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@dicasexconcurseira 1 DIREITOS HUMANOS @dicasexconcurseira 2 MÓDULO I Aula Introdutória.............................................................................................................................................................................05 Aula 01 – Teoria geral dos direitos humanos: conceito, terminologia, estrutura normativa e fundamentação dos direitos humanos...........................................................................................................................................................................................05 Aula 02 - Teoria geral dos direitos humanos: fontes, classificação, princípios de interpretação dos tratados de direitos humanos e características dos direitos humanos no Direito Internacional......................................................................................................08 Aula 03 - Teoria geral dos direitos humanos: evolução histórica dos direitos humanos, antecedentes do Direito Internacional dos Direitos Humanos e os três eixos da proteção internacional dos direitos humanos........................................................................13 Aula 04 - Introdução aos sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos.....................................................................19 Aula 05 - A evolução histórica, arquitetura normativa e estrutura da Organização das Nações Unidas (ONU)...............................22 Aula 06: Sistema global de proteção dos direitos humanos: mecanismos convencionais e extraconvencionais de proteção dos direitos humanos...............................................................................................................................................................................27 Aula 07: Principais aspectos da Declaração Universal dos Direitos Humanos..................................................................................35 Aula 08: Principais aspectos do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e seus dois protocolos facultativos................41 Aula 09: Principais aspectos do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e seu protocolo facultativo..46 Aula 10: Principais aspectos dos tratados temáticos/especiais do sistema global (discriminação racial, mulheres, tortura, crianças, etc) ....................................................................................................................................................................................49 Aula 11: Sistema interamericano de proteção dos direitos humanos: evolução história e surgimento dos subsistemas da OEA e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CADH) .............................................................................................................56 Aula 12: Sistema interamericano de proteção dos direitos humanos: a Comissão Interamericana de Direitos Humanos..............60 Aula 13: A Corte Interamericana de Direitos Humanos....................................................................................................................68 Aula 14: Jurisdição consultiva da Corte Interamericana de Direitos Humanos................................................................................75 Aula 15: Jurisdição contenciosa da Corte Interamericana de Direitos Humanos.............................................................................83 Aula 16: O processo de apuração de responsabilidade internacional do Estado na Comissão Interamericana de Direitos Humanos...........................................................................................................................................................................................86 Aula 17: Medidas de urgência no sistema interamericano...............................................................................................................93 Aula 18: Sistema interamericano de proteção dos direitos humanos: Direitos humanos e acesso à justiça, 100 Regras de Brasília, valorização da Defensoria Pública pela OEA e Defensoria Pública Interamericana..........................................................................97 Aula 19: Sistema europeu de proteção dos direitos humanos.......................................................................................................104 Aula 20: Sistema africano de proteção dos direitos humanos e a proteção dos direitos humanos na Ásia e nos países árabes...107 Aula 21: Tribunal Penal Internacional (TPI) ....................................................................................................................................109 Aula 22: Controle de Convencioanlidade........................................................................................................................................125 Aula 23: Direitos humanos na CF/88: federalização de crimes contra os direitos humanos, processo de incorporação dos tratados internacionais de direitos humanos e hierarquia normativa desses tratados................................................................................128 Aula 24: Política Nacional de Direitos Humanos, Programas Nacionais de Direitos Humanos, Conselho Nacional de Direitos Humanos e Instituição Nacional de Direitos Humanos de acordo com os Princípios de Paris........................................................136 @dicasexconcurseira 3 Aula 25: Formas de reparação e execução de decisões oriundas de tribunais internacionais de direitos humanos no Brasil......140 Aula 26: Direitos humanos dos grupos vulneráveis........................................................................................................................146 MÓDULO II Aula 01: Casos contra o Brasil no sistema interamericano e no sistema global de proteção de direitos humanos......................158 Aula 02: Opiniões Consultivas mais importantes da Corte Interamericana de Direitos Humanos................................................166 Aula 03: Casos mais importantes da Corte Interamericana de Direitos Humanos........................................................................198 Aula 04: Decisões do Tribunal Penal Internacional........................................................................................................................204 EXTRAS Revisão Final DPE/SP Aula 01: Teoria geral dos direitos humanos. Fontes, classificação, princípios e características do DIDH. Interpretação das normas de direitos humanos. Suspensão e restrição de direitos humanos e suas limitações pelo DIDH...................................................206 Aula 02: Direitos humanos em espécie. Declarações, tratados/convenções e seus protocolos relativos a direitos humanos da ONU (sistema global) e da OEA (sistema interamericano. Processo internacional de direitos humanos.......................................211 Aula 03: Direitos humanos e desenvolvimento. Metas de desenvolvimento do Milênio. Agenda 2030 da ONU e objetivos de desenvolvimento sustentável. Investimentos internacionais de direitos humanos. Informe da Comissão Interamericana de Direitos Humanos sobre Pobreza e Direitos Humanos nas Américas.............................................................................................216 Direitos humanos e empresas. Vinculação de particulares a normas e standards internacionais de direitos humanos. Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos das Nações Unidas (Princípios Ruggie). Obrigações de proteger, respeitar e reparar. Direito Internacional dos Refugiados. Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados. Protocolo sobre o Estatuto dos Refugiados Aula 04: Direitos Humanos e ordenamento jurídico brasileiro. Incorporação de tratados internacionais de proteção dos direitos humanos ao Direito brasileiro. Posição hierárquica dos tratados internacionaisde direitos humanos no Direito interno e teorias subjacentes. Execução de decisões oriundas de órgãos internacionais de direitos humanos no Brasil. Diálogo das Cortes. Controle de convencionalidade. Direitos humanos e acesso à justiça............................................................................................220 Revisão Final DPE/MG Aula 01: Os fundamentos filosóficos dos direitos humanos + A evolução histórica dos direitos humanos + Classificação + Princípios ou características............................................................................................................................................................223 Aula 02: Princípios de interpretação dos tratados + Sistema global de proteção dos direitos humanos.......................................225 Aula 03: Sistema global de proteção dos direitos humanos...........................................................................................................226 Aula 04: Sistema interamericano de proteção dos direitos humanos + Incorporação dos tratados internacionais de proteção dos direitos humanos ao direito brasileiro + Posição hierárquica dos tratados internacionais de direitos humanos + A execução das decisões oriundas de tribunais internacionais de direitos humanos no Brasil + Controle de convencionalidade..........................230 Aula 05: Direitos humanos e acesso à justiça: Defensoria Pública Interamericana........................................................................234 Aula 06: Revisão de jurisprudência internacional de Direitos Humanos: 20 dicas.........................................................................238 @dicasexconcurseira 4 Revisão Final DP/DF Aula 01: Os fundamentos filosóficos dos direitos humanos; A evolução histórica dos direitos humanos; Classificação; Princípios ou