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1 LETÍCIA RIBEIRO GUEBUR LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS LIBRAS FACULDADE SÃO BRAZ CURITIBA/PR 2018 2 Sumário Introdução ................................................................................................. 03 Iconografia ................................................................................................. 05 Aula 1 – Libras: a língua do Surdo ......................................................... 06 Aula 2 – Prática da Língua ......................................................................... 21 Aula 3 – Abordagens educacionais da Educação de Surdos e a comunicação hoje ...................................................................................... 23 Aula 4 – Prática da Língua ......................................................................... 35 Referências ............................................................................................... 37 Currículo da Professora-autora .................................................................. 39 3 Introdução Bem-vindo à disciplina de Língua Brasileira de Sinais - Libras! Mais do que o cumprimento de uma legislação, a nossa disciplina vem para acrescentar sua formação profissional e também sensibilizá-lo para a temática inclusiva. De uma especificidade da disciplina de uma língua gestual-visual, a parte idiomática precisa ser evidenciada/exercitada e, pensando nisso, nas nossas quatro aulas teremos momentos de carácter prático e teórico. As aulas um e três apresentarão um foco teórico diferenciado, ao passo que as aulas dois e quatro serão essencialmente práticas, a fim de se dar o primeiro contato com a língua e a comunicação inicial básica em sinais seja favorecida. Para isso, o conteúdo teórico apresentado será acompanhado de dois vídeos complementares, que contêm os vocábulos tratados nas aulas práticas, para que você possa revê-los quantas vezes for necessário para sentir-se seguro em sinalizar também. Aqui, aprenderemos juntos a respeito de um mundo percebido de maneira visual, sob uma perspectiva inclusiva e humana, no que se refere à pessoa que não ouve. No decorrer desta disciplina, conheceremos a Libras em seus aspectos: legislativos, quanto ao seu reconhecimento/oficialização e sua difusão no Brasil; e das crenças errôneas que serão desmistificadas quanto a ela e aos seus usuários; e dos pontos gramaticais da construção dos sinais e suas variações/comparações, que se farão necessárias para o entendimento das implicações do uso de uma língua visual. Em se tratando de uma comunidade linguística minoritária, abordaremos quem é o Surdo e como se realiza a sua construção de identidade, característica de uma comunidade que se expressa, principalmente, por meio do idioma 4 sinalizado brasileiro. E como ocorre o processo de escolarização desses sujeitos? Há alguma diferenciação? Aconteceu sempre da mesma forma? Essas e outras questões serão tratadas ao estudarmos o processo histórico da Educação dos Surdos, em seus desafios e conquistas notórias por visibilidade. Você está curioso em relação ao que veremos sobre o universo da Libras tão complexo e ao mesmo tempo tão fantástico? Tenho certeza de que gostará muito. Bons estudos! Professora Letícia Guebur 5 ICONOGRAFIA Os ícones são elementos gráficos utilizados para ampliar as formas de linguagem e facilitar a organização e a leitura hipertextual. VOCABULÁRIO Indica a utilização de um termo, palavra ou expressão no texto. IMPORTANTE Indica pontos de maior relevância no texto. REFLITA Questionamentos e reflexões sugeridas pelo autor, mas não é necessário respondê-los. SAIBA MAIS Oferece novas informações que enriquecem o assunto: textos, artigos, reportagens escritas etc. CURIOSIDADES Indica alguma curiosidade a respeito do tema de estudo, mas que não está contemplado na ementa. LINK Vídeos e textos para aprofundar o assunto. Dica: Para facilitar clique com o botão direito do mouse e abra uma nova janela. 6 Aula 1 – Libras: a língua do Surdo Olá, estudante! Seja bem-vindo à primeira aula da disciplina de Língua Brasileira de Sinais – Libras. Iniciaremos esta aula conhecendo a oficialização do idioma e quem o utiliza para se comunicar: a comunidade Surda! Além disso, veremos as características próprias da língua quanto à sua sinalização e faremos uma breve passagem pela sua gramática. Falaremos também sobre as principais nomenclaturas que utilizamos para referenciarmos a pessoa com surdez e refletiremos sobre os mitos que envolvem toda a temática inclusiva. Vamos lá? Língua Brasileira de Sinais - Libras Iniciamos nossas reflexões e considerações, acerca do idioma sinalizado do Brasil, com a Lei da Libras que representa a emancipação de uma comunidade de minoria linguística que vinha, e ainda vem, de lutas constantes por equidade e reconhecimento como pessoas de direito que são. Em razão dessa luta constante, tem havido avanços políticos significativos, porém, ainda há muito para avançar. A Língua Brasileira de Sinais – Libras – foi legitimada por meio da Lei n. 10. 436, de 24 de abril de 2002, passando a partir dessa data a ser a língua oficial do Brasil, juntamente com a Língua Portuguesa. Vejamos, a seguir, a lei na íntegra: 7 LEI Nº 10.436, DE 24 DE ABRIL DE 2002 Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras e dá outras providências. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1o É reconhecida como meio legal de comunicação e expressão a Língua Brasileira de Sinais - Libras e outros recursos de expressão a ela associados. Parágrafo único. Entende-se como Língua Brasileira de Sinais - Libras a forma de comunicação e expressão, em que o sistema linguístico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria, constituem um sistema linguístico de transmissão de ideias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil. Art. 2o Deve ser garantido, por parte do poder público em geral e empresas concessionárias de serviços públicos, formas institucionalizadas de apoiar o uso e difusão da Língua Brasileira de Sinais - Libras como meio de comunicação objetiva e de utilização corrente das comunidades surdas do Brasil. Art. 3o As instituições públicas e empresas concessionárias de serviços públicos de assistência à saúde devem garantir atendimento e tratamento adequado aos portadores de deficiência auditiva, de acordo com as normas legais em vigor. Art. 4o O sistema educacional federal e os sistemas educacionais estaduais, municipais e do Distrito Federal devem garantir a inclusão nos cursos de formação de Educação Especial, de Fonoaudiologia e de Magistério, em seus níveis médio e superior, do ensino da Língua Brasileira de Sinais - Libras, como parte integrante dos Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs, conforme legislação vigente. Parágrafo único. A Língua Brasileira de Sinais - Libras não poderá substituir a modalidade escrita da língua portuguesa. Art. 5o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Brasília, 24 de abril de 2002; 181o da Independência e 114o da República. FERNANDO HENRIQUE CARDOSO Paulo Renato Souza Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10436.htm>. A oficialização dela fez com que a comunidade, que já a utilizava para se comunicar mesmo sem sua oficialização, ganhasse destaque e reconhecimento jurídico e, assim, visibilidade para exigir direitos quanto à sua especificidade e, em especial, no que se refere às práticas educacionais de atendimento ao sujeito Surdo. 