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1 ASMA SUMÁRIO EPIDEMIOLOGIA ........................................................................................................................................................................................................ 2 FENÓTIPOS ASMÁTICOS ............................................................................................................................................................................................ 3 FATORES DESENCADEANTES DAS CRISES .................................................................................................................................................................. 3 PATOLOGIA ................................................................................................................................................................................................................ 5 FISIOPATOLOGIA ........................................................................................................................................................................................................ 5 MANEJO DE ADULTOS, ADOLESCENTES E CRIANÇAS COM IDADE ENTRE 6-11 ANOS ............................................................................................... 6 DIAGNÓSTICO ........................................................................................................................................................................................................ 6 - É PRECISO FAZER TESTES PARA ALERGIA?........................................................................................................................................................... 7 - É PRECISO FAZER EXAMES DE IMAGEM? ............................................................................................................................................................ 7 - ÓXIDO NÍTRICO EXALADO ................................................................................................................................................................................... 7 DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL .................................................................................................................................................................................. 8 ASMA OCUPACIONAL ............................................................................................................................................................................................ 8 AVALIAÇÃO DA ASMA ................................................................................................................................................................................................ 8 TRATAMENTO CRÔNICO DA ASMA (TERAPIA DE CONTROLE) ................................................................................................................................. 10 VACINAÇÃO ............................................................................................................................................................................................................. 12 CONDUTAS ADICIONAIS EM SITUAÇÕES ESPECÍFICAS ............................................................................................................................................. 13 OBESIDADE .......................................................................................................................................................................................................... 13 DOENÇA DO REFLUXO GASTROESOFÁGICO (DRGE) ............................................................................................................................................ 13 ALERGIA ALIMENTAR........................................................................................................................................................................................... 13 RINOSSINUSITE E POLIPOSE NASAL ..................................................................................................................................................................... 13 ASMA INDUZIDA POR EXERCÍCIO (AIE) ................................................................................................................................................................ 13 GRAVIDEZ ............................................................................................................................................................................................................ 14 PEROPERATÓRIO ................................................................................................................................................................................................. 14 DOENÇA RESPIRATÓRIA EXACERBADA POR AAS (DREA) ..................................................................................................................................... 14 ASPERGILOSE BRONCOPULMONAR ALÉRGICA .................................................................................................................................................... 15 TRATAMENTO DAS EXACERBAÇÕES .................................................................................................................................................................... 15 TRATAMENTO DOMICILIAR COM PLANO ESCRITO DE AUTOMANEJO ................................................................................................................ 15 TRATAMENTO AMBULATORIAL ............................................................................................................................................................................... 16 TRATAMENTO NO SERVIÇO DE EMERGÊNCIA ......................................................................................................................................................... 17 É PRECISO COLETAR GASOMETRIA ARTERIAL EM TODOS OS PACIENTES? ......................................................................................................... 17 É PRECISO FAZER RX DE TÓRAX EM TODOS OS PACIENTES? ............................................................................................................................... 18 É PRECISO PRESCREVER ANTIBIÓTICO EM TODOS OS PACIENTES? .................................................................................................................... 18 QUAL É O PAPEL DA VNI NA CRISE ASMÁTICA? .................................................................................................................................................. 18 MANEJO DE CRIANÇAS COM IDADE < 6 ANOS ........................................................................................................................................................ 19 AVALIAÇÃO DA ASMA .............................................................................................................................................................................................. 19 grau de controle dos sintomas; (2) risco de eventos adversos futuros. .............................................................................................................. 19 TRATAMENTO CRÔNICO DA ASMA (TERAPIA DE CONTROLE) ................................................................................................................................. 20 TRATAMENTO DAS EXACERBAÇÕES ........................................................................................................................................................................ 22 FARMACOLOGIA DAS DROGAS ANTIASMÁTICAS .................................................................................................................................................... 