características.............................................................................................................................................................................241 Aula 02: Federalização dos crimes contra os direitos humanos; A incorporação dos tratados internacionais de proteção de direitos humanos ao direito brasileiro; A posição hierárquica dos tratados internacionais de direitos humanos em face da CF; Formação e estrutura do sistema global.........................................................................................................................................243 Aula 03: Declaração Universal de Direitos Humanos; Aspectos relevantes de tratados do sistema global; Formação e estrutura do sistema interamericano; Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH); Corte Interamericana de Direitos Humanos...245 Aula 04: Defensores Interamericanos; Tratados do sistema interamericano mencionados no edital; O controle de convencionalidade; A execução de decisões oriundas de tribunais internacionais de direitos humanos no Brasil.......................250 Pessoal, este material foi feito com base no Curso de Direitos Humanos do Prof. Caio Paiva, do curso CEI, do ano de 2019. Foi copiado integralmente o material de aula que o professor disponibilizou aos alunos e acrescentados alguns comentários pessoais, tabelinhas e esqueminhas. As partes que eu colori são as mais importantes! Na parte “EXTRAS” (Revisão DPE/SP, Revisão DPE/MG e Revisão DP/DF), foi apenas copiado e colado o material que o professor disponibilizou na plataforma do aluno. @dicasexconcurseira 5 MÓDULO I Aula Introdutória Bibliografia 1. Trilogia do Prof. André Carvalho Ramos – são os livros: Teoria Geral dos Direitos Humanos na ordem jurídica internacional; Curso de Direitos Humanos; e Processo Internacional de Direitos Humanos. 2. Curso de Direitos Humanos, de Aline Albuquerque e Alessia Barroso. 3. Jurisprudência Internacional de Direitos Humanos, do Prof. Caio Paiva. Aula 01 Teoria Geral dos Direitos Humanos: conceito, terminologia, estrutura normativa e fundamentação dos direitos humanos Conceito O professor Caio Paiva identifica duas técnicas para conceituar os “direitos humanos”. A primeira técnica é generalista, a qual não diferencia os “direitos humanos” dos “direitos fundamentais”. Para a técnica generalista, os direitos humanos seriam o conjunto de normas essenciais para consecução de uma vida digna, independentemente de qualquer condição. Para a técnica específica – adotada pelo prof. Caio Paiva -, deve-se diferenciar os “direitos humanos” dos “direitos fundamentais”, seja porque os mecanismos de proteção são diferentes, seja porque o direito internacional dos direitos humanos é um ramo autônomo frente ao direito constitucional. Para a técnica específica, portanto, os direitos humanos seriam apenas aqueles direitos também essenciais para a consecução de uma vida digna, porém previstos em documentos internacionais de proteção. Conceito de direitos humanos adotado pelo prof. Caio Paiva: direitos humanos são o conjunto de direitos previstos em instrumentos internacionais* que proporcionam a todos os seres, independentemente de qualquer condição*, a base essencial* para que tenham uma vida digna e para que se protejam contra violações praticadas ou toleradas pelo Estado*. Destrinchando o conceito do prof. Caio Paiva: * filiação à técnica específica; * os direitos humanos são incondicionais: independem de raça, etnia, gênero; * “a base essencial”: nem todo direito que é essencial para a pessoa é um direito humano; mas apenas a base essencial, o mínimo. Por isso, veremos que há uma diferença entre a expansão dos direitos fundamentais e dos direitos humanos. PERGUNTA DE PROVA – Qual é a proteção mais ampla: a dos direitos humanos ou dos direitos fundamentais? Veremos isso daqui a pouco. * Quando um cidadão pratica um crime de homicídio contra outrem, nós não temos uma violação de direitos humanos. Haverá violação a direitos humanos se, nesse mesmo exemplo, um agente do Estado mata um civil. Terminologias É comum, nesta parte introdutória, os livros fazerem uma comparação entre a expressão “direitos humanos” e outras expressões que apareceram na história da proteção dos direitos mais essenciais à vida humana. A expressão “direitos fundamentais” surgiu no contexto da proteção nacional dos direitos humanos (enquanto “direitos humanos” se refere à proteção internacional). A expressão “direitos do homem”, que constava em algumas declarações, como a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão da França de 1889, a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem de Bogotá de 1948 e ainda consta na Convenção Europeia de Direitos do Homem de 1950. Após a Declaração Universal de Direitos Humanos (DUDH), que será objeto de aula específica, a expressão “direitos do homem” foi evitada, pois ela revelaria uma feição sexista ou de violação de gênero, que excluía os direitos das mulheres. As expressões “liberdades públicas” e “liberdades fundamentais” são mais utilizadas pela doutrina francesa, que prioriza os direitos de primeira geração. A expressão “direitos humanos fundamentais” segue a técnica generalista de conceituação dos “direitos humanos”. A doutrina e a jurisprudência não obedecem a um rigor metodológico ao se referir aos “direitos humanos”. É perfeitamente possível encontrar as expressões “direitos fundamentais” e “direitos humanos fundamentais” em tratados internacionais de direitos humanos. Assim como também às vezes usamos a expressão “direitos humanos” para nos referir à @dicasexconcurseira 6 proteção nacional dos direitos fundamentais. Não há, na estrutura nacional de proteção dos direitos humanos, um “Ministério dos Direitos Fundamentais”, mas sim um “Ministério de Direitos Humanos”. Não há, no Congresso Nacional, uma Comissão de Estudos dos Direitos Fundamentais, mas sim uma Comissão Temática de DireitosHumanos. Aqui, como estamos em curso, é necessário fazer essa diferenciação. Bem, mas retomando àquela pergunta... Qual proteção é a mais ampla: a dos direitos humanos ou dos direitos fundamentais? Caio Paiva recomenda a busca, no google, de um texto do prof. Ingo Sarlet onde o autor diferencia os direitos humanos dos direitos fundamentais e aborda justamente essa questão da amplitude da proteção. Se nós analisarmos essa pergunta sob o ponto de vista territorial, não há a menor dúvida de que a proteção mais ampla é a dos direitos humanos. No entanto, no caráter material, a proteção dos direitos fundamentais é mais ampla que a dos direitos humanos, especialmente no Brasil, porque temos uma Constituição prolixa. Fundamentação dos direitos humanos Quando nós falamos em “fundamentação”, estamos buscando uma fonte legitimadora dos direitos humanos. Há diversas teorias que tentam fundamentar a existência dos direitos humanos – muitas delas com vários sub-ramos. Para os fins deste curso, iremos focas nas principais teorias, que são 3: negacionista, jusnaturalista e positivista. 1. Teoria negacionista: nega qualquer possibilidade de se encontrar um fundamento para os direitos humanos. Prega que é impossível encontrar um fundamento único ou absoluto para os direitos humanos, e isso basicamente em razão de 3 motivos: i. vagueza da expressão “direitos humanos” (pois não há um consenso do que são efetivamente os direitos humanos); ii. variação do conteúdo/catálogo dos direitos humanos; e iii. heterogeneidade (cada região do globo terrestre prestigia um determinado bloco de direitos humanos). O principal defensor dessa teoria é o jusfilósofo Noberto Bobbio, que disse “o problema mais grave do nosso tempo com relação aos direitos humanos não é mais o de fundamentá-los e, sim, o de protegê-los”. 2. Teoria jusnaturalista: para esta teoria, o ser humano possui direitos naturais, anteriores e superiores ao Estado. Divide-se em duas vertentes: i. Escola de Direito Natural de Razão Divina: os direitos humanos vêm de Deus; ii. Escola de Direito Natural Moderno: os direitos humanos são inerentes à condição do ser humano (OBS: quando a Declaração Universal diz que o ser humano nasce portando direitos e deve ser livre e ter dignidade, ela está se valendo da Escola de Direito Natural Moderno). Há alguns pontos frágeis da teoria jusnaturalista: i. impossibilidade de comprovação empírica ou teórica dos direitos naturais, pois é absolutamente impossível comprovar o que diz qualquer uma dessas Escolas supracitadas. ii. dificuldade em explicar a imutabilidade dos direitos naturais em razão da constante alteração do conteúdo dos direitos essenciais ao indivíduo no decorrer dos séculos. 3. Teoria positivista: a fundamentação dos direitos humanos somente pode ser encontrada nos documentos internacionais de proteção (tratados, convenções, declarações, normas de natureza soft law, etc). Há algumas críticas à teoria positivista, dentre elas a dificuldade de promover a observância da proteção dos direitos humanos em Estados que tenham se recusado a assinar, ratificar e incorporar à ordem jurídica interna os tratados que os preveem. QUESTÕES Sobre o conceito de direitos humanos, julgue os dois itens a seguir: 1. Conforme o entendimento majoritário na doutrina, as expressões direitos humanos e direitos fundamentais devem ser consideradas sinônimas. ( ) CERTO ( ) ERRADO 2. Para Paulo Bonavides, os direitos decorrentes da globalização política (democracia, informação, pluralismo etc.) são de quarta geração. ( ) CERTO ( ) ERRADO @dicasexconcurseira 7 3. Karel Vasak é considerado o principal expoente da teoria negacionista, segundo a qual é impossível encontrar um fundamento único ou absoluto para os direitos humanos. ( ) CERTO ( ) ERRADO 4. Critica-se a teoria jusnaturalista pela sua dificuldade em explicar a imutabilidade dos direitos naturais em razão da constante alteração do conteúdo dos direitos essenciais ao indivíduo ao longo dos séculos. ( ) CERTO ( ) ERRADO GABARITO 1 ERRADO 2 ERRADO 3 ERRADO 4 CERTO @dicasexconcurseira 8 Aula 02 Teoria geral dos direitos humanos: fontes, classificação, princípios de interpretação dos tratados de direitos humanos e características dos direitos humanos no Direito Internacional Fontes É um assunto mais próximo do direito internacional público do que especificamente dos direitos humanos. Nossa abordagem, aqui, será muito objetiva, pois não vale a pena o aprofundamento. Quando falamos em “fontes dos direitos humanos”, estamos perguntando “de onde os direitos humanos vêm?” ou “como nascem os direitos humanos?”