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FISIOLOGIA: ENDOCRINOLOGIA 1 Glândula Tireoide Hormônios tireoidianos Os hormônios tireoidianos são formados pelo acoplamento de duas moléculas de tirosina iodada. São eles: • 3,5,3’,5’-tetraiodotironina (tiroxina ou T4): 90% da produção da glândula; é um hormônio mais fraco, podendo ser considerado um pró-hormônio • 3,5,3’-triiodotironina (T3): aproximadamente 10% da produção tireoidiana; é a forma ativa do hormônio da tireoide • 3,3’,5’-triiodotironina (T3 reversa ou rT3): é menos de 1% do total; é o hormônio tireoidiano inativo Então, pelo T3 ser a forma ativa do hormônio tireoidiano, o corpo faz uma conversão periférica do T4 em T3, em órgãos como fígado e rins (alto fluxo sanguíneo e rápida troca com plasma). A conversão do T4 é tida pelas enzimas: • Deiodinase tipo 1 (D1): ocorre no fígado, rins e na tireoide; tem uma afinidade relativamente baixa para o T4. • Deiodinase tipo 2 (D2): ocorre nas células da glia do SNC e apresenta alta afinidade com o T4; essa enzima mantém as concentrações de T3 no SNC mesmo que haja uma queda brusca de T4 circulante. Nos tireotrofos hipofisários, a D2 atua como um sensor do eixo tireoidiano, que regula o feedback negativo tireoidiano para a secreção de TSH (se os níveis de T4 ; ocorre secreção de TSH; o contrário também é verdade). Além disso, também existe uma desiodinase inativadora, chamada de desiodinase tipo 3 (D3). Ela faz a conversão do T4 em rT3. A deiodinase tipo 3 aumenta durante o hipertireoidismo, o que ajuda a amortecer a produção excessiva de T4. Todas as formas de iodotironinas eventualmente são desiodadas mais tarde em tironina não iodada. Equilíbrio do iodeto Um adulto necessita de cerca de 150 microgramas de iodeto, 90 a 120 para crianças e 200 para gestantes. Esse composto é concentrado ativamente pela tireoide (captação diária entre 70 à 80 microgramas de iodeto), glândulas salivares, gástricas, lacrimais, mamárias e plexo coroide. Se houver uma absorção corporal de iodeto maior que a necessária, o excedente será excretado na urina. Na tireoide, há cerca de 7500 microgramas de iodeto, que estão na forma de iodotironina armazenada na tireoglobulina do coloide. Diariamente, cerca de 70 a 80 microgramas são liberados da tireoide, tanto na forma de hormônio tireoidiano (75%), quanto na forma de iodeto livre (25%). Essa grande concentração de iodeto na tireoide é importante pois protege o organismo contra a deficiência de iodeto por até 2 meses. Síntese e secreção dos hormônios tireoidianos Para a formação dos hormônios tireoidianos, 2 precursores são necessários, o iodeto e a tireoglobulina. A tireoglobulina é produzida pelas células foliculares e secretado no lúmen folicular. Já o iodeto é transportado do sangue para as células foliculares da tireoide por meio de um simporter de sódio-iodeto (NIS → presente também na placenta, glândulas salivares e mamas), localizado na membrana basolateral dessas células. O NIS transporta um íon iodeto e 2 íons sódio para o meio Figura 1. Distribuição e metabolismo do iodo em humanos. HI→ iodo associado ao hormônio. FISIOLOGIA: ENDOCRINOLOGIA 2 intracelular com gasto de ATP. A expressão do gene NIS é inibido pelo iodeto e estimulado pelo TSH. Após sua entrada na glândula, o iodeto vai para a porção apical das células foliculares e é transportado para o lúmen folicular por meio de um transportador de iodo/cloreto independente de sódio, chamado de pendrina. No lúmen folicular (onde contém o coloide), o iodeto é oxidado e incorporado à tireoglobulina; uma iodação única fornece uma monoiodotirosina (MIT); uma segunda iodação do mesmo resíduo produz diiodotirosina (DIT). Duas moléculas de DIT acopladas formam o T4; uma MIT e uma DIT formam o T3 (nesse momento, o T3 e T4 ainda estão ligados à tireoglobulina). Essa sequência de reações é catalisada pela tireoide peroxidase (TPO). O oxidante imediato (aceptor de elétrons) para a reação é o peroxido de hidrogênio (H2O2). A geração de H2O2 na luz folicular é catalisada por oxidases duais (DUOX1, DUOX2). A tireoglobulina iodada é internalizada na célula folicular por endocitose mediada por receptor e sua vesícula é fundida a lisossomos celulares. As enzimas lisossomais degradam o arcabouço de tireoglobulina e liberam o hormônio tireoidiano, a MIT e a DIT