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O LIVRO DIDÁTICO E AS ATIVIDADES DE ANÁLISE LINGUÍSTICA Daisy Domingos Gonçalves Moreira - bolsista PIBIC-UEMS1 Silvane Aparecida de Freitas – orientador UEMS2 Unidade Universitária de Paranaíba/MS Resumo Temos como objetivo nesta comunicação apresentar a análise de um capítulo do livro didático Língua e linguagem, da autora Eliana Garcia, do 3º ano do ensino fundamental, sobre como está sendo apropriado o conceito de análise lingüística neste livro. Tivemos o objetivo de verificar se as propostas de atividades desse livro didático estão em consonância com as atuais teorias de ensino de língua materna, já que o livro é um dos grandes instrumentos no processo ensino/aprendizagem, e, muitas vezes, o único material de apoio do professor. Mediante análise deste capítulo, podemos afirmar que o livro didático citado não está totalmente de acordo com as atuais teorias de ensino, não atividades de analise lingüística propriamente ditas, apenas atividades esporádicas de reflexão sobre a língua. Palavras-chave: Análise linguística. Ensino de Língua Materna. Leitura. Escrita Abstract Our objective in this communication present the analysis of a chapter of the textbook LANGUAGE AND LANGUAGE, the author Eliana Garcia, of the 3rd year of elementary school, how appropriate is the concept of linguistic analysis in this book. We want to verify that the proposed activities of the textbook are in line with current theories of teaching language, because the book is one of the great instruments in teaching / learning, and often the only material support from the teacher. By analysis of this chapter, we can affirm that the mentioned text book is not totally in agreement with the current teaching theories, mainly in relation to the activities of linguistic analysis. Keywords: Teaching mother tongue. Current teaching theories. Reflection of the language. Introdução A presente pesquisa surgiu da necessidade de aprofundar os estudos sobre o ensino de Língua Portuguesa, ressaltar a importância da análise lingüística para ampliar a competência lingüístico-discursiva do aluno em processo de formação. Sabemos que o ensino gramatical em sala de aula tem sido muito exaustivo e tem gerado desinteresse nos alunos e, consequentemente, nos professores, pois todos os anos são os mesmos conteúdos trabalhados de forma descontextualizada, atividades mecanicistas e muito abstratas. Apesar de os PCN de língua portuguesa apregoarem que o ensino de língua deva centrar-se em três práticas: prática de leitura; de produção de texto e análise lingüística, o ensino de língua materna ainda ocorre de forma fragmentada, não integrando essas três práticas. Partimos do princípio de que os PCN e Livros didáticos deveriam ter a mesma perspectiva de ensino, ou seja, os LD por serem oriundos também do MEC, deveriam apresentar atividades de ensino de língua materna segundo a mesma perspectiva teórica dos PCN. Portanto, esse será o nosso olhar para o LD didático em análise, como esse livro apresenta as atividades de reflexão sobre a língua? Estão em consonância com o apregoado pelas atuais teorias de ensino? Temos como objetivo de pesquisa fazer uma reflexão sobre como está sendo apropriado o termo análise lingüística no livro didático LÍNGUA E LINGUAGEM, da autora Eliana Garcia, editora Saraiva, 2ª edição reformulada-2004, 1ª tiragem-2006, São Paulo, PNLD, 2007, do 3º ano do ensino fundamental, com o fito de verificar se há transposição do apregoado pelas atuais teorias de ensino de língua materna para as atividades de reflexão sobre a língua nesse livro didático. Assim sendo, pretendemos direcionar nosso olhar para o LD – Língua e linguagem - no intuito de verificar se as atividades sugeridas objetivam levar o aluno a refletir sobre o uso lingüístico, a ampliar a competência comunicativo-discursiva dos sujeitos em formação. Se oferecem subsídios para que os estudantes possam conhecer as características textuais de diversos gêneros textuais para, em seguida, transpor tais conhecimentos para suas produções escritas Metodologia Essa pesquisa é de cunho bibliográfico e documental. Bibliográfico por realizar um levantamento bibliográfico das pesquisas científicas sobre a prática de análise lingüística desenvolvidas a partir de 1980. E documental, devido ao fato de recorrer a uma análise de um documento oficial de ensino, o livro didático, objetivando contrapor as teorias de análise lingüística às atividades de reflexão sobre a língua propostas nesse LD. Pretendemos realizar um levantamento bibliográfico sobre o que as teorias de ensino de língua materna têm defendido