. O estudo a respeito das fontes dos direitos humanos é encontrado no Estatuto da Corte Internacional de Justiça. As fontes dos direitos humanos são as mesmas fontes do direito internacional público. Estatuto da Corte Internacional de Justiça Artigo 38 A Corte, cuja função é decidir de acordo com o direito internacional as controvérsias que lhe forem submetidas, aplicará: a. as convenções internacionais, quer gerais, quer especiais, que estabeleçam regras expressamente reconhecidas pelos Estados litigantes; b. o costume internacional, como prova de uma prática geral aceita como sendo o direito; c. os princípios gerais de direito, reconhecidos pelas nações civilizadas; d. sob ressalva da disposição do Artigo 59, as decisões judiciárias e a doutrina dos juristas mais qualificados das diferentes nações, como meio auxiliar para a determinação das regras de direito. Neste artigo 38, encontramos: 1. Fontes primárias: convenções internacionais, costume internacional e os princípios gerais do direito; 2. Fontes secundárias: decisões judiciais (jurisprudência internacional) e doutrina. OBS: não há hierarquia entre as fontes. a. Convenções/tratados internacionais: é a fonte mais segura do direito internacional. Vejamos o conceito de “tratado” trazido pela Convenção de Viena: Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados Artigo 2 Expressões Empregadas 1. Para os fins da presente Convenção: a)“tratado” significa um acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo Direito Internacional, quer conste de um instrumento único, quer de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja sua denominação específica*; * Pois o nome “tratado” não é a única expressão utilizada para designar um instrumento internacional de natureza vinculante. Também se utilizada, além de “tratado”, o termo “convenção”. Em outras ocasiões, também se utiliza a expressão “protocolo”, que também designa um tratado internacional de natureza vinculante. No entanto, o termo “protocolo” tem sido utilizado para expressar um documento adiciona, ou seja, um tratado anexo a um tratado. Outra expressão que também designa um tratado de natureza vinculante é “pacto”. Assim, são termos equivalentes a “tratados” e que também possuem natureza vinculante: convenção, protocolo e pacto. OBS: o termo “declaração” tem sido utilizado para designar um documento internacional SEM força vinculante (documento soft law). Exs: a Declaração Universal e a Declaração dos Direitos e Deveres do Homem. PERGUNTA DE PROVA: O que significa o regime objetivo dos tratados internacionais de direitos humanos? Significa que os tratados internacionais de direitos humanos não contam com um caráter sinalagmático dos tratados ordinários do direito internacional, ou seja, não há um acordo de vontades entre os Estados contratantes. O país/Estado quando adere a um tratado internacional de direitos humanos, contrai algumas obrigações, mas não passa a ter nenhum benefício subjetivo, por isso não há um caráter subjetivo nos tratados internacionais de direitos humanos (TIDH), mas, sim, um regime objetivo. b.Costume internacional: prática generalizada dos Estados aceita como sendo de direito (artigo 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça). @dicasexconcurseira 9 A partir deste conceito, podemos dividi-lo em dois elementos: 1º - Elemento objetivo: “prática generalizada” 2º - Elemento subjetivo: crença de essa prática é obrigatória. OBS: o costume internacional não precisa ser internalizado através de um rito formal (como ocorre com os tratados). PERGUNTA DE PROVA: Existe a possibilidade de o Estado não obedecer a um costume internacional? Em regra, sim. Há um conceito no direito internacional e no direito internacional dos direitos humanos que diz que o objetor persistente (o Estado, na ordem jurídica internacional, quando se opõe explicitamente e reiteradamente no processo de formação daquele costume internacional) pode – segundo a doutrina majoritária e a jurisprudência internacional majoritária -, no futuro, descumprir aquele costume internacional, porque ele foi um Estado objeto persistente. Porém, é indutivo que há um núcleo intangível do costume internacional que o Estado, enquanto objetor persistente, não pode desobedecer – e que diz respeito justamente às normas de jus cogens. As normas de jus cogens são consideradas uma subcategoria do direito consuetudinário. Explicando: existem as normas do costume internacional (também chamadas de normas consuetudinárias) e dentro dessas normas (que já são muito relevantes), há uma categoria com um núcleo ainda mais poderoso, que são as chamadas normas de jus cogens, normas imperativas. Quanto a essas normas, nenhum Estado pode desobedecer. Não existe um catálogo explícito de quais sejam as normas de jus cogens. Estas são resultado de decisões judiciais constantes. Exemplo de norma de jus cogens: o direito de não ser torturado. A Corte Interamericana já chegou a reconhecer, inclusive, o acesso à justiça pelos necessitados como uma norma de jus cogens. Há uma crítica por parte da doutrina, que afirma que esse rol de normas jus cogens deveria ser melhor especificado. c. Princípio gerais de Direito: são as normas de caráter mais genérico e abstrato que incorporam as concepções fundamentais da maioria dos sistemas jurídicos mundiais, sendo exemplos pertinentes ao Direito Internacional dos Direitos Humanos a proteção da dignidade da pessoa humana, o pacta sunt servanda, a boa-fé, o devido processo legal etc. d. Decisões judiciais e doutrina dos publicistas: decisões judiciais são as sentenças, resoluções, recomendações, comentários gerais, entre outros provimentos emanados de órgãos judiciais ou quase-judiciais internacionais, podendo compreender também a jurisprudência nacional. A doutrina dos publicistas mais qualificados, naturalmente, não é qualquer doutrina, mas somente aquela com vocação e reconhecimento internacional, escrita por autor experiente e academicamente inserido nos mais diversos foros de discussão. No Brasil, pode-se citar a doutrina de Antônio Augusto Cançado Trindade. Classificações Há, basicamente, duas principais classificações em matéria de direito internacional de direitos humanos, quais sejam: 1. A classificação dos direitos humanos em gerações/dimensões: proposta, incialmente, por um jurista internacionalmente conhecida – Karel Vasak, em Conferência proferia no Instituto Internacional de Direitos Humanos de Estrasburgo, Francça, em 1979. Nessa Conferência, Karel Vasak, inspirado nos ideiais da revolução francesa, classificou os direitos humanos em 3 gerações: 1ª Geração: direitos de liberdade. Exigem uma prestação negativa por parte do Estado. Ex: direito à vida; 2 Geração: direitos de igualdade. São os direitos econômicos e sociais de um modo geral. 3ª Geração: direito de fraternidade/solidariedade. Essa doutrina foi, depois, incorporada por, ao menos, mais duas outras gerações. Para Paulo Bonavides, existiriam a 4ª e 5ª gerações. Segundo o autor, os direitos de 4ª geração decorreriam da globalização política (exemplo: direito à democracia) e os direitos de 5ª geração decorreriam do direito à paz (que, na classificação de Vasak, integra a terceira geração). A classificação dos direitos humanos em gerações recebe diversas críticas da doutrina, sendo essas as principais: i. transmite a ideia de que uma geração substitui a anterior; ii. transmite uma ideia equivocada de historicidade das gerações (no Direito Internacional dos Direitos Humanos, por exemplo, os direitos de segunda geração foram positivados antes dos direitos de primeira geração, nas Convenções da OIT); iii. favorece a fragmentação dos direitos humanos, em ofensa à indivisibilidade; iv. ignora novas interpretações sobre o conteúdo dos direitos (exemplo: os direitos de primeira geração também exigem prestações positivas dos Estados, não se podendo falar em direito à vida – digna – sem saúde, moradia, educação etc.). 