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Teoria da Norma Jurídica - Arnaldo Vasconcelos

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Arnaldo
Vasconcelos
ecma
URÍDICA-
Editora CONCEITO EDITORIAL
Presidente Conselho Editorial
Salézio Costa André Maia
Adriana Mildart
itor.es Aline de C. M. Maia Liberato
José Antônio Peres Gediel 
José Antônio Savaris 
Lenio Luiz Streck 
Marcelo Alkmim 
Martonio Mont'Alverne B. Lima 
Michel Mascarenhas 
Renata Elaine Silva 
Samantha Ribeiro Meyer Pflug 
Sérgio Ricardo F. de Aquino 
Theodoro Vicente Agostinho 
Vicente Barreto 
Vladmir Oliveira da Silveira 
Wagner Balera
Assistente Editorial Diego Araújo Campos 
Lourdes Fernandes Silva Edson Luiz Barbosa 
Fauzi Hassan Choukr
João Batista Lazzari 
Jonas Machado Ramos
Catalogação na Publicação: Bibliotecária Cristina G. de Amorim CRB-14/898
V331t
Vasconcelos, Arnaldo
Teoria da Norma Jurídica/Arnaldo Vasconcelos - 7,ed. - Florianópolis: Conceito 
Editorial, 2016.
346p.
ISBN -85-7874-434-2
1. Teoria do Direito 2. Norma Jurídica 3. Justiça e legitimidade 1. Título
Proibida ̂ reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo.
A violação dos direitos autorais é punível como crime, previsto no Código Penal e 
na Lei de direitos autorais (Lei n° 9.610, de 19.02.1998).
© Copyright 2016 Impresso no Brasil / Printed in Brazil
Rua Hipólito Gregório Pereira, 700 - 3o Andar 
Canasvieiras - Florianópolis/SC - CEP: 88054-210 
Editorial: Fone (48) 3205-1300 - editorial@conceitojur.com.br 
Comercial: Fone (48) 3240-1300 - comercial@conceitojur.com.br
www.conceitojur.com.br
CDU - 340
mailto:editorial@conceitojur.com.br
mailto:comercial@conceitojur.com.br
http://www.conceitojur.com.br
Pues debo declarar que no me interesa Ia Filosofia dei Derecho; 
me interesa únicamente Ia Filosofia de Ia Ciência dei Derecho.
No quiero decir que me desligo de la Metafísica, 
porque esto es imposible para ei hombre, 
siendo el hombre mismo un animal metafísico. 
CARLOS COSSIO, Teoria de la Verdad Jurídica, p. 9.
EDIÇÕES
1a edição, 1978;
2a edição, 1986;
3a edição, 1993;
4 a edição, 1996;
5a edição, Ia tiragem, 2000; 
5a edição, 2a tiragem, 2002; 
6a edição, 2006.
i
SUMÁRIO
PREFÁCIO À 7° EDIÇÃO.............. ......................................... ............. .......... . 11
CAPÍTULO 1
CONCEITO DE NORMA JURÍDICA..... ....... 13
1. Normatividade do Direito............................................................................. ....................... 13
2. Norma jurídica e Direito........................................................................................................15
3. Norma jurídica e sentença....................................................................................................17
4. Os aspectos fático, axiológico e normativo do Direito.............................................19
5. Dimensionamento do "fato" e do "valor"........................................................................21
6. A norma jurídica, a norma ética e a norma moral......................................................23
7. Conteúdo da norma jurídica................................................................................................27
8. Conceito de norma jurídica..................................................................................................31
9. Os campos da juridicidade...................................................................................................34
9.1. Legalidade........................................................................................................................36
9.1.1. No Direito Penal.................................................................................................38
9.1.2. No Direito Tributário.........................................................................................39
9.1.3. No Direito Administrativo.............................................................................40
9.2. Ilicitude..............................................................................................................................41
9.3. Licitude..............................................................................................................................44
10.0 pseudoproblema do destinatário da norma jurídica.........................................50
CAPÍTULO 11
NATUREZA DA NORMA JURÍDICA................................................................... 55
1. Colocação do problema........................................................................................................ 55
2. A norma como imperativo....................................................................................................57
2.1. A teoria do imperativo hipotético de Léon Duguit........................................66
2.2. A teoria do imperativo independente de Karl Olivecrona..........................69
2.3. A teoria do imperativo atributivo de Léon Petrasizky.................................. 72
2.4. GoffredoTelles Júnior: a passagem do imperativo atributivo ao 
imperativo autorizante....................................................................................................... 77
7
3. A norma como coatividade ou coação...........................................................................82
4. Zitelmann: ponto de partida do indivativismo........................................................... 89
5. Kelsen: do juízo hipotético ao imperativo despsícologizado............................... 93
6. A norma como juízo disjuntivo: Carlos Cossio............................................................ 99
7. Aposição de Miguel Reale: a norma como juízo de estrutura trivalente....... 106
CAPÍTULO III
FUNDAMENTO DA NORMA JURÍDICA............ ...... ....... ...................... . 111
1. A instância da jusiiça............................................................................................................ 111
2. Teoria teocrática................................................................................................................... ..114
3. Teoria jusnaturalista.............................................................................................................. 116
4 .Teorias contratualista e neocontratualista...................................................................120
5..Teoria histórica.........................................................................................................................127
6. Teoria sociológica.................................................................................................................. 130
7. Teorias normativistas............................................................................................................ 134
7.1. A "norma jurídica" de Binding...............................................................................137
7.2. A "norma de cultura"de Mayer.............................................................................138
7.3. A"regra de reconhecimento''de Hart................................................................ 141
7.4. A "norma hipotética fundamental" de Kelsen. A contribuição de 
Verdross...................................................................................................................................143
CAPÍTULO IV
CARACTERÍSTICAS DA NORMA JURÍDICA....... ............. ............................ 149
1 .0 tema e suas implicações.................................................................................................149
2. Doutrina de Santo Isidoro...................................................................................................151
3. Doutrina moderna................................................................................................................. 152
4. Das pseudocaracterísticas da norma jurídica............................................................ 155
a) Generajidade.................................................................................................................... 155
b) Abstra^fidade.................................................................................................................158
c) Imperatívidade................................................................................................................ 162
d) Coatividade.......................................................................................................................165
e) Permanência.................................................................................................................... 167
5. Doutrina de Norberto Bobbio...........................................................................................171
6. As reais características da norma jurídica....................................................................173
a) Bilateralidade........................................................ ...........................................................174
b) Disjunção...........................................................................................................................177
c) Sanção.................................................................................................................................180
CAPÍTULO V
CLASSIFICAÇÃO DAS NORMAS JURÍDICAS................................................. 189
1. Importância do tema............................................................................................................189
2. Quanto à destinação: normas de Direito e normas de Sobredireito................190
3. Quanto ao modo de existência: normas explícitas e normas implícitas. O 
Direito implícito............................................................................................................................"193
4. Quanto à fonte:Teorias de Savigny e de Kelsen.......................................................203
4.1. A lei...................................................................................................................................209
4 .2 .0 costume..................................................................................................................... 213
4.3. A jurisprudência..........................................................................................................218
4.4. A doutrina.......................................................................................................................228
4.5. Os princípios gerais de Direito..............................................................................241
5. Quanto à matéria: normas de Direito Público, normas de Direito Privado
e normas de Direito Social.......................................................................................................249
CAPÍTULO VI
LEGITIMIDADE DA NORMA JURÍDICA.......... .... ...................... .............. ....263
1. As instâncias de validade....................................................................................................263
a) Juridicidade...................................................................................................................... 265
b) Positívidade...................................................................................................................... 266
c) Vigência...............................................................................................................................267
d) Eficácia................................................................................................................................268
2. As instâncias de valor...........................................................................................................270
a) Justiça..................................................................................................................................272
b) Legitimidade.................................................................................................................... 275
3. Direito e poder........................................................................................................................ 276
4 .0 direito das associações de malfeitores.....................................................................280
5. Monismo e pluralismo jurídico........................................................................................ 284
6. Legitimidade política e legitimidade jurídica............................................................ 288
7. Legalidade e legitimidade..................................................................................................293
8. Legitimidade e justiça..........................................................................................................300
BIBLIOGRAFIA....... .............................. ..................... ............. ...... ............... 305
ÍNDICE ANALÍTICO............. ................................ ...........................................323
ÍNDICE DA LEGISLAÇÃO.................................................................. ............ 337
ÍNDICE ONOMÁSTICO...................................................................................339
9
PREFÁCIO À T EDIÇÃO
Idos de 1993. Ingressar na Faculdade de Direito da Universidade 
Federal do Ceará acabava de se tornar um sonho realizado. Muitas no­
vidades para uma caloura de 17 anos: professores, colegas, liberdades 
inexistentes no colégio, lendas e estórias meio assustadoras. É, realmen­
te, muito bacana entrar na Faculdade.
Por outro lado, aprende-se, desde cedo, a idolatrar e destruir 
mitos em nossas cabeças e corações em velocidade meteórica: os pro­
fessores da Faculdade inicialmente apresentam-se como lendas, depois 
ídolos que, em sua maioria, destroem-se com nossa própria busca de 
conhecimento.
Alguns. Outros não.
Lembro-me perfeitamente que, no terceiro semestre deveríamos 
cumprir uma tarefa tida como hercúlea: passar por Teoria Geral de Di­
reito, com o professor Arnaldo Vasconcelos!
Primeiro a lenda: as aulas eram dificílimas, as provas, inatingí­
veis... Passar era para os fortes. Isso fez com que minha turma solicitasse 
aulas preparatórias ao monitor da disciplina na época, o hoje professor 
Luiz Moreira, para que ao menos tivéssemos uma chance...Pode-se ima­
ginar a dimensão do pavor: trinta alunos em plenas férias assistindo 
aulas de um monitor, com a esperança de não serem massacrados no 
mês seguinte.
Depois o ídolo: na verdade, o que a priori parecia um pesade- 
1°, virou um sonho. Ler e estudar a Teoria da Norma Jurídica com seu 
autor, equipado com toda sua ironia e senso de humor foi, pra mim, o 
ponto alto da faculdade.