sobre a prática de análise lingüística, objetivando buscar subsídios para a análise e reflexão das atividades sobre a língua no livro didático em estudo. A abordagem de pesquisa utilizada é qualitativa ou interpretativista, uma vez que nossa pretensão não é a de quantificar dados, mas tecer significados/produzir sentidos sobre a situação encontrada. Resultados e Discussão 1. O ensino de língua materna e a prática de análise lingüística De acordo com os PCN (BRASIL, 1998), o ensino de língua materna deve ter o texto como ponto de partida e de chegada durante todo o processo de ensino/aprendizagem. Além disso, as práticas de leitura, produção textual e análise lingüística devem ocorrer de forma integrada, uma complementando a outra, uma dando subsídio à outra. Análise lingüística é uma prática complementar às práticas de leitura e produção de texto (MENDONÇA, 2006), são atividades que tomam características da linguagem como objeto de reflexão, que se apoiam em dois fatores: na capacidade humana de reflexão, análise e pensamento sobre a linguagem e na capacidade da linguagem de refletir sobre a própria linguagem (BRASIL, 1998). Apesar das atuais teorias de ensino de língua materna reconhecer a importância da análise linguística, o ensino ainda ocorre de forma fragmentada, não integrando essas atividades às outras práticas - de leitura e de produção de texto-, pois sabemos que o discurso acerca da análise linguística se iniciou a partir de 1980, e mesmo assim, não se percebe claramente a apropriação desse termo nas atividades de reflexão sobre a linguagem. Dentre os teóricos analisados, destacamos João Wanderley Geraldi (1984, p.73), como sendo o precursor da divulgação das atividades de análise lingüística, pois em seu livro O texto na sala de aula, faz algumas considerações a respeito dessas atividades, vejamos: • a análise lingüística pretendida não parte do texto de bons autores, mas partirá do texto do aluno; • a preparação das aulas de prática de análise linguística será a leitura dos textos produzidos pelos próprios alunos nas aulas de produção de textos; • para cada aula de prática de análise lingüística, o professor deverá selecionar apenas um problema; • fundamentalmente, a prática de análise lingüística deve se caracterizar pela retomada do texto produzido na aula de produção. • o material necessário para as aulas de prática de análise lingüística: os cadernos de redações; um caderno de anotações; dicionários e gramáticas; • em geral, as atividades poderão ser em pequenos grupos ou em grande grupo; • fundamenta essa prática o princípio: “partir do erro para a autocorreção”. A prática de análise lingüística deve partir de textos dos alunos, é a reflexão que se faz nas produções passando para as correções desses textos. O trabalho de reestruturação do texto dos próprios alunos permite não só a correção, mas também a participação dos alunos na reescrita de textos, para depois fazer comparações entre o estruturado e o original, resgatando o objeto de estudo e verificando os efeitos das alterações, sempre ressaltando a importância dos rascunhos (MAGNANI, 1997). A prática de análise lingüística é uma ferramenta de grande importância na ampliação do processo de letramentona escola, pois esta atividade, ao levar o aluno a refletir sobre os usos lingüísticos, consequentemente, amplia a capacidade de leitura e escrita de nossos alunos, já que tem como princípio instaurar novas concepções nessas aulas, criar novos estímulos e facilitar o desenvolvimento intelectual dos alunos, com atividades unificadas de leitura/releitura, produção/reprodução de textos, comparação e reflexão (BRASIL, 1998). Se essa atividade for desenvolvida juntamente com a prática de leitura, produção e reflexão de textos, os alunos, com certeza, estarão mais seguros e determinados ao escrever, pois terão mais embasamento, mais o quê dizer e como dizer em suas produções orais ou escritas. Com isso, estarão ampliando não só a linguagem verbal do aluno (oral ou escrita), como também oportunizando uma prática de leitura, escrita e reescrita de textos, visando à prática efetiva da linguagem nas diversas situações comunicativas. É importante salientar que nessas atividades são apresentados os textos produzidos pelos próprios alunos, que são colocados a refletirem e corrigirem seus problemas de escrita. O dicionário também é um material indispensável, porque permite o conhecimento de novas palavras. A reflexão sobre a estrutura do texto pronto (modelar) é de suma importância para que o aluno possa transpor esses conhecimentos para sua produção. Vale lembrar que essa atividade é feita na