acoplados. Por conseguinte, os hormônios se movem através da membrana basolateral das células por meio de transportadores para o sangue. Já a MIT e DIT são desiodados pela enzima iodotirosina deiodinase, que acaba reciclando o iodeto para a síntese de T3 e T4. Quantidades mínimas de tireoglobulina deixam a célula folicular em circunstâncias normais. Quando ocorre pouco iodeto circulante, a formação de T3 é favorecida na tireoide, já que é um composto mais potente que o T4. A proporção de T3 também aumenta quando a glândula tireoide é hiperestimulada por TSH ou outros ativadores. Transporte e metabolismo dos hormônios tireoidianos Os hormônios tireoidianos estão quase completamente ligados às proteínas plasmáticas (0,03% do T4 e 0,3% do T3 estão livres no plasma). As proteínas que se ligam são: • Globulina de ligação a tiroxina (TBG): principal proteína de ligação; se liga a 70% do T3 e T4 circulante; é sintetizada no fígado; • Proteína de ligação tireoidiana específica (transtirretina ou TTR): se liga entre 10 a 15% dos hormônios • Albumina: se liga a 15 a 20% • Lipoproteínas: 3% dos hormônios Dessa forma, a proteína mais importante é a TBG, exercendo um efeito de reservatório circulante de T4 (capaz de tamponar alterações agudas da função da tireoide) e evitar perdas dos hormônios pela urina (ajuda na conservação do iodeto). Feedback negativo promovido pelos hormônios tireoidianos O T4 livre é convertido em T3 pela D2 da hipófise e esse composto entra nas células hipofisárias. O T3 causa, então, uma retroalimentação negativa da hipófise para diminuir a secreção de TSH, pois leva à repressão da expressão gênica da subunidade TSH- beta. Os hormônios da tireoide também retroalimentam os neurônios hipotalâmicos que secretam o hormônio liberador de tireotrofina (TRH). Nesses neurônios, o T3 inibe a expressão do gene de pré-pró-TRH. Já a autorregulação da própria tireoide é feita pelo iodeto, que, em níveis muito baixos, reduz a taxa de síntese hormonal tireoidiana. Todavia, se a ingestão de iodo ficar acima de 2 mg/dia, a concentração de iodeto na glândula atinge níveis tão altos que suprime a atividade da TPO, bloqueando a síntese hormonal. Esse processo é chamado de efeito de Wolff-Chaikoff. Após um certo período, ocorre a redução da expressão dos transportadores NIS, o que faz com que os níveis de iodeto intraglandular diminuam, reestabelecendo a função da TPO dentro de dias. Regulação da função da tireoide Figura 2. Síntese e secreção de hormônios tireoidianos pelas células epiteliais da tireoide. FISIOLOGIA: ENDOCRINOLOGIA 3 O principal regulador do funcionamento tireoidiano é o TSH, secretado pela adeno-hipófise. Ele causa 3 tipos de ações na tireoide: • Efeitos imediatos: pinocitose de gotículas de coloide no citoplasma, aumentando a quantidade de tireoglobulina na célula; estimula a proteólise da tireoglobulina e liberação do T3 e T4; aumento da captação do iodeto e da atividade da TPO; estimula a entrada de glicose na via de shunt da hexose monofosfato, que gera NADPH necessário para a reação de peroxidase • Efeitos intermediários (ocorrem após horas/dias): aumento da síntese e expressão de proteínas que codificam o NIS, tireoglobulina e TPO • Efeitos a longo prazo: hipertrofia e hiperplasia das células foliculares, acompanhado de proliferação capilar e de fluxo sanguíneo → quando ocorre muita secreção de TSH, pode se formar o bócio (aumento da tireoide) Efeitos fisiológicos dos hormônios tireoidianos Esses hormônios atuam em todas as células e tecidos, tendo efeitoscardiovasculares, sobre a taxa metabólica basal e termogênese, respiratórios, nos músculos esqueléticos, sobre o SNA, sobre o crescimento e maturação, sobre os ossos, tecidos duros e derme, sobre o SN e sobre os órgãos reprodutores e glândulas endócrinas. Efeitos cardiovasculares • T3 aumenta o débito cardíaco → fornece O2 suficiente para os tecidos • da frequência cardíaca e do volume sistólico em repouso • da velocidade (efeito cronotrópico positivo) e da força de contração miocárdica (efeito ionotrópico positivo), bem como encurtamento do tempo de relaxamento diastólico (efeito lusitrópico positivo). • pressão arterial sistólica e da pressão arterial diastólica • da resistência vascular sistêmica devido à dilatação da circulação periférica • do volume sanguíneo total