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SAI II – Nefrologia Aula 5 Cecilia Antonieta 82 A 1 NEFROLITÍASE Cálculos urinários são concreções formadas por agregação de cristais e matriz orgânica no trato urinário. Habitualmente sua formação começa nas papilas renais, mas pode se originar de qualquer parte do sistema urinário. A formação de cálculos renais é um evento comum. EPIDEMIOLOGIA mais comum em homens entre 20-40 anos e em caucasianos do que hispânicos e negros (4:1). ETIOLOGIA Multifatorial. AMBIENTAIS altas temperaturas e baixa umidade do ar (clima quente e seco) favorecem a formação de cálculos. Isso ocorre principalmente quando associado à desidratação devido à baixa ingesta hídrica. DIETÉTICOS o sódio e a proteína animal em excesso são ligados à formação de litíase. Sódio é eliminado pelos rins junto com o cálcio (principal componente dos cálculos urinários). Aumentando a calciúria, há maior chance da formação de litíase. METABÓLICOS MELAMINA leva à formação de cristais e cálculos (envolvida em um escândalo de contaminação de leite em pó na China em 2008). CÁDMIUM aumenta calciúria. TRIMETHILTINA (TMT) relacionada a um subproduto do plástico. ETILENOGLICOL provoca depósito de cristais nos rins, lesão renal aguda e disfunção do SNC (escândalo de contaminação de cerveja em Belo Horizonte em 2020). ANATÔMICOS algumas alterações anatômicas provocam estase urinária, levando à uma possibilidade de depósito de cristais e formação de cálculos. Por exemplo, duplicação pielocaliceal. GENÉTICOS doença renal policística e cisitinúria. CONGÊNITOS malformações congênitas do sistema genitourinário. COMORBIDADES algumas outras doenças podem facilitar a formação de nefrolitíase. Hiperparatireoidismo Primário aumento da excreção do cálcio – maior tendência à formação de cálculos. FISIOPATOGENIA ETAPAS SUPERSATURAÇÃO urina com quantidade elevada de substâncias que se depositam. NUCLEAÇÃO formação de cristais. AGREGAÇÃO formação de cálculo. É necessário agir nas primeiras etapas, pois quando o cálculo já está formado, com rara exceções, não pode ser dissolvido. *Os cálculos de ácido úrico até podem diminuir de tamanho, mas em geral, isso não é possível. FATORES QUE FAVORES A SUPERSATURAÇÃO DISTÚRBIOS METABÓLICOS principalmente hiperex- creção do cálcio e ácido úrico. ITU predispõe a formação de cálculo e cálculo favorece a colonização patogênica. ANORMALIDADE ANATÔMICAS proporcionam estase urinária, que facilita a formação inicial dos cálculos pelo depósito de cristais. PH URINÁRIO o excesso de ácido (↓pH) reduz a absorção de cálcio, aumentando a calciúria, e facilita a deposição de ácido úrico. VOLUME URINÁRIO grande volume “lava” o trato, diminuindo a estase e o depósito de cristais. DIETA sobrecarga proteica e de sódio. IDIOPÁTICO MECANISMOS DE PROTEÇÃO protegem da supersaturação. CITRATO ligado ao cálcio torna-se um complexo solúvel, inibindo sua cristalização. MAGNÉSIO ligado ao oxalato torna-se complexo solúvel. PIROFOSFATO, GLICOSAMINOGLICANOS (GAG) E PROTEÍNA DE TAMM-HORSFALL dificultam a agregação do cálcio, oxalato e fosfato. PH URINÁRIO ÁCIDO aumenta a solubilidade do fosfato de cálcio, porém favorece a precipitação do ácido úrico. É interessante sempre manter o pH urinário dentro do padrão normal (5,5-7,5), nem muito ácido nem muito básico. SAI II – Nefrologia Aula 5 Cecilia Antonieta 82 A 2 OSTEOPONTINA (UROPONTINA), LITOSTATINA RENAL, FRAGMENTO URINÁRIO DA PROTROMBINA (UPTF1) TIPOS DE CÁLCULOS CÁLCIO oxalato de cálcio, fosfato de cálcio ou mistura dos dois. ÁCIDO ÚRICO ESTRUVITA fosfato + amônio + magnésio. CISTINA mais raros, relacionados a cistina (doença genética). OUTROS cálculos por medicamentos e outras substâncias. ESTADOS