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Comentário de Jurisprudência danos morais em caso de alienação fiduciária; Direito Civil obrigações

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DANOS MORAIS PELA BAIXA DE GRAVAME DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA: 
COMENTÁRIOS À DECISÃO SOBRE O RECURSO ESPECIAL Nº 1.881.453 - RS 
Comentário de Jurisprudência 
Alice Maria C. L. Bitencourt 
 
RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE 
INDENIZAÇÃO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. DEMORA NA BAIXA DE 
GRAVAME DO VEÍCULO. DANO MORAL NÃO PRESUMIDO. RECURSO 
ESPECIAL CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. Para os fins do art. 1.036 do 
CPC/2015, a tese firmada é a seguinte: "O atraso, por parte de instituição financeira, 
na baixa de gravame de alienação fiduciária no registro de veículo não caracteriza, 
por si só, dano moral in re ipsa". 2. Julgamento do caso concreto. 2.1. Verifica-se 
que o Tribunal de origem analisou todas as questões relevantes para a solução da 
lide, de forma fundamentada, não havendo falar em negativa de prestação 
jurisdicional. 2.2. O acórdão recorrido concluiu que a demora na baixa de restrição 
após a quitação do financiamento, por si só e quando não comprovado real dano à 
pessoa, não passa de mero dissabor, não provocando abalo suficiente à violação dos 
direitos inerentes à personalidade, conforme a tese acima firmada, o que impõe o 
desprovimento do recurso especial. 3. Recurso especial conhecido e desprovido. 
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Especial nº 1.881.453-RS. 
Relator: Min. Marco Aurélio Belizze. Julgado em: 30. nov. 2021. 
1 RESUMO DO CASO 
No dia 30 de novembro de 2021, foi decidido o caso apresentado ao Superior Tribunal 
de Justiça pelo Recurso Especial nº 1.881.453-RS. Este, ajuizado por Fábio André Schilling, 
em desfavor da empresa BV Financeira S.A. Crédito Financiamento e Investimento, foi assim 
constituído sob a alegação de dano moral indenizável, em razão da não liberação do gravame 
registrado sobre o automóvel financiado do recorrente. 
A demanda da ação indenizatória foi julgada improcedente pelo Juízo de primeiro 
grau, o qual fundamentou ser insuficiente o mero atraso na liberação do gravame para a 
caracterização do dano moral indenizável. A decisão monocrática foi mantida pelo Tribunal 
de Justiça do Rio Grande do Sul, alegando o reconhecimento do aborrecimento e dissabor 
decorrente da situação apresentada pelo recurso de apelação, sem que haja, contudo, provas 
efetivas do prejuízo sofrido pela parte autora. 
Como dispõe o relatório, o recorrente, no recurso especial, argumenta a violação dos 
arts. 373, I e II, e 1.022. I e II, do Código de Processo Civil (CPC) de 2015; e 186 e 927 do 
Código Civil (CC); e, por fim, dissídio jurisprudencial. Nesse sentido, defende o 
enquadramento de dano moral in re ipsa pela demora na baixa do gravame registrado do 
veículo, mesmo após o cumprimento de suas obrigações e o acordo judicial firmado na esfera 
de ação revisional anterior. 
Desse modo, coloca o relator do caso: 
Assim sendo, a controvérsia está em definir o cabimento de compensação por 
danos morais in re ipsa, decorrente do atraso na baixa de gravame de alienação 
fiduciária no registro de veículo automotor por parte da instituição financeira 
(SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, REsp 1.881.453- RS, 2021, p. 5). 
No corpo da decisão, o Min. Marco Aurélio Belizze, com espeque em Sérgio 
Cavalieri Filho, expõe a respeito da conceituação dos danos morais, de modo a impossibilitar 
a confusão de “mero dissabor, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada” com o ato ilícito 
em questão. Assim, ele reforça o entendimento da Corte, cujo fundamento se mantém na 
ideia de que o dano moral se caracteriza com a dor, o sofrimento e a humilhação que fogem 
à normalidade e, desse modo, submetem o indivíduo a angústias e aflições que ultrapassam 
a razoabilidade. 
O jurista ressalta, ainda, que, para alcançar a obrigação de indenizar, é insuficiente o 
ofendido demonstrar ao Juízo sua dor, pois também será necessária a apresentação dos três 
elementos essenciais à responsabilização civil: dano, ilicitude e nexo causal. Com isso, seja 
nos casos em que o dano é presumido (in re ipsa), seja nas ocasiões em que não o é, deve a 
parte deve provar a existência do dano moral. 
Nessa perspectiva, embora, no ordenamento jurídico brasileiro, não conste a previsão 
dos fatos dignos de indenização moral, a Corte do STJ definiu os casos enquadrados no dano 
moral in re ipsa, são eles: 
 