23 2 ASMA Na asma ocorrem episódios de obstrução REVERSÍVEL ao fluxo expiratório, os quais variam sua frequência e intensidade de forma espontânea ou em resposta ao tratamento, justificando manifestações clínicas como dispneia,sibilos, tosse e sensação de “aperto no peito”. Os pacientes podem ser completamente assintomáticos nos intervalos entre as crises, ou podem apresentar sintomas residuais contínuos. Existe INFLAMAÇÃO CRÔNICA nas vias aéreas inferiores, mesmo quando o paciente se encontra assintomático! Trata-se de um tipo especial de inflamação que, por mecanismos ainda pouco compreendidos, gera hipersensibilidade a diferentes tipos de estímulo, os quais desencadeiam broncoespasmo. O processo inflamatório se localiza na parede de toda a árvore traqueobrônquica, predominando nos brônquios de médio e pequeno calibre, mas sem atingir os alvéolos. Nos pacientes que não recebem tratamento adequado, a persistência desse processo inflamatório crônico e da resposta regenerativa que o acompanha leva ao fenômeno de REMODELAMENTO BRÔNQUICO, que resulta em alterações estruturais irreversíveis (estreitamento luminal por fibrose, hipertrofia/hiperplasia da camada muscular e das glândulas submucosas, que passam a hipersecretar muco). Como consequência, nestes casos, se estabelece um componente de obstrução FIXA ao fluxo aéreo, tal como na DPOC, e o prognóstico e a qualidade de vida dos pacientes pioram sobremaneira... EPIDEMIOLOGIA A asma é uma das doenças crônicas mais comuns, afetando 1-18% da população em diferentes países. Estima-se que existam cerca de 300 milhões de asmáticos no mundo, com algo em torno de 250 mil óbitos anuais pela doença. No Brasil, provavelmente mais de 20 milhões de pessoas têm asma. A prevalência da asma aumentou nos países ricos nas últimas três décadas, mas agora parece ter se estabilizado. Nos países em desenvolvimento a prevalência tende a ser mais baixa, porém, vem aumentando em proporção direta aos índices de urbanização. A prevalência de atopia (uma síndrome idiopática de predisposição às doenças alérgicas) segue o mesmo padrão epidemiológico... De fato, a maioria dos asmáticos é atópica, apresentando a chamada “asma alérgica”. Os principais deflagradores de sintomas nesses pacientes são aeroalérgenos oriundos dos ácaros encontrados na poeira domiciliar (Dermatophagoides pteronyssinus), bem como pólens de plantas e pelos de animais de estimação. Às vezes, o alérgeno é uma substância a qual o paciente é exposto apenas no ambiente de trabalho (asma ocupacional). Apesar de poder se iniciar em qualquer idade (incluindo idosos), o pico de incidência se dá aos três anos de vida. Na infância, a asma é mais frequente em meninos, porém, em adultos, a prevalência acaba se igualando entre os sexos. É muito comum que a doença desapareça espontaneamente na adolescência, passando anos sem incomodar o indivíduo, para depois retornar na idade adulta, quando, em geral, persiste até o fim da vida. Fatores de Risco 3 FENÓTIPOS ASMÁTICOS Diferentes mecanismos etiopatogênicos podem ser operantes, ou seja, trata-se de uma condição heterogênea. Isso faz com que sejam descritos grupos de pacientes com características demográficas, clínicas e patológicas peculiares, os chamados “fenótipos asmáticos”. Todavia, até o momento, não há muita utilidade prática em se enquadrar o paciente numa dessas categorias... Os estudos disponíveis não permitem traçar condutas diferenciadas em função do fenótipo. O tratamento guiado pelo fenótipo parece ter alguma utilidade somente nos portadores de “asma refratária”. FATORES DESENCADEANTES DAS CRISES Diversos fatores podem precipitar crises de broncoespasmo em asmáticos, mas não em pessoas normais. Antigamente recomendava-se que o contato com tais fatores fosse evitado a todo custo, porém, hoje sabemos que muitas vezes isso é impossível... Na realidade, a ocorrência de crises deve ser encarada como um sinal de mau controle da doença, indicando a necessidade de intensificar a terapia controladora! Pacientes cuja asma encontra-se bem controlada conseguem permanecer livres de sintomas mesmo quando em contato com desencadeantes... 4 ATENÇÃO: betabloqueadores, AAS e AINE não têm contraindicação absoluta em TODOS os asmáticos! Deve-se avaliar cada caso individualmente... Pacientes com história de piora dos sintomas após o uso dessas medicações sem dúvida devem evitá-las, porém, muitos asmáticos conseguem tomar essas drogas sem problemas. No paciente nunca antes exposto a tais medicamentos recomenda-se prudência e bom senso clínico... Por exemplo: você não vai iniciar betabloqueador num asmático “não controlado” e com múltiplos “fatores de risco futuro”. Por outro lado, num paciente assintomático do ponto de vista respiratório, com a asma bem controlada na vigência de tratamento e boa função pulmonar, podemos “pagar pra ver” caso a indicação da droga seja consistente (ex.: atenolol para tratamento da doença coronariana; colírio de timolol para tratamento do glaucoma)... 5 PATOLOGIA Como vimos, a principal alteração patológica da asma é a existência de um processo inflamatório crônico nas vias aéreas inferiores. Trata-se de um tipo especial de inflamação, marcado pela infiltração mucosa principalmente por linfócitos Th2, eosinófilos e mastócitos. A intensidade da infiltração celular NÃO possui correlação direta com a gravidade da doença, porém, tanto as alterações patológicas quanto os sinais e sintomas clínicos melhoram com o uso de corticoide inalatório . Apesar de seus exatos mecanismos ainda não terem sido totalmente esclarecidos, sabe-se que esse tipo de processo inflamatório crônico se relaciona com a HIPER-REATIVIDADE BRÔNQUICA que caracteriza a asma. A inflamação se acompanha de uma resposta regenerativa que, quando persistente, leva ao remodelamento brônquico. Observa-se deposição de colágeno na membrana basal do epitélio, porém isto é apenas um marcador de infiltração eosinofílica, já que é igualmente encontrado na bronquite eosinofílica não asmática (condição caracterizada por tosse crônica na ausência de broncoespasmo). A mucosa apresenta áreas de desnudamento epitelial devido ao descolamento celular (friabilidade), com exposição de terminações nervosas que podem mediar reflexos colinérgicos broncoconstritores. Existe neoangiogênese e vasodilatação na parede brônquica, com aumento da permeabilidade capilar e eritema/edema local . Há também hipertrofia e hiperplasia das células caliciformes (secretoras de mucoproteínas), das glândulas submucosas e da camada muscular lisa. Este conjunto de modificações anatômicas contribui para o estreitamento progressivo e irreversível da via aérea nos pacientes que não recebem tratamento anti-inflamatório adequado. Na asma fatal, tais alterações afetam de forma proeminente as vias aéreas mais periféricas, sendo comum o encontro de plugs mucosos ocluindo completamente os bronquíolos terminais, o que impossibilita a ventilação alveolar (morte por asfixia). OBS: O que significa resposta Th1 e Th2? Os linfócitos T CD4+ (T helper ou Th ) são os "maestros" da imunidade, coordenando a resposta imune adaptativa contra qualquer elemento estranho que invada o organismo ("antígeno"). Isso é feito através da secreção de citocinas, que atraem e estimulam outras células de defesa, como macrófagos, granulócitos, linfócitos B, etc... Dependendo do CONJUNTO de citocinas secretadas, definem-se FENÓTIPOS diferentes de linfócitos Th! Assim, linfócitos Th1 são aqueles que secretam IL-1, IL-6 e TNF-alfa, estimulando a produção de IgM e IgG, além de atraírem e ativarem neutrófilos e macrófagos visando a eliminação completa do antígeno e a criação de uma memória imunológica protetora. A resposta Th1 se traduz clinicamente nas reações inflamatórias agudas habituais. Já os linfócitos Th2 secretam IL-4, IL-5 e IL-13. A IL-5 recruta e ativa eosinófilos, enquanto IL-4 e IL-13 estimulam a produção de IgE pelos linfócitos B (que após secretada se liga à superfície de mastócitos e basófilos, tornando estas células hipersensíveis ao antígenoem questão). A resposta Th2 se traduz clinicamente nas síndromes alérgicas, e sua persistência resulta em doenças crônicas caracterizadas por reações de hipersensibilidade, como a asma. O sistema imune "virgem", como o das crianças pequenas, possui uma tendência natural à resposta Th2. No entanto, seu amadurecimento desfaz esse "viés", fazendo predominar a resposta Th1. Nas doenças alérgicas (atopia), devido a interações entre fatores genéticos e ambientais, esse amadurecimento não acontece de forma plena... Recentemente foi descrita a existência de células T imaturas (chamadas de ILC2) que têm como característica o fato de não expressarem o receptor de células T (TCR) e secretarem citocinas de padrão Th2 em resposta a mediadores localmente produzidos pelas células do epitélio respiratório (IL-25 e IL-33). As ILC2 são encontradas na mucosa respiratória dos portadores de asma "intrínseca" (não alérgica)! Tais pacientes, ao contrário daqueles que têm asma alérgica, não demonstram hipersensibilidade SISTÊMICA (ex.: testes cutâneos negativos, ausência de IgE específica no sangue), apenas hipersensibilidade LOCAL na via aérea, justificando a hiper-reatividade brônquica. Histologicamente, a biópsia brônquica nestes casos pode ser indistinguível do padrão observado na asma alérgica... FISIOPATOLOGIA Como vimos, a principal alteração fisiopatológica da asma é a obstrução variável e reversível ao fluxo aéreo, que ocorre de forma predominante na fase EXPIRATÓRIA da respiração. Isso acontece principalmente devido ao broncoespasmo (contração da musculatura lisa brônquica), mas também em consequência ao edema da mucosa e à hipersecreção de muco no lúmen da via aérea. O parâmetro espirométrico mais afetado é o Volume Expiratório Forçado no 1º segundo (VEF1), que diminui subitamente. A relação VEF1/CVF (índice de Tiffeneau) se reduz, atingindo a faixa dos distúrbios obstrutivos da ventilação (< 0,75- 0,80 em adultos ou < 0,90 em crianças). 