lousa, e o professor, enquanto orientador- participante, sendo o escriba, também apaga e reescreve. Em seguida, os alunos recebem seus textos e passam a reestruturá-los individualmente, conforme o modelo coletivo. E nesse processo, todo o trabalho gramatical já está sendo abordado, mas sem se preocupar com as nomenclaturas, os alunos fazem e aprendem, sem ter que decorar os nomes das unidades trabalhadas. Sabemos que os livros didáticos mais tradicionais apresentavam atividades de língua materna com o predomínio de atividades gramaticais (análise de palavras soltas, frases, descrição da língua), sem se preocupar com a produção de sentido, com o processo de leitura e escrita das crianças em fase de escolarização. Esses manuais, em sua grande maioria, traziam atividades gramaticais desvinculadas das de leitura e de produção; e os professores seguiam os conteúdos ditados por esses manuais, sobretudo, os gramaticais, pois a regra gramatical sempre foi o conhecimento científico, objetivo, que dá status ao professor como dono do saber (MARTINS, 2002). Tal tipo de prática corrobora para a compartimentalização dos conteúdos, que vem ao encontro de uma das mais fortes características do modelo da escola tradicional – a fragmentação do saber, sem o enfoque nas relações históricas nela presentes. Já que o livro didático é um dos grandes instrumentos no processo ensino/aprendizagem, estes deveriam apresentar suas propostas de atividades em consonância com as teorias atuais de ensino de língua materna, e as teorias sobre análise lingüística deveriam estar bem apresentadas nesses manuais. Tendo em vista as condições em que muitos professores se deparam, o livro didático tem sido um dos únicos instrumentos de trabalho do professor. Por isso, ele deveria ter condições para questionar esses manuais, usá-los com reticências, sabendo refutar algumas atividades, criando outras, já que o livro didático não poderia ser seu único recurso didático a ser utilizado em sala de aula. No entanto, sabemos que “[...] nosso professor não se encontra instrumentalizado para realizar as atividades de análise lingüística” (FREGONEZI, 1999, p.65), não se sente seguro e com maturidade teórica suficientes para trabalhar o texto em seu processo de reelaboração. Consideramos que a prática da análise lingüística em sala de aula é de fundamental importância, pois visa à reflexão sobre a linguagem e a direção dessa reflexão tem por finalidade o uso dos recursos expressivos em função das atividades lingüísticas em que o autor do texto está inserido (GERALDI, 1984). Então, por que não tornar a prática de língua portuguesa em sala de aula em algo mais prazeroso e útil? Relacionando a reflexão sobre a língua a seus usos diários, ou seja, ao funcionamento da língua? Hoje mais que nunca, é necessário que saibamos usar refletidamente a língua, construir significativamente o que dizer. Por meio dessa construção consciente, poderemos nos tornar sujeitos de nosso dizer e melhor nos inserirmos nesse mundo competitivo. Para isso, precisamos ser leitores e escritores capazes de compreender e inferir as mensagens que endereçamos e a que nos são endereçadas, é preciso que tenhamos cidadãos com um domínio mais amplo das atividades de leitura/releitura, escritura/reescritura de textos, fazendo uso adequado das normas lingüísticas (MARTINS, 2008). Defendemos o princípio de que os educadores, por sua vez, precisariam ser agentes ativos, permitir a autonomia dos alunos, fazer da análise lingüística uma realidade na escola, levar os alunos a refletirem sobre a informação do texto, a textualidade e os aspectos discursivos ali presentes, enfrentar os desafios da busca de novos caminhos. Diante do exposto, temos como objetivo neste artigo fazer uma reflexão sobre como está sendo apropriado o termo análise lingüística em um livro didático atual, bastante adotado em nosso município. Para isso, selecionamos o livro Língua e linguagem, da autora Eliana Garcia, do 3º ano do ensino fundamental, com o fito de verificar se há transposição do apregoado pelas atuais teorias de ensino de língua materna para as atividades de reflexão sobre a língua. 