Sem dúvida os desordeiros na Galácia se compunham de muitos daqueles que conheciam a Jesus de Nazaré. Por essa razão, o fato de Paulo ter incluído o nome “Je sus” com “Cristo” tem significado aqui: “Jesus” quer di2er “Salvador” e era o nome de signado que foi dado a nosso Senhor por ocasião de seu nascimento (Mt 1.21,25; Lc 1.31; 2.11). Embora Paulo tenha sido confrontado pelo Cristo exaltado na es trada de Damasco, entendeu completa mente que o Messias, isto é, “o Ungido”, é a mesma pessoa que o Jesus da Galiléia. Seu uso repetido de tais frases como “Je sus Cristo” e “Cristojesus” demonstra que Paulo se recusa a permitir qualquer dicotomia essencial entre o Jesus terreno e o Cristo exaltado (Rm 1.3; 1 Co 1.1; 2 Co 1.1; Gl 2.16; Fp 2.11; Cl 2.6). Então aqueles que reivindicam terem conhecido ajesus, não têm nenhuma vantagem sobre o apósto lo Paulo. Ele também conheceu ajesus. A ressurreição do Jesus terreno mos tra que Ele e o Cristo exaltado são a mes ma pessoa. Mencionando a ressurreição, Paulo afirma simultaneamente uma con vicção no judaísmo conservador e apre senta uma doutrina cardeal da fé cristã (cf. 1 Co 15). Os fariseus, ao contrário dos saduceus, acreditavam que os mortos seriam ressuscitados no último dia (Mt 22.23-32; Mc 12.18; At 23.6-10). Para eles, a ressur reição era o evento principal dividindo esta era presente da era porvir. Para Paulo, a ressurreição de Jesus pelo Pai já mar cou a mudança das eras. Jesus é a primícia da ressurreição (1 Co 15.20-23). Sua cruz e ressurreição são os eventos do final dos tempos, que, em certo grau, trazem a era por vir para o presente. Em um modo correspondente, o derramamento do Espírito Santo concede ao crente “as primícias do Espírito” e anuncia os poderes da era futura (At 2; Rm 8.23; 1 Co 12.1— 14.40; Gl 5.5). Aqueles que foram ressuscitados com Cristo e capacitados por seu Espírito for mam uma comunidade do final dos tem pos, já trazendo até certo ponto o reino a este mundo. Conseqüentemente, por todas as suas cartas, e especialmente Romanos e Gálatas, Paulo entende que a vida cris tã normal deva ser uma realização extra ordinária. Ele exorta os crentes a viverem a vida ressurrecta “andando no Espírito” (Rm 6.1-10; 8.1-27; Gl 5.16-18,25). Esta “escatologia percebida” fará com que a legitimidade da Igreja permaneça até a manifestação gloriosa dos filhos de Deus e a liberação de toda a criação (Rm 8.18- 21). Claro, a pergunta importante é: Por que os gálatas seriam tentados a abraçar a revelação primitiva e parcial do judaís mo quando já haviam entrado em uma vida habilitada pelo Espírito em Cristo? Por que deveriam ficar embaraçados nos elementos deste mundo, quando já haviam sido li bertos pelo Cristo exaltado, através do Espírito? Estas são as perguntas que Pau lo quer que eles ponderem enquanto expõe o Evangelho nesta carta. Os judaizantes quiseram seguramen te marginalizar o apóstolo Paulo, para retratá- lo como um dissidente que não teve ne nhum seguidor, como alguém que foi isolado à margem da Igreja. Paulo opõe-se a tais esforços mencionando “todos os irmãos 1129 GÁLATAS1 que estão comigo” (1.2). A palavra “irmãos” provavelmente se refira aos companhei ros de Paulo freqüentemente menciona dos em suas cartas (1 Co 1.1; 2 Co 1.1; F p l. 1; Cl 1.1; 1 Ts 1.1,2; 2Ts 1.1; Fm 1). Embora a expressão comunique um significado masculino em um jargão contemporâneo, era provavelmente entendido em termos mais genéricos nos dias de Paulo, pois Paulo se dirige também a companheiras mulheres em suas cartas (Rm 16.1,2; Fp 4.2,3). De qualquer modo, o mencionar “irmãos” evidencia uma solidariedade com Paulo, que suporta a oposição aos judaizantes (Ridderbos, 1957,41). Ele não está só em sua convicção de que Deus justifica pela fé, sem as obras da lei. “Às igrejas da Galácia” indica que esta carta era uma carta circular. Depois de ter sido lida em uma igreja, seria passada para a próxima até que alcançasse as igrejas de uma região inteira. O ponto mais esclarecedor é que Pau lo não inclui nenhum agradecimento aos santos, como faz em suas outras cartas (cf. Rm f .8; 1 Co 1.4; Fp 1.3). Esta introdução concisa e sem agradecimentos mostra como a relação entre Paulo e os gálatas está tensa. Não obstante, ele ainda se dirige a eles como “igrejas”. Apesar de suas dificulda des e da ameaça dos judaizantes, os gálatas ainda fazem parte do corpo de Cristo. Eles ainda não cometeram apostasia. Paulo parece estar combinando as formas greco-romanas e hebraicas de saudação em 1.3. Os gregos e os romanos sauda vam um ao outro com cha,7'ein. Isto sig nificava algo como “saúde e que tudo lhe vá bem ”. Mas Paulo transformou esta saudação secular em uma saudação re pleta de um conteúdo cristão. Na teolo gia paulina, “graça” serve como um ter mo de proteção cercando toda a bonda de de Deus que é de modo preeminente visto na pessoa e na obra dejesus Cristo. “Paz” vem do hebraico shalom e designa o sentido de bem-estar total que só pode vir de uma relação correta com Deus. Conseqüentemente a fonte destas bênçãos é Deus, “nosso Pai e o Senhor Jesus Cris to” (cf. 2 Co 1.2-4; 9-8). Além disso, a di vindade de Cristo está em evidência aqui. Assim como o Pai, Jesus serve como a fonte de graça e paz divinas. A suficiência completa de Cristo — seguramente o ponto crucial da questão em Gálatas — é expresso em 1.4. Jesus “deu a si mesmo pelos nossos pecados”. Os judaizantes argumentaram que a morte dejesus não é suficiente para nos salvar. Deve-se crer em jesus e tam bém na cir cuncisão (5.6; 6.15). Deve-se crer em Cristo e nas obras da lei (2-16). Paulo nega ca tegoricamente tal teologia, se é que se pode chamá-la assim. Não há lugar para a “jus tiça própria”, a qual o próprio Antigo Testamento descreve como “trapos de imundície” (Is 64.6). Ele se opõe a este ensino falso com uma linguagem expiatória que provavelmente se originou com o próprio Senhor (cf. Mc 10.45). Jesus é a expiação completamente suficiente, cum prindo todos os requisitos sacrificiais do Antigo Testamento (cf. Is 53.5,12; Rm3.25,26; 4.25). Jesus é a única fonte da verdadeira justiça e do verdadeiro perdão dos peca dos (G12.20,21; 3.1,13;-4.4; 5.1,11,24; 6.12,14). Uma vez mais, a cruz de Cristo é vista como o evento do final dos tempos. A expiação de Cristo não nos perdoa sim plesmente dos nossos pecados, mas tam bémnos livra “da presente era maligna”. Esta era é dominada pelo “deus deste mundo” (2 Co 4.4; 1 Co 2.6; Ef 2.2) que já está con denado 0o 3-18). Mas a libertação dos santos começa agora mesmo (Gl 5.1). Por causa da cruz de Cristo e da habitação do Espí rito Santo, a liberdade espiritual do último dia é trazida para a experiência presente do cristão. Isto é