6 O Pico de Fluxo Expiratório (PFE), que pode ser medido com aparelhos portáteis (“fluxômetros”), também diminui, sendo, entretanto, um parâmetro menos fidedigno do que o VEF1 medido por espirometria convencional. A resistência das vias aéreas aumenta, e pode ocorrer hiperinsuflação pulmonar (aprisionamento aéreo), com aumento do volume residual pulmonar. A pletismografia evidencia estas últimas alterações. Na asma grave, um aprisionamento aéreo muito intenso, com aumento desproporcional do volume residual, pode reduzir a Capacidade Vital Forçada (CVF), fazendo a relação VEF1/CVF ficar artificialmente "normalizada". Nesta curiosa situação, como tanto o VEF1 quanto a CVF serão baixos, pode-se ter a falsa impressão de um distúrbio restritivo da ventilação... Clinicamente, no entanto, em tais casos não costuma haver dúvida quanto ao diagnóstico de asma, pois a história é geralmente típica... Raramente a crise asmática causa insuficiência respiratória aguda! A gasometria arterial do paciente costuma mostrar apenas HIPOCAPNIA, isto é, queda da pCO2, devido à hiperventilação alveolar (alcalose respiratória aguda). Esta alteração é naturalmente esperada em qualquer paciente taquipneico... Por outro lado, se houver normo ou mesmo hipercapnia (pCO2 normal ou aumentada, respectivamente), temos um importante sinal ominoso, indicando que o paciente está entrando num processo de fadiga progressiva da musculatura respiratória, devendo ser intubado e colocado em prótese ventilatória. A fadiga tende a aparecer de forma mais precoce nas crianças asmáticas com menos de dois anos de idade... Nas crises muito graves, especialmente aquelas que afetam as pequenas vias aéreas periféricas e comprometem a ventilação alveolar, ocorre HIPOXEMIA. O mecanismo é o desequilíbrio entre ventilação e perfusão (distúrbio V/Q), isto é, o parênquima pulmonar (alvéolos) não recebe ventilação, mas continua sendo perfundido. Assim, o sangue passa pela circulação pulmonar sem ser adequadamente oxigenado, gerando queda da pO2 e da SpO2. MANEJO DE ADULTOS, ADOLESCENTES E CRIANÇAS COM IDADE ENTRE 6 -11 ANOS DIAGNÓSTICO A confirmação do diagnóstico de asma em pacientes com idade ≥ 6 anos envolve o reconhecimento clínico de um padrão sintomático compatível com a doença ASSOCIADO à demonstração objetiva de obstrução variável e reversível ao fluxo expiratório. A quantificação da obstrução reversível ao fluxo aéreo REQUER a realização de exames complementares. Os dois primeiros métodos idealmente devem ser realizados no início da manhã, e podem ser repetidos na vigência de sintomas. Já a broncoprovocação é reservada aos pacientes que se encontram momentaneamente assintomáticos e com espirometria normal, mas têm forte suspeita diagnóstica em função de uma história clínica sugestiva... Vale ressaltar que este último teste só costuma ser realizado em adultos. Na prova broncodilatadora, ministra-se um agonista beta-2 adrenérgico inalatório de curta ação (ex.: salbutamol), medindo-se o VEF1 10-15 minutos depois. Se o paciente já estiver em uso de agonistas beta-2 adrenérgicos deve-se suspender a medicação pelo menos 4h antes (no caso dos agentes de curta ação) ou 12h antes (no caso dos agentes de longa ação). Para cálculo da variação diária média do PFE deve- se medir o PFE duas vezes ao dia (manhã e noite), aplicando a seguinte fórmula: [PFEmáximo - PFEmínimo ]/média dos dois valores x 100. 7 Faz-se isso diariamente, e em seguida realiza-se uma média ponderada de todos os valores obtidos ao longo de 1-2 semanas. Recomenda-se que o mesmo fluxômetro portátil seja utilizado, haja vista que aparelhos diferentes podem fornecer valores significativamente discrepantes (diferenças de até 20% no PFE). Quanto maior a variação do VEF1 ou do PFE, maior a confiabilidade do diagnóstico de asma! Por exemplo: no adulto, um “ganho” de VEF1 após a prova broncodilatadora > 15% ou > 400 ml em relação ao basal torna o diagnóstico de asma essencialmente inquestionável. A espirometria é o método de escolha para diagnóstico, devendo ser realizada sempre que possível. Contudo, dado seu maior custo e menor disponibilidade, a OMS recomenda que sistemas de saúde com poucos recursos financeiros priorizem o uso de fluxômetros portáteis para diagnóstico e acompanhamento da asma. Este aparelho, inclusive, está incluído no chamado “Pacote de Intervenções Essenciais em Doenças Não Comunicáveis”. A pletismografia e outros exames não costumam ser necessários. Durante infecções virais e exacerbações graves, a reversibilidade do broncoespasmo pode ser temporariamente perdida, dando resultados "falso- negativos" nos testes respiratórios para asma... Nesta situação, se a suspeita clínica de asma for razoável, podese instituir o tratamento da crise com glicocorticoide sistêmico e demais medidas cabíveis repetindo-se os testes respiratórios após 1-2 semanas. Se for mesmo asma, a prova broncodilatadora voltará a ser positiva, e o diagnóstico poderá ser definitivamente confirmado! - É PRECISO FAZER TESTES PARA ALERGIA? Não obrigatoriamente... Os testes cutâneos (prick tests) e a dosagem plasmática de IgE total e IgE's específicas para alérgenos comuns são sensíveis e específicos para o diagnóstico de alergia, no entanto, não confirmam, isoladamente, o diagnóstico de asma. Conforme acabamos de explicar, este é feito através do reconhecimento de sintomas respiratórios típicos aliado à demonstração de obstrução reversível ao fluxo expiratório. Ademais, a asma pode ser “não alérgica”... Não obstante, a comprovação de que o paciente é alérgico à determinada substância pode vir a ser útil: uma anamnese cuidadosa ajuda a estabelecer um vínculo entre exposição ao alérgeno e ocorrência de sintomas respiratórios. Nos casos positivos, sempre que viável, uma estratégia de evitação do alérgeno deve ser recomendada! A decisão de pedir ou não exames para alergia,por conseguinte, deve se basear na suspeita clínica individual. - É PRECISO FAZER EXAMES DE IMAGEM? Métodos radiográficos, como raio X e TC de tórax, costumam ser normais na asma, e também não são capazes de confirmar o diagnóstico da doença. No entanto, podemos solicitá-los caso se suspeite de complicações como pneumotórax, pneumonia ou infiltrados eosinofílicos nos portadores de aspergilose broncopulmonar alérgica. Nas crises de broncoespasmo grave pode haver hiperinsuflação pulmonar (retificação das cúpulas diafragmáticas, aumento dos espaços intercostais). A TC de alta resolução pode mostrar bronquiectasias e espessamento da parede brônquica, mas tais achados são inespecíficos. - ÓXIDO NÍTRICO EXALADO A medida da fração de óxido nítrico no ar exalado (FENO) possui correlação direta com a presença de eosinófilos no trato respiratório, e vem sendo estudada como um possível parâmetro não invasivo para medir o grau de inflamação asmática em alguns pacientes. Valores acima de 50 partes por bilhão são sugestivos de intensa infiltração eosinofílica e preveem boa resposta ao corticoide inalatório... No entanto, nem todos os asmáticos apresentam aumento da FENO (ex.: fenótipos asmáticos 8 com inflamação neutrofílica ou paucigranulocíticadas vias aéreas; tabagistas; infecções virais agudas), assim como nem todo aumento da FENO significa que o indivíduo tem asma (ex.: bronquite eosinofílica, rinite alérgica grave). Até o momento, a dosagem da FENO não é endossada como método de diagnóstico ou acompanhamento da resposta terapêutica em todos os asmáticos, mas pode ser indicada em casos selecionados. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL Uma boa anamnese, seguida de exame físico minucioso, em geral, permite o reconhecimento das principais condições que mimetizam a asma. Nas obstruções de via aérea alta o paciente apresenta estridor, um sinal semiológico mais audível na região cervical lateral e cujas características sonoras são mais intensas na fase inspiratória (no broncoespasmo os sibilos são difusos pelos campos pulmonares e predominantemente expiratórios, acompanhados de aumento do tempo expiratório). Sibilos localizados sugerem aspiração de corpo estranho ou tumor endobrônquico (em crianças e idosos, respectivamente). A broncoscopia auxilia no diagnóstico de todas essas situações... Na insuficiência ventricular esquerda pode haver edema da mucosa brônquica como parte da congestão pulmonar, gerando sibilos difusos (“asma cardíaca”). No entanto, nestes casos, nota-se a presença de estertores crepitantes bibasais, achado que NÃO faz parte do quadro de asma. Aumento de BNP, além de ECG e ecocardiograma alterados, confirmam a origem cardiogênica dos sintomas. MAS CUIDADO: todos os diagnósticos diferenciais da asma podem COEXISTIR com a asma! Logo, a fim de afastar em definitivo a presença desta doença, é preciso realizar testes de função pulmonar, de preferência espirometria com prova broncodilatadora. Portadores de DPOC podem apresentar um componente significativo de reversibilidade sobreposto à obstrução brônquica fixa (irreversível) de base. Tais indivíduos são considerados portadores de ambas as doenças, se beneficiando do uso de corticoide inalatório em função do componente asmático. ASMA OCUPACIONAL Por estar relacionada ao trabalho, em geral acomete adultos. Estima-se que 5-20% das asmas que se iniciam na vida adulta sejam “ocupacionais”, isto é, a via aérea do paciente se tornou hipersensível a algum agente inalado durante as atividades laborativas. É muito comum que a asma ocupacional seja precedida em meses por um quadro de rinite alérgica ocupacional que, portanto, deve servir como sinal de alerta. O relato de melhora dos sintomas durante as férias e feriados é o dado crucial para pensarmos nesta hipótese diagnóstica... Alguns pacientes, por outro lado, já eram previamente asmáticos, apresentando apenas uma piora sintomática relacionada ao trabalho. Seja como for, o diagnóstico precoce é importantíssimo: a mudança de atividade nos primeiros seis meses permite a reversão completa do quadro! Pacientes que se mantêm no mesmo trabalho por mais de seis meses, em geral, desenvolvem remodelamento brônquico, adquirindo sequelas irreversíveis. Diante da suspeita de asma ocupacional, recomenda-se o pronto encaminhamento para um especialista em pneumologia. Portadores de asma ocupacional são legalmente considerados incapacitados para a prática de atividades profissionais que tenham exposição inevitável ao agente causador do quadro. AVALIAÇÃO DA ASMA Dois domínios diferentes, porém, inter-relacionados, devem SEMPRE ser avaliados em todo portador de asma: (1) grau de controle dos sintomas; (2) risco de eventos adversos futuros. A conduta terapêutica inicial será traçada de acordo com esta avaliação, e a cada novo encontro com o paciente os dois domínios precisam ser sistematicamente revistos, de modo que a estratégia em curso seja ajustada (manutenção, aumento ou diminuição na intensidade do tratamento, dependendo da resposta obtida). Para avaliar o grau de controle dos sintomas, fazemos quatro perguntas simples. 9 Vários instrumentos formais também permitem avaliar o grau de controle da asma, muitos deles comercialmente patenteados e preferidos nos estudos científicos, por serem mais detalhados (p. ex.: escores numéricos como o Asthma Control Questionnaire (ACQ) e o Asthma Control Test (ACT), entre outros). No entanto, a maneira mais simples e recomendada pelos guidelines é esta que acabamos de descrever na chamada de GINA Symptom Control Tool (GINA = Global Initiative for Asthma). Para avaliar o risco de eventos adversos futuros precisamos da espirometria (quantificação do VEF1). Recomenda-se que, sempre que possível, uma espirometria seja feita antes do início do tratamento (no momento do diagnóstico), repetindo-a após 3-6 meses de tratamento de controle e periodicamente a partir daí... Essa periodicidade pode variar de acordo com a necessidade clínica, porém, de um modo geral, todos os asmáticos devem repetir a espirometria no mínimo a cada 1-2 anos. Outros exames, se disponíveis, também podem ajudar a avaliar riscos futuros. A classificação de GRAVIDADE da asma é feita de forma retrospectiva, quer dizer, ela só pode ser estabelecida após o paciente estar com a doença sob controle utilizando a menor dose efetiva do tratamento de manutenção... Como você pode perceber, existe uma diferença entre “grau de controle” e “gravidade” da asma... Por exemplo: imagine um paciente com sintomas diários muito incômodos que ainda não iniciou o tratamento. Você prescreve um breve curso de corticoide oral, visando o rápido alívio sintomático, além de SABA conforme a necessidade, e começa corticoide inalatório em dose baixa associado a um agonista beta-2 adrenérgico de longa ação para tratamento de manutenção (passo 3 da escada terapêutica). Após algumas semanas o paciente encontra-se totalmente assintomático, ficando, portanto, com a asma controlada. Passados três meses nesta situação você decide reduzir a intensidade do tratamento, deixando apenas corticoide inalatório em baixa dose (passo 2). 10 O paciente continua assintomático ao longo dos próximos meses, mantendo a asma sob controle. Neste momento, podemos dizer que sua asma é na verdade leve, mesmo que no início parecesse se tratar de asma moderada ou grave... Outro exemplo: imagine uma criança de nove anos de idade com sintomas infrequentes, que leva uma vida essencialmente normal no período intercrítico, porém, quando as crises ocorrem elas demandam internação hospitalar (pelo menos uma vez ao ano, geralmente no outono/inverno). O padrão fenotípico da doença é claramente de uma asma extrínseca relacionada a algum alérgeno sazonal. Após a alta da última internação você inicia tratamento de manutenção com corticoide inalatório em dose média (opção de escolha nopasso 3 para pacientes com idade entre 6-11 anos), com prescrição de SABA conforme a necessidade. Nada muda, isto é, crises graves periódicas continuam acontecendo... O paciente então é encaminhado ao pneumologista, que passa o CI para dose alta e associa omalizumabe (anticorpo monoclonal anti-IgE). Agora as crises se tornam raras e, mesmo quando acontecem, nos anos subsequentes, apresentam pouca gravidade, conseguindo ser manejadas no domicílio. Neste momento, podemos dizer que se trata de asma grave, mesmo que o paciente tenha ficado assintomático a maior parte do tempo... Assim, antes de julgar a gravidade da asma, certifique-se de que todas as medidas necessárias para um adequado controle da doença estão sendo corretamente tomadas! Os principais pormenores que precisam ser verificados são: • Avalie a técnica de utilização do inalador (responsável por 80-90% dos casos de mau controle da doença): peça para o paciente demonstrar na sua frente como ele utiliza as medicações inalatórias. Compare com o checklist fornecido na bula do medicamento e corrija qualquer erro identificado. Repita este procedimento sempre que necessário; • Avalie a adesão ao tratamento: pergunte ao paciente, de forma empática e compreensiva, em quantos dias da semana ele usa a medicação. Pergunte se é mais fácil esquecer o uso durante o dia ou à noite. Confirme que a medicação fica guardada num lugar visível, a fim de evitar o esquecimento. Questione o paciente quanto a crenças e expectativas que ele tem em relação ao tratamento... Muitos não utilizam a medicação conforme prescrito simplesmente por terem medo de efeitos colaterais e/ou acharem que não precisam do remédio durante os períodos intercríticos (quando na verdade o uso contínuo da terapia de controle, além de reduzir as crises, em geral permite a redução de doses com o passar do tempo, diminuindo o risco de efeitos adversos); • Considere explicações alternativas para os sintomas respiratórios: doenças cardíacas, rinossinusite, ansiedade/depressão, apneia do sono, obesidade, falta de condicionamento físico, diagnóstico incorreto de asma; • Investigue exposição continuada a alérgenos ou irritantes: em casa ou no trabalho. Não se esqueça de perguntar também se o paciente está fazendo uso de alguma droga capaz de precipitar broncoespasmo (ex.: betabloqueadores, AAS e outros AINE). TRATAMENTO CRÔNICO DA ASMA (TERAPIA DE CONTROLE) O tratamento crônico da asma possui dois objetivos principais: (1) supressão dos sintomas, permitindo ao paciente levar uma vida o mais normal possível; (2) diminuição dos riscos futuros, que incluem o risco de exacerbações, o risco de desenvolver obstrução fixa ao fluxo aéreo (perda irreversível de função pulmonar) e o risco de efeitos colaterais do tratamento . Em tal estratégia incluem-se medidas farmacológicas e não farmacológicas. A base é o tratamento farmacológico... As drogas antiasmáticas se enquadram em três categorias: (1) terapia de controle; (2) terapia de resgate; (3) terapias adicionais para portadores de asma grave e refratária. Terapia de controle é aquela que deve ser utilizada diariamente, tendo como efeito a redução da inflamação nas vias aéreas inferiores. Propicia o controle dos sintomas e diminui riscos futuros (exacerbações e perda de função pulmonar). A principal droga é o Corticoide Inalatório (CI). Terapia de resgate deve constar na prescrição de todos os doentes, a fim de combater eventuais sintomas que “escapem” ao tratamento de controle. Constitui também a base terapêutica das exacerbações. O ideal é que o paciente não precise da terapia de resgate em nenhuma circunstância (isto é, que ele tenha um bom controle da doença). A principal droga é o agonista beta-2 adrenérgico de curta ação (SABA) inalatório. Terapia adicional consiste de medicamentos especiais cuja prescrição está restrita aos casos em que