2. Análise da primeira unidade do Livro Didático: LÍNGUA E LINGUAGEM, da autora Eliana Garcia, editora Saraiva, 2004. Como já desenvolvemos a parte teórica sobre a importância da prática de análise lingüística em sala de aula, passaremos para a parte documentária da pesquisa, ou seja, a análise do livro didático. Antes de iniciarmos nossa análise, buscamos informações sobre a autora do LD sob análise. A autora Eliana Garcia é Mestranda em Cognição em Linguagem – UENF/RJ, Pós- graduada em Educação – PUC/RJ, Professora de Língua Portuguesa do 1º e 2º ciclos do Ensino Fundamental da Escola Infantil do Centro Educacional Nossa Senhora Auxiliadora (CENSA) – Campo dos Goytacazes/RJ. É importante salientar que o livro didático a ser analisado é recomendado pelo MEC e passou por um processo de avaliação pelo Plano Nacional do Livro Didático - PNLD. Portanto, se os PCN também foram expedidos pelo MEC, ou seja, pelo mesmo órgão do governo, esses documentos PCN e livro didático (LD) deveriam possuir uma mesma concepção de linguagem e ensino, ou seja, ter as mesmas concepções teóricas. Assim, ao investigarmos como ocorre a prática de análise lingüística no LD, temos a intenção de verificar se a concepção de reflexão sobre a linguagem está presente nas diversas atividades sobre a linguagem no LD sob análise, mesmo que não se use o termo “prática de análise lingüística”. Antes de adentrarmos o LD a ser analisado, é importante considerar que em nosso país há um mito de que todos devem usar a língua padrão e que há uma única forma correta de falar, que é a norma de prestígio aceita em nossa sociedade. Como nossos alunos pertencem a camadas sociais diferenciadas, com culturas diferenciadas, o professor encontra uma grande heterogeneidade em sala de aula, que é percebida, sobretudo, pela forma de dizer desses alunos. Assim, nossos alunos têm de enfrentar o problema das diferenças lingüísticas em sala de aula, pois muitos professores silenciam seus alunos ao exigir o uso da norma padrão de forma castradora. Nosso professor precisa conscientizar-se de que a questão da unidade lingüística no Brasil é um mito, temos sim uma mesma língua, mas que se diferencia tanto do português de Portugal quanto pelas diferentes regiões do extenso território brasileiro. Entendemosque esse preconceito é extremamente prejudicial à educação, pois as idéias de que: brasileiro não sabe falar português corretamente, não conhece sua língua e que é muito difícil de aprendê-la está tão arraigada no ensino de língua materna, que as aulas de língua portuguesa terminam sendo o pesadelo para os alunos. Mas, mesmo assim, esse fato não justifica o terrível bloqueio que isso causa nos conhecimentos lingüísticos dos alunos e a má impressão que se cria da língua portuguesa de seus próprios usuários (BAGNO, 2003). De acordo com esta concepção, ao analisarmos a primeira unidade do livro didático LINGUA e LINGUAGEM, verificamos que, na introdução do livro é apresentado o texto: Esta nossa língua (Cecília Meireles. Obra poética. Rio de Janeiro, Nova Aguilar, 1967), em seguida, passa para as atividades que tem como título: PUXANDO O FIO, dentre as quais destacamos as atividades 2, 3 e 4, porque são atividades de reflexão sobre a língua, no caso sobre as diferenças lingüísticas. Vejamos as questões, sugestões de respostas ao professor que estão em itálico (destaques da autora), p. 8-9: 2. As pessoas que moram no Brasil e que usam a língua portuguesa falam da mesma maneira? Por quê? 3. Vocês percebem diferenças entre a forma de falar de crianças e a de adultos? E entre a de jovens e a de adultos? Discutam essas diferenças. 4.Há diferenças entre a forma de falar de pessoas de cidades diferentes? E entre a de pessoas que vivem na zona urbana e as da zona rural? R: 2/3/4 – No extenso território brasileiro, há diferenças de vocabulário, pronúncia, sintaxe. (não se fala da mesma maneira no norte e no sul do país, no Amazonas e no Rio de Janeiro. Há diferenças entre brasileiros que vivem nas metrópoles e nas pequenas cidades, na zona rural e na urbana, entre o falar de jovens e o de adultos e dos diferentes estratos sociais). 2/3/4: Essas questões têm por objetivo chamar a atenção dos alunos para as variantes históricas, regionais, sociais e etárias do idioma. Enfatizar que, também numa mesma região e num mesmo momento histórico, há diferenças entre a linguagem de diferentes grupos sociais e de faixas etárias diversas. Além disso, um mesmo indivíduo não utiliza a língua de forma idêntica em diferentes situações de comunicação: não se expressa da mesma forma em uma conversa entre amigos e numa palestra em um congresso científico. Além disso, logo mais abaixo, a autora destaca ainda que é importante trabalhar o conceito de adequação, vejamos: (Lembramos que é importante trabalhar com o conceito de adequação e não com o de correção). Ver Manual do Professor. Verificamos que o texto 1 que tem por título: Português versus brasileiro (O estado de S. Paulo. Revista Lição de casa, fascículo 2; Roberto Melo Mesquita, Gramática da língua portuguesa. São Paulo, Saraiva, 1995), assim como no texto anterior, abre caminhos para discussões em relação ao uso das diferentes formas de dizer em nossa língua portuguesa, sobretudo aqui no Brasil, mas que não é aprofundado, como podemos perceber nas atividades apresentadas: DESCOBERTAS E APLICAÇÕES, que fala sobre a variação lingüística dos brasileiros sob a influência de Portugal, p.10-11: 1. O texto que você leu foi escrito para: a) facilitar a comunicação entre as pessoas; b) registrar pensamentos, emoções e fantasias das pessoas; x c) fornecer informações sobre a língua portuguesa; d) informar sobre todas as línguas que existem no mundo. 