o “andar no Espírito” (5.5). Bruce habilmente declara: “A habitação do Espírito não só os ajuda a prosseguir em confiança para a vida da era vindoura (cf. 5.5); Ele os habilita a apreciá-la mesmo enquanto estiverem no corpo mortal em que vivem na era presente. Graças à obra do Espírito, aplicando aos crentes a redenção e a vitória ganha por Cristo, o ‘ainda não’ se tornou para eles o ‘já’” (Bruce, 1982,76). As palavras de Paulo claramente assi nalam a distinção ética que existe entre as duas eras. A cruz dá à luz a “nova cri ação” do tempo do fim (6.15). O novo nascimento nunca pode ser realizado pela 1130 GÁLATAS1 lei, que Paulo indica pertencer a esta era maligna. A lei é simplesmente outro exemplo dos “princípios básicos” (stoicheia ) des te mundo que só conduz à escravidão (4.3, 9). Mas o Espírito, a promessa de Abraão, permite ao crente viver a vida ressurrecta (3.6; 4.5,28,29; cf. Rm 4.18-21). Paulo é cuidadoso ao acrescentar que a obra salvadora de Cristo era feita “de acordo com a vontade de nosso Deus e Pai”. Ele toca em vários pontos importantes aqui: 1) Está reivindicando que o próprio Deus criou o plano de redenção em Jesus Cristo. 2) Reconhece a preeminência do Pai no pla no divino. Embora tenha representado repetidamente Jesus como sendo igual ao Pai, em última instância o Filho submete tudo ao Pai (1 Co 15-20-28). 3) Incluiu os gálatas na família de Deus. Além disso, os judaizantes estavam argumentando que a fim de ser filho de Deus, primeira mente teria de se tornar filho de Abraão (Gl 3-6-9,18; 4.22). Por esse motivo, Pau lo procura mencionar “o Pai” em três dos primeiros cinco versículos de Gálatas. O próprio Espírito testemunha em seus co rações que eles são filhos de Deus (4.6,7). Por causa da graça de Deus em Cristo, Paulo termina sua saudação com palavras de louvor (1.5). Em nenhuma de suas outras cartas inclui palavras de louvor na sau dação. Alguns argumentam que Paulo insere estas palavras no lugar onde expressa normalmente agradecimento. Por outro lado, pode estar se protegendo contra a fiscalização crítica dos judaizantes. Pau lo sabe que os judeus ortodoxos habitu almente colocam após o nome divino, a palavra berakh ah (bênção judaica tradi cional). Ao incluir palavras de louvor neste ponto, Paulo também expressa sua reve rência ao Pai. 1.2. Ponto Central dePaulo: Um Só E v a n g e lh o (1 .6 -1 0) Talvez Gálatas seja a mais “humana” das cartas de Paulo. Por causa da situa ção crítica na Galácia, ele expõe comple tamente a sua alma nesta carta. Suas emoções e seu espírito se derramam em cada pá gina. Em outras palavras, ao defender o evangelho, Paulo revela também sua per sonalidade e caráter. O corpo desta carta tem início com um choque e uma afronta pelos gálatas esta rem “tão depressa” abandonando aquEle que os chamou (1.6). As palavras “tão depressa” sustentam uma data anterior da carta como descrito na introdução. Logo após a fundação das igrejas na Galácia, os judaizantes se infiltraram em seus postos e buscaram seduzi-los para longe de Cristo. A palavra grega para “deserção” (m eta- tithemi) foi usada no grego clássico para descrever tanto uma mudança de visões políticas, quanto abandonar um oficial comandante em batalha. Esta última imagem caracteriza os crentes da Galácia. Paulo não retrata os gálatas como vítimas ino centes, sendo arrastados contra sua von tade. Pelo contrário, claramente afirma que estão decididos a abandonar aquele que os chamou. Paulo aponta os judaizantes como tendo começado a desordem, mas justamente coloca a culpa nos gálatas por cooperarem com a sua heresia. E eles ain da estão cooperando, como mostra o tem po verbal no presente “abandonando”. A indignação de Paulo não é principal mente devido à rejeição deles em relação à sua própria pessoa. Na verdade, a crise na Galácia não é sobre submissão à sua liderança apostólica em si (Duncan, 1966, 16,17). Afinal, não foi ele que os chamou pela graça de Cristo. Só Deus pode cha mar de modo eficaz para a salvação (1 Co 1.9). Ninguém sabia disto melhor que o próprio apóstolo (1.15). Então, em um sen tido fundamental, os gálatas estão aban donando a Deus, deixando o único Deus verdadeiro que chama pela graça em Cristo. Deste modo, para Paulo, a graça é tanto o meio pelo qual Deus opera, quanto o lugar para o qual eles são chamados (Rm 5.2; 6.14; 11.6; Ef 2.5,8). Voltar-se a um deus que os chama ao legalismo e à es cravidão da lei é voltar-se a um deus fal so. Os gálatas estão correndo o risco de cair em desgraça. Estão à beira da perdi ção eterna. É claro que uma visão distorcida de Deus inevitavelmente assume uma expressão doutrinária. Ao darem as costas a Deus, 1131 GÁLATAS1 os gálatas se viraram para “ outro evangelho”, embora Paulo rapidamente acrescente que “não é outro” (1.7). A aparente contradi ção na declaração de Paulo é esclarecida pelo vocabulário especial que emprega. A palavra para “outro” no versículo 6 é heteron e se refere a algo que é qualitati vamente diferente. O uso de heteron ser ve para descrever a diferença entre uma maçã e outra fruta, como uma laranja. Mas a palavra para “outro” no versículo 7 é allon , que se refere a algo que é quantitativamente diferente. Seria usado allon para descre ver a diferença entre duas maçãs. Em outras palavras, Paulo não está re jeitando um evangelho por estar simples mente em uma outra forma em relação ao que ele pregava. Tiago, Pedro e João revestiram sua mensagem de modo di ferente de Paulo, mas ainda era o evan gelho da graça. Não, Paulo está rejeitando uma mensagem que era essencialmen te diferente no conteúdo daquela que ele pregava aos gálatas (Lightfoot, 1957,77). A mensagem dos judaizantes tinha um conteúdo diferente do evangelho da graça; “não é, de modo algum, o evangelho” (NIV). É por isso que Paulo pode dizer que aqueles (note o plural) que estão perturbando aos gálatas estavam tentando “transtornar o evangelho”, transformando-o em algo diferente (1.7). Estavam conscientemente torcendo a mensagem, transformando- a em um sistema de justificação pelas obras. Além disso, os verbos “lançando” e “ten tando” estão no tempo presente, que indica que os judaizantes estão trabalhando até mesmo enquanto Paulo escreve a carta. A intensidade do espírito de Paulo é comprovada em 1.8,9. Em um esforço para alcançar os gálatas, ele recorre a formas de expressões extremas. Cria o que po deria ser chamado de “o panorama do pior caso” e segue pronunciando uma maldi ção dupla sobre qualquer um que pregue uma mensagem falsa na Galácia. Para ter a certeza de que se dirige a toda possibi lidade concebível, Paulo usa aquilo que os gramáticos chamam de uma “condição negada” ou uma “condição contrária