DE HIPEREXCREÇÃO HIPERCALCIÚRIAS distúrbio mais comum (50%). CAUSAS idopática (absorção excessiva de cálcio ou defeito na reabsorção tubular), hiperparatiroidismo primário, mieloma múltiplo, metástases ósseas. Diminuição da reabsorção tubular de cálcio provoca hipercalciúria, diminuindo o cálcio sérico que ativa as paratireoides – aumento da secreção de PTH. O PTH mobiliza o cálcio dos ossos e aumenta a absorção sinaliza de cálcio, para que haja normalização do cálcio sérico. Porém, o problema está na reabsorção tubular de cálcio, e isso torna-se um ciclo vicioso, que pode levar até mesmo a um hiperparatireoidismo secundário. Aumento da absorção intestinal de cálcio há aumento da produção endógena da vitamina D e da atividade do seu receptor, e hiperabsorção idiopática de cálcio no in- testino, levando a aumento do cálcio sérico que por feedback negativo reduz o PTH. Com menor atividade do PTH há diminuição da reabsorção tubular de cálcio, aumentando a calciúria para normalizar os níveis séricos. Porém com a absorção intestinal aumentada os níveis séricos voltam a subir e entra em ciclo. HIPERURICOSÚRIA distúrbio menos frequente, porém relacionado ao início da nucleação dos cálculos de cálcio (núcleo de ácido úrico e agregação de cálcio). FATORES DE RISCO PARA HIPERSECREÇÃO DE ÁCIDO ÚRICO obesidade, DM, SM e dieta rica em purinas (carne vermelha, miúdos e frutos do mar). Pacientes com doenças linfoproliferativas (linfomas, leucemias) que fazem quimioterapia quando ocorre lise tumor há liberação muito grande de purinas, que podem provocar a formação de cálculos de ácido úrico e até levar à insuficiência renal. Os cálculos de ácido úrico formam-se na presença de u- rina ácida, por isso é essencial alcalinizar a urina de paci- entes que tenham tendência a formar esses cálculos. HIPEROXALÚRIA incidência crescente, também pode estar relacionado ao início da nucleação dos cálculos de cálcio. O oxalato é obtido na dieta, principalmente a partir da degradação do ácido ascórbico. Sua síntese é realizada no fígado e eritrócitos. CISTINÚRIA distúrbio raro de herança autossômica recessiva, causada por instabilidade no manuseio dos aminoácidos dibásicos (“COLA” – cistina, ornitina, lisina e arginina), há supersaturação desses na urina, facilitando a formação de cristais. A cistina é pouco solúvel na urina e acima de 200 mg/24h pode levar à formação de cálculos. Ao se encontrar um cristal de cistina no sumário de urina, tipo pelo formato hexagonal, deve-se investigar o paciente. Indivíduos homozigóticos excretam quantidade maiores. ALTERAÇÕES DO PH URINÁRIO A urina excessivamente ácida facilita a deposição de ácido úrico, enquanto a urina excessivamente alcalina facilita o depósito de fosfato de cálcio – isso pode ocorrer na acidose tubular renal (ATR) distal, levando à nefrocalcinose. Na nefrocalcinose o depósito ocorre dentro do parênquima renal, diferente da nefrolitíase, em que o depósito acontece no via urinária. INFECÇÕES DO TRATO URINÁRIO Nas infecções do trato urinário (ITUs) por bactérias pro- dutoras de urease, como Proteus e Klebsiella, há a de- gradação de ureia em amônia e bicarbonato, elevando o pH urinário. O bicarbonato transforma-se em carbona- to e forma o carbonato de apatita, junto com cálcio e fosfato. Já a amônia agrega-se com fosfato e magnésio formando a estruvita. Essa duas substâncias levam à for- mação de cálculos coraliformes, que moldam-se à pelve renal, sendo extremamente destrutivos e a sua presen- ça facilita a manutenção da infecção. SAI II – Nefrologia Aula 5 Cecilia Antonieta 82 A 3 Deve-se tentar retirar ao máximo todo o cálculo por cirurgia, pois ele se refaz no trato urinário e leva à destruição do rim afetado. DEFICIÊNCIA