pela ativação do eixo renina-angiotensina-aldosterona ( da reabsorção de sódio nos túbulos renais) O efeito do aumento da força de contração miocárdica se deve por efeitos diretos e indiretos: • Efeitos diretos: ➢ Aumento da expressão da cadeia pesada de alfa-miosina (proteína responsável pela contração muscular) ➢ Inibição do trocador Na/Ca na membrana plasmática → assim a célula deixa de perde Ca para o meio extracelular ➢ Aumento da atividade da Ca++-ATPase do retículo sarcoplasmático (SERCA → proteína que causa a internalização do cálcio para dentro do retículo sarcoplasmático) → isso faz com que haja uma grande disponibilidade de cálcio dentro do miocárdio (no retículo sarcoplasmático - RS), em vez do cálcio ser jogado para o meio extracelular pelo trocador Na/Ca ➢ Diminuição da atividade da fosfolambam (essa proteína inibe a atividade da SERCA) → então, com a inibição da fosfolambam, a SERCA fica mais ativa e causa maior internalização de cálcio no RS, promovendo o relaxamento rápido da musculatura cardíaca ➢ Aumento dos canais de rianodina (canais que promovem a saída do Ca do RS para a contração) → faz com que muito cálcio seja rapidamente disponibilizado durante a sístole • Efeitos indiretos: maior sensibilidade a catecolaminas Além disso, vale ressaltar também, que o aumento da frequência e do débito cardíaco se deve principalmente ao aumento do volume sanguíneo, que faz a ativação do mecanismo de Frank Starling do coração (coração bombeia todo o sangue a que ele chega; se o volume sanguíneo, o bombeamento). Figura 3. Efeitos diretos e indiretos que promovem o aumento da força de contração cardíaca, bem como efeitos do aumento do volume sanguíneo. Note que o aumento da força cardíaca também causa uma maior frequência e débito cardíacos. FISIOLOGIA: ENDOCRINOLOGIA 4 Efeitos sobre a taxa metabólica basal • Efeitos nos carboidratos: ➢ a absorção de glicose no TGI ➢ a metabolização no organismo (captação, oxidação e síntese de glicose) • Efeitos lipídicos → efeito final: metabolismo lipídico aumentado ➢ No tecido adiposo, induz enzimas (caboxilase acetil-CoA e síntese de ácido graxo) para a síntese de ácidos graxos ➢ a lipólise pelo aumento de receptores beta- adrenérgicos ➢ a eliminação de quilomícrons • Efeitos proteicos ➢ liberação de aa. musculares ➢ degradação de proteínas ➢ síntese proteica e formação de ureia Portanto, os efeitos dos hormônios tireoidianos se assemelham aos efeitos estimulantes da adrenalina, noradrenalina, glucagon, cortisol e GH sobre a gliconeogênese, lipólise, cetogênese e proteólise do pool de proteínas lábeis. Além disso, o hormônio tireoidiano estimula a síntese de ácidos biliares a partir de colesterol e promove a secreção biliar. O efeito resultante é uma diminuição do pool corporal e dos níveis plasmáticos de colesterol total e de lipoproteína de baixa densidade. Efeitos na termogênese Com relação à termogênese, os hormônios tireoidianos regulam a proteína UCP1 (ou termogenina) expressa na gordura marrom, que faz com que o gradiente de prótons criado no espaço intermembranas da mitocôndria seja dissipado na forma de calor. Outrossim, os adipócitos marrons apresentam a D2, que permite a conversão intracelular de T4 em T3, trazendo um maior efeito tireoidiano. Esse aumento da termogênese depende da tireoide e do sistema nervoso simpático: • Catecolaminas: promovem a lipólise e estimulam a expressão de D2 • T3: estimula os receptores adrenérgicos e potencializa a resposta a catecolaminas. Efeitos respiratórios • a frequência respiratória • o volume-minuto • a resposta ventilatória à hipercapnia e hipóxia • hematócrito (estimulação da produção de eritropoetina nos rins) Essas ações mantêm uma PO2 arterial normal quando a utilização de O2 está aumentada e uma PCO2 normal quando a produção de CO2 está aumentada Efeito nos músculos • da glicólise e glicogenólise • glicogênio e da creatina fosfato → o. A incapacidade de captação e de fosforilação de creatina nos músculos provoca sua maior excreção urinária. Efeitos no SNA T3 pode potencializar a atividade do sistema nervoso simpático por meio de um aumento do número de receptores β-adrenérgicos nos músculos cardíacos e pela geração de segundos mensageiros intracelulares como o monofosfato de adenosina cíclico (AMPc). Efeitos sobre o crescimento e a maturação