A lenda e o ídolo místuraram-se e fizeram da disciplina uma ex­
periência inesquecível!
11
Esse ídolo, na verdade, foi um dos muito poucos que não des­
moronaram ao longo da minha vida acadêmica. É, até hoje, meu prazer 
conversar com ele na Universidade de Fortaleza, e poder reconhecer, 
como em poucos, um mestre meu! Talvez ele não imagine o quão hon­
rada estou com o convite para escrever este prefácio.
Voltei hoje a folhear a Teoria da Norma Jurídica buscando uma 
frase ou citação para ilustrar esse prefácio, que sequer me sinto digna 
de escrever. Demorei, fui e voltei, não parei mais de ler: sou incapaz de 
escolher uma única- citação. O livro é completo e primoroso. Trata do 
Direito e da Norma como nenhum outro que tenha lido, trata-os com 
respeito e intimidade ao mesmo tempo.
Minha edição, a primeira, foi usada por meu pai antes de mim, 
que como eu, faz anotações nas margens das páginas... Perguntas sem­
pre respondidas nas aulas. Comentários e referências que me trazem 
tantas lembranças. Caso algum de meus filhos decida pela carreira ju­
rídica, será usado uma terceira vez. Hoje, que sou professora de Direito 
Comercial, continuo usando a Teoria da Norma Jurídica como fonte 
para entendimento e resolução de problemas.
Fico muito feliz com a nova edição do livro pois mais estudan­
tes de graduação e pós-graduação poderão entender, com esse grande 
mestre, o que para sempre lhes será útil, independentemente da área do 
Direito em que atue.
Fortaleza, Campus da UNIFOR, Abril de 2016.
UinieCaminha
4 Professora titular da Universidade de Fortaleza
4
f Professora adjunta da Universidade Federal do Ceará
12
CAPÍTULO I
CONCEITO DE NORMA JURÍDICA
SUM ÁRIO: 1. Normatividade do Direito - 2. Norma jurídica 
e Direito - 3. Norma jurídica e sentença - 4. Os aspectos fático, 
axiológico e normativo do Direito - 5. Dimensionamento do “fato” e 
do “valor” - 6, A norma jurídica, a norma ética e a norma moral - 7. 
Conteúdo da norma jurídica - 8. Conceito de norma jurídica - 9. Os 
campos da juridicidade - 9.1. Legalidade - 9.1.1. No Direito Penal -
9.1.2. No Direito Tributário - 9.1.3. No Direito Administrativo - 9.2.
Ilícitude - 9.3. Licitude - 10. O pseudoproblema do destinatário da 
norma jurídica.
1. Normatividade do Direito
O Direito disciplina condutas, impondo-se como princípio de 
vida social.
Dessa evidência primária parte Carlos Cossio para defini-lo em 
termos de “conduta em interferência intersubjetiva”. *0 Direito leva as 
pessoas a se ligarem, comprometendo - se entre si, quer dizer, obrigando- 
se mutuamente. Por isso, Rudolf Stammler o chamou “querer vincula- 
tório, autárquico e inviolável”.2A inviolabilidade do Direito transcende 
o terreno do empirismo, não chegando suas transgressões a afastar o 
dever-ser axiológico, através do qual se dimensiona. Infringindo o pre- 
ceito embora, permanece o dever-ser, como exigência superior de rea­
lização da justiça.
1 Carlos Cossio, L a Teoria Ecológica dei D erecho y el Concepto Jurídico de Liberdad, p. 13.
2 R udolf Stammler, E conom ia y Derecho, p. 466.
13
TEORIA DA NORMA JURfDICA
A expressão formal do Direito como disciplina de condutas é a 
norma jurídica. Prevê ela os modos de conduta interessantes ao conví­
vio social. O conjunto dessas normas denomina-se ordenamento jurí­
dico. Há ou haverá, normas para todas as condutas. Não existe relação 
humana possível que não possa ser enquadrada pelo Direito. E assim se 
predica, no plano lógico, a autossuficiência ou plenitude do Direito-Or- 
dem-Jurídíca.
Expressar-se em normas significa ser normativo. Normatividade 
opõe-se à causalidade. Nas ciências sociais, culturais ou humanas, pre­
valece a dimensão axiológica; nas ciências naturais, físicas ou matemá­
ticas, domina a dimensão existencial. A ciência natural, pretensamente 
neutra e causai, afirma o que é, colocando-se sob o signo da necessida­
de, enquanto a ciência social, axiológica e normativa, diz o que deve ser, 
situando-se no mundo da liberdade. Manifesta-se esta através de regras 
de fim, peculiarmente chamadas normas.
A diferença entre o mundo do ser e o mundo do dever-ser é mar­
cante, tanto por seus fundamentos, como por suas conseqüências. O 
mundo do dever-ser se caracteriza e se distingue, essencialmente, por 
ser o reino da liberdade, contemplando o homem em suas imensas po­
tencialidades de ser que tende a superar-se a todo instante. O mundo 
do ser é objeto do conhecimento, ao passo que o mundo do dever-ser é 
objeto da ação. Como o homem é livre, o Direito não poderia exprimir- 
se senão como um dever-ser, como uma possibilidade.
Livre, o homem pertence ao mesmo tempo a dois planos distin­
tos, que se hão de compor, para que possa realizar seus fins. Como ser 
individual, é-para-si; na qualidade de ser social, é-para-o-outro. Existir 
implica coexistir, ou seja, limitação recíproca de liberdade. O modo des­
sa compartiçã# é dado através de normas. Sociabilidade e normativi­
dade constituem termos essencialmente comprometidos, de implicação 
mútua. Nesse sentido, também, a vida do homem é sua obra, sua norma. 
“A ordem jurídica é normativa - escreve Luijpen -, porque participa e 
é encarnação do mínimo do ter-que-ser-para-o-outro, que vem a ser a 
existência”.3A norma jurídica objetiva o propósito histórico de conciliar 
o individual com o social.
3 W. Luijpen , Introdução à Fenotnenologia Existencial, p. 333.
14
CAPÍTULO I - CONCEITO DE NORMA JURfDICA
A sentença de Luijpen é duplamente significativa. Primeiro, pela 
verdade substancial que nela se contém. A existência envolve coexistência 
e, esta, normatividade. Em segundo lugar, porque desvincula a teoria da 
normatividade do Direito do movimento positivista. O jusnaturalismo de 
Luijpen se enquadra na melhor tradição metafísica. Conseguintemente, 
se o normativismo jurídico é de origem kelseniana, a teoria da normativi­
dade ultrapassa e absorve a formulação da Teoria Pura do Direito.
O Direito é, pois, uma ordem normativa. Um sistema hierárquico 
de normas, para empregar a expressão de Kelsen. Suas partes se integram 
na formação de um todo harmônico, com interdependência de funções. 
Cada norma ocupa posição íntersistemática, única para a espécie. A essa 
ordem, assim estruturada, denomina-se ordenamento jurídico.
2. Norma jurídica e Direito
Observa-se, porém, que a expressão “o Direito é um sistema hie­
rárquico de normas” tem sentido próprio entre os muitos possíveis a 
que se presta o conceito de Direito. Direito-conjunto-hierárquico-de- 
normas é ordem jurídica nacional, ou sistema nacional de Direito.
Em verdade, a norma não é Direito, embora, em linguagem meta­
fórica, possa dizer-se que ela contém Direito. Com efeito, já proclamara 
Paulo que “não é de regra que promana o direito, senão com base no di­
reito, existente por si mesmo, que a regra é elaborada” Non ut ex regula 
jus sumatur, sede exjure, quod est, regula fiat.4
A lição pauliana é exemplar: a regra nasce do Direito. Trata-se 
de um juízo de realidade que, nada obstante incontestável por sua pró­
pria natureza, não tem sido, contudo, levado em conta com o necessário 
destaque. O certo é que o Direito antecede à sua expressão formal, que 
é a norma jurídica, devendo, só por esse motivo, prevalecer sobre ela. 
Exige-se que a lei tenha Direito, a saber, que seja justa. Se deve ser justa 
é porque, evidentemente, pode ser injusta. A norma enuncia e veicula 
Direito.
A injustiça é do Direito que se pressupõe na norma, e não desta. 
Se assim não fora, toda concepção normatívísta conteria necessaria­
mente Direito injusto. Montesquieu traduziu essa verdade em síntese
4 Paulo, D e Diversis Regulis Juris Antiqui, reg. l(trad. De R. Limongi França), in Brocardos Jurídicos 
- As regras de Justiniano, p. 48.
15
TEORIA DA NORMA JURlDICA
extraordinária de significado histórico e força lógica: “Antes de haver 
leis feitas, existiam relações de justiça possíveis. Dizer que não há nada 
de justo, nem de injusto, senão o que as leis positivas ordenam ou proí­
bem, eqüivale a afirmar que antes de ser traçado o círculo os seus raios 
não eram iguais”. No original: “Avant q u ily eüt des lois faites, ily avait 
des rapports de justice possibles. Dire quil n’y a rien de juste ni d’injuste 
que ce quordonnent ou défendent de lois positives, cest dire quavant 
quon eüt tracé de cercle, tous les rayons netaient pas égaux”.5
Precisamente porque a norma não constitui Direito é que se dá 
o fenômeno da ineficácia. O fato de a norma estar disponível, isto é, ter 
vigência, não implica a sua realização prática. Essa se funda em razão de 
justiça, que é causa de seu acatamento, medida de sua eficácia.
Vigência e eficácia são momentos distintos do ser e do realizar-se, 
este pressupondo aquele, salvo em se tratando de norma consuetudiná- 
ria, quando a vigência decorre da eficácia. E há de ser assim, porque a 
norma jurídica pertence ao mundo ético, mundo do dever-ser, que por 
definição deve ser, mas, na prática, poderá sempre não vir a ser. Se a efi­
cácia depende da conduta real dos homens, não se deve ignorar, como 
lembra Del Vecchio, “o fato importantíssimo de que o Direito positivo, a 
fim de se mostrar eficiente, carece da colaboração ativa de todos, súditos 
e magistrados”. 6 ;
O que a norma é, pura e simplesmente, é previsão. Modelo de 
conduta diante de fatos relevantes para o convívio social. Quando acon­
tece o fato previsão, seja natural ou humano, nasce o Direito. E só se 
origina ele desse modo, e de nenhum outro mais. O que se discute, mjudiciário ou fora dele, é apenas se houve e nunca, se haverá Direito. 