DE INIBIDORES HIPOCITRATÚRIA pacientes que tem citrato urinário baixo possuem uma tendência muito maior à agregação de cálcio. Além disso, por ser um ácido, o citrato auxilia na manutenção do pH urinário. O citrato tem origem no metabolismo celular (ciclo de Krebs) e na ingestão alimentar, e suas principaisfontes são frutas cítricas (principalmente o melão), leite e seus derivados. A hipocitratúria atinge 20 a 50% dos pacientes com litíase, e pode ocorrer como um distúrbio isolado ou em combinação com outros (ex: hipercalciúria). A reposição de citrato deve ser feita em todos os pacientes com hipocitratúria, e seus efeitos adversos mais comuns são decorrentes da irritação intestinal causada por essa substância, como desconforto abdominal, náuseas, vômitos, diarreia e redução dos movimentos intestinais. QUADRO CLÍNICO O paciente pode ser assintomático, mas na maioria das vezes apresenta queixa de dor lombar. DOR LOMBAR tipo cólica, de grande intensidade e ocorre principalmente durante a migração do cálculo pelas vias urinárias, devido à obstrução que resulta em distensão da cápsula renal. IRRIADIÇÃO de acordo com a localização do cálculo. Pelve renal flancos. Terço médio do ureter fossa ilíaca. Próximo à junção ureterovesical região escrotal/grandes lábios. Não há fatores de melhora ou piora e analgesia simples normalmente não basta. É importante atentar-se às características, pois a maior parte das lombalgias não são de origem renal, mas sim de caráter mecânico. Quando o cálculo cai na bexiga, é pouco provável que vá impactar na uretra. Para fazer impacto na uretra, é necessário que seja um cálculo grande (maior que 1 cm). OUTROS SINTOMAS HEMATÚRIA não glomerular micro ou macroscópica. NÁUSEAS E/OU VÔMITOS pelo estímulo do reflexo vagal. SUDORESE ANÚRIA pacientes com rim único e obstrução por nefrolitíase podem evoluir com franca IRA. ARDOR MICCIONAL no jato terminal, quando a bexiga se esvazia e se contrai, irritando o trígono vesical. *Na ITU o ardor começa no início da micção. A nefrolitíase causa uma predisposição à infecção urinária. Assim, o paciente pode apresentar também sintomas sistêmicos (febre, calafrios) e urinários (disúria, polaciúria, urgência miccional) de ITU. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL Pielonefrite, cólica biliar, pancreatite aguda, apendicite, úlcera péptica, cisto de ovário roto, diverticulite, gravidez ectópica, dor lombar de caráter mecânico. AVALIAÇÃO METABÓLICA Não deve ser feita na fase aguda. INDICAÇÕES HISTÓRIA DE ELIMINAÇÃO ESPONTÂNEA DE CÁLCULO RENAL se for um episódio único em criança, sempre investigar. No adulto, se for episódio único há controvérsia se é necessário fazer a investigação. CÁLCULO DIAGNOSTICADO POR RADIOGRAFIA, ULTRASSONOGRAFIA OU TOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA RETIRADA CIRÚRGICA OU ENDOCÓSPICA DE CÁLCULO INVESTIGAÇÃO LABORATORIAL AMOSTRA ISOLADA DE URINA SUMÁRIO DE URINA sinais sugestivos de infecção, cristais. UROCULTURA busca por bactérias, principalmente produtoras de urease. Estreitamentos do ureter locais mais prováveis de cálculo. 1. passagem pelo polo inferior do rim; 2. cruzamento sobre os vasos ilíacos (entrada na cavidade pélvica); 3. junção uterovesical (JUV) – região mais estreita (2 mm). SAI II – Nefrologia Aula 5 Cecilia Antonieta 82 A 4 PH URINÁRIO a avaliação deve ser feita após a coleta o mais imediatamente possível, pois o contato com o ar altera o pH da urina. TESTE QUALITATIVO DE CISTINA URINA DE 24 HORAS o ideal seria a coleta de duas amostras em dias consecutivos e com a dieta habitual. DOSAR cálcio, ácido úrico, fósforo, creatinina, bicarbonato, oxalato e citrato. Pode-se dosar também o sódio, para avaliar se a ingesta