8 A lei evidencia: O seu canal de comunicação. O seu sistema linguístico. As suas responsabilidades do Estado em relação à difusão do idioma. O suporte de acessibilidade aos mais variados serviços públicos por ele ofertados; e As especificidades educacionais que devem ser atendidas, conforme os níveis educacionais previstos. Das especificidades do idioma A Libras é uma língua gestual-visual. Como canal de comunicação, o sujeito sinaliza e faz uso de expressões faciais, sendo os mesmos percebidos pela visão do receptor da mensagem. (FERREIRA, 2003 apud SOARES, 2013), diferentemente das línguas orais, onde o processo de transmissão das informações acontece pela emissão da mensagem através do aparelho fonador e receptadas pelo canal auditivo. Por mais técnicas que lhe pareça essas definições sobre a língua sinalizada, fazem-se necessárias para compreender e ficar bem evidenciado, a você, que a principal diferença entre a Língua Portuguesa e a Libras é o canal de comunicação que as mesmas utilizam para se fazerem entender. As primeiras intenções de pesquisa em línguas de sinais traziam a incorreta concepção de que a língua sinalizada teria, como única referência, a forma oralizada de um idioma, como se fosse uma adaptação dele à forma visual e, consequentemente, ao compará-las, deparavam-se com o não uso de artigos, preposições, entre outras características gramaticais de uma língua sinalizada, julgando-as inferiores, depreciadas e sem status linguístico, desconsiderando sua estrutura própria de produção. A Libras é estruturada linguisticamente, tendo todos os níveis linguísticos - fonológico, morfológico, semântico e pragmático, como qualquer outro idioma. Ela 9 supre as lacunas para o desenvolvimento linguístico e cognitivo do indivíduo Surdo, não sendo inferior a outra língua, por não utilizar o aparelho fonador para efetivar a sua comunicação e, apesar de não ser universal, tem regionalidades quanto aos sinais utilizados para designar uma determinada palavra. A Libras, ao contrário do que muitos pensam, não é universal. Libras é a Língua Brasileira de Sinais, utilizada pela comunidade Surda brasileira. Cada país tem seu idioma sinalizado e sua forma característica de expressão. As línguas são dinâmicas. Mudam e se atualizam ao longo do tempo, impossibilitando, assim, uma homogeneidade linguística em toda extensão territorial usuária de um idioma. Cada ser falante/sinalizante traz consigo suas características de expressão própria, além de seu repertório pessoal e do contexto de produção que devem ser itens a considerar. Um erro comum é o questionamento quanto à universalidade do emprego dos sinais nas línguas visuoespaciais. Línguas visuoespacial: são aquelas que se utilizam do canal visual e do espaço para recepção e realização do código (mensagem), no caso, o idioma sinalizado. Por mais que coincidam sinais ditos icônicos – aqueles que apresentam semelhança com a imagem da palavra referenciada –, como, por exemplo: os sinais de casa, comer, dormir, telefonar, entre outros, que são, sim, vocábulos utilizados na língua de sinais, eles também são gestos naturais do ato de comunicação, presentes em qualquer outro idioma de modalidade oral, falado em qualquer lugar do mundo. 10 O Surdo e a surdez Você já deve ter percebido que ao longo deste texto a palavra “Surdo” foi grafada com a letra inicial maiúscula. E por quê? Ora, pela sua perspectiva cultural, é claro! Vamos entender um pouco mais. A pessoa com surdez é aquela que não ouve e teria a incapacidade parcial ou total de ouvir sons, proveniente de inúmeros motivos, podendo ser uma condição temporária ou permanente do indivíduo. Por definição legislativa, o Decreto n. 5.626, de 22 de dezembro de 2005, considera: Deficiência auditiva como a perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas frequências de 500Hz, 1.000Hz, 2.000Hz e 3.000Hz. E, por meio desse mesmo decreto, introduz o sentido de referência estudado nesta disciplina, com a consideração de que “a pessoa Surda é aquela que, por ter perda auditiva, compreende e interage com o mundo por meio de experiências visuais, manifestando sua cultura principalmente pelo uso da Língua Brasileira de Sinais – Libras”. Confira, na íntegra, o Decreto n. 5.626, de 2005, que regulamenta a Lei da Libras, aqui. O primeiro contato com a pessoa Surda causa estranhamento, não pela pessoa em si, mas sim pelas suas especificidades linguísticas. O desconhecido nos causa temor, ao saber que teremos contato com a diferença, seja em um ambiente profissional, religioso, estudantil, seja em qualquer outro espaço. Isso que faz com que precisemos sair da nossa zona de conforto em relação à língua, para buscarmos não só um novo idioma, mas também formas alternativas de comunicação, para que o diálogo e a compreensão se efetivem de forma mais natural possível. Nesse sentido, fazer com que o ambiente em que estamos inseridos seja acessível a todos, é uma responsabilidade comum a todos nós. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/decreto/d5626.htm 11 A partir do que vimos até agora, qual seria a forma correta de referenciar a pessoa que não ouve? Chamá-la de Surda não será ofensivo, preconceituoso? Terminologias Foi a partir da década de 1990, com o início das pesquisas formais sobre a língua de sinais, que se intensificou a compreensão da condição da surdez como sendo uma especificidade, e não mais considerada como uma característica patológica que desvaloriza a pessoa. Com relação à temática da surdez, devem ser consideradas duas abordagens quando entramos no universo tão complexo e, ao mesmo tempo, tão extasiante que é a capacidade de não ouvir. Assim sendo, duas posições se opõem claramente, quando se fala do sujeito com surdez: Audiológico: referente à Audiologia, que é o ramo da fonoaudiologia que estuda a audição e os sons. A visão essencialmente médica, audiológica, como situação patológica a ser superada, que referenciará o sujeito como Deficiente Auditivo. A visão humanista, cultural, com propostas educacionais e perspectivas de que são sujeitos que não ouvem, mas que, por meio da língua de sinais, se expressam com cultura própria, têm comunidade consolidada e identidade inerente à sua especificidade, que os referencia como Surdos. 