ao fato”. De um modo hipotético, ele exor ta os gálatas a considerarem as seguintes possibilidades: Se a liderança ortodoxa da Igreja, que inclui Paulo e seus colegas, ou se mesmo um anjo do céu, vier a pregar uma mensagem contrária àquela que foi primeiramente entregue na Galácia, que tal pessoa seja condenada ao inferno! A palavra traduzida “eternamente con denado” nos versículos 8 e 9 é anathem a. Esta palavra é usada ao longo de toda a tradução grega das Escrituras hebraicas (a LXX ou Septuaginta) para traduzir herem — uma palavra hebraica que se refere a alguém ou a algo que deveria ser destruído por Deus. Por exemplo, quando Israel entrou à terra prometida para destruir os pagãos, viram sua missão em termos de herem . Qualquer coisa que fosse o ob jeto de ira e vingança divina era herem . O pontode Paulo é claro. Qualquer um ou qualquer coisa que pregue um evan gelho diferente do que foi originalmen te pregado na Galácia deve ser conde nado eternamente. A inclusão de um “anjo de céu” pode ser mais que um dispositivo retórico. Uma tradição hebraica antiga cria que Deus usou anjos para comunicar a lei a Moisés no Sinai (cf. 3.19,20). Os judaizantes podem ter se referido a esta tradição em um es forço para conquistar os gálatas para a lei. Então, Paulo adverte que ainda que um destes anjos viesse e pregasse algo con trário ao evangelho da graça, deveria ser condenado ao inferno. A situação na Galácia é tão séria que Paulo não deixa nenhum espaço para erro ou engano. Por não querer que os gálatas se enganem, repete-o no versículo 9. As palavras introdutórias “como já vo-lo dis semos” , podem se referir a uma advertência prévia que Paulo entregou enquanto es tava na Galácia. Estava ciente disso e te meu a influência corrupta dos judaizantes em uma primeira fase de seu ministério. Deste modo, Paulo pronuncia uma du pla maldição sobre estes, encomendan do-os à ira de Deus. O ataque agressivo de Paulo aos desor deiros traz à mente uma de suas acusa ções contra ele. Os judaizantes calunia ram Paulo como sendo um “bajulador,” descrevendo-o como alguém que estava 1132 GÁLATAS1 disposto a fazer concessões aos requisi tos da lei para agradar os gentios. Reivin dicavam que a razão de Paulo não exigir que os gentios fossem circuncidados ou que se submetessem à lei de Moisés, era uma forma de poder ganhar mais convertidos para si mesmo. A base para esta acusação é obscura. Os judaizantes podem ter visto a vonta de que Paulo tinha de acomodar vários grupos étnicos pela causa do evangelho, como uma busca das massas (1 Co 9-19- 23). Afinal, ele não mandou que Timó teo fosse circuncidado em Listra (At 16.1- 3)? Entretanto, recusou que Tito fosse circuncidado emjerusalém (Gl 2.1-5). Isto não comprovaria que Paulo era um hipócrita, operando com base nos padrões huma nos ao invés de se submeter a Deus? Paulo se opõe às acusações fazendo a pergunta retórica: “Porque persuado eu agora a homens ou a Deus?” (1.10). A maneira como esta pergunta é colocada pede uma resposta negativa. Isto é, considerando sua batalha com os judaizantes e a mensagem escandalosa da cruz que ele prega (5.11; 6.12; cf. 1 Co 1.20-25), parece que Paulo está “tentando ganhar a aprovação dos homens” e não a de Deus? Claro que não! A declaração final no versículo 10 pode soar como se Paulo admitisse ser um “bajulador” ao declarar: “Se estivesse ainda agraciando aos homens”. Mas este não é o caso. Paulo emprega, além disso, uma “condição contrária aos fatos” para con seguir tornar seu ponto bem claro. Se ele ainda estivesse tentando agradar aos homens (e na realidade não estava), então ele não seria um servo de Cristo — mas ele é de fato um doutos (“escravo”) de Cristo, comprometido com a vontade de seu Mestre (Rm 1.1). A boa vontade de Paulo para com os vários grupos de pessoas representa a sua estratégia missionária. Realmente, por esta razão Timóteo foi circuncidado. Uma vez que sua mãe era judia e seu pai gentio (At 16.1), Timóteo não poderia ministrar eficazmente em nenhuma das duas cul turas. Sua circuncisão o “normalizou” com respeito ao mundo judeu, dando-lhe maiores oportunidades para evangelizar; o que não teria nada a ver com a sua salvação. Porém, a situação com Tito foi diferente. Seus pais eram gentios (2.3). Contudo, os judaizantes estavam insis tindo para que ele fosse circuncidado a f im d e ser salvo. Paulo recusou-se a ce der à pressão deles (2.5). Em tudo isto, Paulo nunca transigiu quanto ao conteúdo do evangelho. Para o judeu e o gentio, o único modo de salvação era através da graça, por meio da fé. Podemos concluir a partir desta seção que Paulo exercitou um amor cristão maduro ao lidar com os gálatas. Ele se importou o bastante para confrontá-los quando se desviaram da verdade do Evangelho. A Igreja hoje tem uma necessidade deses- peradora deste tipo de amor. É um amor não egocêntrico, mas tem um interesse genuíno no bem-estar e no desenvolvi mento espiritual dos outros. É um amor que está mais preocupado com a quali dade espiritual dos membros da Igreja, do que com a quantidade de membros da Igreja. 2. O Argumento Autobiográfico de Paulo (1 .1 1 — 2.14) Aqui se evidencia o conhecimento que Paulo tinha da retórica grega. Um orador treinado começaria seu discurso dando uma exortação extensa, que seria então seguida por algum tipo de narrativa im portante. Em 1.1-10 Paulo exortou os gálatas a não abandonarem aquele que os cha mou e para permanecerem fiéis ao ver dadeiro evangelho. Aqueles que pregam um evangelho falso devem ser condenados ao inferno. Come çando pelo versículo 11, Paulo relata a história de sua própria conversão e cha mada. O propósito desta seção autobio gráfica é validar mais adiante o seu Evan gelho, relatando os meios sobrenaturais pelos quais este lhe foi comunicado. 