 
Temas Referência 
Inscrição indevida em cadastro de proteção 
ao crédito ou protesto irregular de título 
REsp 1.059.663/MS, Relatora a Ministra 
Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado 
em 2/12/2008, DJe 17/12/2008 
Publicação não autorizada de imagem de 
pessoa com fins econômicos ou comerciais 
Súmula 403 
 
Uso indevido de marca 
REsp n. 1.327.773/MG, Relator o Ministro 
Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, 
julgado em 28/11/2017, DJe 15/02/2018 
Importação de produtos falsificados, ainda 
que não exibidos no mercado consumidor 
REsp n. 1.535.668/SP, Relatora a Ministra 
Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado 
em 15/9/2016, DJe 26/9/2016 
 
Violência doméstica contra a mulher 
REsp n. 1.675.874/MS, Relator o Ministro 
Rogerio Schietti Cruz, Terceira Seção, 
julgado em 28/2/2018, DJe 8/3/2018 
 
Morte de parente do núcleo familiar 
REsp n. 1.270.983/SP, Relator o Ministro 
Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, 
julgado em 8/3/2016, DJe 5/4/2016 
 
Agressão física e verbal a criança 
REsp n. 1.642.318/MS, Relatora a Ministra 
Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado 
em 7/2/2017, DJe 13/2/2017 
 