2. A classificação conforme o Direito internacional de Direitos Humanos: no Direito Internacional dos Direitos Humanos, principalmente em decorrência do conflito ideológico no contexto da Guerra Fria entre os blocos capitalista e socialista, @dicasexconcurseira 10 não foi possível a elaboração de um tratado (logo, com natureza vinculante) que protegesse todas as espécies de direitos humanos. Por isso, os direitos humanos foram classificados – e separados – em dois blocos: de um lado, os direitos civis e políticos, e de outro, os direitos econômicos, sociais e culturais. Princípios de interpretação dos tratados de direitos humanos A Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados (CVDT) apresenta uma regra geral de interpretação dos tratados, prevendo em seu art. 31.1 que todo tratado deve ser interpretado: a) de boa-fé; b) conforme o sentido comum atribuível aos seus termos (interpretação gramatical ou semântica); c) levando-se em conta o seu contexto (interpretação sistemática); e d) à luz do seu objetivo e da sua finalidade (interpretação teleológica). O art. 32 da CVDT ainda prevê meios suplementares de interpretação dos tratados, a fim de confirmar o sentido de suas disposições, como, por exemplo, o recurso aos trabalhos preparatórios e às circunstâncias de sua conclusão. A partir da regra geral prevista na CVDT, a doutrina e a jurisprudência (internacional) desenvolveram princípios ou métodos específicos para interpretação dos tratados de direitos humanos, entre os quais destaco os seguintes: 1. Princípio pro homine ou pro persona. O princípio pro homine ou pro persona – como preferem alguns autores, para evitar uma distinção de gênero – decorre do regime objetivo ou uniliteral dos tratados de direitos humanos, em que não vigora a lógica da reciprocidade entre Estados, mas sim a proteção dos direitos da pessoa humana. Por isso, o princípio pro persona indica que a interpretação dos tratados de direitos humanos deve sempre ter como objetivo a proteção da pessoa. ATENÇÃO! Como consequência do princípio pro persona, tem-se o subprincípio da primazia da norma mais favorável, seja ela um produto do direito nacional ou do direito internacional. Outro subprincípio do princípio pro persona é o da máxima efetividade (também conhecido por effet utile), segundo o qual, deparando-se com duas ou mais interpretações a respeito de norma prevista em tratado de direitos humanos, o intérprete deve preferir a que mais proteja e efetive os direitos humanos. 2. Princípio da eficácia direta ou da autoexecutoriedade. Os tratados de direitos humanos são autoexecutáveis, de modo que os Estados não podem alegar a ausência de regulamentação interna para descumpri-los. No Brasil, cito como exemplo a discussão envolvendo a audiência de custódia, em que um setor expressivo da doutrina e da jurisprudência defendia que o art. 7.5 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, ao prever que toda pessoa presa deve ser conduzida sem demora à presença de uma autoridade judicial, para ser aplicado no Brasil,precisaria de regulamentação interna. Essa interpretação ofende o princípio da eficácia direta ou da autoexecutoriedade dos tratados e felizmente não foi acolhida pelo STF. 3. Princípio da interpretação autônoma. Os tratados de direitos humanos são produzidos levando-se em conta distintas realidades nacionais, o que pode fazer com o que o resultado normativo alcance um sentido próprio, nem sempre em conformidade com o direito interno de determinado país. Por isso, os termos constantes de tratados de direitos humanos devem ser interpretados de forma autônoma, e não conforme o direito interno. Ex: a expressão “comprovação legal da culpa”, presente da Convenção Americana – enquanto na CF/88, para se comprovar definitivamente a culpa, deve-se aguardar o trânsito em julgado, nos tratados internacionais não vemos essa exigência de se aguardar o trânsito em julgado. Será que o Estado brasileiro pode se aproveitar dessa expressão “comprovação legal da culpa” para dizer que, no direito brasileiro, ela equivale ao trânsito em julgado? Para Caio Paiva, não. Se o Brasil fizesse isso, ele não estaria cumprindo o princípio da interpretação autônoma. Quando a Convenção Americana prevê “comprovação legal da culpa”, houve uma construção de sentido, a partir de todos os Estados que participaram da confecção da Convenção Americana, de modo que “comprovação legal da culpa” não se confunde com trânsito em julgado, mas sim o respeito ao duplo grau de jurisdição. Porém, pode-se ainda afirmar que a necessidade de aguardar o trânsito em julgado é uma norma jurídica mais favorável à pessoa (princípio pro persona). Ocorre que o princípio pro persona assume uma acepção dinâmica, de modo que, às vezes, ele pode beneficiar a vítima da violação ao direito humano (ex: a vítima de um crime), mas, em outros momentos, este princípio pode beneficiar a pessoa acusada de um crime. Caio Paiva entende que este é um tema interessantíssimo: quem é a persona do princípio pro persona no caso do contexto do processo criminal? É o réu ou é a vítima do crime? Não há uma resposta 100% clara. E também é um assunto que ainda não foi enfrentado devidamente pela doutrina nem pela jurisprudência internacional. 4. Princípio da interpretação evolutiva ou dinâmica. Pelo princípio da interpretação evolutiva ou dinâmica, os tratados de direitos humanos devem ser interpretados de acordo com a realidade e com o sistema jurídico no momento de sua aplicação (e não, portanto, segundo o que vigorava no momento de sua aprovação). A partir desse princípio, os tribunais internacionais têm decidido que os tratados de direitos humanos são “instrumentos vivos”. @dicasexconcurseira 11 5. Teoria da margem de apreciação. Conforme a lição de André de Carvalho Ramos, “Essa tese [da teoria da margem de apreciação] é baseada na subsidiariedade da jurisdição internacional e prega que determinadas questões polêmicas relacionadas com as restrições estatais a direitos protegidos devem ser discutidas e dirimidas pelas comunidades nacionais, não podendo o juiz internacional apreciá-las. Assim, caberia, a princípio, ao próprio Estado estabelecer os limites e as restrições ao gozo de direitos em face do interesse público” (Teoria Geral..., p. 73). Trata-se de um princípio de interpretação utilizado com frequência pela Corte Europeia de Direitos Humanos e mais excepcionalmente pela Corte Interamericana. Características As características dos direitos humanos não nasceram todas de uma só vez, tendo sido resultado de um processo histórico – ainda em curso, de afirmação e consolidação dos direitos humanos nos mais diversos ambientes, como, por exemplo, nas grandes conferências (regionais ou mundiais), na positivação em tratados, na construção doutrinária e jurisprudencial etc. 1. Universalidade. A universalidade dos direitos humanos foi ressaltada na aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e posteriormente ratificada nas Conferências Mundiais de Direitos Humanos de Teerã (1968) e de Viena (1993). A característica da universalidade indica que os direitos humanos constituem uma categoria comum a todas as culturas. O universalismo recebe a crítica dos adeptos do relativismo cultural, teoria que defende que a concepção de direitos humanos adotada na Declaração Universal seria ocidental e desconsideraria as diferentes culturas existentes no mundo. Para superar esse – suposto – embate entre universalismo e relativismo cultural, surgiram algumas propostas filosóficas como a de Boaventura de Souza Santos (a hermenêutica diatópica) e a de Herrera Flores (o universalismo de chegada ou de confluência). Boaventura parte da ideia do multiculturalismo e dos valores que devem ser respeitados de cada cultura. Herrera Flores não nega que os direitos humanos possam alcançar a universalidade, mas afirma que esse universalismo não pode ser de partida, e sim de chegada, devendo ser construído democraticamente a partir de diálogos construtivos entre as diferentes culturas. 2. Unidade, indivisibilidade e interdependência. Todos os direitos humanos possuem a mesma hierarquia e a dignidade humana somente é respeitada quando todos os direitos humanos são protegidos. Essas características conjuntas da unidade, indivisibilidade e interdependência foram ressaltadas nas Conferências Mundiais de Direitos Humanos da ONU em Teerã (1958) e em Viena (1993). 3. Indisponibilidade ou irrenunciabilidade. O titular não pode dispor do núcleo essencial ou mínimo dos seus direitos humanos. 4. Inalienabilidade. Os direitos humanos não são objetos de comércio. 5. Limitabilidade ou relatividade. A maioria dos direitos humanos pode ser relativizado, como a liberdade de expressão, a liberdade de locomoção, os direitos políticos etc., havendo, porém, alguns direitos absolutos, como o de não ser torturado ou escravizado. 6. Abertura ou não tipicidade ou inexauribilidade. Há sempre a possibilidade de surgirem novos direitos humanos, não havendo, portanto, um catálogo taxativo. Nesse sentido, prevê a Convenção Americana que “Nenhuma disposição desta Convenção pode ser interpretada no sentido de excluir outros direitos e garantias que são inerentes ao ser humano ou que decorrem da forma democrática representativa de governo” (art. 29.c), e a CF, igualmente, dispõe que “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte” (art. 5º, §2º). 7. Historicidade. Os direitos humanos resultam de um processo histórico em que, gradativamente, por meio de lutas, foram sendo conquistados. Essa característica colide com a tese do jusnaturalismo. 8. Imprescritibilidade. A pretensão de respeito aos direitos humanos é imprescritível, mas a pretensão de reparação econômica do dano pode não ser. Já se consolidou na jurisprudência da Corte Interamericana que quando se tratar de crimes que violam gravemente os direitos humanos - como crimes de racismo, desaparecimento forçado de pessoas, tortura, contra a dignidade sexual, etc –, o Estado não pode alegar nenhum obstáculo processual do direito interno para deixar de investigar, processar e, se for o caso, punir os autores das violações aos direitos humanos. 