2.1. O Evangelho e a Cham ada de Paulo São de Deus ( 1.11- 17) As palavras de abertura do versículo 11, “faço-vos saber, irmãos”, provavelmente não significam que Paulo esteja partilhando 1133 GÁLATAS1 novas informações com os gálatas. É im provável que ele tenha fundado as igre jas da Galácia sem dizer-lhes como rece beu o evangelho. Melhor que isso, estas palavras são simplesmente um dispositi vo literário que Paulo usa para lembrar aos gálatas aquilo que uma vez conhe ceram. Suas ações indicam que se esque ceram daquilo que Paulo partilhou com eles no princípio, e quer que recordem que o evangelho que lhes proclamou não se originou com qualquer ser humano. Os judaizantes provavelmente estavam es palhando o boato que a doutrina de Paulo, da justificação pela fé separadamente das obras da lei, havia sido inventada pelo próprio Paulo; que seu evangelho não era uma mensagem divina. Retrataram Paulo como um inventor de religião. Paulo descreve esta acusação através do uso especial da gramática grega. A palavra grega usada para “por” é hypo, e neste contexto transmite a idéia de “agência” ou “meio”. Em.outras palavras, seu evan gelho não veio a ele por qualquer agên cia ou meio humanos (veja o verso 12). Ele não recebeu o evangelho de qualquer ser humano. Aqui Paulo emprega a lin guagem de tradição oral judaica. A pala vra para “recebe” (paralam ban o) foi usada pelos judeus para descrever a transmis são da tradição religiosa. Paulo rejeita então a noção que seu evangelho é simplesmente um vínculo em uma longa cadeia de en sinos religiosos. Por mais honrada que esta designação pudesse ser, ele não era so mente um guarda de convicções e credos sagrados. Neste sentido, Paulo era diferente de seus gálatas convertidos. Eles receberam o evangelho através dele; ele, por outro lado, não o recebeu através de alguma outra pessoa, nem foi ensinado por algum ou tro ser humano. Além disso, o mal dos judaizantes está em evidência aqui. Estes, sem dúvida, argumentavam que tudo o que Paulo sabia sobre o evangelho havia sido aprendido com aqueles que tiveram uma relação mais próxima com Jesus. E todos sabem que o professor é superior àquele que é ensinado (Mt 10.24; Lc 6.40). Paulo nega a dependência de qualquer professor humano. Pelo contrário, ele recebeu o evangelho através da “revela ção dejesus Cristo”. Com estas palavras Paulo reflete a crença antiga de que a verdade não pode ser recebida primeiramente através do ensi no, mas através de revelação sobrenatu ral (Betz, 1979, 62). Ele mesmo recebeu o evangelho através da revelação “dejesus Cristo”. O significado das palavras “reve lação dejesus Cristo” é aberto à interpretação. Paulo quer dizer que Jesus Cristo era a origem da revelação para ele, ou que Je sus Cristo era o conteúdo da revelação? Na verdade, Paulo pode ter ambas as idéias em mente. Gálatas 1.15,16 declara que agradou Deusrevelar seu Filho em Pau lo, de forma que ele pudesse pregar o evangelho entre os gentios. Se Paulo es tiver se referindo nestes versículos à sua experiência na estrada de Damasco (e parece provável que o esteja fazendo), foi o Cristo ressurreto que primeiramente o confrontou para o evangelho (At 9-1-16; 22.1-16; 26.9- 18). Jesus não era somente a fonte da revelação a Paulo, mas foi Ele quem for mou também o conteúdo do evangelho. A falta de dependência de Paulo na tradição da igreja parece contradizer o que ele mesmo diz em outro lugar. Em 1 Coríntios 11.23-26 e 15.3-8, Paulo indica claramente, usando uma terminologia tipicamente judaica para a recepção e transmissão da tradição religiosa, que ele recebeu as tra dições da Ceia do Senhor e da ressurrei ção, daqueles que estavam no Senhor antes dele. Ele até elogia os coríntios por rete rem firmemente as tradições que lhes passou (11.2). Além disso, existem muitos luga res nos escritos de Paulo que indicam o uso de antigas tradições da igreja (cf. Fp 2.5-11; 1 Ts 4.1,2,15-17; 1 Tm 3.16; 4.8- 10; 2 Tm 2.11-13). Como, então, pode reivindicar a dependência exclusiva da revelação divina em Gálatas 1.11,12? Respondendo a esta pergunta devemos fazer a distinção entre a essência da men sagem do evangelho e as muitas históri as e eventos que comunicam esta men sagem. Nenhum ser humano comunicou a Paulo a mensagem principal, de que somos justificados pela fé separadamente das obras 1134 GÁLATAS 1 da lei. Nenhum ser humano o ensinou que tanto os judeus quanto os gentios são iguais aos olhos de Deus, e que são aceitos por Ele com base na fé em Cristo. Mas isto não significa que Paulo não tenha aprendido várias convicções e práticas cristãs daqueles que foram convertidos antes dele. Portanto, seu evangelho e chamada vieram pela revelação divina, mas ele respeitou os ensinos que foram formulados desde o início da Igreja. Para apoiar a sua reivindicação da re velação direta, Paulo relata sua perseguição à Igreja (1.13,14). A conexão entre sua perseguição à Igreja e sua reivindicação da revelação divina não é logo aparente. Mas sua estratégia parece dupla: Ele pri meiramente os lembra daquilo que ou viram no passado. Então usa as próprias palavras de seus inimigos para alcançar os seus objetivos. Paulo lembra aos gálatas que eles ou viram falar do modo de vida que teve no passado. Ele não fala de sua “antiga fé” ou “antiga religião”. Antes, representa o judaísmo como um modo de se aproxi mar da vida. Paulo não vê sua antiga vida no judaísmo como algo louvável. Ele nunca procurou esconder o início obscuro que teve na Igreja. Freqüentemente relacio nava sua perseguição à Igreja quando contava como veio a Cristo (At 22.1-21; 26.4-18; 1 Co 15.8-10). Deste modo, Pau lo alcança pelo menos quatro realizações: 1) Destacando a conduta deplorável que ti nha antes de sua conversão, Paulo reitera a graça de Deus em sua vida. Somente a pura graça de Deus poderia transformar tal assassino violento em um servo obedi ente ao Evangelho. 2) Demonstra que o zelo religioso não con duz necessariamente à santidade. Na ver dade o oposto é freqüentemente o caso (Fp 3.6). 3) Seus inimigos não perderam a oportuni dade de trazer à tona o passado obscuro do apóstolo Paulo. Sugeriram que sua perseguição assassina à igreja simplesmente mostrava o seu caráter. Paulo era um ho mem violento, cujas palavras não mereci am confiança. Concluíram que seu “Evan gelho” era somente umproduto de seu caráter falho. Trazendo seu passado à luz, Paulo uma vez mais desarmou seus adversários. 4) Finalmente, a perseguição de Paulo à Igreja demonstra que ele não era um “investiga dor” em relação ao cristianismo. Não es tava insatisfeito com sua vida no judaís mo e não era alguém que de boa vontade havia se convertido ao cristianismo (At 26.9). Deste modo, sua chamada e conversão só poderiam ter vindo pela inteivenção mi lagrosa de Deus. Paulo admite que perseguiu a Igreja “intensamente”, além daquilo que seria razoavelmente esperado. Na verdade, seu objetivo era “destruir” a Igreja — libertar a terra de todos os crentes (At 9-1,2). No versículo 14, Paulo enfatiza seu excelente desempenho no judaísmo (cf. 2 Co 11.22; Fp 3-5,6). Ele “era o melhor da classe”, avançando além de muitos de seus contemporâneos no judaísmo. Seu compromisso total é visto em seu zelo às tradições de seus pais (isto é, aos ensi nos verbais dos fariseus, que reivindica vam serem originados de Moisés; Mt 15.2- 6; Mc 7.5-13). Provavelmente Paulo apren deu estas tradições enquanto estudava aos pés de Gamaliel (At 22.3). Deste modo, Paulo não estava satisfeito em cumprir os 613 mandamentos do Antigo Testamen to, mas procurou seguir os inumeráveis preceitos religiosos