Simplesmentj|, por não se poder determinar comportamentos futuros, 
mas apenas predizê-los. Nas consultorias jurídicas é que se examina, 
preventivamente, se haverá e como haverá Direito. Porque aí, sim, pla- 
nejam-se formas de conduta.
Com isso, não se pretende automatizar a atividade jurídica con­
tenciosa, nem muito menos negar o caráter criador da interpreta^' o 
judicial, imprescindível à humanização e ao pregresso do Direito. Ser 
o magistrado árbitro da equidade e fautor do dinamismo jurídico n.V.’
5 Montesquieu, D e I ’ Ésprit des Lois, Liv. I, Cap. I.
6 Giorgio Del Vecchio, Direito e Paz, p. 59.
16
CAPÍTULO I - CONCEITO DE NORMA JURÍDICA
implica atribuir-lhe poder de desnaturar a norma ou de desvirtuar fatos 
de conduta. Significa, na verdade, proporcionar-lhe, no âmbito da di­
versidade das avaliações normativas e fáticas, meios de decidir segundo 
os fins sociais e as exigências do bem comum, a que deve aspirar toda 
ordem jurídica democrática.
3. Norma jurídica e sentença
A indagação - o Direito é feito para os bons ou para ou maus?
- Representa o reverso da pergunta - o Estado decorre da bondade ou 
da maldade natural do homem? - formulada pelos jusfilósofos do con- 
tratualismo moderno, e respondia, de maneira oposta, por Hobbes e 
por Rousseau. Suas teorias se faziam apoiar, ambas, no Direito Natural 
racionalista. Se não houvessem adotado o método da tábua rasa, por 
amor à nova ciência, teriam descoberto que já os romanos, e, seguindo- 
lhe a tradição, Tomás de Aquino, haviam proclamado o caráter dialético 
do Direito Natural, formado de instinto e de razão. “A graça aperfeiçoa 
a natureza”, diz o Doutor Angélico.7
A retomada do problema vem a propósito da disputa acerca da 
destinação do Direito. Veremos como Carnelutti, fugindo aos extremos, 
afirmará dirigir-se o Direito aos medíocres, posto que os bons e os maus 
dele prescindem. Aqueles, por desnecessidade; estes, por destemor.
Todos os que reduzem o Direito à sentença - dado o pressuposto 
de que ela decorre sempre de um ilícito, único motivo de ir ao tribunal
- cometem equívoco semelhante ao de Hobbes e Carnelutti. Enquadra- 
se na hipótese a Teoria Pura de Kelsen, que, embora tenha pretendido 
ser uma teoria do Direito positivo em geral, contempla e distingue com 
especialidade o Direito contencioso, em torno do qual faz girar toda sua 
construção doutrinária. No mesmo plano, porém com mais autentici­
dade, está a Escola Sociológica norte-americana integrada, entre outros, 
P°r Holmes, Gray e Jethro Brown, os quais configuram o Direito pela 
sentença, resultado de uma profecia. E por aí se percebe até onde vão 
ter a certeza e a segurança em nome das quais pretendeu o Positivismo 
impor-se.
Não se pode, pois, aceitar a assertiva de Philip Heck, chefe da 
chamada Escola tubigense de Direito Privado, ou “Jurisprudência de In-
Tomás de Aquíno, Ética, I, 3 (apud George Catlin, Tratado d e P o lítica , p. 402)
17
TEORIA DA NORMA JURtDICA
teresses”, segundo a qual “el Derecho realmente importante para la vida 
es aquel que se realiza en la sentencia judicial”. 8 Essa atitude envolve, 
em primeiro lugar, a deturpação do que seja validade social ou eficácia. 
O simples fato de o Direito ser contestado, tanto que só se resolve judi­
cialmente, significa já o questionamento de sua validade. Que se diga 
que o Direito é realização prática, como o fez Ihering, está parcialmente 
certo; mas, que se afirme deva representar-se pela sentença judicial, está 
absolutamente incorreto.
É de ordem4ógica o outro grande equívoco resultante da con- 
ceituação do Direito em termos de decisões judiciais. Firma-se ele na 
destruição da seqüência temporal, por natureza inarredável, existente 
entre norma-fato-Direito-ilícito-sentença, pulando-se da norma para a 
sentença, como pretende Kelsen, ou indo diretamente a esta, como quer 
Jethro Brown. A crítica de Kantorowicz, fundada na mesma ordem ra­
ciocínio, torna-se irrespondível. Para ele, a definição do Direito em ter­
mos de decisões judiciais “coloca a carreta adiante dos bois”, sendo tão 
ridícula como a definição da medicina em função do comportamento 
dos médicos.9
O desdobramento do significado da frase de Heck importa a con­
seqüência de que o Direito, que se realiza pacifica e silenciosamente, 
não teria qualquer interesse para a ordem social. Aí está o resultado 
paradoxal da redução do Direito a Direito contencioso. É nessa perspec­
tiva que se forma a teoria do Direito-ameaça, personificado no inspetor 
de quarteirão. Mas, para que ela se forme, torna-se mister que, antes, 
descaracterize-se a natureza humana e se repudiem as vivências sociais.
Vale referir, a propósito, a orientação da Escola Ecológica, que 
reconhece eminente lugar ao Direito judicial, sem fazê-lo anular o Di­
reito não contencioso, através da supressão de seu significado social. 
Carlos Cossio também entende ser a sentença o fenômeno jurídico por 
excelência. Ressalva, porém, “que no debe incurrirse en el error de creer 
que la tesis egológica se circunscribe a la tarea judicial, cual si no se 
advirtiera que la creación jurídica se opera, con sus peculiaridades, en
8 Philip Heck, El P roblem a de la Creación dei D erecho, p. 35
9 Hermann Kantorowicz, "Some Rationalism about Realism”, in Yale Law Journal, t. 43, p. 1.240 
(apud Felix S. Cohen, El M étodo Funcional en el D erecho, p. 94).
18
CAPÍTULO I - CONCEITO DE NORMA JURlDICA
forma similar, en los estratos legislativos y constitucional; y en forma 
jnuy especifica, dentro de un régimen de derecho no escrito”.10
A tarefa da criação jurídica também se concretiza - e com que 
largueza! - através da atividade negociai. No amplo campo da licitude, 
que lhe é reservado como deferência mais alta à sua dignidade de ser 
livre, o homem cria o Direito a todo passo, porque a tanto as relações de 
convivência o obrigam. Este, sim, seria o Direito realmente importante, 
o fenômeno jurídico por excelência.
Não se destina a norma, senão eventualmente, a compor Direito 
judicial, quando se põe a alternativa que nela se contém: a possibilida­
de da sanção, ou dever-ser da não prestação. A sentença relaciona-se, 
propriamente, com a não prestação. Essa é que lhe abre condições de 
existência.
Nem se pense que a sentença garante o Direito apurado judicial­
mente, nem que esse coincide, sempre, com o verdadeiro Direito. O 
Direito apurado é, apenas, aquele declarado oficialmente como devido. 
Mais ainda: a declaração oficial não importa a certeza de sua realização, 
e por diversos motivos. Um deles, por exemplo: se faltam condições ma­
teriais ao devedor, não haverá meio de fazê-lo pagar.
O relacionamento, que Kelsen estabelece entre norma geral 
(constitucional) e norma individual (sentença), peca por imprecisão. Na 
verdade, a sentença só assume a qualidade de norma jurídica quando 
o Direito, que ela revela, torna-se, por sua uniformidade e constância, 
modelo de conduta social. Portanto, a norma jurisprudencial, e não a 
sentença, é que constitui norma jurídica. Excetue-se a sentença norma­
tiva, proferida na jurisdição do Direito do Trabalho.
4 . Os aspectos fático, axiológico e normativo do 
Direito
No mesmo sentido, isto é, com igual parcialidade com que se afir- 
ma que o Direito é norma, diz-se, também, que é fato e valor. Trata-se de 
tres aspectos distintos, porém incindíveis, da mesma realidade cultural 
chamada Direito.
^ Carlos Cossio, El D erecho en el D erecho Ju d icial, p. 9 e 11.
19
TEORIA DA NORMA JURfDICA
O Direito se constitui de fato, de valor e de norma. Portanto, não 
pode o fenômeno jurídico ser apanhado, em sua integridade, senão 
através da visualização desses elementos em conjunto. A partir dessa 
tomada de consciência, aíirma-se o trialismo ou tridimensionalismo ju­
rídico, cujo teórico mais fecundo e exemplar é Miguel Reale.
A construção doutrinária do professor paulista conseguiu in­
fluenciar não só a formação jurídica dejovens pensadores nacionais, 
havendo ainda repercutido eficazmente entre jusfilósofos estrangeiros 
do porte intelectual de um Recaséns Siches, que confessa haver incorpo­
rado o tridimensionalismo realeano à própria filosofia jurídica.
Reside a originalidade da teoria de Miguel Reale, como ele mes­
mo o ressalva, em ser concreto e dinâmico seu tridimensionalismo. 
Essas qualidades se manifestam mediante duas postulações básicas: 
Ia - “Fato, valor e norma estão sempre presentes e correlacionados em 
qualquer expressão da vida jurídica, seja ela estudada pelo filósofo ou 
o sociólogo do direito, ou pelo jurista como tal (...)”; 2a - “A correlação 
entre aqueles três elementos é de natureza funcional e dialética, dada a 
implicação-polaridade existente entre fato e valor, de cuja tensão resulta 
o momento normativo, como solução superadora e integrante nos limi­
tes circunstanciais de lugar e de tempo (...)”.n
O Direito não se reduz à singela de um único elemento, embora 
se deva destacar, com Djacir Menezes, que a normatividade constitui- 
lhe o “caráter essencial”. “Eliminada a referência normativa - leciona o 
jusfilósofo cearense -, desaparece o mundo jurídico. Porque a normati­
vidade - que é essencialmente teleológica e valorativa - é que dá o cri­
tério da juridicidade”.12 Tudo assim ocorre em razão da essencialidade 
ética do Dirl|to.