2. Porque se fala a língua portuguesa no Brasil? Copie um trecho que comprove sua resposta. Porque o Brasil foi colonizado por portugueses. “Há 500 anos, os portugueses (...) seus costumes e sua língua, o português”. Ao compararmos a língua portuguesa utilizada no Brasil com a de Portugal, temos de ter o cuidado para não afirmar que a nossa língua é errada e que devemos seguir os padrões lingüísticos de Portugal, para que não sejam acentuadas as questões do preconceito lingüístico em nosso país, devemos aceitar que é natural que existam variações, pois com as influências de vários povos que se instalaram no Brasil, com a grande desigualdade social e o avanço tecnológico do mundo moderno, não haveria como manter uma língua “pura” eternamente. (BAGNO, 2003). Portanto, nessas atividades demonstradas, caberia ao professor com intensa dedicação, prestar esclarecimentos sobre quaisquer dúvidas que poderiam ocorrer, e se desejasse, discutir com os alunos sobre a variação lingüística do Brasil, pois de acordo com as palavras da própria autora do livro é importante trabalhar com o conceito de adequação da língua e não com o de correção, mas o que podemos constatar é que não há sugestões para que o tema seja levado à discussão, apenas algumas atividades ainda de marcar “x”, copiar respostas do texto, tudo de forma muito mecanicistas. Portanto, para que ocorra uma reflexão sobre a questão da diversidade lingüística em nosso país, precisará que o professor o faça por iniciativa própria. Ainda em relação a este texto, destacamos as atividades: 3, 4 e 5 como sendo de busca de significados de palavras, a reflexão sobre a palavra e a importância de outros povos para a formação do português brasileiro: 3.O que significa a palavra versus? Você conhece uma situação em que ela é muito utilizada? A palavra versus é empregada com o sentido de contra; é muito freqüente na linguagem desportista, para indicar disputas, como em “Flamengo versus Fluminense”.(Resposta do LD) 4. Com base em sua resposta anterior, explique o título do texto. O título se refere à oposição entre o português de Portugal e o do Brasil, que se modificou ao receber influência de outros idiomas. ”(Resposta do LD) 5. Ao longo do processo de formação da língua portuguesa, o contato com outros povos trouxe muitas contribuições para o vocabulário do nosso idioma. Localize no texto o nome de alguns idiomas que tiveram termos incorporados pelo nosso. Nossa língua absorveu termos do francês, do inglês, do italiano, do espanhol, do árabe, do tupi. Nas atividades citadas, poderia haver sugestões para ampliar as discussões, principalmente após a atividade 4 e 5 (apresentadas acima), sobre as diferenças lingüísticas entre Brasil e Portugal, apropriação de termos de outras línguas, as diferenças lexicais entre as diversas regiões do país. O que é de extrema importância para minimizar o preconceito lingüístico e ampliar o repertório lingüístico dos educandos. É por isso que, seria importante que essas diferenças lingüísticas ficassem bem claras no ensino de língua materna, para que não houvesse mais desentendimentos entre os alunos e a língua portuguesa, e que “[...] o tratamento da gramática num espaço escolar há de respeitar a natureza da linguagem, sempre ativada para a produção de sentidos, o que se opera nesse jogo entre restrições e escolhas que equilibra o sistema” (NEVES, 2006, p.85), cabendo aceitar que: Adquirimos nossa língua (e, portanto, a “gramática” que a organiza) sem nunca termos tido aulas, e essa aquisição refere-se especialmente à capacidade que todo falante tem de, jogando com as restrições de sua língua materna, proceder a escolhas comunicativamente adequadas, operando as variáveis dentro do condicionamento ditado pelo próprio processo de produção. Isso significa dizer que não há discurso sem gramática, mas que também não há gramática sem discurso (NEVES, 2006, p.85). O texto 2 é uma carta com o título: Esta língua... (Ângela Franco. Jornal da Editora Lê, edição extra, 1994.), que comenta os aspectos lingüísticos, e traz atividades