de seus antepassados. Qualquer acusação de que ele fosse mo derado quantó à circuncisão por nunca ter sido realmente dedicado à lei, não tem fundamento. Paulo usa a palavra “zeloso” para des crever sua dedicação a estas tradições ancestrais (cf. também Fp 3-6). Esta pa lavra é derivada da palavra grega z e loo e significa “ferver”. Ela descreve clara mente a grande intensidade do compro misso de Paulo com o judaísmo dos fariseus. Este uso especial de “zelo”, porém, teve uma longa história na tradição religiosa judaica. Pode ser atribuída ajudas Macabeus e mais notavelmente associada aos “Zelotes” (Bruce, 1982,91). Estes últimos estavam comprometidos com “a regra exclusiva de Deus” e não vacilaram em usar de meios violentos para incrementar seus fins re ligiosos e políticos. Realmente, para o judeu 1135 GÁLATAS1 fervoroso, não existia nenhuma virtude mais elevada do que o zelo a Jeová. O zelo de Finéias, por exemplo, o levou a matar um homem hebreu que contami nou Israel por coabitar com uma mulher midianita (Nm 25.6-13). O salmista lou va Finéias por esta ação e diz que seu zelo assassino f o i con tad o com o ju stiça diante de Deus (Sl 106.30,31). Seria possível que Paulo estivesse co piando o zelo de Finéias em sua perse guição à igreja? Será que acreditava que sua ação violenta contra a Igreja seria contada como justiça diante de Deus? E a sua ex periência na estrada de Damasco o con venceu de que existe um zelo que não é de acordo com o conhecimento (Rm 10.2)? Não importando como podemos responder a estas perguntas, uma coisa é clara: Paulo não mais associa o crédito de justiça com o zelo desviado. Ele agora percebe que a fé que Abraão tinha é que justifica alguém aos olhos de Deus (Gn 15.6). No versículo 15, Paulo relata sua cha mada em termos que fazem lembrar os profetas do Antigo Testamento (Is 49-1- 6; Jr 1.5). Sua conversão não foi simples mente uma dentre muitas na Igreja. Sua vinda para a fé foi uma parte importante do plano de Deus para as eras. Como Paulo relata, agradou a Deus separá-lo desde o ventre de sua mãe para que servisse ao evangelho. A frase “me separou desde o ventre de minha mãe” (cf. nota da NIV) recorda a mão soberana de Deus na vida de grandes homens de fé (Jz 13.5; Sl 22.10; 58.3; 71.6). Então, Paulo acredita que Deus o predestinou a ser o apóstolo para os gentios, mesmo antes de seu nascimen to. A opinião de Paulo é que sua chama da é uma obra completamente de Deus. A palavra utilizada para “separar” em 1.15 reflete a raiz hebraicaparash (de onde vem a palavra “fariseu”). Os fariseus se orgulhavam de serem os “separados”, isto é, as pessoas realmente consagradas a Deus. É como se Paulo estivesse dizendo que embora fosse um fariseu (Fp 3.5), nunca fora realmente separado para a verdadeira obra de Deus até que se tornou um cris tão. Para Paulo, Deus operou em duas fases distintas em sua vida: 1) Na sabedoria eterna de Deus ele foi sepa rado para a obra do reino; 2) Foi chamado para ser um apóstolo para os gentios. Indubitavelmente, Paulo teve uma perspicácia extraordinária no papel especial que deveria desempenhar no plano da salvação que fora elaboradopor Deus. Contudo, o ponto mais importante aqui não é o papel propriamente dito, mas como tudo aconteceu. Sua chamada e missão deviam-se completamente à graça de Deus. Além disso, recebeu este papel especial através de revelação divina (1.16). A pa lavra “revelar” deve ser associada à pala vra “agradar” em 1.15. Em outras palavras, Deus se agradou em revelar seu Filho ao apóstolo Paulo — uma referência à sua experiência na estrada de Damasco. Existe muito debate sobre o significa do das palavras “em mim”. A palavra “em” se refere a localização? Isto é, Paulo está dizendo que recebeu uma revelação interna de Cristo em seu espírito? Ou deveriam estas palavras ser traduzidas como “para mim”, em que no caso Paulo está descrevendo uma revelação objetiva de Cristo que existia externamente? Ou estas palavras deveri am ser interpretadas com o significado de “por mim”, de forma que Paulo seja o ins trumento ou o meio pelo qual Cristo foi revelado a outros? Em um determinado sentido, todas as três interpretações são válidas, mas “para mim” se harmoniza melhor com outros registros da conversão de Paulo (At 9.1-19; 22.6-18; 1 Co 9.1; 15.8). Além disso, a descrição de uma revelação ex terna objetiva coincide com a chamada profética que Paulo expressou em 1.15 (cf. Is 6.1-9; Ez 1.4— 3.11). A revelação de Cristo teve um profun do efeito transformador na mente e no es pírito de Paulo. Significava que ele estava terrivelmente errado em perseguir os cristãos e em rejeitar ajesus como o Messias. Mas, provavelmente o mais importante, signi ficava que ele estava fundamentalmente errado em rejeitar o entendim ento de Deus retratado por Jesus e os primeiros cristãos. A aceitação dos rejeitados e pecadores por parte dejesus em nome de Deus, e a acei tação dos gentios por parte dos primeiros 1136 GÁLATAS 1 cristãos helenistas, significava que Deus desejava ter comunhão com os descren tes (Mt 11.19-24; Lc 7.34-50; At 11.19,20; Rm 4.5). Paulo percebeu que sua teologia esta va essencialmente errada “desde a sua base”. Assim como já foi observado, isto era especialmente verdadeiro no que dizia respeito à lei. Seu zelo pela lei na verda de o conduziu a opor-se a Deus e ao seu povo. Aquilo que ele pensou que traria a justiça e a vida, só trouxe o pecado e a morte (Rm 7.9-11). Tal profunda experi ência teve naturalmente conseqüências pesadas. Nisto reside o valor de interpretar “em mim” como “por mim”. Paulo perce beu que deveria partilhar tal visão extra ordinária de Deus com os outros, e que ele seria o instrumento primário para rea lizar esta visão no mundo. Conseqüente mente Paulo indica que a revelação de Cristo na estrada de Damasco teve um propósi to específico — d e fo rm a qu e ele pudesse “pregar [a Cristo] entre os gentios”. O tema de independência é novamente captado nos versículos 16b e 17. Ao re ceber a visão, Paulo não a outorgou ime diatamente a “qualquer homem”, e não buscou especificamente conselho com os apóstolos de Jerusalém. Ao invés disso, entrou na Arábia e então seguiu para Damasco. O relato de Paulo parece estar em conflito com o registro de Lucas em Atos, que não mostra nenhuma viagem para a Arábia, mas indica que logo após a sua conver são, Paulo entrou em Damasco. Depois de ser batizado por Ananias e receber sua visão, começou a pregar nas sinagogas daquele lugar (At 9.8-20). Contudo, o uso de Paulo da palavra “imediatamente” em Gálatas 1.16 sugere que não existiu ne nhum período interveniente entre sua conversão e sua viagem pela Arábia. Para solucionar este aparente