12 A surdez pode ser entendida sob duas óticas antagônicas: a patológica e a cultural: A patológica enfatiza a deficiência e a medicalização, na qual o Surdo é visto como tendo uma deficiência que precisa de recursos e intervenções cirúrgicas para o reestabelecimento do que lhe é ausente, visando reintegrá-lo ao grupo majoritário ouvintista. A cultural como a de sujeitos que usam e valorizam a língua de sinais, assumindo uma postura positiva diante da surdez e autonomia crítica, como cidadãos políticos. Porém, em nossa sociedade, o aspecto cultural da surdez é secundarizado, focando o discurso apenas no fenômeno físico. (GESSER, 2009). Ouvintista: segundo Skliar, é um conjunto de representações dos ouvintes, sendo que o surdo estará obrigado a olhar e a narrar-se como ouvinte. Por vezes, a terminologia “Surdo” traz estranhamento por parte de pessoas que não têm contato com essa comunidade específica. Chamar o Surdo de Surdo é a forma principal de reconhecimento de sua diferença, retirando o foco em estereótipos negativos e de carácter preconceituoso. McCleary (2003) deixa clara a sua compreensão de surdez, quando afirma que é um ato político o orgulho do Surdo em ter uma identidade Surda. Você já pensou o que seria esse ato político, numa perspectiva cultural, como esta que estamos tratando? Ora, é o sentido de se ver comoum ser político, dotado de direitos e responsabilidades provenientes de uma vida em sociedade; crítico e emancipado das marginalizações sociais em que, muitas vezes, os Surdos, como grupo linguístico e cultural menor em número, se comparados aos grupos usuários de línguas orais, se percebem oprimidos e sem visibilidade diante de questões relevantes da sociedade. 13 Figura 1.2: Sou Surdo, Sou Feliz Fonte: © Flick O Surdo, dentro de sua comunidade, é representada pela sua percepção do mundo de uma maneira visual. Strobel (2007) traz um quadro comparativo, de um lado, como a sociedade, majoritariamente ouvintista, vê esse sujeito e, de outro lado, como o sujeito Surdo se percebe perante o contexto social em que se insere. Veja essa comparação no Quadro 1.1 que segue: Quadro 1.1 – Comparação entre a representação social e a do Surdo Representação Social Representação do Surdo Deficiente Ser Surdo A surdez é deficiência na audição e na fala Ser surdo é uma experiência visual A educação dos surdos deve ter um caráter clínico-terapêutico e de reabilitação A educação dos surdos deve ter respeito pela diferença linguística e cultural Surdos são caracterizados em graus de audição: leve, moderado, severo e profundo As identidades surdas são múltiplas e multifacetadas A língua de sinais é prejudicial aos surdos A língua de sinais é a manifestação da diferença linguística relativa aos povos surdos Fonte: QUADROS; PERLIN apud STROBEL (2007). 14 Ao referenciarmos o sujeito que não ouve de Deficiente Auditivo, trazemos junto com ele um discurso carregado de perspectivas ditas clínicas, onde a ênfase se dá na falta e na incapacidade da percepção sonora. A construção de uma identidade, seja ela surda ou não, é complexa e a sua concepção tem um carácter antropológico, sendo que parte dela consiste em considerar a natureza das relações sociais, e atrelar isso ao uso de um código comum para que a comunicação aconteça. O Surdo em processo de aquisição do idioma, nesta disciplina, em específico, tratamos da língua de sinais do Brasil, quando em contato com outros usuários sinalizantes adota-os como referencial, e esta interação faz com que a comunicação, como um todo, ganhe novos significados sobre todas as coisas/conhecimentos historicamente acumulados pela humanidade. Isso possibilita formas novas de compreensão do mundo, e todo este conhecimento é mediado pela forma de expressão visual, uma vez que a linguagem oral não consegue abrangê-los completamente. Outra questão, ainda bastante relevante, a respeito de terminologias utilizadas comumente ainda precisam ser esclarecidas. Ouvintes, em sua maioria, desconhecem a carga semântica que as palavras surdo-mudo e deficiente auditivo evocam. Terminologia: conjunto de termos particulares ou nomeação de uma ciência, de uma arte, de um ofício, de uma profissão etc.; análise que caracteriza ou delimita conceitos próprios de qualquer ciência, arte, profissão, etc, e a nomenclatura de cada um desses através de uma palavra ou vocábulo; reunião de termos particulares ou nomeação específica de uma ciência, de uma arte, de um ofício, de uma profissão; Considera-se, incorretamente, que o termo surdo-mudo seria aceitável, ao passo que o termo deficiente auditivo seria o politicamente correto a ser utilizado em relação a eles. 15 No entanto, ao se perguntar ao indivíduo Surdo como gostaria de ser chamado, ele certamente argumentaria que a terminologia de deficiente auditivo é considerada patológica e carregada de preconceitos, justificando novamente tudo o que vimos até então. Da mesma forma, a terminologia “surdo-mudo”, também não seria a ideal, uma vez que o Surdo tem o aparelho fonador funcionando normalmente e pode fazer uso dele, caso o treine para isso. A nomenclatura “Surdo”, aceita culturalmente, é a de identificação da comunidade, em uma perspectiva de fortalecimento e orgulho de sua condição. A surdez, então, é a sua especificidade, e a sua língua é a de sinais. (GESSER, 2009). Empréstimo linguístico: Alfabeto Manual Remetendo à nossa realidade e entendendo a não universalidade da Libras, mas admitindo que, nela, há empréstimos e trocas linguísticas para sua construção, a ideia de que a língua de sinais é a utilização apenas do Alfabeto Manual, também é incorreta. Empréstimo linguístico: vocábulo/conceito original de outro idioma que se torna repertório linguístico usual de outro grupo cultural falante de outra língua. No Brasil, o Alfabeto Manual é composto por 27 configurações de mão, correspondendo cada uma delas a uma letra do nosso alfabeto. Este é utilizado como apoio para a soletração de nomes próprios, siglas e eventualmente palavras que ainda não tenham sinais que as designem. Vamos conhecê-lo? 16 Figura 1.1: Alfabeto Manual Fonte: Estúdio da Faculdade São Braz Assista ao vídeo do Youtube que satiriza o uso