que seguem a mesma linha de trabalho do texto anterior. Mas podemos perceber nas atividades: PENSANDO SOBRE LÍNGUA, a abordagem da ortografia e o sentido, trabalhados ainda em algumas atividades de forma mecânica, como por exemplo: 2. Copie as frases no caderno e empregue há ou a, de acordo com o contexto dasfrases. a) * dias estou esperando uma visita da minha prima. Há b) Não sei se * visita chegará hoje ou não. a c) Não vejo Mariana * dois meses mais ou menos. há d) * carta de Ângela chegou * pouco. A / há e) * várias pessoas na fila do correio. Há 5. Com base em sua resposta anterior, complete as frases usando tem ou têm. a) Muitas pessoas * dificuldade no uso do verbo ter. têm b) Minha amiga * muitas dúvidas sobre esse assunto. tem c) Carlos * muitas fotos de sua família. tem d) Carlos e Pedro * muitos adesivos coloridos. têm O ensino da gramática normativa apesar de ser muito criticado, ainda ocorre frequentemente nas salas de aula, é um conhecimento tradicional que o professor se acha na obrigação de explorar com muita ênfase. Entendemos que para o aluno escrever bem, ele precisa dominar certas convenções da escrita, certas normas, mas não será por meio de classificações de unidades e memorização de conteúdos que o aluno dominará estas convenções. Sabemos que as questões ortográficas são complexas, difíceis de serem apreendidas, mas não há melhor forma de o aluno perceber as diferenças ortográficas, apropriar-se das convenções que a leitura de textos diversos e a reflexão sobre os aspectos lingüísticos do textofrase incompleta. Percebemos que na atividade seguinte, a autora do LD procura frisar o uso dos termos há e a no texto, conforme exemplo a seguir: 3. Leia o bilhete abaixo e copie-o, substituindo as * por há ou a. (Releia as explicações da página anterior). Querida Carol: * vários dias estou tentando me comunicar com você, mas não consigo. Há Telefonei-lhe novamente * duas horas, porém não a encontrei. Há Queria convidá-la para * festa de minha formatura de 8ª série, daqui * três dias, sábado, às oito horas. a / a Venha e, por favor, traga * máquina fotográfica. a Beijos, Ângela De acordo com o que já discutimos, o texto deve ser o ponto de partida e de chegada, e qualquer atividade sem a utilização do texto, acaba sendo mecânica devido ao fato de o aluno ter como informação apenas frases isoladas, sem muita significação para o aluno. Já quando se solicita o complete dentro de um texto, apesar de o aluno, nesse caso, não criar nada, apenas completar com há ou a, ele pode contextualizar melhor para observar quando se usa um termo ou outro, de certa forma há um texto a interpretar antes de completar com os termos solicitados. Em seguida, há a proposta para a PRODUÇÃO DE TEXTO ORAL, em que é sugerido aos alunos que façam um programa de rádio, em que cada grupo fica responsável pelos quadros do programa. Há sugestões de quadros como: A hora da história, Curiosidades, Bate- Bola, A 3ª série entrevista..., Programa de calouros, Noticiário, e ressalta que: Para a realização da tarefa, é importante que vocês: • Selecionem conteúdos interessantes para a classe; • Façam anotações e rascunhos antes de decidirem a versão final do quadro; • Pensem em possíveis recursos para auxiliar a apresentação: música de fundo, cartazes, gráficos, etc.; • Preocupem-se em escolher uma linguagem adequada para que possam ser compreendidos por todos (não reproduzam palavras difíceis encontradas durante a pesquisa). Usem palavras sinônimas mais conhecidas; • Ensaiem cada quadro antes da apresentação. Verifica-se que esta atividade não irá apenas para as mãos do professor, os alunos terão para quem dizer, e isso é de suma importância para o resultado final da produção. Observa-se que pelo fato de se pedir aos alunos que façam anotações e rascunhos, já demonstra o incentivo à refacção, mesmo que não use o termo prática de análise linguística de forma declarada, mas o fato de eles terem que rascunhar, passar a limpo, exige uma melhor reflexão sobre o que se está dizendo, além disso, o fato de se solicitar aos alunos que procurem adequar a linguagem para que o trabalho seja compreendido por todos é um indício de reflexão sobre a linguagem, pois se verifica a presença de escrita e reescrita de texto. É importante que haja discussões sobre os significados de palavras, das dificuldades dos alunos, tanto para a construção do conhecimento do aluno quanto para melhorar a sua habilidade de escrita. Para isso, o dicionário é um material indispensável nas aulas de língua portuguesa, principalmente nessas atividades de reflexão. Além disso, proporcionar a reflexão sobre as contribuições