de sal do paciente está muito elevada. ANÁLISE CRISTALOGRÁFICA DO CÁLCULO exame padrão-ouro. ALTERAÇÃO METABÓLICA E CRITÉRIO DIAGNÓSTICOS NOS PACIENTES ADULTOS COM NEFROLITÍASE HIPERCALCIÚRIA IDIOPÁTICA na vigência de normocalcemia. Em urina 24 horas: Mulheres > 250 mg; Homens > 300 mg; Ambos os sexos e crianças > 4mg/kg. HIPERSECREÇÃO DE ÁCIDO ÚRICO em urina 24 h: Mulheres > 750 mg; Homens > 800 mg; Considera-se “uricosúria marginal” > 600 mg. HIPEROXALÚRIA > 44 mg em urina de 24 horas. HIPOCITRATÚRIA < 320 mg em urina de 24 horas. Realizar reposição. CISTINÚRIA em amostra de urina: qualitativo positivo – quantificar em 24 horas. > 100 mg em urina de 24 h. ACIDOSE TUBULAR RENAL (ATR) DISTAL pH urinário jejum > 5,5. Na vigência de acidose metabólica sistêmica (forma completa). Teste com cloreto de amônio para induzir acidose nos casos de ATR incompleta. TRATAMENTO CRISE AGUDA ANALGESIA depende da intensidade da dor, pordendo usar dipirona, AINEs (avaliar função renal), derivados de morfina e morfina. HIDRATAÇÃO tomar cuidado com a volemia do pacientes, pois na obstrução o aumento do volume pode piorar a dor. RECORRENTE Realizar avaliação metabólica. O tratamento pode envolver manejo clínico e cirúrgico combinados. DE ACORDO COM ALTERAÇÕES METABÓLICAS HIPERCALCIÚRIA IDIOPÁTICA dieta restrita em sal e proteína animal, dieta normocálcica, diuréticos tiazídicos ou indapamida, citrato de potássio. iniciar com doses baixas de hidroclorotiazida (com ou sem amilorida) ou clortalidona ou indapamida. HIPERPARATIREOIDISMO PRIMÁRIO paratireoidec- tomia. HIPERURICOSÚRIA dieta, alopurinol (inibidor da xantina-oxidase), citrato de potássio (alcalinização da urina, pode ser substituído por bicarbonato de sódio). HIPEROXALÚRIA ENTÉRICA dieta rica em cálcio (que- la o excesso de oxalato no intestino), citrato de potássio. HIPOCITRATÚRIA dieta rica em frutas (melão) e vegetais, citrato de potássio (≈ 10 a 60 mEq/dia). CISTINÚRIA Dieta, Citrato de Potássio, D-Penicilamina (Cuprimine), Tiopronin (Thiola), Glutamina, Captopril. Hidratação vigorosa com ingestão hídrica superior a 4 dias + alcalinização da urina com pH > 7. ACIDOSE TUBULAR RENAL DISTAL citrato de potássio, diurético tiazídico se hipercalciúria. Alternativa: citrato de sódio ou bicarbonato de sódio. LITÍASE POR INFECÇÃO (ESTRUVITA) Antibiótico terapêutico e profilático, Ácido Acetoidroxâmico (não utiliza muito), Remoção cirúrgica dos cálculos. INDICAÇÕES PARA PROCEDIMENTOS CIRÚRGICOS obstrução grave ou prolongada, infecção, sangramento excessivo, dor intratável. MEDIDAS GERAIS Devem ser indicadas para todos os pacientes. ▪ Aumento da ingesta hídrica (principalmente em locais de clima seco e quente); ▪ Restrição de sal; ▪ Diminuição da ingestão de proteínas de origem animal (especialmente carne vermelha); ▪ Atividade física regular (auxilia o controle da DM, HAS e obesidade); ▪ Adequação de fatores ambientais; ▪ Cuidado na ingestão de cálcio (não restringir – dieta normocalcêmica). SAI II – Nefrologia Aula 5 Cecilia Antonieta 82 A 5 NEFROCALCINOSE Depósito de cristais de cálcio no parênquima renal, podendo ser medular ou cortical. Condição geralmente assintomática, cujo diagnóstico é realizado por exames de imagem. CAUSAS hiperparatireoidismo primário, acidose tubular renal (ATR), rim esponjoso-medular (pode ter cálcio nos túbulos coletores dilatados), sarcoidose, uso prolongado de furosemida, corticosteroides. A nefrocalcinose pode evoluir com disfunção renal importante, mas não há como retirar as calcificação. O tratamento limita-se a tratar a causa base e realizar acompanhamento da função renal, buscando evitar a progressão da doença renal crônica.
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