excessivo da soletração no discurso sinalizado. Já pensou como ficaria cansativo soletrar palavra por palavra na hora da comunicação? Esse vídeo, em ASL - American Sign Language, ilustra uma situação televisiva jornalística, 17 desmistificando que as línguas sinalizadas seriam apenas o uso da datilologia. Para visualizá-lo, clique aqui. A soletração é um recurso, e não um objetivo final. Consideração importante é a de que tanto o emissor soletrante, quanto o receptor da sinalização têm ambos, necessariamente, de ser letrados. O mesmo aconteceria com uma língua oral, caso o receptor de uma mensagem escrita fosse analfabeto. Por mais que o receptor domine a língua oral, a modalidade escrita, mesmo que seja em seu idioma, não atingiria a finalidade da comunicação, não podendo fazer uso dela em sua totalidade. (GESSER, 2009). Então, definitivamente, as línguas de sinais não são só soletração. Ok, mas seriam então uma versão sinalizada adaptada da língua oral? Também não! Elas têm estruturas gramaticais específicas e expressam- se integralmente sem defasagens ou inferioridades em comparação com idiomas orais. Isso refere-se, inclusive, quando se fala em universalidade e diversidade nas formas de sinalizar. Língua e regionalidade Afirmar que todos os brasileiros se utilizam do mesmo português para se comunicar, seria uma inverdade, do mesmo modo que não seria verdadeiro pensar que os Surdos se expressam, o tempo todo, da mesma forma. A língua de sinais, assim como qualquer outra língua oral, tem características próprias nos sinais em si e na forma da sinalização, considerando-se o sotaque, a ritmização da fala, a escolha vocabular, entre outras, além da intencionalidade do seu uso para se expressar culturalmente. Entendendo toda sua integralidade, como língua e também complexidade/estranhamento diante dos não usuários da Libras, outro mito comumente idealizado é o da impossibilidade de ela se expressar abstratamente. https://www.youtube.com/watch?v=fYAVL1Dxokk 18 Gesser (2009) argumenta que, ao pressupor que não se consegue expressar ideias ou conceitos abstratos em sinais, é o mesmo que acreditar que a língua de sinais é limitada, simplificada e que não passaria de mímica. Assim, adeptos da língua sinalizada expressam-se como qualquer outro que se utiliza de línguas orais, podendo discutir sobre qualquer conteúdo ou abstrações e transitar por diversos gêneros discursivos livremente. Variações regionais também estão relacionadas com a diversidade dos usuários, a faixa etária, o grau de instrução, a formalidade/intimidade dos falantes e o vocabulário técnico de dada área do conhecimento, entre tantas outras situações de intencionalidade e temporalidade a serem consideradas. E mais, sinais/vocábulos sofrem mutações, criações, bem como novas significações para atender a uma necessidade/adequaçãoaos seus diversos contextos de produção. Além de todas as variações linguísticas possíveis, vale salientar que na língua oral cabe o julgamento de valor social de formas mais prestigiosas de expressão, como a norma culta. Em resumo, a Libras, mesmo tendo uma modalidade diferente (visuo- espacial), tem diversas variações, como empréstimos linguísticos de outras línguas (de sinais e orais), e as modalidades formal e informal. Parâmetros gramaticais da Libras Da complexidade idiomática, seja na modalidade oral-auditiva ou visuo- espacial, os sistemas linguísticos são estruturados gramaticalmente em níveis de análise. Sem a pretensão de esgotar o assunto, e adequando a nossa disciplina introdutória à língua de sinais da comunidade Surda nacional, consideremos a construção dos sinais a partir dos parâmetros gramaticais da Libras, listados por Stokoe (1960) como três componentes estruturais dos sinais: 19 A seguir, vamos conhecer um pouco mais sobre esses componentes. Configuração de Mão: são as formas que as mãos assumem na realização do sinal. Os sinais podem ser realizados com uma ou ambas as mãos, dependendo do vocábulo, e também independe da mão a ser utilizada. Por questões de ser mais confortável, os sinalizantes destros sinalizam, predominantemente, com a mão direita, porém os sinais podem ser realizados por qualquer uma das mãos, sem perda de sentido. Locação ou ponto de articulação: refere-se ao espaço de realização do sinal que varia entre o corpo do sinalizador e o espaço neutro (espaço à frente, sem ter contato com o corpo). Movimento: é o deslocamento das mãos configuradas no espaço. Direcionalidade/orientação de mão: refere-se à direção que as mãos têm na realização do sinal. Expressões faciais e corporais: este parâmetro torna-se muito significativo ao utilizarmos uma língua visual. É por meio dele que será evidenciada a intencionalidade do nosso enunciado, já que nas línguas sinalizadas não temos a variação tonal existente nas línguas orais, quando aumentarmos o nosso tom de voz diante de um descontentamento com algo/situação vivenciada. Configuração de mão Locação ou ponto de articulação e movimento Orientação de mão/direcionalidade e as expressões importantes na sinalização 20 Ainda a respeito da intencionalidade do enunciado, a dependência do uso das expressões é real. Ao realizar o sinal de feliz/felicidade, em um contexto de comunicação comum cotidiano, mas utilizarmos a expressão facial e corporal característica de desânimo/tristeza, isso é interpretado como o vocábulo não ter transmitido um sentido real. A coerência entre o uso da expressão e o sinal empregado indicará os rumos da intenção da comunicação. Síntese Chegamos ao final da primeira etapa da nossa caminhada! Nela, vimos sobre a Libras e sua legislação, justificada por usuários que têm direito a expressar- se de forma diferente da oral-auditiva, e também que ela tem estrutura gramatical própria com status de língua oficial. O Brasil é um país bilíngue e os Surdos, descritos com letra maiúscula, utilizam-se desta nomenclatura a fim de reforçar sua cultura e identidade própria como comunidade consolidada. Atividade de Aprendizagem De uma língua oficializada a uma comunidade Surda consolidada, pesquise alguns exemplos de personagens históricos que contribuíram e são referência para o panorama atual de difusão da língua de sinais e de fortalecimento dessa comunidade. 