Uma quantidade pequena de hormônio tireoidiano atravessa a placenta e o eixo fetal da tireoide torna-se funcional na metade da gestação. O hormônio da tireoide é extremamente importante para o desenvolvimento neurológico normal e formação óssea adequada no feto. Efeitos sobre os ossos, tecidos duros e derme • Em crianças e adolescentes: a maturação e a atividade de condrócitos na placa de crescimento cartilaginosa, em parte pelo aumento da produção e da ação local do fator de crescimento. ➢ Promove a ossificação endocondral ➢ Crescimento ósseo linear ➢ Maturação dos centros ósseos epifisários ➢ Promove o desenvolvimento e erupção dos dentes • Em adultos: ➢ Favorece as ações de hormônio de crescimento, fator de crescimento semelhante à insulina (IGF)-I e outros fatores de crescimento ➢ Favorece a renovação do ciclo normal de crescimento e maturação do tegumento ➢ Favorece a remodelagem óssea ➢ Regula a estrutura do tecido subcutâneo, inibindo a síntese e aumentando a degradação de mucopolissacarídeos (glicosaminoglicanos) e fibronectina no tecido conjuntivo extracelular Efeitos sobre o SNC FISIOLOGIA: ENDOCRINOLOGIA 5 • Em fetos, regula completamente o momento e o ritmo do desenvolvimento do SNC → falta de hormônios tireoidianos na gravidez causam problemas seríssimos ao feto • a vigília, o nível de alerta, a sensibilidade a múltiplos estímulos, o sentido da audição, percepção da fome, memória e capacidade de aprendizado • Regula o tônus emocional normal • a velocidade e a amplitude dos reflexos nervosos periféricos • a motilidade do TGI e produção de enzimas digestivas Efeitos sobre os órgãos reprodutores e glândulas endócrinas O ciclo ovariano normal de desenvolvimento folicular, maturação e ovulação, o processo testicular homólogo da espermatogênese e a manutenção do estado gestacional saudável são todos perturbados por desvios importantes dos níveis de hormônio tireoidiano em relação à faixa normal. Em parte, esses efeitos nocivos podem ser causados por alterações no metabolismo ou na disponibilidade de hormônios esteroides. Mecanismo de ação do hormônio tireoidiano O T3 e T4 são internalizados na célula por meio de transportadores, principalmente o MCT8 e MCT10; o transportador OATP1C1 desempenha o transporte de T4 pela barreira hematoencefálica. Após estar dentro da célula, esses hormônios, principalmente o T3, se liga a receptores de hormônios tireoidianos (TR). Esse receptor é transcrito por dois genes: • THRA: localizado no cromossomo 17; codifica o TRalfa, que é alternativamente (splicing) dividido em duas isoformas principais: ➢ TRalfa1:é um receptor genuíno; é expresso intensamente no músculo cardíaco e esquelético; é o mediador primário da ação do hormônio tireoidiano sobre o coração ➢ TRalfa2: não se liga ao T3 • THRB: cromossomo 3; forma duas isoformas de alta afinidade por T3: ➢ TRbeta1: expresso no encéfalo, fígado e rins ➢ TRbeta2: expresso na hipófise, áreas críticas do hipotálamo, cóclea e retina → esse receptor ligado ao T3 inibe a expressão do gene de pré- pró-TRH nos neurônios paraventriculares do hipotálamo e do gene da subunidade beta de TSH nos tireotrofos hipofisários, fazendo o efeito de feedback negativo. TR forma heterodímeros com RXR (receptor de retinoide X). TR-RXR sem ligante liga-se ao elemento de resposta tireoidiana nos genes alvo e recruta correpressores que inibem a transcrição gênica. Após a ligação a T3, os correpressores são liberados e coativadores são recrutados para o complexo hormônio-receptor, induzindo a transcrição gênica. Ademais, existem evidência de ações mediadas por receptores do T3 e do T4 sobre a membrana plasmática, mitocôndrias ou citoplasma. Por exemplo, foi descrito que isoformas truncadas de TRα1 que se ligam a T3 na membrana plasmática medeiam efeitos não-genômicos nos ossos ou que a ligação a T4 no citoplasma regula a organização de microfilamentos. Também foi descrito que uma integrina, ανβ3, pode atuar como receptor de T4 na superfície celular para regular a proliferação celular e a angiogênese por um mecanismo não-genômico. Figura 4. Mecanismos de ação do hormônio tireoidiano, incluindo o papel dos transportadores MCT, D2 deiodinase e heterodímero TR-RXR. CoA→coativador; CoR→correpressor; RXR→receptor de retinoide X
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