os pacientes utilizam a terapia de controle em dose máxima e mesmo assim permanecem sintomáticos. É feita de forma individualizada, podendo levar em conta características fenotípicas do paciente (ex.: asma alérgica refratária em paciente com idade ≥ 6 anos e 11 aumento dos níveis séricos de IgE tem benefício com o uso de drogas anti-IgE, como o anticorpo monoclonal omalizumabe, administrado pela via subcutânea). É interessante salientar que a maioria das drogas antiasmáticas, por serem ministradas pela via inalatória, possui elevado índice terapêutico (quociente entre a dose tóxica e a dose terapêutica), sendo, portanto, incomum a ocorrência de efeitos colaterais sistêmicos com as posologias habitualmente recomendadas. A via inalatória permite que se atinjam elevadas concentrações da droga diretamente em seu sítio de ação (a via aérea), o que aumenta a eficácia terapêutica com baixa probabilidade de efeitos sistêmicos... A estratégia atual obedece a uma ESCADA TERAPÊUTICA na qual a intensidade do tratamento de controle é ajustada em função da resposta clínica (observada após 2-3 meses de tratamento). A decisão de “subir” ou “descer” os degraus dessa escada se baseia num ciclo contínuo de: (1) avaliação da asma (grau de controle dos sintomas e riscos futuros); (2) prescrição do tratamento no passo adequado; (3) reavaliação (resposta clínica obtida). Como a asma é uma doença dinâmica, pode ser necessário modificar a intensidade do tratamento de tempos em tempos, por isso o paciente precisa ser acompanhado pelo médico com regularidade (a cada 3-12 meses, dependendo de cada caso)... Foi constatado que mesmo quando a asma é infrequente existe inflamação contínua nas vias aéreas inferiores. A supressão dessa inflamação diminui o risco de exacerbações. Em função disso, no ano de 2019, uma mudança radical nas recomendações internacionais de tratamento da asma foi proposta: para pacientes com idade≥ 12 anos, a terapia de controle estaria indicada já no passo 1 com a combinação de CI + LABA em baixas doses (especificamente budesonida + formoterol), ministrado conforme a necessidade, podendo-se utilizar a mesma combinação como “resgate” preferencial (ficando o SABA como resgate alternativo). 12 Para pacientes com idade< 12 anos não existe recomendação específica de terapia de controle no passo 1, mas pode-se considerar o uso de CI (puro) em dose baixa. Outro ponto interessante: em portadores de asma e rinite alérgica comprovadamente sensíveis aos ácaros da poeira domiciliar (ex.: teste cutâneo positivo ou elevados títulos séricos de IgE contra Dermatophagoides pteronyssinus) pode-se lançar mão da imunoterapia sublingual, desde que o VEF1 seja > 70% do previsto e o paciente continue tendo crises a despeito do uso de CI. Este tratamento é feito com extratos padronizados de D. pteronyssinus ministrados pela via sublingual em doses crescentes, a fim de induzir tolerância imunológica. A imunoterapia também pode ser feita pela via subcutânea, mas esta é menos estudada e parece menos segura e eficaz do que a sublingual (maior risco de anafilaxia). Todo portador de asma, independentemente do passo terapêutico em que se encontre, deve receber informações acerca da doença e seu tratamento, incluindo um plano escrito de automanejo sobre como proceder em casos de crise (o que comprovadamente reduz a taxa de internações hospitalares), além de tratar eventuais comorbidades identificadas que possam contribuir para os sintomas ou dificultar o controle da asma (ex.: obesidade, ansiedade/depressão, tabagismo). Sempre que possível, uma estratégia de evitação dos fatores precipitantes também deve ser buscada (principalmente em se tratando da asma ocupacional). A grande dúvida que falta esclarecer é: de que modo iniciar o tratamento de controle, ou seja, EM QUE PASSO DA ESCADA COMEÇAR? Resumindo: a não ser que os sintomas sejam muito ocasionais e de pouca importância clínica (merecendo tratamento no passo 1), comece o tratamento de controle pelopasso 2. Somente quando os sintomas forem muito importantes ou houver relato de crises graves comece pelo passo 3. Como já dito, uma vez iniciado, o tratamento de controle deve ser reavaliado após um período de 2-3 meses (ou antes, caso haja urgência clínica), sendo então ajustado de acordo com a resposta obtida. Se a asma não tiver sido “controlada” (após se confirmar adesão ao tratamento e uso correto do inalador) a conduta é intensificar o tratamento, partindo para o passo subsequente (step up). Uma vez atingido o controle, devemos manter o tratamento e observar o paciente por um período mínimo de três meses. Se a asma continuar “controlada”, deve-se tentar reduzir a intensidade do tratamento (step down), a fim de determinar a menor dose efetiva. Tal estratégia reduz os custos e o risco de efeitos colaterais. VACINAÇÃO Portadores de asma devem ser anualmente vacinados contra influenza (gripe). A vacina anti-influenza inativada (tri ou tetravalente) não precipita crises. Tem como função específica reduzir a incidência de infecção por esse vírus e sua morbimortalidade. A vacina antipneumocócica também está indicada nos asmáticos, uma vez que se trata de grupo com maior risco de morbimortalidade relacionado a esta infecção. No SUS o esquema consiste na administração sequencial das vacinas 10- valente e 23-valente. Na rede privada, o esquema preconizado pela Sociedade Brasileira de Imunização contempla as vacinas 13- valente e 23-valente (esta última administrada pelo menos 6 meses após a 13-valente). 13 CONDUTAS ADICIONAIS EM SITUAÇÕES ESPECÍFICAS OBESIDADE A asma é mais frequente e mais grave em obesos. As razões para isso são incertas, mas parecem envolver fatores mecânicos (ex.: restrição dos volumes pulmonares), bem como fatores metabólicos (ex.: secreção de adipocinas pró- inflamatórias com repercussões sobre a árvore traqueobrônquica, aumentando sua hiper-reatividade). Ademais, pacientes obesos têm menor condicionamento físico, além de maior prevalência de doenças cardiovasculares, apneia do sono e DRGE (causas independentes de queixas respiratórias). A base do tratamento antiasmático em obesos é o corticoide inalatório. A perda ponderal melhora os sintomas e facilita o controle da asma, permitindo reduzir doses dos medicamentos inalatórios . Grande benefício é visto após a cirurgia bariátrica, porém, perdas de 5-10% do peso já podem melhorar bastante a qualidade de vida do paciente. DOENÇA DO REFLUXO GASTROESOFÁGICO (DRGE) A asma aumenta a incidência de DRGE, pois medicamentos utilizados em seu tratamento relaxam o esfíncter esofagiano inferior (agonistas beta-2 adrenérgicos, teofilina), aumentando os episódios de refluxo. A DRGE pode até justificar a queixa de tosse seca, principalmente noturna, mas ao contrário do que se supunha até pouco tempo atrás ela não constitui uma causa de asma refratária ao tratamento clínico! Na realidade, a DRGE deve ser tratada (com inibidores de bomba de próton) quando houver sintomas típicos de DRGE (pirose, regurgitação), tal como em qualquer outro paciente. ALERGIA ALIMENTAR Portadores de alergia alimentar têm chance aumentada de possuir asma. Nestes, a crise asmática pode aparecer como parte do quadro sistêmico de anafilaxia, com grande risco de óbito. É importante que o paciente e seus familiares aprendam a diferenciar a crise asmática “pura” (sintomas apenas respiratórios) dos episódios de anafilaxia (sintomas respiratórios + sistêmicos), já que neste último caso a administração precoce de epinefrina intramuscular é imprescindível para salvar a vida do paciente. RINOSSINUSITE E POLIPOSE NASAL Existe uma importante associação entre doença inflamatória das vias aéreas superiores (rinossinusite) e inferiores (asma), com a maioria dos asmáticos apresentando rinossinusite crônica (> 12 semanas de duração). A rinossinusite se caracteriza clinicamente pela presença de obstrução e secreção nasal (anterior ou posterior), além de dor/pressão facial e eventualmente conjuntivite. Ambas podem ser de natureza alérgica ou não alérgica. Na forma alérgica, é comum o surgimento de pólipos intranasais. A rinossinusite crônica acompanhada de polipose nasal se associa a quadros mais graves de asma. Portadores de rinossinusite devem ser tratados com corticoide tópico intranasal, independentemente do tratamento da asma (isto é, o paciente usa corticoide nasal + inalatório). O controle clínico da rinossinusite diminui sintomas respiratórios altos e melhora a qualidade de vida do paciente, porém, não influi no controle da asma em si se o paciente estiver recebendo tratamento adequado para esta última (corticoide inalatório). ASMA INDUZIDA POR EXERCÍCIO (AIE) A hiperventilação associada ao exercício é um importante deflagrador de broncoconstrição em asmáticos. Em geral, os sintomas se iniciam logo após o término da atividade, mas às vezes aparecem durante a prática da mesma (resolvendo-se espontaneamente em até 60min). Se as crises só se relacionarem ao exercício, na ausência de fatores de risco para exacerbação, a única conduta preconizada é a profilaxia pré-exercício com SABA inalatório, complementando com SABA inalatório conforme a necessidade (resgate). Por outro lado, no paciente com fatores de risco para exacerbação, ou sintomas que aparecem fora das situações de exercício, o tratamento habitual de controle é recomendado, isto é, no mínimo CI regular + SABA de resgate. A melhora da AIE, inclusive, é um dos parâmetros que indica bom controle clínico. Por outro lado, a persistência da AIE significa mau controle da asma, demandando aumento na intensidade do tratamento crônico (step up). 