9. Vedação do retrocesso. Os direitos humanos não admitem o regresso, no sentido da diminuição do seu catálogo ou dos meios de proteção. @dicasexconcurseira 12 QUESTÕES 1. O costume não é considerado fonte de criação de direitos humanos. ( ) CERTO ( ) ERRADO 2. Para Paulo Bonavides, os direitos decorrentes da globalização política (democracia, informação, pluralismo etc.) são de quarta geração. ( ) CERTO ( ) ERRADO 3. Uma das críticas dirigidas à teoria das gerações dos direitos humanos diz respeito ao seu equívoco de posteridade das gerações, e isso porque, no Direito Internacional dos DireitosHumanos, a positivação dos direitos de segunda geração ocorreu antes da positivação dos direitos de primeira geração. ( ) CERTO ( ) ERRADO 4. Os tratados internacionais de direitos humanos devem ser interpretados sempre de acordo com a intenção dos seus redatores e não de acordo com o momento da sua aplicação no caso concreto. ( ) CERTO ( ) ERRADO 5. A Corte Interamericana de Direitos Humanos adota excepcionalmente a teoria da margem de apreciação. ( ) CERTO ( ) ERRADO 6. A característica da historicidade dos direitos humanos colide com a teoria jusnaturalista de fundamentação destes direitos. ( ) CERTO ( ) ERRADO GABARITO 1 ERRADO 2 CERTO 3 CERTO 4 ERRADO 5 CERTO 6 CERTO @dicasexconcurseira 13 Aula 03 Teoria geral dos direitos humanos: evolução histórica dos direitos humanos, antecedentes do Direito Internacional dos Direitos Humanos e os três eixos da proteção internacional dos direitos humanos Evolução histórica dos direitos humanos A história dos direitos humanos se confunde com a história da humanidade, o que dificulta – senão inviabiliza – que ela seja contada de forma integral, compreendendo todos os processos de luta até que, em 1948, fosse adotada a Declaração Universal dos Direitos Humanos e estabelecido que “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos” (art. 1º). É por isso que, para facilitar o estudo, a doutrina costuma dividir a evolução histórica dos direitos humanos em fases ou etapas, destacando os seus principais eventos que contribuíram para a afirmação dos direitos humanos. Por considerar a exposição deste tema muito didática, o professor Caio Paiva incluiu no material de aula os quadros sinóticos do livro Curso de Direitos Humanos, do André de Carvalho Ramos. Alerta o prof. que não devemos decorar todas as informações históricas sobre este assunto. Uma leitura repetida desses quadros sinóticos, principalmente antes de uma prova objetiva, pode contribuir bastante para o seu desempenho. Ao invés de decorar tudo sobre cada fase, esforcem-se para compreender a contribuição de cada uma. @dicasexconcurseira 14 @dicasexconcurseira 15 @dicasexconcurseira 16 Precedentes históricos do Direito Internacional dos Direitos Humanos Entre os fatores que propiciaram a internacionalização dos direitos humanos, destacam-se: a) a superação do conceito tradicional e do alcance ilimitado da soberania estatal; e b) a redefinição do status do indivíduo como sujeito de Direito Internacional. Se o Estado é absolutamente soberano e o indivíduo não é considerando sujeito de Direito Internacional, não há condições para se criar um sistema internacional de proteção dos direitos humanos. Alguns precedentes históricos contribuíram decisivamente para que esses fatores surgissem e que, com isso, se edificasse o que conheceríamos após a Segunda Guerra Mundial como Direito Internacional dos Direitos Humanos. Mais remotamente, indica-se a Paz de Westfália como um precedente histórico do DIDH, e isso porque, consistindo numa série de tratados assinados em 1648, encerrou a Guerra dos Trinta Anos (série de guerras que diversas nações europeias travaram entre si a partir de 1618 por vários motivos, como rivalidades religiosas, dinásticas, territoriais e comerciais, com mais de oito milhões de mortos), inaugurando um moderno sistema internacional que tinha como preceitos a soberania, a igualdade jurídica entre os Estados, a territorialidade e a não intervenção. No entanto, são considerados como os precedentes históricos mais importantes para a formação do DIDH: o Direito Humanitário (DH), a Liga das Nações (LN) e a Organização Internacional do Trabalho (OIT). Vejamos cada um desses precedentes históricos. O DIREITO HUMANITÁRIO (ou “Direito Internacional Humanitário”) representa o conjunto de princípios e regras que limitam o recurso à violência em período de conflito armado, possuindo os seguintes objetivos: a) proteger as pessoas que não participam diretamente das hostilidades ou que já deixaram de participar, como os combatentes feridos, os náufragos, os prisioneiros de guerra e os civis; e b) limitar os efeitos da violência nos combates destinados a atingir os objetivos do conflito. A doutrina também o conceitua como sendo “o elemento de direitos humanos do Direito da guerra”, consistindo, portanto, no ramo do DIDH aplicável a conflitos armados internacionais e, em alguns casos, a conflitos armados internos. @dicasexconcurseira 17 O Direito Humanitário possui como fontes o “Direito de Genebra”, que compreende as Convenções e Protocolos internacionais elaborados sob a supervisão do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) e que diz respeito essencialmente à proteção das vítimas de conflitos; o “Direito da Haia”, que diz respeito às convenções adotadas durante as Conferências de Paz realizadas em Haia (Holanda), tendo como preocupação os meios e métodos de guerra autorizados; e o “Direito de Nova Iorque”, que compreende a atuação da ONU com vista a assegurar o respeito pelos direitos humanos em caso de conflito armado e a limitar o recurso a certas armas. Tratando-se do Direito Humanitário, merece destaque o Comitê Internacional da Cruz Vermelha, organização independente e neutra criada em 1863, que, tendo como base as Convenções de Genebra e os seus Protocolos Adicionais, promove o respeito ao Direito Internacional Humanitário e a sua implementação na legislação nacional dos países. Finalmente, no que diz respeito à sua importância como precedente histórico do DIDH, Flávia Piovesan ressalta que “o Direito Humanitário foi a primeira expressão de que, no plano internacional, há limites à liberdade e à autonomia dos Estados, ainda que na hipótese de conflito armado”. Acrescente-se também que o Direito Humanitário contribuiu para a condição do indivíduo como sujeito de Direito internacional, ainda que sem lhe conferir a possibilidade de acessar um sistema internacional para buscar a proteção dos seus direitos humanos ou a reparação pela violação destes. Outro precedente histórico do DIDH foi a LIGA DAS NAÇÕES, a qual, segundo lição de Flávia Piovesan: “A Liga das Nações, por sua vez, veio a reforçar essa mesma concepção, apontando para a necessidade de relativizar a soberania dos Estados. Criada após a Primeira Guerra Mundial, a Liga das Nações tinha como finalidade promover a cooperação, paz e segurança internacional, condenando agressões externas contra a integridade territorial e a independência política dos seus membros. A Convenção da Liga das Nações, de 1920, continha previsões genéricas relativas aos direitos humanos, destacando- se as voltadas ao mandate system of the League, ao sistema das minorias e aos parâmetros internacionais do direito ao trabalho – pelo qual os Estados se comprometiam a assegurar condições justas e dignas de trabalho para homens, mulheres e crianças. Esses dispositivos representavam um limite à concepção de soberania estatal absoluta, na medida em que a Convenção da Liga estabelecia sanções econômicas e militares a serem impostas pela comunidade internacional contra os Estados que violassem suas obrigações. Redefinia-se, desse modo, a noção de soberania absoluta do Estado, que passava a incorporar em seu conceito compromissos e obrigações de alcance internacional no que diz respeito aos direitos humanos”. A história mostra que a Liga das Nações falhou em seus propósitos, tanto que não conseguiu evitar a Segunda Guerra Mundial. Entre os motivos para o seu insucesso, destacam-se: a) a ausência da nova potência mundial (EUA) entre os seus Estados membros; b) a falta de vontade política entre os países membros; c) o colonialismo ainda existente em várias partes do mundo; e d) a mudança na política alemã, com a ascensão de Hitler e de sua política deviolação de direitos humanos em 1933. No entanto, a doutrina considera que a Liga das Nações serviu como uma espécie de “laboratório” para a constituição da Organização das Nações Unidas (ONU). Finalmente, temos a ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT), criada com o fim da Primeira Guerra Mundial, com o objetivo de estabelecer parâmetros mínimos para a proteção do trabalhador, disciplinando a sua condição no plano internacional por meio de diversas convenções. Esses três precedentes, cada qual ao seu modo, contribuíram para a formação do DIDH, colocando fim, segundo Piovesan, a uma época em que o Direito Internacional era, salvo raras exceções, confinado a regular relações entre Estados, no âmbito estritamente governamental. E Piovesan prossegue: “Por meio desses institutos, não mais se visava proteger arranjos e concessões recíprocas entre os Estados; visava-se, sim, o alcance de obrigações internacionais a serem garantidas ou implementadas coletivamente, que, por sua natureza, transcendiam os interesses exclusivos dos Estados contratantes. Essas obrigações internacionais voltavam-se à salvaguarda dos direitos do ser humano e não das prerrogativas dos Estados. Tais institutos rompem, assim, com o conceito tradicional que situava o Direito Internacional apenas como a lei da comunidade internacional dos Estados e que sustentava ser o Estado o único sujeito de Direito Internacional. Rompem ainda com a noção de soberania nacional absoluta, na medida em que admitem intervenções no plano nacional, em prol da proteção dos direitos humanos. Prenuncia-se o fim da era em que a forma pela qual o Estado tratava seus nacionais era concebida como um problema de jurisdição doméstica, restrito ao domínio reservado do Estado, decorrência de sua soberania, autonomia e liberdade. Aos poucos, emerge a ideia de que o indivíduo é não apenas objeto, mas também sujeito de Direito Internacional. A partir dessa perspectiva, começa a consolidar a capacidade