21 Aula 2 – Prática da língua Olá estudante! Seja bem-vindo à segunda aula da disciplina de Língua Brasileira de Sinais – Libras. Precisamos nos atentar para as questões teóricas da disciplina, porém não podemos desconsiderar a sua parte prática, por isso, nesta aula, vamos fazer uma atividade prática do idioma: a nossa videoaula. Essa videoaula também terá um vídeo como apoio, contendo todos os vocábulos/termos empregados nesta disciplina, os quais estão disponíveis no moodle. Assim, você poderá acompanhar e vivenciar a Libras na prática, retomando cada um dos sinais aprendidos, quantas vezes quiser e precisar. Fazem parte do conteúdo dessa aula prática: o Alfabeto Manual, as cores, os cumprimentos/saudações e os períodos/tempo cronológicos. Não deixe de treinar cada um dos sinais apresentados, seja na frente do espelho, seja com colegas, lembrando sempre de os contextualizar, a fim de fazer desse aprendizado, um hábito de comunicação natural. A videoaula e o vídeo complementar estão disponíveis no seu ambiente virtual em Material Didático, no ícone Videoaulas. Acesse e assista a estes importantes vídeos que lhe são disponibilizados em sua plataforma digital. Bons estudos! Síntese Chegamos ao final de mais uma aula! Nela, você teve o primeiro contato com o idioma, praticando com o alfabeto, os números, as saudações e, por último, com as cores. A partir de agora, ao se encontrar com um Surdo, você já pode começar a dialogar! Vale ainda referir que o processo de aquisição do idioma depende do empenho e do contato com os usuários da língua. 22 Assim sendo, envolva-se com a comunidade Surda! Além de novos amigos, a sua aprendizagem e fluência na Libras vão acontecer de forma mais facilitada e prazerosa. Atividade de Aprendizagem Agora é com você! A fim de agregar novos sinais e ter o estímulo para praticar a sinalização, siga o roteiro de perguntas seguinte, respondendo a cada uma delas em sinais. Se necessário, volte ao seu material de apoio midiático e busque também novas referências. Dê o seu melhor! 1. Qual é o seu nome? 2. Quantos anos você tem? 3. Qual é o dia, o mês e o ano de seu aniversário? 4. Qual é o seu número de telefone? 5. Bom dia! Tudo bem com você? 6. Você tem o hábito de estudar pela manhã, à tarde ou de noite? 7. Qual é a sua cor predileta? 23 Aula 3 – Abordagens educacionais da Educação de Surdos e a comunicação hoje Olá, estudante! Seja bem-vindo à terceira aula da disciplina de Língua Brasileira de Sinais – Libras. A partir de agora, faremos uma abordagem mais teórica do conteúdo desta disciplina. Trataremos da história da educação formal dos Surdos e do seu reconhecimento como comunidade mobilizada. Nesta aula, veremos novos conceitos para ampliação do nosso repertório inclusivo de respeito à diversidade, e refletiremos acerca dos tipos de abordagem educacionais empregados, com seus objetivos e intencionalidades. Finalizaremos nossa aula com dicas para uma boa comunicação com a pessoa Surda. Vamos lá? A educação de Surdos Ainda refletindo sobre a oficialização da língua sinalizada brasileira, esse registro e legitimação formal traz junto com ela toda uma comunidade que a utiliza como forma de expressão principal, não apenas como ato comunicativo em si, mas sim por entender a língua de sinais como realmente uma língua. Isso dá ao Surdo um status de pessoa dotada de inteligência e capaz de exprimir seus pensamentos, utilizando um idioma que tem apenas a especificidade de ser na modalidade visuoespacial. As pesquisas e as formas de abordagem educacionais também ganham com isso. A história da educação de Surdos apresenta abordagens metodológicas específicas e é a partir dela que se inicia a reflexão sobre a importância da discussão sobre essa temática e as maneiras de se pensar sobre a deficiência, em especial, dentro do contexto escolar inclusivo. Os Surdos, em sua história, viveram e vivem diversos desafios, mas também desfrutam de várias conquistas. As lutas dos Surdos para garantir o direito a uma educação de qualidade, a inserção numa sociedade desigual, a superação do preconceitorelacionado à sua 24 deficiência, a desmistificação e a desrotulação de que eles não são capazes de aprender, entre outras situações, são questões significativas para o entendimento do contexto social no qual todos estamos inseridos. A forma como a surdez foi concebida historicamente é bastante relevante. Não somente a surdez, mas outras deficiências foram desprezadas desde a Grécia antiga, e tantas outras civilizações consideraram a surdez como um castigo divino. Com o passar dos anos, as crenças começaram a ser substituídas por descobertas médicas e avanços tecnológicos, o que favoreceu o discurso, tão enraizado na nossa cultura, de que se o Surdo não fosse curado daquela “doença”, ele não poderia viver em sociedade e gozar de plenos direitos como igual que é. Houve ainda um tempo em que as línguas de sinais foram proibidas, e a forma de expressão oral foi supervalorizada, o chamado método oralista de ensino, que influenciou consideravelmente a história dos Surdos, e será tratado posteriormente. Em 1880, os opostos educacionais, a língua de sinais e o oralismo aumentaram a sua força. Nesse ano, na cidade de Milão (Itália), realizou-se o Congresso Internacional de Professores de Surdos, com o objetivo de discutir sobre os métodos utilizados na educação de pessoas Surdas. O encontro foi organizado, patrocinado e conduzido por especialistas ouvintistas (defensores do oralismo) que, obviamente, estavam decididos a apoiar essa metodologia, antes mesmo do início do evento. (PERLIN; STROBEL, 2006). O chamado Congresso de Milão foi um evento determinante na trajetória educacional dos Surdos, quanto ao uso da língua de sinais no mundo todo. Aprofunde seus conhecimentos, clicando aqui. Como reflexão sobre isso, percebe-se que o não uso da língua de sinais, durante todo esse tempo, refletiu-se na criação de sujeitos Surdos submissos às práticas ouvintistas, que perdiam o sentido de pertencimento a um grupo específico e com direitos, e negavam a sua própria identidade, em favor da cultura de outrem. https://culturasurda.net/congresso-de-milao/ 25 É importante ter em mente que uma comunidade enfraquecida impede a realização de mudanças e transformações tão necessárias ao cotidiano. Assim, lutas se fizeram necessárias, e ainda se fazem, com o objetivo de dar visibilidade à comunidade Surda, que busca reconhecimento e legitimação das suas necessidades e dos seus direitos diante da sociedade. Devemos nos atentar para não fazer generalizações quanto aos Surdos. Todos temos particularidades inerentes à nossa condição humana e de seres sociais que somos. A luta dos Surdos em busca de reconhecimento A luta dos Surdos pela conquista dos seus direitos educacionais e sociais ocorreu em meio a protestos e manifestações, por intermédio de pessoas que acreditavam no potencial de aprendizagem da pessoa Surda, buscando uma educação de qualidade e a sua inserção efetiva na sociedade. A comunidade Surda, representada por líderes Surdos, engajados em uma busca incessante por igualdade e reconhecimento de direitos, organiza-se de forma expressiva. A mobilização do Movimento Surdo conta com subsídios teóricos fundamentados, para reverter discursos e práticas dominantes opressivas. Movimento Surdo: conceito denominado por estudos socioantropológicos do movimento social, que tem por objetivo a denúncia da opressão imposta aos Surdos, historicamente, e a busca pelo reconhecimento das diferenças também no âmbito político. Fernandes (2012) argumenta que o principal objetivo do enfrentamento desse Movimento Surdo é demonstrar que a incapacidade de ouvir não pode determinar o sujeito. 