confli to, o significado de “Arábia” desempenha um papel crucial. A interpretação tradi cional é que se refira à península do Sinai. Aqueles que defendem esta interpretação acreditam que logo depois de sua con versão, Paulo entrou no deserto do Sinai para um período de contemplação reti rada e quieta, a fim de separar as pesa das implicações de sua experiência na estrada de Damasco. Em apoio a isto, é observado que Moisés recebeu a lei no monte Sinai e que Elias também teve co munhão com Deus ali. Paulo está, então, seguindo a tradição destes profetas, ten do comunhão com Deus no deserto três anos após sua conversão. Embora esta interpretação possa parecer bastante plausível, está carregada de di ficuldades. Como foi observado, Lucas apresenta Paulo indo diretamente para Damasco após a sua conversão. Éimprovável que Lucas tenha omitido um período de três anos na vida de Paulo. Além disto, Paulo foi cuidadoso em dar um relato preciso dos primeiros anos de seu ministério. Se ele fosse diretamente para Damasco e não para o deserto do Sinai, seus adversários notariam seguramente esta discrepância. Então é mais que provável que a palavra “Arábia” esteja sendo usada em um sen tido mais amplo que o deserto do Sinai. Poderia se referir também ao reino dos nabateanos, sendo Damasco a principal cidade. Note as palavras de Paulo em 2 Coríntios 11.32-33, onde declara que o governador do rei Aretas procurou capturá- lo em Damasco. Paulo não foi capturado por ter sido baixado de cima de um muro em uma cesta. Isto significa que logo depois de sua conversão, ele começou a evangelizar por todo o reino da Arábia. Esta interpretação preserva a harmonia entre o relato de Lucas em Atos e as próprias palavras de Paulo em Gálatas. 2.2. A Independência de Paulo deJerusalém (1.18-24) Os adversários de Paulo reivindicam que a autoridade que possuíam veio de Jerusalém (2.4,5,11-14; 4.25,26). Pornão ir até estes, Paulo demonstra que sua chamada e apostolado são independentes da autoridade mais alta da igreja. Embora os judaizantes apelassem para as auto ridades terrenas, Paulo reivindica a re comendação mais alta, isto é, Deus. Por ter recebido seu evangelho e ter sido cha mado através da revelação divina, não 1137 GÁLATAS1 tinha nenhuma necessidade “de ir à es cola” em Jerusalém. Nisto reside o pro pósito da frase, “depois, passados três anos, fui ajerusalém ” (1.18). Sua ausência de Jerusalém mostra que ele não sentiu nenhuma necessidade de inquirir dos outros apóstolos. Porém, está aberto a interpretação o modo como os três anos deveriam ser considerados. Paulo está falando de três anos depois de seu re torno de Damasco ou de três anos de pois de sua conversão? Se for conside rado o tempo de seu retomo a Damas co, teriam se passado mais de três anos desde que Paulo esteve em Jerusalém. Quando Paulo foi para Jerusalém, queria falar com Pedro. Pedro desempenha um papel proeminente em Gálatas e na his tória da igreja primitiva. Era um dos apóstolos “colunas” (2.9). Tinha sido reconhecido como o apóstolo para os judeus (2.7,8). E foi o apóstolo confrontado por Paulo em Antioquia (2.11-14). Os evangelhos e Atos reconhecem igualmente o papel proeminente de Pedro. Foi o Senhor quem lhe deu o nome aramaico “Cefas” (do grego “Petros”), significando uma “rocha” ou “pedra” (Mt 16.16-19). Pedro fazia parte do círculo íntimo do Senhor (Mt 17.1; 26.37; Mc 5.37; 9.2; Lc 8.51; 9.28). Ele pode ter sido um dos primeiros apóstolos a ver o Senhor ressuscitado (Lc 24.34; 1 Co 15.5) e parece ter sido o primeiro líder da Igre ja emjerusalém (Gl 1.18; At 1.15). Assim, a menção de Paulo de seu encontro com Pedro é muito importante. Por que Paulo se encontrou com Pedro? A palavra traduzida para “ver” ou “inqui rir” (historeo) originalmente significava investigar ou aprender algo por investi gação (cf. nossa palavra “história”). Na quele tempo, porém, esta palavra signi ficava visitar alguém com a finalidade de ficar mais familiarizado. Assim, Paulo visitou Pedro com a finalidade de obter informações sobre o evangelho, ou simplesmente queria ficar melhor familiarizado com o apósto lo dos judeus? É improvável que Paulo tenha buscado informações sobre a mensagem essencial do evangelho. Se fosse assim, seu argumento sobre ser independente dos apóstolos de Jerusalém teria sidomencionado. Ao mesmo tempo é difícil acreditar que estes dois grandes apósto los não tenham falado sobre a fé e assun tos relativos à Igreja. Em outras palavras, a visita de Paulo a Pedro alcançou ambos os objetivos. Ele conheceu melhora Pedro e provavelmente obteve informações sobre as tradições da Igreja, assim como a Ceia do Senhor, a ressurreição e o batismo cristão. Mas Pedro não lhe ensinou sobre o conteú do e o significado do evangelho, pois Paulo já o vinha pregando por pelo menos três anos. Sua ênfase em tê-lo visitado por apenas “quinze dias” sustenta esta inter pretação. Ele não estava presente o tempo suficiente para ter sido preparado por Pedro, como seus adversários estavam reivin dicando. O cuidado de Paulo em relatar os fa tos pode ser visto também no versículo 19- Depois de declarar que ele não viu nenhum dos outros apóstolos, recorda que viu Tiago, o irmão do Senhor. A menção de Paulo a respeito de Tiago com os outros apóstolos levanta a pergun ta: Paulo viu Tiago como um apóstolo, ou ele quer dizer que não viu nenhum outro apóstolo, mas viu outra pessoa importante na igreja? Parece que Paulo não restringiu o significado de “após tolo” aos Doze (cf. 1 Co 15.5-7). Assim, Paulo provavelmente considera Tiago como sendo um apóstolo em quem ele viu o Senhor ressurreto. Não obstante, a autoridade apostólica de Tiago não é a questão central aqui. Paulo quer que os gálatas saibam que seu encontro com Tiago não tinha nenhum significado material. Ele menciona Tiago porque, juntamente com Pedro, é visto como sendo importante para os judaizantes. A intensidade do espírito de Paulo é evidente no versículo 20. Ele jura diante do Senhor que não está mentindo. De um modo tipicamente hebraico ele afirma solenemente “diante [da face de] Deus”, que aquilo que escreveu é a verdade. A seriedade do juramento indica que outros relatos com relação aos primeiros anos de Paulo na Igreja foram divulgados e al cançaram os gálatas. 