processual internacional dos indivíduos, bem como a concepção de que os direitos humanos não mais se limitam à exclusiva jurisdição doméstica, mas constituem matéria de legítimo interesse internacional. Nesse cenário, os primeiros delineamentos do Direito Internacional dos Direitos Humanos começavam a se revelar”. ATENÇÃO! O assunto que é mais cobrado em prova, quando se trata da história dos direitos humanos, é justamente ter conhecimento dos 3 precedentes históricos: DIREITO HUMANITÁRIO, LIGA DAS NAÇÕES e ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. @dicasexconcurseira 18 Os 3 eixos de proteção internacional dos direitos humanos A proteção internacional dos direitos humanos organiza-se em três eixos ou vertentes, quais sejam, o Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH), o Direito Internacional Humanitário (DIH) e o Direito Internacional dos Refugiados (DIR). Esses eixos ou vertentes não devem ser vistos nem aplicados de forma compartimentada, mas sim integrados e interagidos, buscando, todos eles, um objetivo comum: a proteção do ser humano. O DIDH é o eixo mais amplo ou geral, tendo como objetivo proteger o ser humano em todos os aspectos. O DIH, por sua vez, tem como objetivo uma proteção especial, dirigida às pessoas que se encontram em meio a conflitos armados internacionais e internos. Finalmente, o DIR centra-se na proteção do refugiado, cuidando de assuntos como concessão de refúgio, acolhimento etc. Trataremos do DIR durante a aula sobre grupos vulneráveis, quando estudaremos os principais pontos da matéria. QUESTÕES 1. As revoluções liberais inglesa (1628 e 1689), americana (1776) e francesa (1789), com suas respectivas declarações de direitos, marcaram a primeira clara afirmação histórica dos direitos humanos, proclamando tanto direitos civis e políticos quanto direitos econômicos, sociais e culturais. ( ) CERTO ( ) ERRADO 2. As Constituições do México de 1917, da Alemanha de 1919 e do Brasil de 1934 situam-se no contexto da fase do constitucionalismo social, tendo contribuído para a história dos direitos humanos por questionarem os fundamentos liberais que regeram as declarações de direitos decorrentes das revoluções liberais. ( ) CERTO ( ) ERRADO 3. O Direito Humanitário é o eixo ou a vertente da proteção internacional dos direitos humanos que tem como objetivo assegurar a assistência humanitária para vítimas de desastres naturais. ( ) CERTO ( ) ERRADO 4. A Liga das Nações, em que pese o seu fracasso, é considerada um “laboratório” para a constituição da Organização das Nações Unidas. ( ) CERTO ( ) ERRADO 5. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) não pode ser apontada como um precedente histórico da internacionalização dos direitos humanos, pois foi criada após a Segunda Guerra Mundial. ( ) CERTO ( ) ERRADO GABARITO 1 ERRADO 2 CERTO 3 ERRADO 4 CERTO 5 ERRADO @dicasexconcurseira 19 Aula 04 Introdução aos sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos Na aula anterior vimos que a evolução histórica dos direitos humanos somente atingiu um patamar de institucionalização após a Segunda Guerra Mundial, quando os direitos humanos deixaram de ser um assunto exclusivo da jurisdição doméstica dos Estados. Para que essa institucionalização fosse realmente efetiva, fez-se necessária a criação dos sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos, que se caracterizam por apresentar 3 elementos: normas, órgãos e mecanismos. Para Aline Albuquerque e Aléssia Barroso: “As normas são o conjunto de tratados, declarações, princípios e outras normativas de direitos humanos que integram os Sistemas Internacionais de DH. Os órgãos são as instâncias instituídas para monitorar o cumprimento dos tratados pelos Estados e aplicá-los nos casos específicos ou em situações de graves e maciças violações de direitos humanos. Os mecanismos são os meios pelos quais os órgãos realizam esse monitoramento e essa aplicação”. No que diz respeito aos órgãos para monitoramento do respeito aos direitos humanos, eles podem ser classificados como POLÍTICO, QUASE JUDICIAL ou JUDICIAL. Conforme a lição de Albuquerque e Barroso: “Um órgão se caracteriza como político quando não recebe comunicação ou petição individual e, em consequência, não profere decisão acerca de casos específicos cujo conteúdo versa sobre a responsabilidade do Estado por violação de direitos humanos. Um órgão é quase judicial quando processa petições e comunicações individuais e desse processamento resulta uma decisão que consubstancia em recomendações, as quais pressupõem a responsabilização internacional do Estado. E, por fim, os órgãos judiciais detêm o poder jurisdicional, logo, proferem sentenças”. Como exemplo de cada um desses órgãos, cite-se o Conselho de Direitos Humanos da ONU como órgão político, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos ou o Comitê de Direitos Humanos da ONU como órgão quase judicial e a Corte Interamericana de Direitos Humanos ou a Corte Europeia de Direitos Humanos como órgão judicial. Estudaremos esses e outros órgãos no momento oportuno. ATENÇÃO! Não existe um tribunal mundial/internacional de direitos humanos vinculado ao sistema ONU/universal de direitos humanos. CUIDADO! A Corte Internacional de Justiça somente julga demandas entre Estados; a pessoa não tem condições de levar à Corte Internacional de Justiça uma demanda em que o Estado tenha violado o direito humano de uma pessoa em particular. Muito embora no decorrer de sua jurisprudência, a Corte Internacional de Justiça (CIJ) julgue temas que indiretamente afetem temas da proteção internacional de direitos humanos. No que diz respeito aos mecanismos, estudaremos cada um eles também no momento oportuno. Atualmente, há 4 sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos, sendo um de abrangência global ou universal, que é o sistema da ONU, e 3 de abrangênciaregional, sendo eles o interamericano, o europeu e o africano. SISTEMAS INTERNACIONAIS DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS SISTEMA GLOBAL/UNIVERSAL ONU SISTEMA REGIONAL INTERAMERICANO SISTEMA REGIONAL EUROPEU SISTEMA REGIONAL AFRICANO Conforme advertem Albuquerque e Barroso, “As experiências de outras regiões do planeta, como a da Liga Árabe ou na Ásia não podem ser categorizadas como um Sistema, na medida em que não contam com os três elementos necessários para se configurar um Sistema de Direitos Humanos (...)”. Estudaremos os quatro sistemas internacionais e também como se dá a proteção dos direitos humanos na Ásia e nos países árabes nas próximas aulas. Agora, passaremos ao estudo dos PRINCÍPIOS QUE REGEM OS SISTEMAS INTERNACIONAIS DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS. O primeiro princípio é o da COEXISTÊNCIA DOS SISTEMAS INTERNACIONAIS. Sobre esse princípio, vejamos a lição de Cançado Trindade: “Os instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos operam, de modo complementar, nos planos global e regional, desviam assim, compreensivelmente, o foco da atenção da questão, tão estudada na doutrina clássica, da delimitação de competências, para a da garantia de uma salvaguarda cada vez mais eficaz dos direitos humanos. Isto já era de esperar, em um domínio do direito marcado pela prevalência de interesses comuns superiores, considerações de order public [tradução: ordem pública] e pela noção de garantia coletiva dos direitos protegidos. Sob este prisma, resulta claro não haver lugar para pretensões ou insinuações de supostos antagonismos entre soluções nos planos universal ou regional, porquanto a multiplicidade de instrumentos – universais e regionais, gerais ou especializados – sobre direitos humanos tem tido o propósito e acarretado a consequência de ampliar o âmbito da proteção devida às supostas vítimas”. @dicasexconcurseira 20 No mesmo sentido, vejamos a lição de Flávia Piovesan: “Os sistemas global e regional não são dicotômicos, mas complementares. Inspirados pelos valores e princípios da Declaração Universal, compõem o universo instrumental de proteção dos direitos humanos no plano internacional. Nessa ótica, os diversos sistemas de proteção de direitos humanos interagem em benefício dos indivíduos protegidos. Ao adotar o valor da primazia da pessoa humana, tais sistemas se complementam, somando-se ao sistema nacional de proteção, a fim de proporcionar a maior efetividade possível na tutela e promoção de direitos fundamentais. Essa é, aliás, a lógica e a principiologia próprias do Direito dos Direitos Humanos”. Como decorrência do princípio da coexistência, temos o PRINCÍPIO DA LIVRE ESCOLHA, segundo o qual a vítima pode escolher em qual sistema internacional denunciará o Estado pela violação de direitos humanos que sofreu. Nesse sentido, explicam Albuquerque e Barroso: “Outro princípio a ser destacado é o princípio da livre escolha, que aponta para a faculdade da vítima de escolher para qual Sistema Internacional de DH deseja levar o seu caso, após os mecanismos internos não terem funcionado. De certo que a escolha da vítima ou do peticionário se vincula ao fato do Estado alegadamente violador estar juridicamente submetido àquele Sistema. Por exemplo, a vítima de violação de direitos humanos no Brasil não pode apresentar uma petição contra o Estado perante a Corte Europeia de Direitos Humanos, pois o Estado brasileiro não se submete à sua jurisdição”. Outro princípio que caracteriza os sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos é o da SUBSIDIARIEDADE OU COMPLEMENTARIDADE, segundo o qual os Estados somente podem ser demandados e responsabilizados internacionalmente após terem tido a oportunidade de reparar os danos causados pela violação que ele praticou ou tolerou. Nesse sentido, prevê o preâmbulo