26 Essa, sim, é uma especificidade, mas de carácter secundário a todas as possibilidades e ao estabelecimento de vínculos com a realidade social, que se utiliza de uma comunicação visual como marca simbólica, ou seja, da língua de sinais. A forma de comunicação visual tem não só o mesmo valor e significação cognitivos que uma comunicação oral-auditiva, mas também os mesmos elementos simbólicos necessários ao desenvolvimento das funções psíquicas superiores (memória, raciocínio lógico, formação e generalização de conceitos, entre outros). Negar o acesso dos Surdos a isso, é assumir que eles poderão ter prejuízos no seu desenvolvimento cognitivo. A singularidade precisa ser discutida, principalmente em âmbito educacional. A postura do professor, em especial, fará toda diferença na emancipação desse aluno com surdez e na mediação para a formação de um sujeito dotado de conhecimentos e crítico tanto como ser social, quanto da sua própria história. A inclusão do Surdo em uma turma de ensino regular pode ser muito prejudicial, se a deficiência na audição for o foco da relação de ensino e se for esquecido que ele é um sujeito singular. Quanto às práticas pedagógicas, são importantes a sensibilização e a alteração da postura dos profissionais, e demais participantes da comunidade escolar, em relação aos objetivos, metodologias, avaliações, com vistas a uma adequação ao público a ser atendido. Das abordagens educacionais A reprodução do que aconteceu socialmente reflete nas práticas formais escolares. Propostas educacionais direcionadas ao atendimento às especificidades da surdez surgem com diferentes objetivos e intencionalidades no decorrer do processo histórico. A partir disso, pensando especificamente na efetivação do ato educativo, destacam-se três modelos na educação formal dos Surdos, a saber: o Oralismo, a Comunicação Total e o Bilinguismo. 27 O Oralismo O Congresso de Milão, ocorrido em 1880, foi determinante para os sinalizantes e para todos os comprometidos com a escolarização dos Surdos à época. Após o evento, quando a língua de sinais foi eliminada das escolas, a modalidade oralista predominou no ensino das crianças Surdas, com um forte enfoque no caráter clínico de reabilitação da surdez e da fala. Mas qual a função social da escola? Será a de reabilitação clínica da fala? Será que a escola é o espaço adequado para se fazer essa intervenção de caráter médico reabilitativo, tão desejado à época? O método oralista de ensino tinha como principal objetivo fazer com que o Surdo falasse, daí sua nomenclatura, e desenvolvesse sua competência linguística oral para que, posteriormente, se inserisse na sociedade dita produtiva, que excluía todos os que não se comunicavam por meio do canal de comunicação utilizado pela maioria. Só que esse método não conseguia garantir a sua eficácia, dadas as singularidades dos indivíduos com maior ou menor resquício auditivo, tanto em relação ao estímulo familiar, quanto a outras influências externas determinantes num contexto de desenvolvimento cognitivo. O modelo oralista entende que a língua de sinais seria prejudicial ao sujeito se ele continuasse fazendo uso dela para comunicar-se, pois a aprendizagem da fala nunca seria satisfatória. Considerando que a língua de sinais seria o meio mais fácil de se comunicar, contudo não seria socialmente aceitável como padrão de normalidade, deveria ser evitada a todo custo, uma vez que atrapalharia o desenvolvimento da oralização do sujeito. (PERLIN; STROBEL, 2006). E, sob essa perspectiva de ideal de sujeito, alunos Surdos eram obrigados a aprender a falar, sendo expressamente proibidos de utilizar qualquer forma de comunicação sinalizada. 28 Durante algum tempo, o método oralista impôs-se na educação dos Surdos, e isso não foi garantia de que eles se desenvolvessem de forma satisfatória. Essa abordagem desconsidera a contextualidade, e demais adendos à comunicação, importantes para o desenvolvimento integral do ser humano. Resumidamente, o caráter clínico-terapêutico do método foca seus esforços, quanto à forma de expressãoe comunicação do Surdo, na cura da incapacidade de ele ouvir e na reabilitação da fala, numa perspectiva estritamente linguística. Essa visão deixa para segundo plano o que realmente importa, que é o desenvolvimento integral do sujeito ligado a práticas pedagógicas e metodológicas específicas para o seu atendimento. Fernando Capovilla (2000), linguista de referência nos estudos na área da Surdez e aquisição de linguagem, descreve ainda outra perspectiva do Surdo que passa por esse método, ao dizer que os objetivos desse método, apesar das suas intenções de integração social do sujeito, em termos de desenvolvimento da fala, atingem apenas um pequeno percentual daqueles que perderam a audição precocemente, mas conseguem falar de modo suficientemente compreensível e audível para terceiros. Assista ao filme “E seu nome é Jonas“, com a direção de Richard Michaels, (EUA: TV Film, 1979, 100 min), que trata de uma criança Surda que, por um diagnóstico errôneo, foi atendida como deficiente intelectual e não auditivo. Por insistência e interesse da sua mãe, o menino começou a ser escolarizado pelo método oralista, o que fez com que situações de agressividade e não sociabilidade se agravassem. Ao ter contato com a língua de sinais, novas perspectivas de comunicação possibilitaram ao menino Jonas formas de conviver e de se socializar nos variados contextos, como no pessoal familiar, educacional e social como um todo. Por mais antigo que seja, mostra a realidade de muitos Surdos, nascidos em famílias ouvintes não sinalizantes, tal como nos dias de hoje, com concepções que levam a refletir a forma como o Surdo e a surdez são vistos. Posteriormente, devido ao fracasso evidente do método oralista e ao desenvolvimento de pesquisas sobre línguas de sinais, em meados dos anos de 29 1960, surge uma nova configuração na comunicação e novas propostas pedagógico-educacionais de associação entre a língua de sinais e a