1138 GÁLATAS 2 As palavras de Paulo no versículo 21 coincidem com Atos 9-26-30. A fim de escapar do intento assassino dos judeus helenísticos dejerusalém, Paulo fugiu para a costa de Tarso via Cesaréia (9-30). Seu ponto é que em seguida à sua breve vi sita a Pedro, distanciou-se dos apósto los de Jerusalém. Não houve tempo para que recebesse deles qualquer aula par ticular extensa. Parece haver outra discrepância entre o que Paulo diz em 1.22 e o registro de Lucas em Atos. Em Gálatas, Paulo afirma que as igrejas da Judéia não o conheci am “pessoalmente”. Como Paulo pôde perseguir os cristãos emjerusalém e ain da permanecer desconhecido (At 8.3; 9 -26- 31)? É possível que a maioria dos cristãos que fugiram de Jerusalém como resulta do da perseguição a Estevão, ainda não tivessem retornado para lá. Aqueles que escaparam da perseguição não conheceriam a aparência de Paulo. Paulo pode também ter simplesmente coordenado a perseguição, usando outros para realmente prender os crentes. Deste modo, ele não teria sido reconhecível para a Igreja emjerusalém. Em todo caso, os cristãos emjerusalém não o conheciam como um crente, somente como um perseguidor. As notícias da conversão de Paulo fo ram rapidamente divulgadas na Igreja. A gramática dos versículos 23 e 24 indica que as igrejas da Judéia continuaram ouvindo o mesmo relatório. A pessoa que uma vez os perseguiu estava agora pregando a fé que uma vez tentou destruir. É interessante que a frase “a fé” representa “o Evange lho”. Isto testifica a centralização da fé na igreja primitiva. Não há qualquer indica ção de que as igrejas da Judéia tenham questionado a pregação do evangelho por parte de Paulo. Aparentemente entenderam que aquilo que ele pregava era exatamente aquilo em que criam. Esta é uma pode rosa mensagem dirigida aos judaizantes. Desde o início, as igrejas da Judéia acei taram a sua pregação da “fé” e louvaram a Deus por causa disto. Paulo construiu um argumento pode roso contra seus acusadores. Sua experi ência no Senhor e seus anos iniciais de ministério autenticam sua chamada e evan gelho. O evangelho não lhe foi ensinado por outras pessoas, e Paulo não foi comis sionado pela liderança da Igreja. Foi Deus quem o chamou e revelou seu Filho nele. Deste modo, não teve nenhuma necessi dade de consultar a ninguém, e começou imediatamente a pregar o evangelho por toda a Palestina, Síria e Cilícia. Teve um contato mínimo com a Igreja em jerusa lém e com a sua liderança. Agora que Paulo estabeleceu sua in dependência da igreja mãe, muda a na tureza de seu argumento. Ele é indepen dente, mas não é um dissidente. Deve agora continuar mostrando que, embora não exija a afirmação dos apóstolos dejerusalém, ele, todavia, havia sido aceito por eles. E nisto reside a lição pessoal para cada um de nós que foi chamado pelo Senhor: 1) Nosso testemunho pessoal somente tem poder à medida que se relaciona com o restante do corpo de Cristo. 2) Nossa visão pessoal de Cristo deve conesponder à compreensão da Igreja como um todo. 3) Finalmente, nossa interpretação das Es crituras deve estar em harmonia com aquelas de fé e integridade genuínas (2 Pe 1.20). Se estes princípios se sustentam, então nossa chamada e ministério serão, simultanea mente, únicos e comuns. 2 .3 • O Evangelho de Paulo É Confirmado pelos Apóstolos de Jerusalém (2 .1- 10) Pela terceira vez Paulo usa a palavra “então” (cf. 1.18,21). Ele está claramente relatando uma série cronológica de eventos, sendo cuidadoso para não omitir nada. Não deve dar a seus adversários qualquer oportunidade para desacreditar seu tes temunho. Então, o texto em 2.1-10 des creve a visita seguinte que Paulo fez a Jerusalém. Isto teria acontecido cerca de quatorze anos depois de seu encontro com Pedro e Tiago em 1.18-20 (veja 2.1). Uma vez mais devemos perguntar. Paulo está descrevendo a visita da época de sua conversão ou da ocasião cie sua última visita 1139 GÁLATAS 2 ajerusalém? Uma vez que está enfatizando seu contato não freqüente comjerusalém, os quatorze anos podem ser considera dos da época de sua última visita. Se isto é verdade, então sua segunda viagem a Jerusalém aconteceu cerca de dezessete anos depois de sua conversão, conside rando que ele já havia passado três anos na Arábia (1.17,18). A questão central aqui é: O encontro descrito em 2.1-10 é o denominado “Concilio de Jerusalém” de Atos 15 ou a “Visita da Escassez” de Atos 11.27-30? Se optarmos pelo primeiro, então devemos presumir que os “falsos irmãos” de Gálatas 2.4 são os mesmos homens que vieram a Antioquia em Atos 15.1. Estes homens pertenceri am à “seita dos fariseus” (15-5); esta ex plicitamente exigia que os gentios fossem circuncidados e obedecessem a lei de Moisés. Sua campanha judaizante foi destaiída pelo concilio, e Tiago emitiu um decreto es crito informando as igrejas quanto à sua decisão (15.23-29). Porém, identificar Gálatas 2.1-10 com Atos 15 traz mais problemas do que soluções. • Em Gálatas, Paulo diz que subiu ajerusa lém “por uma revelação” (2.2), enquanto que em Atos, a Igreja em Antioquia enviou Paulo e Barnabé ajerusalém (At 15.2). • Em Gálatas Paulo claramente declara que seu encontro com os apóstolos de Jerusa lém foi de caráter particular (G12.2), mas a conferência de Atos 15 foi feita em pú blico. • Em Gálatas Paulo simplesmente declara que apresentou seu Evangelho aos apóstolos e que Tito não foi compelido a ser circun- cidado (G12.3). Ele não diz que a circun cisão foi a principal razão da reunião ter sido convocada, como é tão evidente no relato de Atos. • Também em Gálatas 2 nada é dito sobre as diretrizes específicas apresentadas em Atos 15.20,21,29. Reciprocamente, deve- se lembrar que é feita referência ao pobre em Gálatas 2.10, mas não no relato de Atos. • Finalmente, se a reunião mencionada em Gálatas 2.1-10 é a mesma de Atos 15, por que Paulo simplesmente não se refere ao decreto de Tiagopara resolver o assunto quando lida com os judaizantes na Galácia? Por essas e outras razões que serão discutidas abaixo, concluímos que a reunião mencionada em Gálatas 2.1-10 não é o Concilio de Jerusalém de Atos 15. Ao in vés disso, é provável que tenha sido uma reunião que Paulo teve durante a “Visita da Escassez” de Atos 11.27-30. Embora Paulo fosse motivado pela revelação divina, tem também seus pés firmemente plantados no chão. Ele é um estrategista inteligente, que compreende os motivos e os desejos das pessoas. Por exemplo, Paulo antecipa a oposição em Jerusalém e deste modo leva Barnabé e Tito juntamente consigo (2.1). Ele esco lheu estes auxiliares porque representam o âmbito de seu ministério. No que se refere ao evangelho, Paulo se sente confortável com os cristãos judeus circuncidados como Barnabé. Mas também é capaz de ter comunhão com cristãos gentios incircuncisos como Tito. E o mais importante, tanto Barnabé como Tito afirmam completamente a Paulo e ao seu evangelho. Barnabé se destaca de modo proemi nente na vida de Paulo e da igreja primi tiva (At 4.36,37). Foi ele quem primeira mente apresentou Paulo à igreja e o acom panhou em sua primeira viagem missionária (At 9-27; 