Nem pór isso, deixa de ser o Direito um complexo totalizante, 
que abarca os aspectos normativo, fático e axiológico da sociabilidade, 
componentes incindíveis do fenômeno jurídico. Devendo ser definido 
nos termos dessa integração, pode-se, contudo, para fins didático-cien- 
tíficos, destacar qualquer de suas partes, com o quê se terão objetos dis­
tintos de disciplinas jurídicas autônomas.
11 Miguel Reale, Teoria Tridim ensional do D ireito, p.73-74.
12 D jacir Menezes, Filosofia do Direito, p. 28, 15 e 16.
20
CAPÍTULO I - CONCEITO DE NORMA JURÍDICA
Conseqüência, o estudo disciplinar do Direito, por parcial, será 
sempre incompleto. As regiões desmembradas passo a passo se tocam e 
se intercomunicam, malgrado o esforço para autarquizá-las.
5. Dimensionamento do "fato" e do "valor"
Afigura-se-nos de todo descabido o debate acerca da anteriori- 
dade ou prevalência absoluta de qualquer dos componentes do Direito. 
A colocação da Teoria Tridimensional afasta-o preliminarmente. E com 
razão. O fenômeno jurídico comporta um processo dialético, onde a 
norma não é mais do que a resultante da implicação-polaridade existen­
te entre fato e valor. A medida do valor, que se atribui ao fato, transpor­
ta-se inteiramente para a norma.
A base da norma é o fato, sem dúvida, mas o fato axiologicamen- 
te dimensionado. Essa apreciação, que se dá quando do surgimento da 
norma, renova-se todas as vezes que ela é aplicada: os fatos e os valores 
originais são trazidos à compatibilização com os fatos e os valores do 
momento presente. Esse processo evidencia o dinamismo do Direito e 
responde por sua vitalidade.
Todo preceito normativo decorre, pois, de avaliação e de opção, 
envolvendo julgamento de dupla ordem: a utilidade do fato para a ma­
nutenção e progresso da vida social e a necessidade de sua regulamen­
tação jurídica, a fim de que harmoniosamente penetre no quadro do or­
denamento jurídico. Só desse modo se preservarão os valores essenciais 
da ordem e da justiça, imprescindíveis à convivência que se pretende 
garantir e aperfeiçoar.
Existindo ordem e justiça, haverá segurança e certeza. O que não 
pode é prevalecer a ordem sem a justiça, nem esta sem aquela. Sem or­
dem não há como fazer justiça, e sem justiça não há meio de manter a 
ordem.
O que se tem verificado historicamente é que a ordem nunca 
falta, mas sim a justiça. O grito pungente de Antígona em favor dos 
eternos e inalienáveis direitos do homem volta a ressoar, com impressio­
nante regularidade, todas as vezes que se pretende impor o arbítrio, que 
é verdadeiramente o que tem significado ordem sem justiça. Surge a ne­
cessidade inarredável de invocar aqueles Direitos que, se não se acham 
expressos em lei, são contudo anteriores e superiores a ela, porque “não
21
TEORIA DA rsjORMA JURÍDICA
de hoje, nem de ontem são, têm existência eterna: ninguém lhes assinala 
o nascimento”.13
Comprova-se a dependência da eficácia relativamente à justiça. 
Foi com base na anterioridade desta, aliás, que os filósofos dos séculos 
XVII e XVIII elaboraram suas teorias contratualistas sobre a origem da 
sociedade e do Estado. O pacto pressupõe a existência do Direito, que o 
autoriza e o garante.
A fundamentalidade da justiça na norma está em que, de sua pre- 
sença, decorre o fato sociológico d a eficácia. E sem esta, já proclamara. 
Ihering, não haverá Direito.
O valor que se contém na norm a responde, em último caso, por 
seu acatamento, por sua eficacia, q que eqüivale a dizer, pela própria 
possibilidade do Direito. Como este valor decorre do fato, não há como 
deixar de ressaltar a alta importância de sua seleção.
Que o Direito é também fato não cabe dúvida. Quando desaten- 
dido pelo legislador, mas imprescindível ao progresso social, termina ele 
por se impor, donde falar-se em força normativa dos fatos. Outras vezes, 
e com providência ou é a lei que o contempla - hipóteses da prescrição 
extintiva e do usucapião -, ou a doutrina que o acolhe - casos do golpe 
de Estado e da revolução vitoriosa.
A energia interior do fato se revela, continuadamente, no proces- 
so de adaptação da norma às vivências sociais. Não é de outro motivo 
que decorre a importância da analogia, especialmente como processo de 
eliminação das lacunas da lei, mediante o qual o Direito autointegra-se, 
completando-se por si próprio, consoante anotação de Dernburg.14Atra- 
vés da analogia, revelem-se as normas implícitas no ordenamento jurí- 
dico, fenômeno cuja maior virtude consiste em preservar a vitalidade 
do Direito, assim afastando dele a descrença na sua presteza, o que lhe 
seria fatal.
De qualquer modo, se o fato não for jurídico, será necessariamen­
te jurígeno. Estará pairando, sempre, sobre o incomensurável campo da 
licitude, tão jurídico como o da legalidade.
Com a afirmação de que o Direito nasce do fato - exfacto oritur 
jus -, além de expiessarem essa evidência, sugeriram os jurisconsultos
13 Sófocles, Antigona, vers. 450.
14 H. Dernburg, Pandette> vol. I, § 38.
22
CAPITULO I - CONCEITO DE NORMA JURlDICA
romanos a base natural da moderna teoria da plenitude do ordenamen­
to jurídico. A extraordinária potencialidade dessa formulação doutriná­
ria dá a exata medida do significado do fato na formação e na evolução 
do Direito.
O fato constitui a matéria do Direito, do qual a norma é a forma. 
Surge o Direito, precisamente, ao incidir esta sobre aquele. E ainda o 
fato, considerado no dinamismo de sua força social, responsável pelo 
progresso do Direito, promovendo-o a todo custo, quer através da inter­
pretação evolutiva, quer mediante a reforma legislativa.
Entretanto, a autoridade do fato não se reduz a esses dados. É 
também ele que define o Direito nos tribunais. Se esse aspecto, por ex­
cepcional no mundo jurídico, não pode ser supervalorizado, não deve, 
em contrapartida, ser subestimado. Sirva-nos de testemunho o depoi­
mento de um jurista norte-americano, que foi professor e magistrado, 
conhecendo assim o Direito em suas dimensões teóricas e prática. Re- 
ferimo-nos a Benjamin Cardozo, para quem “os processos são raros e 
constituem experiências catastróficas para a grande maioria dos ho­
mens, e ainda quando a catástrofe se verifica, a controvérsia gira, de pre­
ferência, não sobre o Direito, mas sobre os fatos”, posto que “constituem 
eles, afinal, a parte mais volumosa da atividade dos tribunais”.15 Ressalta 
a importância do estudo sociológico dos fatos para o bom entendimen­
to do fenômeno jurídico, de modo especial quando sua conformação é 
discutida no âmbito das jurisdições administrativa e judiciária.
6. A norma jurídica, a norma ética e a norma moral
Norma jurídicaé a norma de Direito, do qual constitui a expres­
são formal (Paulino Jacques), ou o elemento nuclear (Miguel Reale).
A norma define, dentre as múltiplas possibilidades que se ofere­
cem ao homem, os tipo de condutas desejáveis, ao considerar sua re­
levância para a manutenção e progresso da vida social. Apresenta-se, 
desse modo, como regra de fim e instrumento de julgamento.
Definindo, isto é, selecionando e limitando, a norma incorpora, 
c°m os fatos que prevê, os valores que a estes são atribuídos, adqui- 
nndo a dimensão trivalente específica do Direito. Torna-se, assim, seu 
elemento nuclear.
^ Benjamin M. Cardozo, A N atureza do Processo e a Evolução do Direito, p. 72 e 93.
23
TEORIA DA NORMA JURÍDICA
Pertence a norma jurídica, igualmente ao Direito que por seu in­
termédio se manifesta e se traduz, ao mundo da Ética, que é a “ciência 
normativa primordial” (Wilhelm Wundt). Constitui, com a Moral, es­
pécie do gênero norma ética.
Não há, pois, pensar-se em estabelecer distinção essencial entre 
o mundo jurídico e o mundo ético, coisa ontologicamente impossível, 
mas, sim, entre o jurídico e o moral. O Direito eticamente indiferente 
dos positivistas, que encontra sua formulação definitiva nas três famo­
sas teses de Karl Bergbohm - “Não existe nenhum princípio ético geral”;
“O Direito vale unicamente para uma situação histórica determinada”; „ 
“Não podem coexistir o direito natural e o direito positivo, pois cada um 
desses sistemas exclui o outro”16 - só existe como manifestação lamen­
tável do desvio metodológico a que foi submetida a ciência jurídica nos 
séculos XVIII e XIX. Contra essa pseudociência é que foram arremes­
sadas as demolidoras criticas de von Kirchmann, no célebre opúsculo 
intitulado O Caráter Acientífico da Chamada Ciência do Direito.
O problema das relações entre norma jurídica e norma ética, que 
artificialmente se quer introduzir no centro das discussões sobre a na­
tureza do Direito, não encontra substratos material ou doutrinário que 
possam, sequer, mantê-lo como tal. Simplesmente, inexiste a questão. 