oralização, denominado Comunicação Total, que veremos no tópico a seguir. A Comunicação Total A clara ineficácia do método de ensino anterior, que não supria lacunas de desenvolvimento linguístico, nem de apropriação cultural, levou ao surgimento da Comunicação Total como filosofia educacional empregada, mas que também não garantia sujeitos emancipados ao final do período de escolarização. Essa abordagem aparece já com níveis de aceitação do uso das línguas de sinais, mas o seu objetivo final ainda seria a reabilitação do indivíduo Surdo, com fortes resquícios do oralismo em suas práticas de ensino. A Comunicação Total favorece o contato com a língua sinalizada, porém não a entende como a língua própria do Surdo, nem a legitima dentro do processo de aprendizagem e desenvolvimento dele. Nesse tipo de abordagem, utilizam-se toda e qualquer forma de expressão comunicacional, como gestos, mímicas, fala, leitura orofacial, escrita, expressões faciais e corporais, apontamentos, e até mesmo a própria língua de sinais do país. Orofacial: relativo à face e à boca; produzido pelo movimento da face e da boca ao mesmo tempo. Em relação à eficácia de uma mistura de recursos linguísticos, Goldfeld (1997 apud Rodrigueiro, 2010) salienta que a Comunicação Total considera o contexto onde o Surdo está inserido, mas é superficial quanto ao repasse de conceitos mais complexos. Alguns autores apontam que esse modelo não teria fundamentação teórica, nem padronização, de modo que não favorecia um desenvolvimento integral do sujeito histórico. 30 Na Comunicação Total, a produção linguística baseia-se na língua falada. Por mais que o sujeito faça uso de sinais para comunicar-se em sala de aula, a ordem de produção segue os princípios da língua oral. O valor dos métodos dentro da Comunicação Total não pode ser negado, mas a conciliação com o uso simultâneo das duas línguas nunca foi o ideal, devido à natureza distinta da língua de sinais. (CAPOVILLA, 2000). Partindo de perspectivas cognitivas de aprendizagem anteriormente desconsideradas, a Comunicação Total traz a discussão da valoração e da importância de não se focar essencialmente na surdez, e sim dar mais atenção ao processo de escolarização particular do Surdo. No entanto, essa alternativa de comunicação não preenche todas as demandas advindas do processo de escolarização formal, por isso, não é um modelo ideal de ensino, voltado para a formação de sujeitos sociais para atuarem de forma crítica diante de mudanças necessárias. Em simultâneo ao método da Comunicação Total, surgiram outros estudos, entre eles, o Movimento Surdo como um todo que ganhou destaque e propiciou novas perspectivas em relação à abordagem empregada no ambiente escolar, o que levou ao aparecimento de uma nova filosofia: o Bilinguismo. O Bilinguismo A abordagem educacional bilíngue vem com uma perspectiva de respeito ao sujeito Surdo e a percepção clara, não só da surdez em seu aspecto biológico, mas também da responsabilidade que o processo de escolarização tem na construção de um ser social que, independentemente da sua capacidade de ouvir, deve ter acesso a uma especificidade de ensino que se adapte à sua condição e, como consequência, considere e estimule o potencial do seu desenvolvimento cognitivo. O Bilinguismo respeita, essencialmente, a diversidade e a identidade cultural de um povo e propõe o contato/ensino das duas línguas (a de sinais e a usada pela comunidade social na modalidade escrita) dentro de um mesmo contexto escolar. Isso significa que é dada a oportunidade de o Surdo desenvolver-se cognitivamente, em um primeiro momento na língua de sinais, considerando a 31 natureza visuoespacial de sua percepção e aprendizagem, a partir do canal visual; e, em um segundo momento, de ele aprender a língua do grupo ouvinte majoritário ao qual pertence socialmente. Cabe salientar também os ganhos de um contato precoce da criança Surda com a língua sinalizada e os seus usuários fluentes. Assim como crianças ouvintes são estimuladas constantemente por sons/enunciados ao redor, crianças Surdas, durante o processo de aquisição de língua, também ficam ávidas por novas descobertas em sua língua, que entendemos como natural. A língua sinalizada, compreendida como a primeira língua, estaria sempre à frente do segundo idioma, e a aprendizagem dessa segunda língua aconteceria dentro de uma competência linguística embasada, no caso, a de sinais. A abordagem bilíngue não se resume ao processo de aquisição de idiomas simultaneamente, mas admite uma perspectiva de respeito à cultura e à produção dos seus usuários e compreensão das diferenciações estruturais gramaticais e das constantes demandas políticas das mais variadas áreas do cotidiano. Isso quer dizer que o olhar não deve estar apenas voltado para o espaço escolar, por mais complexo que ele seja, contudo é importante dar credibilidade ao movimento, pois, só assim, a luta da comunidade Surda se fortalece e ganha relevância cultural. Atualmente, apesar de haver muito que fazer na realidade vivida pelas escolas bilíngues, as conquistas conseguidas, principalmente no campo político, precisam ser valorizadas. Na visão cultural de ensino abordada, a busca incessante pela “cura” é colocada em segundo plano, sendo substituída pelo enaltecimento do aluno, das suas potencialidades e perspectivas que, até há pouco tempo, era irrealizável ou a custo alto para a identidade do Surdo como sujeito. Uma vez na posse dos necessários instrumentos, o sujeito detentor de língua e identidade cultural vê-se a si mesmo também como produtor de conhecimentos e um ser social autônomo, crítico, emancipado e não subjugado intelectualmente. 32 Do ato de bem se comunicar Como já vimos toda a perspectiva de educação formal do Surdo, voltamos ao cotidiano do enfrentamento da comunicaçãocom ele. Todos somos agentes inclusivos, e uma boa comunicação se faz necessária em todos os planos. Em um contexto do conhecimento da língua de sinais, o processo de comunicação acontece, efetivamente, quando ambas as partes se entendem. E conversar com uma pessoa Surda requer uma atenção diferenciada, em relação a alguns aspectos e posturas que não teríamos em uma cultura comunicacional oral- auditiva. Assim, Veloso e Maia (2009) destacam algumas dicas de comunicação que, muitas vezes, nos parecem evidentes, mas passam despercebidas e influenciam diretamente o referido processo. São elas: Fale de frente, claramente e pausadamente com o Surdo. Uma boa articulação dos lábios facilita a comunicação. A leitura labial se torna mais difícil se você gesticular muito ou tiver qualquer objeto à frente dos lábios. O ambiente claro e a boa visibilidade são importantes para um bom entendimento. Evite ficar contra a luz (de uma janela, por exemplo) a fim de facilitar a visualização das suas expressões. Não é preciso gritar. Fale em tom de voz normal. O Surdo não pode perceber mudanças de tom ou emoções, por meio da voz. É preciso ser expressivo para demonstrar seus sentimentos. Se você não entender o que uma pessoa Surda está falando, não tenha vergonha de perguntar novamente e não perca a paciência. Peça sempre para repetir, se for preciso escrever. O mais importante é que exista comunicação. Na hipótese de você estar longe, de nada adianta gritar. Para falar com a pessoa Surda chame a sua atenção, acenando ou tocando levemente em seu braço. 