de outros povos para o vocabulário brasileiro é importante para compreender nossa língua, mas não é o principal fundamento a ser estudado. O texto 3 desse LD, denominado Dicionário (José Paulo Paes. Poemas para brincar. São Paulo, Ática, 1990.), traz as atividades de compreensão do texto e análise da língua da seguinte forma: 1. José Paulo Paes criou verbetes para várias palavras. Utilizou diferentes recursos para, de forma bem-humorada, despertar o interesse do leitor. Localize os verbetes que: a) exploram duplo sentido de uma palavra; luz: coisa que apaga, mas não com borracha; Sopapo (bofetão): o que acontece quando só papo (conversa) não adianta. b) utilizam comparação; nuvem: algodão que chove; vaga-lume: besouro guarda-noturno; minhoca: cobra no jardim de infância. c) propõem um jogo com parte da palavra. urgente: gente com pressa; excelente: lente muito boa. 3. Identifique os verbetes em que o autor utiliza características de animais. Vaga-lume: besouro guarda-noturno; zebra: bicho que tomou sol atrás das grades; girafa: bicho que quando tem dor de garganta é um deus-nos-acuda; minhoca: cobra no jardim de infância. Após essas atividades, seguem-se outras: Uso do dicionário, que explica as abreviações contidas no dicionário à frente da palavra e antes do significado, exemplo: 1. Um verbete de dicionário nos dá várias informações sobre as palavras, além do significado. Observe: Indica a classe gramatical: substantivo masculino. Crânio. S.m. 1. Caixa óssea que encerra e protege o encéfalo. 2. Gír. Indivíduo muito inteligente, de grande preparo. Informa que no sentido 2 é gíria, que se abrevia gir. (Aurélio Buarque de Holanda Ferreira. Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1986.) Procure um verbete no seu dicionário e anote-o no caderno. Na discussão em torno do ensino de língua, o que realmente falta à escola é o estudo da linguagem em funcionamento e não apenas a norma considerada padrão, que, aliás, quase ninguém usa, pois a população que a utiliza é mínima. Mas além dessa questão, é necessário um tratamento científico das atividades de linguagem, muito especificamente nas atividades ligadas à gramática de língua materna, há a necessidade de uma gramática escolar que não contemple apenas uma taxonomia e um elenco de funções, mas que, validada pela sua relação com o uso efetivo da língua, dê conta dos usos correntes atuais, não perdendo de vista o natural e eficiente convívio de variantes no uso lingüístico, incluída, aí, a norma tradicionalmente considerada padrão (NEVES, 2006). Ou seja, a reflexão sobre a linguagem e sobre o uso lingüístico, a partir de uma perspectiva funcional. A gramática da língua se efetiva no uso, nas situações interlocutivas, na criação de textos, cabe-nos concluir que, a disciplina gramatical escolar não pode alhear-se do real funcionamento da linguagem. Em seguida, passa para as atividades de sentido figurado e sentido próprio, destacado na seguinte atividade: 2. Observe, agora, outro verbete: Brinco.S.m. 1. Adorno ou jóia que se usa presa ou pendente ao lobo auricular. 2. Fig. Coisa delicada, fina, bem acabada. (Dicionário da língua portuguesa .São Paulo, Larousse/ Nova Cultural, 1992.) Como podemos aprender com o uso do dicionário! Você ainda descobrirá muitas coisas sobre a nossa língua, à medida que for consultando o dicionário. Será que você já sabe identificar quando as palavras estão sendo usadasno sentido próprio e no sentido figurado? Veja o exemplo e continue. Pedro é fera em Português. Sentido figurado a) Você já leu o conto “Abela e a Fera”? sentido próprio b) Ayrton Senna foi uma fera da Fórmula 1. sentido figurado Consideramos que o estudo dos significados de uma mesma palavra em contextos diferentes é de suma importância para que o aluno perceba que a significação não é unívoca, não se dá de forma transparente, os sentidos são produzidos de acordo com o contexto. Passando para a página 22 e 23 desse livro, verificamos uma proposta para PRODUÇÃO DE TEXTO escrito, baseada no texto sobre o dicionário, que é a seguinte: Criação de verbetes de dicionário infantil Vamos criar um dicionário para crianças? O dicionário deve ser ilustrado e apresentar exemplos bem simples e adequados a alunos de 1ª e 2ª séries. Para isso, junte-se a um colega e escolham cinco palavras que possam despertar o interesse e a curiosidade de alunos dessas séries. Escrevam o verbete inspirando-se na sugestão apresentada e orientando-se por um dicionário já existente. Lembrem-se de que vocês devem dizer o que a palavra significa em diferentes contextos, isto é, apresentar vários significados de uma mesma palavra. Não se