Improcede, pois, toda formulação que pretenda dar medida à compo­
sição ética do Direito, tanto aquela que vê nele apenas um mínimo eu 
co (George Jellinek), como a que, exagerando, nele divisa um máximo 
ético (Gustav Schmoller). Já Santi Romano mostrara satisfatoriamenh■ 
a impossibilidade de dimensionar, de modo apriorístico, o quantum de 
moral, de economia, de hábitos sociais de técnica etc., que se contém no 
Direito.17 |
O m uido da ética, axiológico e normativo, define-se em oposição 
ao mundo da natureza, neutro e causai. Por conseguinte, na qualidade 
de norma ética, a norma jurídica afirma não o que é, mas o que deve 
ser. O dever-ser envolve, necessariamente, o não-ser, eqüivalendo isso 
a afirmar-se que a observância da norma implica sua eventual inobser­
vância. “Parece paradoxal - dizemos com Miguel Reale - mas é fund.i
16 Karl Bergbohm, Jurisprudência e F ilosofia do Direito, p. 175, 372, 381, 3 8 4 ,4 0 3 ,4 2 5 e 455 {apud 
A lfred Verdross, L a F ilosofia dei D erecho dei M undo O ccidental p. 267-268).
17 Santi Romano, El O rdenam iento Ju ríd ico , p. 133-134.
24
CAPITULO I - CONCEITO DE NORMA JURlDICA
mentalmente verdadeira a asserção de que uma norma ética se caracte­
riza pela possibilidade de sua violação.”18
Justamente aí, nessa possibilidade de violação, encontrar-se-ia o 
traço diferencial da norma jurídica. Assim pensam, entre muitos, Kel­
sen, Hans Nawiasky e Pietro Cogliolo. Para o jusprivatista italiano, apa­
rece evidente que “a causa determinante de se tornar jurídica uma nor­
ma é dupla: por um lado a sua importância na sociedade, por outro, as 
suas freqüentes violações”. Apresenta, sem seguida, o motivo plausível 
das violações: “Na história de cada povo vê-se sempre que a passagem 
de uma norma à esfera do Direito é motivada pelas violações que ela 
sofre frequentemente e por haver desaparecido a força de adesão dos 
costumes”.19
Não é a oportunidade de aprofundar a matéria relativa às razões 
determinantes da “passagem de uma norma à esfera do Direito”. A dis­
cussão se situa no explosivo campo das relações entre Direito Natural e 
Direito positivo. Com bastante sucesso doutrinário, os contratualistas 
já o fizeram, inclusive demonstrando, com Kant, que esse momento se 
teria caracterizado induvidosamente pela institucionalização da sanção, 
que passara a ser pública e monopólio do Estado. Outra causa do pacto 
teria sido a possibilidade de violação das normas do Direito Natural, 
que então vigoravam em sua plenitude.
Atinge-se, neste ponto, o tema verdadeiramente problemático do 
Direito, porque dele derivam todas as disputas que se inserem nas várias 
províncias do conhecimento jurídico. Trata-se do tema do homem, este 
sim, fonte única e exclusiva de todo o Direito, natural e positivo.
Por que violaria o homem a norma ética? O desejo de experi­
mentar, de criar e de promover, promovendo-se, é sua vocação de ser 
incompleto, finito. Para realizar-se, não se detém diante de qualquer 
coisa que possa violar, mesmo daquilo que tem por inviolável. Sua mais 
persistente aspiração é atingir o absoluto. E nisso consiste a tragédia que 
é a sua vida.
Em Experiencia jurídica, Naturaleza ãe la Cosa y Lógica “Razo- 
nable’\ Recaséns Siches tem uma página formidável de entendimento
Miguel Reale, Lições Prelim inares de D ireito, p. 53. 
Pietro Cogliolo, Filosofia do D ireito Privado, p. 28.
25
TEORIA DA NORMA JURlDICA
filosófico sobre a projeção da problemática do homem no mundo do 
Direito. Adotemo-la, que é irretocável.
Para o jusfilósofo mexicano, “en el hombre real concurren 
dimensiones y caracteres contradictorios, que coexistem entre sí, las más 
de las veces en conflicto”. Só a respeito do homem ideal se pode predicar, 
como o fizeram antiteticamente contratualistas antigos e modernos, 
bondade ou maldade exclusiva. A respeito da posição dos primeiros, 
“uno llega a pensar que si el hombre fuese tan predominantemente 
sociable, entonces la regulación jurídica seria innecesaria”, enquanto 
sobre a doutrina dos últimos, “uno se pregunta, hasta qué punto y cómo 
resultarían posibles la implantación y el desarrollo de um orden jurídico 
entre seres tan brutos”. A realidade, porém, “es que los hombres son a 
la vez sociales y antisociales”. Eis, por fim, a síntese dialética daquilo 
que é o homem: “El hombre es un animal racional y espiritual, no sólo 
capaz de, sino además llamado a realizar altos valores morales, etc.; es 
un animal concupiscente, con múltiples y variados apetitos; um animal 
que, por una parte desea ayudar a sus congêneres y, por outra, anhela 
prevalecer sobre ellos; un animal solidário y un animal competitivo; un 
animal generoso y unanimai egoísta; un animal sensual; y un animal 
capaz de ascéticos y sublimes sacrifícios”.20
Sendo o mundo ético o mundo da conduta, e considerando o ho­
mem em suas várias dimensões, não há como afastar-se a possibilidade 
de violação da norma ético-jurídica.
Foram os romanos que problematizaram o tema, inaugurando- 
lhe o debate cientifico, afastado durante a Idade Média pela predomi­
nância da Moral sobre o Direito, a refletir a supremacia maior da religião 
sobre todo o conhecimento. Reaparece nos tempos modernos, motiva­
do pelo surto de laicização decorrente do Renascimento e da Reforma, 
logo a seguir impulsionado pelo movimento iluminista e revolucioná­
rio. Até a doutrina do Direito Natural - e por que não? - é atingida pelo 
método racionalista que, nas pegadas de René Descartes, de tudo fizera 
tábua rasâ. Para afirmar a validade do Direito Natural, Hugo Grotius 
entendera dispensável a própria existência de Deus, embora ressalvasse 
a extrema perversidade que se conteria nessa posição.
20 Luis Recaséns Siches, Experience Jurídica, Naturaleza de la Cosa y Lógica “Razonable \ p. 152-153.
26
CAPITULO I - CONCEITO DE NORMA JURÍDICA
Hoje, contam-se em mais de uma centena as teorias que procu­
ram estabelecer as diferençasentre Moral e Direito, norma jurídica e 
norma moral. E quase todas com grandes nomes a patrociná-las. Ne­
nhum filósofo moderno de destaque, nem mesmo aqueles que não se 
aplicaram particularmente ao estudo do fenômeno jurídico, conseguiu 
manter-se à margem do envolvente debate.
Por força da perspectiva metodológica que nos impulsemos, qual 
seja, a da Teoria Geral do Direito, temos de nos ater ao problema da 
distinção entre norma jurídica e norma m oral
São ambas espécies da norma ética, pelo que se ocupam de con­
dutas. Enunciam-se, porém, de modo bem distinto, porquanto uma é 
regra de vivência, a outra de convivência. Ao passo que a norma moral 
se expressa através de um juízo hipotético simples - “A” deve ser “B” - , 
a norma jurídica o faz mediante um juízo hipotético disjuntivo, que é 
composto ou complexo: “Dado H, deve ser P, ou dado nP, deve ser S”. 
Em termos concretos: dada a situação de alguém (H), obrigado dian­
te de um pretensor, na qualidade de devedor, deve ser a prestação (P), 
isto é, o pagamento; ou, dada a não-prestação (nP), deve ser a sanção, 
a saber, a atuação do poder institucionalizado com a função de realizar 
administrativa ou judicialmente o Direito violado.
Porque vincula o devedor ao credor, e este àquele, a norma jurídi­
ca é bilateral; por contemplar alternativamente as situações possíveis da 
experiência jurídica, que se cingem no satisfazer ou no não satisfazer a 
prestação, diz-se disjuntiva; e porque, finalmente, materializa a garantia 
da obrigação, apresenta-se como sancionadora.
Bilateralidade, disjunção e sanção constituem, pois, as notas ca- 
racterizadoras e discriminatórias da norma jurídica. Toda norma na 
qual apareçam em conjunto será, induvidosamente, norma jurídica. 
Mais: nenhum desses elementos, mesmo tomado de per si, integra, de 
modo indispensável, a norma moral.
7. Conteúdo da norma jurídica
A norma, disse o jurísconsulto Paulo, é elaborada com base no 
Direito, existente por si mesmo. Não é Direito, mas contém Direito, no 
sentido de enunciá-lo e de veiculá-lo. Por isso, só se forma Direito a
27
TEORIA DA NORMA JURÍDICA
partir de uma norma que o preveja. Com a norma, fórmula ou forma, 
faz-se o Direito previsto, e apenas esse.
O Direito é previsto porque a elaboração de seu modelo, a norma, 
decorreu de uma opção, entre várias possíveis. Os fatos escolhidos para 
seu suporte são somente aqueles considerados relevantes para a vida 
de convivência social. São, por isso, fatos valorados. E a medida desses 
valores dimensiona-se, objetivamente, na norma.
Nessa perspectiva pode perfeitamente afirmar-se, com Villoro 
Toranzo, que “norma jurídica es la formulación técnica de un esquema 
construído conforme a una valoración de Justicia dada por el legislador 
a un problema histórico concreto”. 21 Ressalva-se, apenas, a limitação ao 
legislador, entendendo-se esse termo com sentido abrangente das várias 
instâncias de criação normativa.
A norma representa, portanto, o resultado de uma valoração. A 
característica primordial do valor é a polaridade, ou seja, sua afirmação 
pelo confronto com o antivalor. Os valores são, ainda, polivalentes: além 
do verdadeiro e do falso, configuram-se o possível, o indeterminado etc. 
A norma prevê condutas segundo valores tidos por justos, os quais se 
oferecem aos indivíduos, do ponto de vista de sua preservação e desen­
volvimento, como desejáveis.