33 Intérprete ou Tradutor Intérprete de Língua de Sinais (TILS): é o profissional bilíngue habilitado para mediar situações linguísticas e culturais da Língua de Sinais para a Língua Portuguesa e da Língua Portuguesa para a Língua de Sinais. Falar de frente, clara e pausadamente, como vimos em uma das dicas de comunicar-se corretamente, não quer dizer uma pausa excessiva de cada palavra/enunciado. Articule as palavras como habitualmente fala, sem “correr” muito, mas também sem lentidão. O diálogo acontece, não só por meio da decodificação de um código falado por você, mas por todo ato de comunicação que envolve aquela fala. O Tradutor Intérprete de Língua Brasileira de Sinais teve sua profissão regulamentada, por meio da Lei n. 12.319, de 1º de setembro de 2010. Nela, foram discriminadas sua competência, formação específica, Os avisos visuais são sempre muito úteis para a independência. Na falta deles, o Surdo terá mais dificuldades Se você souber alguma língua de sinais tente usá-la. Se a pessoa Surda tiver dificuldade em entender, avisará. De um modo geral, a tentativa será apreciada e estimulada. Enquanto estiver conversando, mantenha sempre o contato visual. Se você desviar o olhar ou se virar, a pessoa Surda pode achar que a conversa terminou. Se tiver dificuldade para compreender o que ela está sinalizando, peça que repita. Quando a pessoa Surda estiver acompanhada de um intérprete, dirija-se à pessoa Surda e não ao Intérprete. 34 atribuições e condutas desejáveis para o exercício da profissão. Veja, na íntegra, o que a legislação define a esse respeito, clicando neste link. Síntese Concluímos, assim, mais uma etapa da nossa aprendizagem. Vimos a força de uma comunidade e reconhecemos os obstáculos educacionais que os Surdos enfrentaram historicamente. Nesta aula, vimos também as melhores formas de comunicar com o Surdo, atentando para as especificidades inerentes à sua não audição, principalmente com relação ao respeito e ao reconhecimento de que ele é um sujeito social, dotado de direitos e deveres. Não pare por aqui! Continue os seus estudos a partir das indicações culturais e das referências listadas ao final deste material. Até o próximo encontro! Atividade de Aprendizagem Vimos que, além de uma postura de acessibilidade em relação à comunicação com os Surdos, existem práticas e tecnologias vêm ao encontro da sociedade inclusiva que almejamos. Nesse sentido, pesquise mais sobre Tecnologias Assistivas, com enfoque na deficiência auditiva e nas consequências/facilidades na vida cotidiana dos Surdos. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12319.htm 35 Aula 4 – Prática da Língua Olá estudante! Seja bem-vindo à quarta aula da disciplina de Língua Brasileira de Sinais – Libras. Como, já foi dito anteriormente, precisamos dar importância às questões teóricas da disciplina, mas não podemos desconsiderar a parte prática, por isso, vamos fazer uma aula prática do idioma: a nossa videoaula, Essa videoaula também terá um vídeo como apoio, contendo todos os vocábulos/termos empregados nesta disciplina, os quais estão disponíveis no moodle. Assim, você poderá acompanhar e vivenciar a Libras na prática, retomando cada um dos sinais aprendidos, quantas vezes quiser e precisar. O conteúdo desta aula prática é: Animais e Alimentos! Não deixe de treinar cada um dos referidos sinais, seja na frente do espelho, seja com colegas, lembrando sempre de os contextualizar, a fim de fazer desse aprendizado, um hábito de comunicação natural. A videoaula e o vídeo complementar estão disponíveis no seu ambiente virtual em Material Didático, no ícone Videoaulas. Acesse e assista a estes importantes vídeos que lhe são disponibilizados em sua plataforma digital. Bons estudos! Síntese Chegamos ao final do estudo da nossa disciplina. Nesta última aula, tivemos uma prática a partir de vocábulos relacionados com os temas “Animais” e “Alimentos”, inseridos em situações do cotidiano da língua de sinais. Não deixe de praticar os sinais estudados nesta disciplina e busque sempre adquirir mais conhecimentos, quanto à forma de se expressar em uma língua visual, Com vistas à fluência no idioma e à inclusão efetiva de usuários que têm a Libras como a sua primeira língua. 36 Atividade de Aprendizagem Vamos praticar o que aprendemos nesta aula? Reveja a videoaula e o material de apoio disponibilizados e busque também outras fontes, para que a sua sinalização seja cada vez melhor, e amplie sempre seu repertório vocabular em sinais. O roteiro, abaixo, servirá como um ponto de partida para você sinalizar. Quantos animais de estimação você tem? Qual a raça e o nome deles? Em qual horário do dia você sai para passear com eles? Dê quatro exemplos de animais selvagens. O que você não gosta de comer? Gosta mais de doce ou de salgado? Você toma suco de qual sabor? 37 Referências BRASIL. Lei n. 10.436, de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras. Brasília, DF, abr 2002. Disponível em: <http://www.plana lto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10436.htm>. Acesso em: 20 ago. 2018. ______. Decreto n. 5.626, de 22 de dez de 2005. Regulamenta a Lei n. 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras. Brasília, DF, dez 2005. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Decreto/D5626.htm>. Acesso em: 20 ago. 2018 CAPOVILLA, F. C.; RAPHAEL, W. D. Dicionário Enciclopédico Ilustrado Trilíngue da Língua de Sinais Brasileira. v. 1 e 2. São Paulo: EDUSP, 2001. ______. Filosofias educacionais em relação ao surdo: do oralismo à comunicação total. Revista Brasileira de Educação Especial. São Paulo, v. 6, n. 1, p. 99-116, 2000. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1984- 63982014000400004 &script=sci_ar ttext>. Acesso em: 18 ago. 2018. CHIQUINI, S. Dicionário de Libras. Curitiba: São Braz, 2013. FERNANDES, S. Educação de Surdos. Curitiba: Intersaberes, 2012.______. 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