da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CADH): “Reconhecendo que os direitos essenciais do homem não derivam do fato de ser ele nacional de determinado Estado, mas sim do fato de ter como fundamento os atributos da pessoa humana, razão por que justificam uma proteção internacional, de natureza convencional, coadjuvante ou complementar da que oferece o direito interno dos Estados americanos”. Do princípio da subsidiariedade decorre a regra do esgotamento dos recursos internos – presente em todos os sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos e condição para peticionamento perante órgão internacional – e também a denominada “Fórmula da 4ª instância”, segundo a qual os órgãos internacionais não têm competência para analisar, genericamente, a justiça ou a injustiça de determinada decisão proferida pelo Poder Judiciário nacional nem se a prova foi valorada correta ou incorretamente, mas apenas se houver ou não uma violação de direitos humanos. Os sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos também se norteiam pelo PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO. Sobre esse princípio, vejamos a lição de Albuquerque e Barroso: “Com efeito, cabe ao Estado envidar o máximo de esforços no sentido de cumprir seus compromissos internacionais e, pois, à luz da Convenção de Viena sobre os Direitos dos Tratados, todo tratado em vigor obriga as partes e deve ser cumprido por elas de boa-fé, o que implica conferir efeito razoável e útil à norma internacional ao qual se vinculou voluntariamente. Desse modo, tendo em conta a adesão de um Estado a determinado Sistema Internacional de DH, o mesmo detém a obrigação internacional de respeito aos direitos humanos reconhecidos no tratado, convenção ou em qualquer ato normativo ao qual se vinculou. Nessa linha, o princípio da cooperação e do diálogo aponta para a atuação do Estado e dos órgãos de direitos humanos, ou seja, ambos devem atuar de modo harmônico e amigável em prol da efetivação dos direitos humanos, conseguintemente, posturas beligerantes e contenciosas não são bem recepcionadas na esfera dos Sistemas Internacionais de DH”. Albuquerque e Barroso ainda elencam outros dois princípios dos sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos, sendo eles o PRINCÍPIO DO ESTOPPEL (proibição de comportamento contraditório no processo internacional) e o princípio da IMPOSSIBILIDADE DO ESTADO ALEGAR DISPOSIÇÕES DO SEU DIREITO INTERNO PARA SE EXIMIR DO DESCUMPRIMENTO DOS TRATADOS DE DIREITOS HUMANOS. No entanto, o prof. Caio paiva entende que esses dois princípios mais se relacionam, respectivamente, com o direito processual internacional e com a interpretação dos tratados de direitos humanos do que, especificamente, com a conformação principiológica geral dos sistemas internacionais. QUESTÕES 1. Atualmente, há um sistema internacional de proteção dos direitos humanos de natureza global (o sistema ONU) e dois sistemas de abrangência regional (o interamericano e o europeu). ( ) CERTO ( ) ERRADO 2. São elementos que caracterizam os sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos: as normas, os órgãos e os mecanismos. ( ) CERTO ( ) ERRADO @dicasexconcurseira 21 3. Um cidadão europeu, em trânsito pelo Brasil, considerando que um direito humano seu foi violado pelo Estado brasileiro, pode denunciar o país perante o sistema europeu de proteção dos direitos humanos. ( ) CERTO ( ) ERRADO 4. A regra do esgotamento dos recursos internos decorre do princípio da subsidiariedade ou complementariedade dos sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos. ( ) CERTO ( ) ERRADO GABARITO 1 ERRADO 2 CERTO 3 ERRADO 4 CERTO @dicasexconcurseira 22 Aula 05 A evolução histórica, arquitetura normativa e estrutura da Organização das Nações Unidas (ONU) Evolução histórica do sistema global de proteção dos direitos humanos Com o fim da Segunda Guerra Mundial, a comunidade internacional sentiu a necessidade de criar um sistema de proteçãointernacional dos direitos humanos, dotado de instrumentos e mecanismos para processar e eventualmente declarar a responsabilidade internacional dos Estados. O sistema GLOBAL – também conhecido por sistema UNIVERSAL ou sistema ONUSIANO – começa com a adoção, em junho de 1945, em São Francisco (EUA), da Carta das Nações Unidas/Carta da ONU/Carta de São Franciso, que constitui a organização internacional chamada de Organização das Nações Unidas, a ONU. Embora a expressão direitos humanos apareça seis vezes na Carta das Nações Unidas, NÃO se encontra na Carta uma definição nem tampouco um catálogo de direitos humanos, mas apenas que o respeito e a promoção desses direitos seriam prioridade da ONU e dever dos Estados-Membros. Conforme registram Buergenthal, Grossman e Nikken, durante a Conferência de São Francisco foram apresentadas diversas propostas para incorporar à Carta da ONU um capítulo reconhecendo os direitos essenciais do ser humano, não tendo estas, porém, sido acolhidas pela Assembleia-Geral das Nações Unidas (AGNU). OBS: o principal objetivo da Carta das Nações Unidas foi a criação da ONU, e não um catálogo dos direitos humanos. Ainda que a Carta da ONU não tenha estabelecido um catálogo de direitos humanos, foi ela que iniciou o processo de internacionalização dos direitos humanos, projetando a mensagem de que a violação desses direitos não mais constituiria um assunto exclusivo da jurisdição doméstica dos Estados. Nesse sentido, conforme ressalta Hans-Joachim Heintze: “A inclusão da obrigação de se respeitarem os direitos humanos na Carta da ONU foi um marco histórico no Direito Internacional Público, pois pela primeira vez os Estados comprometiam- se perante outros Estados a adotar um comportamento determinado ante os não sujeitos do direito internacional, ou seja, seus habitantes desprovidos de direitos”. A próxima etapa da evolução histórica do sistema global consistiu na sua codificação geral, tarefa que foi incumbida à Comissão de Direitos Humanos (CDH), órgão subsidiário do Conselho Econômico e Social (ECOSOC, na sua sigla em inglês), criado nos termos do art. 68 da Carta das Nações Unidas. Assim, a CDH recebeu a incumbência de elaborar uma Carta Internacional de Direitos Humanos, que consistiria, segundo o plano original, num único documento de direitos humanos, com natureza de tratado – logo, vinculante –, abrangendo tanto o catálogo de direitos humanos quanto os mecanismos de proteção. O processo de construção da Carta Internacional de Direitos Humanos não seguiu o plano original da CDH, e isso porque logo no início dos trabalhos da Comissão surgiram discussões muito polêmicas como, por exemplo: A Carta teria ou não força vinculante? Qual deveria ser a natureza dos direitos protegidos? Quais seriam os mecanismos adequados para assegurar a proteção desses direitos? Por isso, a CDH resolveu primeiro elaborar um projeto de DECLARAÇÃO, SEM FORÇA VINCULANTE, que estabeleceria apenas um catálogo de direitos humanos – preenchendo, assim, a lacuna da Carta das Nações Unidas –, e, posteriormente, apresentaria um projeto de tratado de direitos humanos, este com força vinculante, desenvolvendo em mais detalhes o conteúdo da declaração, assim como estabelecendo mecanismos internacionais de proteção. Em 1947, a CDH submeteu à AGNU o projeto de Declaração Universal dos Direitos Humanos, tendo este sido aprovado no ano seguinte, em 10.12.1948. Após a aprovação da DUDH, a CDH deu seguimento à elaboração da Carta Internacional de Direitos Humanos, não conseguindo, porém, aprovar um tratado internacional único para legalizar ou juridicizar os direitos humanos proclamados na DUDH, e isso principalmente porque os blocos socialista e capitalista não chegaram a um consenso sobre a aplicação dos direitos econômicos, sociais e culturais, isto é, se desfrutariam de aplicabilidade imediata ou se a sua aplicação seria progressiva (os países socialistas defenderam a adoção de um tratado único). Diante desse impasse, a AGNU pediu ao ECOSOC que orientasse a CDH a elaborar dois Pactos, um contendo os direitos civis e políticos, e o outro contendo os direitos econômicos, sociais e culturais. O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP) e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC) foram aprovados pela AGNU no mesmo dia, em 16.12.1966, tendo entrado em vigor também no mesmo ano, em 1976, após o depósito do 35º instrumento de ratificação. A principal diferença entre os Pactos de 1966 consiste justamente naquilo que ensejou a adoção de dois documentos distintos, prevista nos respectivos artigos 2º. Enquanto o PIDCP assegura a aplicação imediata dos direitos civis e políticos, o PIDESC prevê a aplicação progressiva dos direitos econômicos, sociais e culturais. Finalmente, a última etapa da Carta Internacional de Direitos Humanos foi concluída com a criação dos mecanismos de proteção dos direitos humanos: em 1966, com o Protocolo Facultativo ao PIDCP, e em 2008, com o Protocolo Facultativo ao PIDESC, atribuindo aos respectivos Comitês competências de monitoramento dos direitos humanos. Assim, pode-se dizer que a Carta Internacional dos Direitos Humanos compõe-se da Declaração Universal dos Direitos Humanos, dos Pactos de 1966 e seus respectivos protocolos facultativos. à MAIORIA DA DOUTRINA. A evolução histórica do sistema global de proteção dos direitos humanos não se esgota na elaboração da Carta Internacional de Direitos Humanos, tendo prosseguido com a adoção de diversos tratados temáticos, documentos soft law e @dicasexconcurseira 23 outros mecanismos – convencionais e extraconvencionais – de proteção dos direitos humanos, os quais veremos nas próximas aulas. Arquitetura normativa • Carta Internacional de Direitos Humanos: Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), PIDCP (1966), Protocolo Facultativo ao PIDCP (1966), Segundo Protocolo Facultativo ao PIDCP (1989), PIDESC (1966) e Protocolo Facultativo ao PIDESC (2008). • Tratados temáticos ou específicos: Racial, Mulher, Tortura, Criança, Refugiados, Pessoas com Deficiência etc. • Documentos soft law: Declarações, Princípios Básicos, Regras Mínimas, Diretrizes etc. Estrutura da ONU A ONU foi criada pela Conferência de São Francisco, em 1945, quando foi adotada a Carta das Nações Unidas. O Brasil ratificou a Carta e a incorporou no direito interno por meio do Decreto nº 19.841/1945. Os propósitos da ONU foram previstos no art. 1º da Carta, sendo eles os seguintes: 1. Manter a paz e a segurança internacionais e, para esse fim: tomar, coletivamente, medidas efetivas para evitar ameaças à paz e reprimir os atos de agressão ou outra qualquer ruptura da paz e chegar, por meios pacíficos e de conformidade com os princípios da justiça e do direito internacional, a um ajuste ou solução das controvérsias ou situações que possam levar a uma perturbação da paz; 2. Desenvolver relações amistosas entre as nações, baseadas no respeito ao princípio de igualdade de direitos e de autodeterminação dos povos, e tomar outras medidas apropriadas ao fortalecimento da paz universal; 3. Conseguir uma cooperação internacional para resolver os problemas internacionais de caráter econômico, social, cultural ou humanitário, e para promover e estimular o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião; e 4. Ser um centro destinado a harmonizar a ação das nações para a consecução desses objetivos comuns. Para a realização desses propósitos, o art. 2º da Carta estabelece os princípios que devem nortear as atividades da ONU e de seus membros: 1. A Organização é baseada no princípio da igualdade de todos os seus Membros. 2. Todos os Membros, a fim de asseguraram para todos em geral os direitos e vantagens resultantes de sua qualidade de Membros, deverão cumprir de boafé as obrigações por eles assumidas de acordo com a presente Carta. Fim da 2ª Guerra Mundial (maio/1945) Criação de uma SPIDHs Adoção da Carta das Nações Unidas (São Francisco, EUA, junho/1945) Aprovação da DUDH (dezembro/1948) Aprovação dos Pactos de 1966 Protocolos facultativos sobre mecanismos de proteção – PIDCP (1966) e PIDESC (2008) CARTA INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS @dicasexconcurseira 24 3. Todos os Membros deverão resolver suas controvérsias internacionais por meios pacíficos, de modo que não sejam ameaçadas a paz, a segurança e a justiça internacionais. 4. Todos os membros deverão evitar em suas relações internacionais a ameaça ou o uso da força contra a integridade territorial ou a dependência política de qualquer Estado, ou qualquer outra ação incompatível com os Propósitos das Nações Unidas. 5. Todos os membros darão às Nações toda assistência em qualquer ação a que elas recorrerem de acordo com a presente Carta e se absterão de dar auxílio a qual Estado contra o qual as Nações Unidas agirem de modo preventivo ou coercitivo. 6. A Organização fará com que os Estados que não são Membros das Nações Unidas ajam de acordo com esses Princípios em tudo quanto for necessário à manutenção da paz e da segurança internacionais. 7. Nenhum dispositivo da presente Carta autorizará as Nações Unidas a intervirem em assuntos que dependam essencialmente da jurisdição de qualquer Estado ou obrigará os Membros a submeterem tais assuntos a uma solução, nos termos da presente Carta; este princípio, porém, não prejudicará a aplicação das medidas coercitivas constantes do Capítulo VII [a serem adotadas pelo Conselho de Segurança em casos de ameaças à paz, de ruptura da paz e de atos agressão]. São Membros da ONU os Estados que tenham assinado e ratificado a Carta de São Francisco (art. 3º). A admissão como Membro das Nações Unidas é efetuada por decisão da Assembleia Geral, mediante recomendação do Conselho de Segurança (art. 4.2). Os artigos 5º e 6º da Carta preveem tanto a possibilidade da suspensão quanto de expulsão de um Estado-Membro das Nações Unidas, sempre mediante recomendação do Conselho de Segurança, nos casos, respectivamente, de ação preventiva ou coercitiva do CS e de violação persistente dos princípios contidos na Carta. A Carta das Nações Unidas estabelece como sendo os órgãos principais da ONU (art. 7.1): i. a Assembleia Geral; ii. o Conselho de Segurança; iii. o Conselho Econômico e Social; iv. o Conselho de Tutela (não está mais em funcionamento); v. a Corte Internacional de Justiça; vi. o Secretariado. Além desses órgãos principais, outros de natureza subsidiária podem ser criados de acordo com a Carta (art. 7.2), sendo exemplos importantes no âmbito da matéria de direitos humanos: o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) e Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). Vejamos abaixo um organograma sobre o Sistema das Nações Unidas e seus órgãos principais e subsidiários (documento extraído do site da ONU Brasil): @dicasexconcurseira 25 @dicasexconcurseira 26 QUESTÕES 1. Entende-se por Carta Internacional de Direitos Humanos o conjunto de documentos que estruturam os sistemas global e regionais de proteção dos direitos humanos. ( ) CERTO ( ) ERRADO 2. Para “juridicizar” a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Assembleia-Geral das Nações Unidas adotou o Pacto Internacional de Direitos Humanos, abrangendo tanto direitos civis e políticos quanto direitos econômicos, sociais e culturais. ( ) CERTO ( ) ERRADO GABARITO 1 ERRADO 2 ERRADO @dicasexconcurseira 27 Aula 06 Sistema global de proteção dos direitos humanos: mecanismos convencionais e extraconvencionais de proteção dos direitos humanos Introdução O sistema global de proteção dos direitos humanos se divide em duas áreas. A primeira área é composta pelos mecanismos convencionais, que são assim denominados porque encontram a sua base normativa em TRATADOS OU CONVENÇÕES INTERNACIONAIS. Os mecanismos convencionais têm como órgãos de monitoramento os respectivos Comitês vinculados a cada tratado. Como exemplos de mecanismos convencionais, cito o sistema de relatórios periódicos e de petições individuais previstos no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, monitorados pelo Comitê de Direitos Humanos da ONU. A segunda área é composta pelos mecanismos extraconvencionais (ou não convencionais), sendo assim denominados porque não decorrem diretamente de um tratado ou convenção, mas sim de RESOLUÇÕES de órgãos políticos da ONU ou deles derivados, adotadas a partir de interpretação dos dispositivos da Carta das Nações Unidas relativos à proteção dos direitos humanos. Como exemplo de mecanismo extraconvencional, cito a Revisão Periódica Universal (RPU), monitorada pelo Conselho de Direitos Humanos. Na história do sistema global de proteção dos direitos humanos, o surgimento dos mecanismos extraconvencionais, a partir da década de 60 do século passado, justificou-se em grande parte devido às condicionantes dos mecanismos convencionais, cujo funcionamento dependia de atos como a elaboração de tratados, a criação de órgãos de monitoramento e de procedimentos quase-contenciosos, a ratificação pelos Estados etc. Basta pensarmos que, mesmo já formada a Carta Internacional de Direitos Humanos, com a Declaração Universal, os Pactos de 1966 e o Protocolo Facultativo ao PIDCP, o funcionamento do primeiro mecanismo convencional – e ainda assim, com uma quantidade inexpressiva de Estados Partes (35) – veio a ocorrer somente em 1976, com a entrada em vigor do PIDCP e do seu Protocolo Facultativo, habilitando o Comitê de Direitos Humanos a exercer suas funções de órgão de monitoramento. Assim, para superar ou pelo menos atenuar a ineficácia dos mecanismos convencionais diante das grandes expectativas e esperanças que a criação da ONU gerou, conforme veremos na sequência, iniciou- se, no âmbito da Comissão de Direitos Humanos (CDH), a criação dos mecanismos extraconvencionais, que, livres das condicionantes anteriormente mencionadas, poderiam agir diante da violação de qualquer direito humano praticada por qualquer Estado Membro da ONU. Antes de passarmos ao estudo dos principais mecanismos convencionais e extraconvencionais, vejamos no quadro a seguir as principais diferenças entre eles: DIFERENÇAS ENTRE OS MECANISMOS CONVENCIONAIS E OS MECANISMOS EXTRACONVENCIONAIS MECANISMOS CONVENCIONAIS MECANISMOS EXTRACONVENCIONAIS 1. São criados por tratados internacionais específicos. 1. São criados a partir de resoluções de órgãos políticos da ONU. 2. A apresentação de petições individuais perante os comitês internacionais depende da ratificação do tratado respectivo pelo Estado denunciado. 2. A apresentação de denúncias por indivíduos ou grupos de indivíduos não depende da ratificação de convenções específicas. 3. Usualmente, a apresentação de petições depende, ainda, de uma declaração de reconhecimento da vigência de uma cláusula facultativa do tratado ou da ratificação de um protocolo adicional. 3. Não depende, tampouco, de declaração relativa a cláusulas facultativas ou de ratificação de protocolo adicional. 4. As petições individuais podem versar apenas sobre os direitos previstos no tratado específico. 4. A apresentação de denúncias pode versar sobre quaisquer direitos humanos. 2. Mecanismos convencionais Conforme afirmado anteriormente, os mecanismos convencionais são assim denominados porque a sua base normativa encontra-se prevista em tratados ou convenções internacionais. Importante compreender que os tratados não apenas estabelecem os mecanismos convencionais, mas também criam os órgãos de monitoramento responsáveis por avaliar a
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