Prescreve a norma: dada a situação coexistencial, deve ser a pres­
tação. O dever-ser jurídico já não é abstrato, como na filosofia neokan- 
tiana. Agora, na concepção fenomenológica de Max Scheller e Hart- 
mann, ele adquire a substância de sua concreção através de um valor 
que, ademais, lhe da fundamento. Max Scheller distingue dois tipos de 
dever-ser, um ideal, o outro normativo, aquele se convertendo neste, 
quando, especialmente, o possível se torna desejável. "Um dever-ser 
ideal transftírma-se num dever-ser normativo desde que o seu conteú­
do passa a ser concebido, vivido (erlebt), por uma consciência apostada 
na sua possível realização ou a esta inclinada já por qualquer impulso 
profundo.” 22
Configura-se nesse esquema, de modo perfeito, a hipótese da 
norma jurídica. E, a partir dele, firma-se outra distinção entre lei física
21 Miguel Viiloro Toranzo, Introducción a l Estúdio dei D erecho, p. 313.
22 Max Scheller, D er Form alism us in d erE th ík , p. 214 (apud Johannes Hessen, Filosofia dos Valores, 
p. 87).
28
CAPITULO I - CONCEITO DE NORMA JURtDICA
e norma. Enquanto aquela estabelece critérios de certeza, esta propõe 
critérios de validez.
O Direito contido na norma é Direito-padrão, assim entendido 
porque consubstancia critérios de validez jurídica. Impõe-se como ins­
trumento de realização da justiça, donde lhe decorre a exigibilidade.
O conteúdo da norma constitui, pois, uma relação de justiça. A 
norma que não envolva tal relação, seguramente, não pode pretender 
ser jurídica. Exige-se, para caracterizá-la, a “homínís ad hominem pro- 
portio”, a que aludiu D ante em frase célebre: “O Direito é proporção real 
e pessoal de homem para homem, a qual, quando é mantida por estes, 
mantém a sociedade, e quando se corrompe, corrompe-a”. No original: 
“Jus est realis et personalis hominem proportio, servata hominum servat 
societatem et corrupta corrumpit”.23 A falta de justiça leva à descrença 
no Direito, antes de determinar a deterioração das instituições sociais.
A relação que se estabeleceu entre patrões e empregados, no sécu­
lo XIX, era jurídica, sem ser justa. Faltava conteúdo à norma. Quando se 
punham frente a frente para contratar, ambas as partes eram tão iguais 
perante a lei, como desiguais no tocante às condições sócio-econômicas 
que as separavam profundamente. Dessa situação decorre, como lembra 
Naranjo Villegas, “que la conducta estrictamente jurídica conduzca al 
fariseísmo, si se atiene el hombre solamente a lo que le es exigido como 
jurídico”.24
Repele-se, por temerária ao regime democrático, toda teoria que 
conceba a norma jurídica como mera forma desprovida de conteúdo, 
a exemplo daquela que foi patrocinada com invulgar sucesso por Hans 
Kelsen. Direito sem conteúdo é Direito para qualquer conteúdo. Se a 
noção de justiça, pela qual o Direito se completa e se realiza, implica 
considerações de ordem metafísica, que as façamos sem medo e com 
decisão. Subverter a ordem natural das coisas, colocando o homem a 
serviço da ciência, é que não é certo, nem vale a pena. Do homem im- 
Puro não se pode decorrer outra coisa, a não ser um Direito impuro. 
Parafraseando Rousseau, pode dizer-se que só um povo de deuses, se 
existisse, seria capaz de elaborar um Direito puro, como pretenderam,
23 Dante, D a M onarquia, Liv. II, Cap. V.
^4 Abel Naranjo Villegas, Filosofia dei D erecho, p. 261
29
TEORIA DA NORMA JURÍDICA
entre muitos, Karl Binding, Edmond Picard, Hans Kelsen, Felix K 
fmann e Fritz Schreier.
Na identificação do que representaria esse conteúdo da norma ju­
rídica, instala-se a contenda doutrinaria. Determinados autores cheg 
a atalhar qualquer possibilidade de resposta, deixando simplesmente de 
colocar o tema. Atitude que nem cômoda é. O Positivismo forçou a con­
dição de fazer-se necessário ter coragem para afirmar o Direito Natural, 
que colocara na clandestinidade. Trata-se de situação falsa, sem dúvida, 
mas que permanece apesar de tudo. Na verdade, como assevera Reca- 
séns Siches, “este principio con contenido materialse da necesariamente 
en el supremo axioma dei Derecho natural, para que el orden juríd 
constituya un deber ser obligatorio.”.25
O Direito Natural, que desse modo se introduz na norma, res­
ponderia por sua obrigatoriedade, assim se positivando. Predicou-se 
então, a partir de Thomasius, para quem o Direito Natural já era ui 
ordenação coativa, mais especialmente depois de Hegel, a identidí 
entre Direito positivo e Direito Natural. Entre nós, a tese é perfilhada , 
por Miguel Reale, que a expressa nestes termos: “Surge, assim, o conc 
to de direito natural comoconjunto das condições histórico-axiológii 
da experiência humana, sem que isto implique a existência de duas 
giões ônticas distintas. O Direito Natural é, em suma, o direito positivo 
mesmo enquanto projetado na linha ideal de seu desenvolvimento, na 
plena implicação e polaridade do homem como ‘ser passado’ e ‘ser futu­
ro’, que e’ e ‘deve ser’”. 26
Renasce o Direito Natural, em nossa época, na forma de axioloj^ia 
jurídica, através do último Readbruch, de Helmut Coing, Michel Villey, 
Giacomo P|rticone, Hans Welzel, Emilio Betti, Miguel Reale, Machado 
Paupério e tintos outros. Aliás, coisa diversa não foi ele em todos os 
tempos. Seu princípio básico, que lhe simboliza a máxima aspiraç; 
ainda é a “firme e perpetua vontade de dar a cada um o que é seu” - 
constans et perpetua voluntas jus suum cuique tribuendi - da fórmula de 
Ulpiano. E a personificação de sua imagem continua sendo Antígona, 
na trágica postura do “apelo aos Céus”.
25 Luis Recaséns Siches, ob. cit., p. 501.
26 Miguel Reale, Pluralism o e L iberdade , p. 78.
30
CAPÍTULO I - CONCEITO DE NORMA JURÍDICA
8. Conceito de norma jurídica
O conceito mais simples de norma jurídica e, talvez por isso mes- 
íno, o de maior virtualidade, embora envolva uma tautologia, é aquele 
que resulta do posicionamento da expressão sintética “jurídica” ao lado 
da correspondente expressão analítica “de Direito”: norma jurídica é 
norma de Direito, isto é, norma de fazer Direito. A norma jurídica é 
regra de fim.
Dimensionam-se, aí, os aspectos formal e material do Direito. A 
norma, que é fórmula ou forma do Direito, deve, ademais, ter Direito. O 
Direito de que se trata, logo se vê, é aquele que se põe através da norma. 
Direito positivo, portanto. O Direito posto na norma é Direito-previsão, 
ou previsão de Direito. Acontecendo o fato normativo, realiza-se a pre­
visão, surgindo daí o Direito.
Tendo-se em vista o fenômeno da concreção, adquire inteiro sig­
nificado o propósito de Arthur Kaufmann em fundamentar, a partir da 
relação aristotélica entre potência e ato, a relação entre norma e Direito. 
Cada uma dessas posições estaria a marcar a distância que vai da pos­
sibilidade à realidade.27 Só o Direito-ato tem autonomia, a saber, vida 
própria.
Em outro plano, os aspectos teóricos (normativo) e prático (ex­
perimental) do Direito se contrapõem, como tese e antítese do resultado 
que constitui o fenômeno jurídico. A concreção não se repete em ter­
mos absolutamente iguais, por isso não se automatiza. Contempla-se o 
fenômeno da divergência e da renovação jurisprudencial. Por essa via, 
começa o Direito a se formar, revitalizando-se.
Pelo que se observa, as propaladas estabilidade e segurança da 
própria norma escrita são relativas, porque, em verdade, o que se aplica 
é a interpretação normativa, e nunca a norma em seu presumível e pro­
blemático significado original. Ou melhor, suas reinterpretações, dado 
que interpretada ela já o foi, quando de sua criação. Nesse sentido, deve 
entender-se a afirmativa de Kelsen, segunda a qual “a norma funcio­
na como esquema de interpretação”. Assim sendo, “o juízo em que se 
enuncia que um ato de conduta humana constitui um ato jurídico (ou
2? Arthur Kaufmann, D ie Ontologische Bergrundung ães Rechts, 1965, p. 164 e ss. (apud D jacir 
•"íenezes, “O Direito Natural e as Ideologias da Violência Política”, in Revista d e C iência Politica, 
Vol'1 7 ,n . 2, 1974, p. 13).
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TEORIA DA NORMA JURtDICA
antijurídico), é o resultado de uma interpretação específica, a saber, de 
uma interpretação normativa”.28
A vocação especial da norma jurídica é realizar Direito. E só há 
Direito a partir de uma norma, que o preveja. O campo de incidência 
das normas jurídicas constitui o mundo do Direito. Entretanto, sempre 
haverá normas para todas as hipóteses possíveis. Se não se encontram 
explicitas no ordenamento, com certeza nele estão implícitas.
A predição das normas implícitas, que se faz indispensáveis tan­
to do ponto de-vista teórico, como pratico, está, por si só, a indicar o 
dinamismo do Direito que, por exigência social inarredável, não pode 
ficar contido em formulas rígidas, desmobilizado. O Direito, pois, está 
sempre sendo e refazendo-se, posto que o próprio fato de concretizar-se 
requer desenvolvimento e atualização.
Se assim ocorre, os marcos de delimitação do mundo jurídico se­
rão sempre mutáveis, recuando ou avançando quando o terreno desse 
diminui ou se amplia. Qualquer definição de norma jurídica seria, se 
não impossível, pelo menos insuficiente. Em todo caso, jamais se alcan­
çaria a definição exata das ciências naturais.
Assim avisados, permaneçamos na busca de seu conceito. O mais 
amplo, em proveito da maior abrangência, sem que, contudo, sejam des­
prezadas suas características essenciais, donde lhe advém a autonomia, 
ou melhor, a própria condição de existência.