14 GRAVIDEZ O efeito da gestação sobre a asma é variável e imprevisível: 1/3 dos casos evolui com piora espontânea, 1/3 com melhora espontânea e o 1/3 restante permanece inalterado... As crises tendem a ser mais frequentes durante o 2º trimestre de gravidez, e devem ser agressivamente tratadas com SABA inalatório, suplementação de O2 e corticoide sistêmico, a fim de evitar a hipóxia fetal. Fatores mecânicos e hormonais parecem contribuir para a piora clínica em alguns casos, porém, na prática, é muito comum que a causa da perda de controle seja a suspensão/diminuição inadvertida do tratamento de manutenção por parte da mãe ou por orientação de um obstetra “desavisado”, devido ao medo (infundado) de efeitos colaterais para o concepto... Como já dito, o índice terapêutico das medicações inalatórias utilizadas na terapia de controle da asma é elevado, e isso inclui o risco gestacional, que é considerado clinicamente INSIGNIFICANTE. O descontrole asmático durante a gestação é muito mais grave do que eventuais paraefeitos das drogas antiasmáticas, comprovadamente aumentando o risco materno-fetal! Para o feto, por exemplo, o descontrole da asma aumenta muito a incidência de parto prematuro, baixo peso ao nascer e mortalidade perinatal em geral. Para a mãe, aumenta o risco de pré-eclâmpsia. O bom controle da asma durante a gestação, por sua vez, se associa a pouco ou nenhum aumento nesses riscos. Gestantes asmáticas devem ter o controle da asma avaliado MENSALMENTE até o parto. Inclusive, mesmo quando o tratamento está sendo bem-sucedido, recomenda-se postergar para o pós-parto a redução dos passos terapêuticos (step down)... O mesmo tratamento pode ser mantido durante a amamentação. A hiperventilação pode desencadear broncoespasmo durante o parto. A abordagem terapêutica deve ser idêntica à de qualquer crise asmática... Contudo, se altas doses de SABA forem ministradas nas 48h que antecedem o parto, aumenta o risco de hipoglicemia no recém-nascido, especialmente nos prematuros. Logo, uso de SABA 48h antes do parto indica monitorização da glicemia neonatal nas primeiras 24h de vida. PEROPERATÓRIO A asma controlada NÃO aumenta o risco cirúrgico, exceto em pacientes que já possuem remodelamento brônquico com perdairreversível da função pulmonar (VEF1 reduzido). Por outro lado, a asma não controlada aumenta a chance de broncoespasmo e complicações pulmonares no pós-operatório. Em cirurgias eletivas, recomenda-se liberar o paciente para o procedimento somente quando a asma estiver controlada. O tratamento de controle deve ser mantido ao longo de todo o peroperatório. Antes da intubação traqueal é prudente ministrar uma dose de SABA, a fim de reduzir a chance de broncoespasmo reflexo... Nas cirurgias de emergência não temos escolha (não dá tempo de otimizar o tratamento da asma se a mesma não estiver controlada, e nesta situação devemos esperar uma maior taxa de complicações respiratórias no pós-op.)... Pacientes que fizeram uso de CI em dose alta ou corticoide sistêmico por mais de duas semanas nos seis meses antecedentes à cirurgia devem receber hidrocortisona IV durante a indução anestésica para profilaxia da insuficiência adrenal aguda. DOENÇA RESPIRATÓRIA EXACERBADA POR AAS (DREA) A DREA, antigamente chamada de “asma induzida por AAS”, é uma condição peculiar e de fisiopatogênese desconhecida, porém, seu curso clínico e prognóstico foram bem caracterizados. É encontrada em 7% dos adultos asmáticos em geral, e em 15% daqueles com asma “grave”. O quadro começa com congestão nasal e anosmia, evoluindo para rinossinusite crônica e polipose nasal recidivante. Na sequência, o paciente começa a ter asma e hipersensibilidade ao AAS (e não raro a outros AINE). As crises de broncoespasmo após ingestão de AAS/AINE são acompanhadas de crises de rinite (obstrução nasal, rinorreia) e conjuntivite (congestão ocular, lacrimejamento). Pode haver rash cutâneo na face e pescoço. A gravidade aumenta de forma progressiva após episódios repetidos, podendo culminar em crise asmática fatal. O diagnóstico é dado pela história clínica e, se necessário, confirmado por teste provocativo (este só deve ser feito em centros especializados). Evidentemente, portadores de DREA devem evitar o uso de AAS/AINE (inibidores da COX-1), no entanto, isso não evita a progressão da doença... Além de tratar a asma e a rinite com as terapias de controle convencionais, tais pacientes se beneficiam de protocolos de dessensibilização, que devem ser conduzidos em ambiente hospitalar. Esta abordagem interrompe a evolução da doença e melhora de forma significativa os sintomas e a qualidade de vida, reduzindo a formação de pólipos nasais e as infecções deles decorrentes (sinusite aguda obstrutiva). Portadores de DREA que necessitem de drogas antiinflamatórias podem fazer uso de Coxibs (inibidores seletivos da COX2) sob supervisão médica cuidadosa... 15 ASPERGILOSE BRONCOPULMONAR ALÉRGICA Esta condição aparece em asmáticos e portadores de fibrose cística, devendo ser suspeitada em pacientes que necessitam de corticoide sistêmico para controle dos sintomas, principalmente quando estão presentes bronquiectasias centrais e infiltrados pulmonares nos exames de imagem (o fungo coloniza a superfície da via aérea dilatada, produzindo uma reação ininterrupta de hipersensibilidade local). Os níveis séricos de IgE total estão elevados (> 1.000 U/l) e pode-se detectar altos títulos de IgE e IgG específica contra Aspergillus fumigatus no soro. Os testes cutâneos também são positivos para Aspergillus sp., confirmando a sensibilização alérgica. Diante deste conjunto de critérios clínicos, radiográficos e imunológicos, pode-se estabelecer o diagnóstico e dar início ao tratamento específico. Este é feito com corticoide oral por tempo prolongado (prednisona 0,5-0,75 mg/kg/dia, com redução da dose a cada 6 semanas, por um período total de 6 a 12 meses). Muitos autores associam itraconazol (200 mg 2x/dia) à corticoterapia (nas primeiras 16 semanas). TRATAMENTO DAS EXACERBAÇÕES Exacerbações da asma são episódios de piora progressiva dos sintomas e da função pulmonar em relação ao estado prévio do paciente importantes o bastante a ponto de justificar mudanças imediatas na conduta terapêutica. A evolução das exacerbações pode ser mais ou menos rápida, manifestando-se, portanto, dentro de um espectro de gravidade, o que permite individualizar a estratégia terapêutica. Quanto mais precoce for seu reconhecimento e início do tratamento, melhores tendem a ser os desfechos. Assim, as exacerbações podem ser tratadas: (1) por pacientes/cuidadores bem instruídos em seu próprio domicílio (seguindo um plano escrito de automanejo); (2) pelo médico assistente, em nível ambulatorial; (3) dentro do hospital, nos serviços de emergência ou centros de terapia intensiva. É muito importante que toda pessoa que recebe o diagnóstico de asma seja periodicamente avaliada quanto à existência de fatores de risco para ASMA FATAL. Se um ou mais desses fatores estiver presente, ao menor indício de exacerbação o paciente deve estar orientado a procurar auxílio médico urgente. TRATAMENTO DOMICILIAR COM PLANO ESCRITO DE AUTOMANEJO Pacientes bem instruídos e engajados que realizam automonitorização dos sintomas e da função pulmonar (ex.: diário de sintomas, confecção de gráficos com os valores de PFE), em geral, são guarnecidos com planos escritos sobre como identificar e proceder diante de uma exacerbação da doença. Neste plano (que geralmente é uma folha única com escrita simples e direta, dotada de recursos gráficos que aumentem a clareza e a compreensão) estão contidas orientações quanto ao uso de drogas de resgate e critérios para aumento da terapia de controle, bem como recomendações acerca de quando o paciente deve ir ao hospital. O primeiro passo é lançar mão da terapia de resgate (SABA inalatório) conforme a demanda. Se doses repetidas forem necessárias por mais de 1-2 dias, o paciente está autorizado a aumentar por conta própria o tratamento de controle. Este também pode ser aumentado se o paciente julgar que os sintomas estão interferindo de forma significativa com suas atividades diárias, ou se o PFE cair > 20% em relação ao basal por mais de dois dias. O aumento da terapia de controle pode ser feito dobrando-se ou quadruplicando-se a dose do corticoide inalatório por um período de 7- 14 dias, dependendo da faixa de dose que vinha sendo utilizada. O objetivo é passar o CI (ou a combinação de CI + LABA) para a faixa de dose considerada “alta” daquela medicação. Se iniciada precocemente, tal conduta pode evitar a progressão da exacerbação e a necessidade de corticoide oral/internação hospitalar. 