esqueçam de colocar as palavras em ordem alfabética nem do público a quem o trabalho de vocês se destina. Além do significado, informem se a palavra é masculina ou feminina, se é gíria, se está no sentido figurado. Não deixem de dar um exemplo de cada significado. Observem as abreviaturas de alguns verbetes.... Combinem com o professor e exponham o trabalho de vocês em local de livre acesso para que as pessoas possam conhecer o que fizeram. Caprichem bastante! O fato dessa atividade não ir apenas para as mãos do professor, ou seja, ter um público alvo, no caso, as crianças de 1ª e 2ª séries, de ser um trabalho escrito e seguindo as orientações de um outro dicionário, já demonstra brechas de um trabalho de reflexão sobre a linguagem, o aluno precisará refletir linguisticamente para produzir o seu dicionário e como ele vai apresentar para os alunos de 1ª e 2ª série, ele terá que adequar a linguagem, reelaborar, o fato de se fazer em grupo também é importante, pois a colaboração entre osfalta completar fundamental na produção e na reelaboração. Diante do exposto, podemos afirmar que a autora do livro didático sob análise tem uma certa concepção sobre a importância da prática de análise lingüística, apresenta algumas atividades que levaconcordância o aluno a refletir sobre os usos lingüísticos, porém o termo “análise lingüística” não é dito explicitamente, as atividades de reflexão, como por exemplo, na última de produção de texto, não são aprofundadas, mas não podemos desconsiderar totalmente, percebemos que há indícios de reflexão sobre a linguagem e que se o professor tiver um embasamento teórico adequado sobre a prática de análise lingüística, ele poderá aprofundar mais na questão, levando o aluno a reelaborar, reescrever, fazer diversas versões de um mesmo texto. É importante ressaltar que, se o livro didático traz sugestões e indicações ao professor para que se trabalhe com atividades que levam o aluno a refletir sobre os usos da linguagem, podemos afirmar que ele trabalha a análise lingüística, traz a concepção dessa prática. Verificamos essas concepções tanto ao se explorar a significação das palavras, ao se solicitar a produção de textos com roteiro e rascunho, como ao explorar as diferenças lingüísticas. Só não verificamos sugestões para que o professor trabalhe com a reestruturação de textos do próprio aluno, afinal as atividades de reestruturação de textos são mais significativas, se realizadas, a partir dos textos dos próprios alunos, porque além de ser uma situação real, de um autor que os alunos conhecem, os próprios colegas de classe, por meio da interação e da discussão em sala, poderão ajudar uns aos outros. Podemos afirmar que nesse LD didático há uma mescla de atividades lingüísticas, ora mecânicas, em que o aluno tem de marcar “x” sem refletir muito sobre os usos da linguagem, ora de atividades que exigem um pouco mais de reflexão, de produção e de reelaboração. Conclusão Conforme nossos pressupostos e de acordo com o que foi observado até o presente momento, não há indicações concretas de uso do termo análise linguística neste livro didático, não há recomendações para que o aluno reescreva seu próprio texto, nem atividades integradas de leitura, produção e reestruturação de textos. No entanto, não podemos negar que haja algumas atividades de reflexão sobre a linguagem, há reflexões sobre certos usos linguísticos, solicitações para que se produza em grupo, que se faça rascunho, que reflita sobre a significação de termos, remetendo-os para o sentido geral do texto, o que também pode ser significativo para o aluno. Agradecimentos Agradeço ao órgão concedente da bolsa PIBIC/UEMS e à Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul - UEMS, que me propiciaram a oportunidade de iniciar no mundo da pesquisa e, sobretudo, a minha orientadora, que não mediu esforços para me ajudar nesta caminhada. Referências BAGNO, Marcos. Preconceito lingüístico: o que é, como se faz. São Paulo: Loyola, 1999. BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: primeiro e segundo ciclos do Ensino Fundamental: Língua Portuguesa. Brasília: MEC/SEF, 1998. FREGONEZI, Durvali Emílio. Elementos de ensino de língua portuguesa. São Paulo: Arte & Ciência, 1999. GERALDI, J. W. O texto na sala de aula. Cascavel: Assoeste, 1984. ______. O texto na sala de aula. 3. ed. São Paulo: Ática, 2003. MAGNANI, Maria R.M. Em sobressaltos: Formação de professora. 2.ed. Campinas, SP: Unicamp, 1997. MARTINS, S. A. F. O professor iniciante: seu trabalho com o texto em sala de aula. Tese de Doutorado. Unesp/Assis, 2002. ______. 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