Já vimos que as notas caracterízadoras da norma jurídica são a 
bilateralidade, a disjunção e a sanção. Acrescente-se, agora, que não se 
trata restritamente de sanção estatal. A sanção é a institucionalização 
do poder posto a serviço do Direito por intermédio do Estado ou das 
associaçõé|, que o elaboram e o garantem. Não se há, pois, de concei­
tuar a norma jurídica como criação exclusiva do Estado. Mais do que 
este, as pessoas individuais e os entes coletivos criam-nas todos os dias. 
Afasta-se de logo, por conter o vício original da redução, todo conceito 
de norma jurídica em termos de sanção estatal, ou, o que seria pior, de 
coatividade ou coação.
A estas alturas, os elementos fundamentais do conceito foram, 
todos, devidamente colocados. Então, com Korkounov, pode concluir- 
se que jurídicas são as normas “de delimitação de interesses, fixando o
28 Hans Kelsen, Teoria Pura do D ireito, p. 20.
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CAPÍTULO I - CONCEITO DE NORMA JURlDICA
limite entre o direito e o não-direito” (“Par conséquente, les normes de 
la délimitation des intérêts déterminent la limite entre le droit et le non- 
droit et constituent des normes juridiques”).29
Tem-se, aí, a visão do Direito como sistema de limites. A norma 
demarca, separando e estremando. A partir desse posicionamento, Wer- 
ner Goldschmidt firma uma distinção entre Direito e Moral - “el Dere­
cho separa los hombres, mientras la moral los une”30 -, que nos parece 
antes de tudo precária, posto que compromissada com o individualismo 
jurídico de cunho liberal, no qual já ninguém põe esperança. O Direito 
Social, que se constrói, não se pode compadecer com semelhante for­
mulação.
Assinale-se, contudo, a vitalidade da formula Direito-sistema-de- 
-limites. Ela serve a qualquer posição doutrinária, conseguindo, mes­
mo pairar sobre a disputa entre juspositivistas e jusnaturalistas. Aqueles 
só não aceitam, como estes propõem, que o Direito Natural também 
constitua limite do Direito positivo. Segundo entendem, os limites da 
conduta jurídica são traçados exclusivamente pelo Direito positivo. Essa 
posição foi adotada pela teoria jurídica do Liberalismo, encontrando 
sua formulação definitiva em Immanuel Kant, para quem o Direito não 
era mais do que “o conjunto de condições sobre as quais o arbítrio de 
um pode conciliar-se com o arbítrio do outro, segundo uma lei geral de 
liberdade.”31
Ê certo que não só o conceito de Kant, por exacerbadamente indi­
vidualista, como aquele que toma o Direito em função de puro interesse, 
a exemplo da clássica definição de Ihering, reeditada por Korkounov, 
são criticáveis, por ultrapassados. Pertencem à época de ouro do Libera­
lismo, já superado em grande margem pela teoria do Direito e do Estado 
Social. Para esta, os interesses e os limites se definem a partir do “nós”
- a sociabilidade das pessoas, e não do “meu” e do “teu” -, a pseudo-so- 
ciabilidade do indivíduo.
Aceita-se o conceito de Korkounov não só por possibilitar a con­
templação dessa nova realidade jurídico-social, como, também, por ter 
a virtude de abranger toda a ampla faixa do jurídico normativo, que
^9 N. M. Korkounov, Cours d e Théorie G énéraleãu D roit, p. 58. 
30 Werner Goldschmidt, Filosofia, H istoria y D erecho, p. 107. 
Immanuel Kant, Intm ducción a la Teoria dei D erecho , p.30.
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TEORIA DA NORMA JURlDICA
compreende os campos do legal, do ilícito e do lícito. Isso, do ponto 
de vista positivo, porque, sob o aspecto negativo, apresenta ela as raras 
qualidades de não vincular a essencialidade da norma à criação estatal 
e de não fazer depender sua obrigatoriedade da atuação do poder ins­
titucionalizado, ou depender sua obrigatoriedade da atuação do poder 
institucionalizado, ou coação.
9. Os campos da juridicidade
Não há conduta, isto é, sem referibilidade a Direito. Toda con­
duta, a jurídica, como a antijurídica, tem significação para o Direito. 
Mesmo o fato natural, quando interfere com as relações sociais, tem 
suas conseqüências juridicamente reguladas. Pode dizer-se, assim, que o 
mundo do Direito coincide plenamente com o mundo da sociabilidade. 
Têm ambos as mesmas dimensões.
Há certas verdades elementares, mas fundamentais, que o homem 
pode, quando muito, interpretar, se tem conhecimento delas; entretanto 
não lhe é dado, nunca, afastá-las. Como o personagem de Balzac, litera­
to, embora o ignorasse, o homem faz Direito sem estar conscientizado 
disso. O mesmo Karl Bergbohm, contestador inflexível das doutrinas 
do Direito Natural, escreveu que “todos os homens são jusnaturalistas 
natos”.32 Fazem Direito por destinação.
Quanta gente ignora que os mínimos e insignificantes atos da 
vida rotineira de cada um - como o de usar gravata nacional ou es­
trangeira, de algodão ou de náilon, curta ou cumprida, estreita ou lar­
ga, lisa ou estampada, brilhante ou fosca, azul ou branca etc. - podem, 
esses atos, |dr a receber proteção judicial. Mesmo assim, essa falta de 
conhecimento cientifico não afasta a ideia, a intuição ou o sentimen­
to do Direito que existe em cada um e em todos os homens. Figuras 
de duas épocas tão diversas quão distintas, como São Paulo e Rudolf 
von Ihering, aproximam-se todavia, ao colocarem na mesma sede - o 
coração do homem - a nota através da qual se expressa sua consciên­
cia jurídica. Diz o Apostolo dos Gentios: “os pagãos, que não tem lei, 
fazendo naturalmente as coisas que são da Lei, a si mesmos servem de 
Lei; eles mostram que a obra da Lei está escrita nos seus corações; eis
32 Karl Bergbohm, ob. cit., p. 122 (apud Erick Wolf, El C arácter Problem ático y N ecesario de la 
Ciência dei D erecho , p. 37)
34
CAPÍTULO I - CONCEITO DE NORMA JURtDICA
o testemunho de sua consciência, que ora os acusa, e ora os escusa”.33 E 
o jusfilósofo alemão: “ E afinal a mesma ideia (de sentimento jurídico) 
que eu desenvolvi no meu trabalho (A Luta pelo Direito); está escrita e 
enunciada de mil maneiras no coração de todos os indivíduos e de todos
OS povos energéticos”34
É certo que o Direito, como ato de criação normativa, é obra das 
camadas cultas da sociedade - dos filósofos e dos professores, dos advo­
gados e dos juizes. Mas, não é menos exato, também, que essa obra, para 
que seja fecundante, cumprindo assim sua finalidade, necessita traduzir 
fielmente o sentimento jurídico da nação, em tal modo compatibilizan­
do-se com a consciência popular. Se o problema da positividade com ­
preende a antítese ser e dever-ser jurídicos, a questão da eficácia envolve 
esta outra: estar ou não estar o Direito criado em harmonia com o senti­
mento popular. Esse tema, como se verá, esteve presente nas cogitações 
de Savigny, que acreditou havê-lo equacionado fazendo dos juristas re­
presentantes do povo.
O fato de o Direito positivo estar cientificamente formulado não 
afasta, pois, o principio popular de suas origens e de sua eficácia; e nem, 
muito menos, a verdade transcendente de ser o homem um animal ju­
rídico. De modo semelhante ao que Georges Gusdorf afirmou com re­
lação à Metafísica, pode dizer-se, com igual propriedade, que o homem 
faz Direito naturalmente, como respira.
Existe, pois, Direito para tudo. Se não está, de modo ostensivo, na 
norma explicita, será encontrado, ocultamente, na norma implícita. Eis 
o motivo da afirmação do Direito como totalidade lógica, querendo-se 
com isso significar que a menor omissão o invalidaria irremediavelmen­
te, tornando-o desacreditado.
No exemplo acima formulado ver-se-á que, embora a lei não 
Prescreva o uso indiscriminado de todo tipo de gravata, nem da matéria 
cuide sob qualquer pretexto, o Direito o tem por lícito, que é o mesmo 
que juridicamente permitido e, como tal, invocável erga omnes.
Já se vê que um dos equívocos de piores conseqüências consiste 
em reduzir o Direito à lei. Assim, o campo da juridicidade coincidira
33 São Paulo, Epístola aos Rom anos, cap. 2, vers. 14-15,
^4 Rudolf von Ihering, A Luta p e lo Direito, p. 8, 85 e 129.
35
TEORIA DA NORMA JURlDICA
com a esfera da legalidade. Incorpora-se a analogia legal, mas descarta- 
se a analogia jurídica, de maior potencialidade do que aquela.
Em verdade, o território jurídico comporta três qualificações dis­
tintas, constituindo os campos específicos da legalidade, da ilicitude e 
da licitude. Examinemos cada um deles separadamente.
9.1. Legalidade
A legalidade é espécie de juridicidade, ou melhor, uma juridici- 
dade qualificada. Abrange o campo do jurídico legal. Sua expressão pró­
pria é a lei, que a caracteriza e a define. Só merece esse qualificativo a 
conduta que se enquadra nas previsões da lei. O legal está na lei.
Verifica-se, portanto, que a norma formada a partir do processo 
analógico não se situa no campo da legalidade, embora dele provenha. 
Enquadra-se ela na faixa especifica da licitude, que constitui outra qua­
lificação da juridicidade.
Nada obstante haver Maquiavel superestimado as virtudes da lei, 
ao proclamar que “os homens são naturalmente maus” e só “as leis os 
fazem bons”35não se pode, em verdade, estabelecer discriminações qua­
litativas entre os campos da juridicidade. Um não é mais jurídico ou 
menos jurídico do que os outros. A distinção estabelecida pertence ao 
plano lógico-formal do Direito. Quando se fala em superioridade da lei, 
não se diz superioridade do Direito-legal, querendo apenas significar-se 
que a lei desempenha a função primordial de qualificar o jurídico. Isso, 
evidentemente, em se tratando de sistemas legislativos, a exemplo do 
nosso. Nos sistemas de Direito consuetudinário, as posições se inver­
tem, passando o costume a desempenhar aquele papel.