16 Evidentemente, a terapia de resgate deve continuar sendo feita conforme a necessidade, até que a intensificação da terapia de controle produza seu efeito. Pacientes que fazem tratamento de controle com a combinação de budesonida ou beclometasona em baixa dose associado ao LABA formoterol podem usar a mesma combinação como terapia de resgate, uma vez que o formoterol, especificamente, apesar de ser um LABA, possui rápido início de ação, promovendo alívio do broncoespasmo agudo (e de quebra isso permite aumentar a dose do CI, já que ambas as medicações são ministradas em conjunto). Deve-se, no entanto, respeitar a dose máxima de formoterol, que é de 72 mcg/dia. Se o PFE estiver < 60% do basal, além das medidas citadas, deve-se associar corticoide oral. O corticoide oral também deve ser iniciado caso não haja resposta clínica após 48h de intensificação do tratamento de controle. O esquema consiste de prednisona (ou prednisolona) 1 mg/kg/dia, máx. 50 mg/dia, por 5-7 dias para adultos e adolescentes, ou 1-2 mg/kg/dia, máx. 40 mg/dia, por 3-5 dias para crianças com idade entre 6-11 anos. Sempre que o corticoide oral for iniciado, é mandatório contactar o médico assistente. Por fim, os critérios para ir ao hospital imediatamente são: (1) deterioração progressiva a despeito das medidas tomadas; (2) desconforto respiratório súbito e intenso. Se o plano de automanejo der certo, mesmo assim o paciente precisaver seu médico dentro de 1-2 semanas. Este decidirá se o tratamento de controle pode retornar à intensidade prévia após melhora da exacerbação, ou então se a oportunidade deve ser aproveitada para manter a progressão do tratamento de controle (step up), caso a avaliação clínica sugira que a asma não estava controlada antes do início da exacerbação (confirmada a adesão ao tratamento e o uso correto do inalador). TRATAMENTO AMBULATORIAL É realizado quando o paciente chega à consulta apresentando sinais e sintomas de exacerbação, mas obviamente sem critérios de gravidade que demandem o pronto encaminhamento para o hospital. Enquanto se providencia a transferência desses pacientes (ex.: chamar ambulância), todas as medidas terapêuticas cabíveis e disponíveis devem ser aplicadas (ex.: SABA inalatório, corticoide sistêmico precoce, O2 suplementar, mo-nitorização contínua dos sinais vitais)... Exacerbações asmáticas que não apresentem os critérios citados podem ser classificadas como leves ou moderadas. Se o paciente estiver no consultório/ambulatório e for possível fazê-lo, a conduta inicialmente tomada deve ser idêntica àquela que seria adotada frente a este grau de exacerbação caso o paciente estivesse no hospital, isto é: SABA inalatório em doses repetidas na 1ª hora, início precoce de corticoide oral (dentro da 1ª hora) e, se disponível e necessário, suplementação de O2. Na consulta de retorno, devemos avaliar por quanto tempo a intensificação da terapia de controle será mantida. A regra é: (1) curto prazo (mais 2-4 semanas) para pacientes que vinham com a asma controlada antes da exacerbação; (2) longo prazo (mais 3 meses) para pacientes que vinham sem controle da doença antes da exacerbação, isto é, nestes apenas aproveitamos para fazer o “step up” convencional da escada terapêutica. 17 É importante também jamais se esquecer de verificar aquela rotina básica... (1) adesão e técnica de uso dos inaladores; (2) pesquisar fatores desencadeantes modificáveis (ex.: tabagismo, exposições ocupacionais, uso de betabloqueadores, AAS ou AINE)... TRATAMENTO NO SERVIÇO DE EMERGÊNCIA Pacientes com exacerbação asmática que procuram o serviço de emergência, em geral, são aqueles que apresentam crises graves. A gravidade da crise é facilmente determinada por meio de uma rápida avaliação clínica (anamnese + exame físico) com ênfase nos sinais vitais (incluindo a saturação periférica de O2, que hoje em dia é considerada um sinal vital básico). SpO2 < 90% em ar ambiente é um sinal ominoso tanto em adultos quanto em crianças, sinalizando a necessidade de tratamento agressivo. O ideal é que exames complementares capazes de quantificar a função ventilatória sejam sempre realizados assim que o paciente chega, antes de começar o tratamento, por exemplo: medida do PFE, com fluxômetro portátil, ou medida do VEF1, com espirometria convencional. Os valores obtidos servirão como parâmetros de base para monitorizar de forma extremamente objetiva e confiável a resposta ao tratamento! Infelizmente, no entanto, de um modo geral tais exames não estão disponíveis nas emergências brasileiras, mas isso não chega a prejudicar nossa conduta: as recomendações para a abordagem terapêutica das crises asmáticas estão essencialmente fundamentadas na avaliação clínico-evolutiva do paciente! É PRECISO COLETAR GASOMETRIA ARTERIAL EM TODOS OS PACIENTES? Não... A “gaso” só estará indicada se: (1) PFE ou VEF1 < 50% do predito; (2) ausência de resposta ao tratamento inicial; (3) piora clínica progressiva. A coleta deve ser realizada na vigência de O2 suplementar. Uma pO2 < 60 mmHg e/ou uma pCO2 normal ou aumentada (especialmente quando > 45 mmHg) indicam insuficiência respiratória aguda e necessidade de intubação traqueal com ventilação mecânica invasiva. 18 É PRECISO FAZER RX DE TÓRAX EM TODOS OS PACIENTES? Não... O RX só deve ser feito se suspeitarmos de complicações do broncoespasmo (ex.: pneumotórax) ou diagnósticos alternativos (ex.: insuficiência cardíaca, aspiração de corpo estranho, pneumonia). Aqui vale um alerta: pacientes que não estão respondendo ao tratamento podem ter desenvolvido pneumotórax recentemente, logo, o limiar para a realização de RX neste contexto deve ser baixo, mesmo que o exame físico não seja sugestivo de pneumotórax. É PRECISO PRESCREVER ANTIBIÓTICO EM TODOS OS PACIENTES? Não... Somente naqueles que apresentam indícios de infecção respiratória bacteriana, por exemplo: febre, tosse com escarro purulento, dor torácica pleurítica (dor à inspiração), RX com infiltrado pulmonar (isto é, naqueles com critérios para o diagnóstico de pneumonia). QUAL É O PAPEL DA VNI NA CRISE ASMÁTICA? Diferentemente do que já está estabelecido para a DPOC descompensada, não há evidências científicas suficientes que demonstrem de forma inequívoca que o uso de VNI (Ventilação Mecânica Não Invasiva) seja benéfico na crise asmática, tanto no sentido de reduzir mortalidade quanto no sentido de reduzir a necessidade de internação hospitalar e ventilação invasiva. Não obstante, pode-se optar pelo uso deste método de maneira individualizada, respeitadas as suas contraindicações (ex.: paciente agitado ou com redução do sensório). Observe na o algoritmo de manejo da crise asmática no serviço de emergência em adultos, adolescentes e crianças com idade entre 6-11 anos. Após a alta do serviço de emergência ou internação hospitalar o paciente deve ter uma consulta com seu médico assistente dentro de 2-7 dias. O tratamento domiciliar segue os mesmos preceitos já explicados no tópico antecedente. Vamos acrescentar apenas um detalhe: pacientes com crises recorrentes ou que tenham tido pelo menos uma internação por asma grave comprovadamente se beneficiam do acompanhamento conjunto por um pneumologista... 