 
É posto, então, alguns precedentes relevantes à discussão do caso escolhido para este 
estudo, de modo a reforçar a tese defendida pelo relator. Toda a jurisprudência apresentada 
consente nos termos da ausência de danos extrapatrimoniais em situações em que há simples 
frustração de expectativa ou aborrecimento, como na ocorrência de descumprimento 
contratual. À título de exemplo, tem-se o REsp n. 1.573.945/RN, Relator o Ministro Marco 
Buzzi, Quarta Turma, REsp n. 1.642.314/SE, Relatora a Ministra Nancy Andrighi, Terceira 
Turma e o AgRg no AREsp n. 570.086/PE, Relator o Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, 
Terceira Turma. 
Com a decisão, fica estabelecido o afastamento da circunstância específica o dano 
moral. Além disso, a tese firmada pela Segunda Seção da Corte Superior é a de que: 
O atraso, por parte de instituição financeira, na baixa de gravame de alienação 
fiduciária no registro de veículo não caracteriza, por si só, dano moral in re ipsa. 
2 COMENTÁRIOS À DECISÃO 
A partir do exposto a respeito da decisão, apresenta-se uma análise do inteiro teor do 
acórdão, em vista de compreender os termos e inclinações nele presentes, além, claro, de 
evidenciar e complementar o conteúdo com algumas doutrinas recentes. 
2.1 Dano moral: sua caracterização enquanto ofensa aos direitos da personalidade 
É certo que, para que haja indenização ou ressarcimento é necessário, sobretudo, que 
haja dano, seja ele patrimonial ou extrapatrimonial. Este requisito assim se faz pois não há 
responsabilização civil sem dano, cabendo o ônus da prova ao autor da demanda (TARTUCE, 
2021, p. 840). Nessa conjuntura, fala-se, então, em danos morais e materiais, a depender do 
objeto de afetação, seja ele o patrimônio do indivíduo ou não. 
O art. 5º, V e X, do texto constitucional dispõem a esse respeito: 
V - É assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além de 
indenização por dano material, moral, ou à imagem; 
[...] 
X - São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, 
assegurado o direito de indenização pelo dano material ou moral decorrente de 
sua violação. (BRASIL, 1988) 
No que concerne à legislação infraconstitucional, observa-se, no Código Civil, 
dispositivo também relevante às considerações deste trabalho: 
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou 
imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente 
moral, comete ato ilícito (BRASIL, 2002). 
Segundo Flávio Tartuce, grande parte dos doutrinadoresbrasileiros consentem quanto 
à determinação do dano moral como aquele que lesa os direitos da personalidade, isto é, 
aqueles intransponíveis e inerentes à pessoa humana. Sendo assim, a indenização por danos 
morais não busca a reparação do ato, mas sim uma amenização das consequências, não se 
trata de um ressarcimento, como nos danos materiais, mas sim uma reparação (TARTUCE, 
2021, p. 847). 
No caso apresentado, nota-se essa ideia no texto da decisão do relator, quando, 
amparado em Arnaldo Rizzardo, ele descreve os danos morais como aqueles que afetam 
valores eminentemente morais e espirituais, como “a honra, a paz, a liberdade física, a 
tranquilidade de espírito, a reputação, etc” (RIZZARDO, 2013, p. 233 apud BELIZZE, 
Recurso Especial nº 1.881.453-RS, 2021). 
Desse modo, ele atribui ao dano a conceituação adotada pela Corte Superior, a qual 
se dá nos seguintes termos: 
O dano moral pode ser definido como lesões a atributos da pessoa, enquanto ente 
ético e social que participa da vida em sociedade, estabelecendo relações 
intersubjetivas em uma ou mais comunidades, ou, em outras palavras, são 
atentadas à parte afetiva e à parte social da personalidade (BELIZZE, Recurso 
Especial nº 1.881.453-RS, 2021) 
A partir disso, infere-se o dano moral como uma ofensa aos atributos da personalidade 
de um indivíduo, de modo a interferir profundamente em seu comportamento psicológico e 
causar angústias, aflições e desequilíbrio. O dano in re ipsa se enquadra quando, nesses casos, 
o dano pode ser presumido, bastando somente a comprovação do ato ilícito. Assim, surge a 
necessidade imediata de reparação pela ofensa, sem análises subjetivas. 
À vista disso, a demora na baixa do gravame, assim como o descumprimento 
contratual de um prazo, não constitui ofensa suficiente ao indivíduo para que isso se 
caracterize como danos morais. Seria preciso comprovar uma ofensa capaz de atingir a esfera 
da dignidade da pessoa humana. Nota-se, por sua vez, uma fonte de aborrecimentos e 
dissabores, sem maiores prejuízos para a vida social e pessoal do recorrente. 
O gravame constitui empecilho para a venda do veículo, acarretando possíveis danos 
patrimoniais ao ofendido, caso assim fosse provado nos autos. Contudo, uma vez não 
reclamado esse aspecto, nenhum dano, patrimonial ou extrapatrimonial, pode ser deferido. 
REFERÊNCIAS 
BRASIL. Código Civil. Lei n. 10. 406, 10 de janeiro de 2002. 
BRASIL. Constituição Federal. 1988. 
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso especial. Processual civil. Ação de 
indenização. Alienação fiduciária. Demora na baixa de gravame do veículo. Dano moral não 
presumido. Decurso especial conhecido e desprovido. Recurso Especial n. 1.881.453-RS. Fábio 
André Schilling e BV Financeira S.A. Crédito Financiamento e Investimento. Relator: Min. 
Marco Aurélio Belizze. Julgado em: 30 nov. 2021. 
TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: volume único. 11. ed. Editora forense/ 
Método: Rio de Janeiro. 2021.

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