Foi a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, 
que entronizou o princípio da preeminência da lei, concebendo-o em 
termos de proteção aos Direitos individuais e situando-o como ponto 
definitório da liberdade jurídica. Prevalecia o entendimento de que o 
Direito não era senão um sistema de limites através do qual se determi­
nava o que era obrigatório, positiva ou negativamente. Com efeito, os 
constituintes à Assembleia Nacional francesa fizeram constar do artigo 
5o daquele documento que “a Lei não pode proibir mais do que as ações 
danosas para a sociedade. Tudo o que não é proibido pela Lei não pode
35 Nicolau Maquiavel, D iscursos, I, 2 e 3
CAPÍTULO I - CONCEITO DE NORMA JURÍDICA
ser impedido, e ninguém pode ser obrigado a fazer o que esta não or­
dena”.
O constitucionalismo moderno adotou a formula, que se inseriu, 
como convinha, entre os “Direitos e Garantias Individuais”. Sob esse ti­
tulo, a Constituição federal brasileira a incorpora na plenitude de seu 
significado: ”Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma 
coisa senão em virtude de lei” (art. 5o, II).
A lei é um sistema cerrado de hipóteses. As obrigações positivas 
(fazer) e negativas (deixar de fazer), nela enunciadas, constituem uma 
faixa limitada de previsões, rigidamente circunscrita, que é o campo do 
legal. Através deste, e por oposição a ele, define-se o campo da licitude: 
tudo o que não está ostensivamente regulado é permitido. Caracteriza- 
se a esfera do lícito por ser indefinida e ilimitada: fora das demarcações 
legais, o campo é livre.O princípio da legalidade pressupõe o Estado de Direito legislati­
vo. Nesses termos, requer a existência de uma Constituição, onde se as­
segurem a garantia dos Direitos e a separação dos poderes (Declaração 
francesa dos Direitos do homem e do Cidadão, artigo 16). É através da 
Constituição que se processa o controle formal da legalidade.
A instancia da legalidade não constitui, porém, a última razão do 
Direito. A lei não se impõe por si só, simplesmente por ser lei. Numa 
observação que tem o valor do depoimento, Carl Schmitt mostra como 
Hitler se serviu da legalidade como arma mais poderosa na construção 
do totalitarismo nazista, que arrastou o mundo à Segunda Guerra Mun­
dial. Existe, pois, como anota esse autor, “divergencia antitética entre la 
legalidad y la legitimidad”.36Compreende-las num conceito único signi­
fica aceitar a premissa básica de todo autoritarismo moderno.
Só se excepciona a antítese no caso da teoria jurídica cristã, onde 
a fonte da legalidade e a fonte da legitimidade se encontram num ponto 
de coerência doutrinaria, que é a vontade de Deus.
Após a aventura hitlerista surgiram, com mais um renascimento 
do Direito Natural, significativamente de origem germânica, as teorias 
s°bre o indispensável controle material da legalidade. Tratar-se-á dessa 
Matéria em lugar próprio, no capitulo de fecho deste trabalho, intitulado 
Legitimidade da Norma Jurídica”.
^ Carl Schmitt, Legalidad y Legitim idad, p.25.
37
TEORIA DA NORMA JURÍDICA
Resta examinar, embora de relance, a projeção da teoria da lega­
lidade em três setores específicos do Direito, o Penal, o Tributário e o 
Administrativo. Aí, distingue-se ela pelo formalismo.
9.1.1. No Direito Penal
Concluindo seu clássico Dos Delitos e das Penas, publicado sob 
pseudônimo, em 1764, Cesare Beccaria formula uma proposição que, 
embora reconhecesse “pouco conforme ao uso”, teria grande presteza 
para conservação da liberdade em “segura tranqüilidade”. Nesse “teore­
ma”, exigia que as penas fossem “ditadas pelas leis”.37
A partir de então, o princípio da anterioridade da lei penal, já 
previsto, aliás, no artigo .39 da Magna Carta de João Sem Terra, de 1215, 
iria impor-se definitivamente como postulado político-jurídico do Es­
tado de Direito. Os constituintes franceses de 1789 incluíram-no entre 
o í, Direitos imprescritíveis do Homem e do Cidadão (art. 8o), com tal 
dignidade transportado para as Constituições modernas. Feuerbach o 
expressou através de formula latina, que logo adquiriu circulação uni­
versal: “Nullum crimen, nulla poena sine lege”.
A teoria da reserva da lei penal está prevista no artigo 5o, item 
X X X IX , da Constituição brasileira de 1988 e no artigo Io do Código Pe­
nal em vigor, que desse modo a expressa: “Não há crime sem lei anterior 
que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal”.
Em Direito Penal, por conseguinte, coincidem os campos da le­
galidade e da juridicidade, cingindo-se o Direito à lei escrita. Fora dela, 
inexiste Direito de punir. Por isso, o processo analógico de integração 
é de todo pfastado, por implicar criação de Direito novo, com o que se 
instalaria %incerteza num setor onde a segurança jurídica ocupa a po­
sição de valor prioritário. Admite-se, porém, a interpretação analógica, 
ocorrente nas hipóteses exemplificadas, quando o legislador deixa ao 
interprete o encargo de completar a tabua de exemplificações. É o caso, 
v.g., do art. 171 do Código Penal, onde se tipifica o estelionato: “Obter, 
para si ou para outrem, vantagem ilícita em prejuízo alheio, induzindo 
ou mantendo alguém em erro, mediante artificio, ardil ou qualquer ou­
tro meio fraudulento”.
37 Cesare Beccaria, De los Delitos y de las P enas , p. 112.
38
CAPÍTULO I - CONCEITO DE NORMA JURfolCA
A redução da juridicidade à legalidade importa, ademais, tornar 
a conduta lícita penalmente indiferente, transformando-se o domínio 
da liberdade jurídica em válvula de escape das ações antissociais de de­
sordeiros de toda categoria, principalmente dos que tem instrução sufi­
ciente para vislumbrar os meios de delinquir, sem, contudo, caírem na 
rígidas “malhas da lei”. Essa circunstância, que constitui a aporia máxi­
ma da filosofia penal democrática, levou von Liszt a afirmar com amar­
gura, mas não sem razão, que os códigos penais modernos representam 
a magna carta da liberdade dos delinqüentes.
Evidencia-se que, mesmo onde a necessidade de redução jurídica 
se impõe, isso não ocorre senão com insanáveis prejuízos. A hipótese 
examinada comprava-o plenamente.
9.1.2. No Direito Tributário
Em posição análoga ao Direito Penal encontra-se o Direito Tri­
butário. O princípio da anterioridade da lei resulta, também aqui, de 
motivos políticos de ordem democrática.
Impuseram-no a nobreza e a plebe ao Príncipe João, passando a 
consubstanciar o artigo 12 da Magna Carta. Ao adotá-la no artigo 14 
de sua Declaração de Direitos, os constituintes franceses atribuíram- 
lhe a dignidade de garantia inalienável e imprescritível, incluindo-o en­
tre os dogmas do Estado Liberal. “Não devemos olvidar - escreve Dino 
Jarach - que foi por motivos tributários que nasceu o Estado moderno 
de Direito.”38
Pela autorização legal, o tributo se distinguira, essencialmente, 
da simples desapropriação. O verdadeiro intuito dos teóricos do Libe­
ralismo em ressalvá-la pareceu residir, antes, na ideia de “preservação 
da propriedade”. Esse sim, consoante John Locke, “o objetivo grande e 
Principal da comunhão dos homens em Estados, submetendo-se a um 
governo” (“The great and chief end, therefore, of men uniting into com- 
monwealths, and putting themselves under government, is the preser- 
vation of their property”).39
O princípio da anterioridade da lei tributaria foi, nesses termos, 
transportado para as constituições e códigos tributários modernos. A
® Dino Jarach, Curso Superior ã e D ireito Tributário, p. 24.
John Locke, Second Essay Concerning Civil Governm ent, Cap. IX, § 124.
39
TEORIA DA NORMA JURfDICA
exemplo das anteriores, a atual Constituição brasileira (art. 150, I) e o 
Código Tributário vigente (arts. 3o e 97-100) prescrevem a legalidade do 
tributo. A fórmula geral é que “nenhum tributo será exigido ou aumen­
tado sem que a lei o estabeleça”. E os tributaristas, parafraseando Feuer- 
bach, elaboraram o aforismo “nullum tributum sine lege”, mediante o 
qual a teoria da reserva da lei tributaria encontra simplificação formal.
Em matéria de tributo, portanto, repete-se o fenômeno da redu­
ção da juridicidade ao campo da legalidade. Todo o Direito Tributário 
está na lei. Nadajobstante a analogia, os princípios gerais de Direito Tri­
butário, os princípios gerais de Direito Público e a equidade constituí­
rem meios de integração do Direito Tributário, o emprego de nenhum 
deles poderá resultar na exigência de tributo não previsto por lei (Códi­
go Tributário, arts. 107-110). Confirma-se e se fortalece a hegemonia do 
princípio da legalidade.
9.1.3. No Direito Administrativo
É o Direito Administrativo o último setor de prevalência da teoria 
da reserva da lei. Pauta-se a atividade administrativa pública nos estritos 
termos da legalidade, valendo dizer que tudo aquilo que não se encon­
tra expressamente autorizado em lei está, por esse só motivo, vedado. 
As proibições tornam-se, pois, supérfluas. Exatamente o contrário do 
que acontece no domínio do Direito Privado, onde as interdições legais 
servem de marcos definitórios do extenso e prolífico campo da licitude. 
Adolf Merkl resume a situação na seguinte fórmula: “El hombre juri­
dicamente puede hacer todo lo que no lo sea prohibido expressamente 
por el derecho; el órgano, en fin de cuentas, el Estado, puede hacer so- 
lamente aq|ello que expresamente el derecho le permite, esto es, lo que 
cae dentro de su competencia”. 40
O conceito de legalidade manifesta-se, aqui, na plenitude de sua 
força política, como processo de contenção do poder em face dos in­
divíduos. Nesse contexto, Estado administrativo e Estado autoritário 
situam-se

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