11.22-25; 13-1— 14.28). Também a menção de Barnabé em Gálatas 2.1, sem qualquer qualificação ou apresentação, indica que era bem conhecido dos gálatas. Final mente, os judaizantes não se esqueceri am de dizer aos gálatas que Barnabé jun tou-se a Pedro em Antioquia quando este último separou-se dos gentios (2.11-14). Tito, sendo menos proeminente que Barnabé, foi provavelmente levado para ajudar na viagem (Atos 12.25; 15.37-41). Foi um importante companheiro de Paulo (2 Co 2.13; 7.6). Porém, como um gentio incircunciso, Tito poderia servir como um “teste” para a missão livre da lei de Paulo para os gentios. Pelo fato de os apósto los de Jerusalém não o terem obrigado a ser circuncidado, nenhum gentio pode ria ser forçado a ser circuncidado na igreja. Paulo não diz que “nós” subimos a je rusalém, mas que levou Barnabé consi go. Isto significa que Paulo tomou delibera 1140 GÁLATAS 2 damente a iniciativa de que estas pesso as o acompanhassem nesta visita. Deste modo, se os gálatas tivessem quaisquer perguntas sobre a reunião emjerusalém, poderiam se referir a Barnabé e Tito. Paulo diz que subiu “por uma revela ção”. Uma vez mais destaca a importân cia da revelação sobrenatural em sua vida e ministério (1.12,16). O ponto de Paulo é que fazendo esta viagem, estava sendo obediente à vontade revelada de Deus. Sua submissão a esta vontade se posiciona em contraste total ao que seus inimigos partilharam com os gálatas. Eles prova velmente disse que Paulo tinha sido “cha mado para ser repreendido” pelos após tolos de Jerusalém e teve que responder por seu ministério na Galácia. Então Paulo declara que fez a viagem por ter sido ins pirado por Deus, e não intimidado por seres humanos. Paulo não compartilha o conteúdo da revelação, então não sabemos por que o Senhor o dirigiu para que fosse a Jeru salém. Contudo, podemos ter certeza de que Paulo n ão f o i a jeru salém p orqu e d u vidava d a v a lid ad e d e su a c h a m a d a e m en sagem . Embora digamos mais na seqüência, seu motivo parece ter sido mais pragmático do que teológico. Se os após tolos de Jerusalém falhassem em enxer gar o que Deus estava fazendo através de Paulo, então seus esforços teriam sido muito prejudicados. Por outro lado, se tivessem o discernimento espiritual para reconhecer a graça de Deus em sua vida, seu trabalho no meio dos gentios teria sido ajudado. Emjerusalém, Paulo não submeteu seu evangelho ao exame das massas. Perce bendo que um debate público poderia trazer mais problemas que soluções, escolheu apresentar seu evangelho em uma oca sião particular (2.2). Particularmente, apre sentou seu evangelho “para aqueles que pareciam ser alguma coisa” — ou líde res — (uma frase usada duas vezes no versículo 6 e novamente no versículo 9, onde “aqueles reputados para serem co lunas” são especificamente identificados como Tiago, Pedro e João). Aos ouvidos modernos, a descrição de Paulo sobre os apóstolos de Jerusalém parece negativa e um pouco sarcástica. Contudo, seu objetivo não é depreciar a posição de Tiago, Pedro, e João. Ele está simplesmente relatando a estima destas pessoas sob a perspectiva d a Igreja em jeru sa lém (Verseput, 1993, 49). Embora Paulo reconheça a autoridade deles, não aceita a veneração irregular que os judaizantes lhes prestavam (2.6). Paulo usa um exemplo do atletismo quando expressa as preocupações que teve na reunião (cf. também 1 Co 9.25-27; Fp 3.12-14). A imagem é a de um corredor de longa distância que esforçou-se ao máximo na corrida, mas que foi desclas sificado apenas por algum detalhe técni co. Paulo temia que todos os seus esfor ços pudessem ser destruídos por questões que não tivessem nada a ver com o evan gelho propriamente dito, como circuncisão e leis referentes à alimentação. Se a lide rança errasse por impor tais regras aos gentios, Paulo teria sem dúvida continu ado o seu trabalho e pregado a mesma mensagem. Porém os seus esforços teri am sido extremamente frustrados. No versículo 3, Paulo retorna ao assunto de Tito. Seu “teste” funcionou. Tito não foi “constrangido a circuncidar-se”. Como nós deveríamos interpretar “circuncidar- se”? Será que isto significa que a circun cisão não foi nem mencionada na reunião, e por esta razão Tito não foi forçado a sofrer o ritual? Se este foi o caso, então Paulo poderia ter entendido o silêncio de Tiago, Pedro e João como um endosso implíci to de seu evangelho livre da lei para os gentios (Bruce, 1982, 106 a seguir). Ou as palavras “não constrangido” significam que Tito subm eteu-se voluntariam ente à circuncisão, mas não foi forçado a fazê- lo? Ou Paulo está declarando que os “fal sos irmãos” de 2.4 insistiam na questão da circuncisão, mas fracassaram em colocá- la na ordem do dia? Embora digamos mais na seqüência, a última opção parece ser a mais provável. Depois de se encontra rem com Tiago, Pedro ejoão, alguns ten taram forçar Tito a ser circuncidado, mas Paulo e Barnabé (observe o “nós” no versículo 5) resistiram com sucesso a seus esforços. 1141 GÁLATAS 2 Quem eram estas pessoas que procu ravam que Tito fosse circuncidado? A identidade dos adversários de Paulo em Gálatas levantava muitas perguntas. Eles são as mesmas pessoas de quem lemos em Atos 15.1-5? Os inimigos de Paulo em Gálatas consideram-se cristãos, ou são eles judeus não-cristãos que motivados pela política e nacionalismo judaicos, procu ravam influenciar a Igreja na Galácia? É até possível que os adversários de Paulo sejam gentios que se tomaram prosélitos ao judaísmo antes de aceitarem a Cristo. Podem ter discutido que se tivessem que ser circuncidados para serem salvos, os demais gálatas deveriam fazer o mesmo. Além disso, poder-se-ia perguntar se Paulo está se dirigindo a um único grupo ou a vários grupos com convicções e intentos semelhantes. Em outras palavras, todos os termos: “alguns... que vos inquietam” (1.7), “falsos irmãos” (2.4), “alguns... da parte de Tiago” (2.12), “quem vos fasci nou” (3-1), aqueles que são zelosos para vos conquistar (4.17,18) e “aqueles que vos andam inquietando” (5.12) se referem às mesmas pessoas? Provavelmente nunca saberemos a identidade exata de tais pessoas ou gru pos, mas Paulo seguramente vê a todos como inimigos do evangelho da graça. Em 2.4 ele os descreve comopseu dadelpho i (lit., “falsos irmãos”). Deste modo Paulo não os considera cristãos, embora seu uso da palavra “irmãos” possa indicar que os desordeiros viam-se como parte da Igre ja. De qualquer modo, estes falsos irmãos não eram membros das igrejas locais na Galácia, pois Paulo os descreve como agentes estrangeiros que se infiltraram na Galácia com intento hostil. Eles estão envolvidos
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