19 MANEJO DE CRIANÇAS COM IDADE < 6 ANOS Crianças com idade < 6 anos não possuem maturidade suficiente para compreender e colaborar com as manobras necessárias à realização das provas de função pulmonar (ex.: espirometria, medida do PFE). Desse modo, o diagnóstico de asma nesta população não pode contar com dados objetivos e confiáveis de quantificação da obstrução ao fluxo aéreo e demonstração de reversibilidade da mesma! Como vimos no estudo da asma em pacientes mais velhos, a documentação de tais alterações é considerada imprescindível para a certeza diagnóstica de asma! Assim, o diagnóstico de asma em crianças com idade < 6 anos é “empírico” e está baseado somente em INFORMAÇÕES CLÍNICAS... Uma eventual decisão de iniciar a terapia de controle neste grupo deve ser encarada, inicialmente, como um “teste terapêutico”, isto é, uma boa resposta ao tratamento será apenas mais um dado a favor do diagnóstico de asma. Para complicar ainda mais, episódios de sibilos expiratórios difusos são bastante frequentes nas crianças pequenas, em geral aparecendo no contexto de infecções virais inespecíficas das vias aéreas superiores (IVAS). As IVAS podem acontecer até 6-8 vezes por ano nos primeiros anos de vida, em média... Logo, crianças que sibilam, mesmo que de forma recorrente, não necessariamente são portadoras de asma! AVALIAÇÃO DA ASMA GRAU DE CONTROLE DOS SINTOMAS; (2) RISCO DE EVENTOS ADVERSOS FUTUROS. A conduta terapêutica inicial será traçada de acordo com esta avaliação, e a cada novo encontro com o paciente os dois domínios precisam ser sistematicamente revistos, de modo que a estratégia em curso seja ajustada (manutenção, aumento ou diminuição na intensidade do tratamento, dependendo da resposta obtida). Mais uma vez, as limitações inerentes à faixa etária dificultam a tarefa de avaliar criteriosamente a asma infantil... Em primeiro lugar, temos que avaliar o grau de controle dos sintomas. Para tanto, em geral, contamos mais com a contribuição dos pais/cuidadores do que com o relato do próprio paciente. Logo, pode haver imprecisões nesta avaliação,uma vez que os pais/cuidadores podem não perceber o grau de sintomas que as crianças experimentam em toda a sua plenitude! Por exemplo: crianças normais têm que brincar muito, pois isso é importante para o seu desenvolvimento físico e social. 20 A criança asmática pode ser mais retraída, intuitivamente evitando se envolver em atividades que precipitem desconforto respiratório. Assim, os pais podem achar que não há sintomas de asma, acreditando que seus filhos são apenas “mais calminhos mesmo”... Outro ponto importante: muitas crianças apresentam irritabilidade antes de evoluir com franca dispneia/sibilância. Logo, alguns pais podem achar que os filhos são “manhosos”, não percebendo que se trata na realidade de uma evidência de sintomas asmáticos não controlados... Perceba que existem pequenas diferenças em relação ao sistema utilizado em pacientes mais velhos (destacadas em negrito)... Cumpre ressaltar que também existem escores formais, comercialmente patenteados, que possuem este mesmo intuito, porém a maioria deles só foi validada para pacientes com idade > 4 anos (ex.: Childhood Asthma Control Test). Uma análise dos riscos futuros também deve ser incluída na avaliação da criança asmática com idade < 6 anos. Nos pacientes mais velhos, tal conduta necessita de dados espirométricos. Aqui, entretanto, teremos que contar apenas com informações clínicas... A menor dose de CI necessária para controle dos sintomas e diminuição das exacerbações deve ser descoberta e utilizada. A criança pequena é mais suscetível a possíveis efeitos colaterais sistêmicos dos CI... Uma alteração naturalmente esperada é a diminuição na velocidade de crescimento nos primeiros 1-2 anos de tratamento. Logo, a estatura deve ser cuidadosamente monitorada nesses pacientes. O referido atraso no crescimento, em geral, não repercute na altura final atingida na vida adulta. Portanto, se após os primeiros 1-2 anos de tratamento com CI as curvas de crescimento não mostrarem uma tendência de “recuperação do atraso de crescimento” outras causas para a baixa estatura devem ser pesquisadas. Na criança asmática, uma das mais comuns é justamente a FALTA DE CONTROLE DA DOENÇA, em particular quando o paciente faz uso recorrente de corticoide sistêmico... TRATAMENTO CRÔNICO DA ASMA (TERAPIA DE CONTROLE) Os objetivos do tratamento da asma nas crianças com idade < 6 anos são idênticos aos de pacientes mais velhos: (1) supressão dos sintomas, permitindo ao paciente levar uma vida o mais normal possível; (2) diminuição dos riscos futuros, que incluem o risco de exacerbações, o risco de desenvolver obstrução fixa ao fluxo aéreo (neste caso pela interferência no desenvolvimento pulmonar normal) e o risco de efeitos colaterais do tratamento. O tratamento de manutenção da asma em crianças pequenas também envolve medidas farmacológicas e não farmacológicas, sendo o tratamento medicamentoso a base da terapia. A mesma lógica já descrita para pacientes mais velhos também se aplica aqui: utiliza-se uma ESCADA TERAPÊUTICA na qual a intensidade do tratamento de controle é ajustada em função da resposta clínica (observada após três meses de tratamento). A decisão de “subir” ou “descer” os degraus dessa escada se baseia num ciclo 21 contínuo de: (1) avaliação da asma (grau de controle dos sintomas e riscos futuros); (2) prescrição do tratamento no passo adequado; (3) reavaliação (resposta clínica obtida). Como a asma em crianças com menos de seis anos de idade costuma entrar em remissão com razoável frequência, o paciente precisa ser acompanhado pelo médico com mais regularidade do que os outros grupos etários (a cada 3-6 meses, no máximo). Se optarmos por tentar suspender o tratamento, uma consulta de revisão deve ser marcada para no máximo 3-6 semanas depois... Como você também deve ter percebido, não se recomenda o uso de LABA em crianças < 6 anos... ESCOLHA DO DISPOSITIVO INALADOR Crianças com idade < 6 anos também apresentam limitações no tocante ao tipo de dispositivo inalatório que pode ser utilizado. Dispositivos que necessitem de coordenação entre seu acionamento e manobras de inspiração profunda, evidentemente, não devem ser prescritos neste grupo etário, pois não serão eficazes. Apenas os dispositivos que conseguem “entregar” a medicação para a via aérea do paciente através do volume corrente espontâneo é que possuem eficácia e podem ser usados... Existem dois principais: (1) nebulização convencional; (2)pMDI com espaçador ou “aerocâmara” (pMDI = pressurized Metered-Dose Inhaler ou “inalador dosimetrado pressurizado”). Os estudos mostram que o método mais custo-eficaz de administração de qualquer medicamento inalatório em crianças pequenas com asma consiste no uso de pMDI + espaçador. Quando o pMDI é acionado, uma dose predeterminada de medicação é liberada sob pressão na forma de um certo volume de aerossol. O pMDI deve estar acoplado ao espaçador... Este, também chamado de aerocâmara, possui duas finalidades: (1) armazenar o volume de aerossol de modo que a criança consiga inalá-lo por completo utilizando seu volume corrente espontâneo; (2) reter as partículas de maior peso que se depositam sobre a superfície interna do espaçador, evitando que isso aconteça na cavidade oral do paciente, o que aumentaria a taxa de absorção sistêmica e a chance de efeitos colaterais. 22 Existem vários tipos e tamanhos de espaçador, e isso deve ser levado em conta considerando-se o tamanho da criança. De um modo geral, são necessárias cinco a dez incursões respiratórias para que toda a dose de aerossol liberada dentro do espaçador consiga ser inalada pelo paciente. A forma como o espaçador e a via aérea do paciente se conectam também é importante e varia em função da faixa etária. Crianças muito pequenas, imaturas demais para colaborar (0-3 anos), necessitam de uma máscara facial, que deve ser bem adaptada ao nariz e à boca pelo parente/cuidador. O problema da máscara facial é que ela aumenta a área de contato da pele do rosto com a medicação, o que pode trazer problemas como o já mencionado “rash do corticoide inalatório” (devese lavar o rostinho do bebê após o uso). Crianças mais capazes de colaborar (4-5 anos) podem usar uma peça bucal, em vez da máscara facial. TRATAMENTO DAS EXACERBAÇÕES Como não podia deixar de ser, o reconhecimento de uma exacerbação da asma em crianças muito pequenas nem sempre é uma tarefa fácil... Não raro, as manifestações iniciais são inespecíficas, e os parentes/cuidadores devem ser orientados quanto a isso, mantendo um elevado grau de suspeição. As principais alterações que denunciam o início de uma exacerbação em crianças com idade < 6 anos são: • Aumento agudo ou subagudo da sibilância e da dispneia; • Aumento da tosse, especialmente a tosse noturna com a criança dormindo; • Letargia ou diminuição da tolerância ao exercício; • Redução nas atividades diárias, incluindo a alimentação; • Diminuição da resposta habitual ao SABA inalatório. Assim como nos pacientes mais velhos, a abordagem da exacerbação em crianças < 6 anos pode ser iniciada no próprio domicílio do paciente, utilizando um plano escrito de automanejo. No entanto, é preciso destacar as situações que indicam urgência em procurar o hospital. A base do tratamento domiciliar da crise é o uso de SABA inalatório. Ministra-se 2 puffs de salbutamol via pMDI + espaçador, podendo-se repetir essa mesma dose a cada 20min, por mais 2x. Na ausência de resposta satisfatória (necessidade de > 6 puffs em 1-2h), a criança deve ser levada ao serviço de emergência. Em geral, não se recomenda o início domiciliar de corticoide oral pelos parentes/cuidadores, sem que a criança seja avaliada antes pelo médico. O papel do sulfato de magnésio como adjuvante terapêutico nas crises graves não está bem estabelecido em pacientes com idade < 6 anos. Não obstante, alguns autoresrecomendam seu uso como diluente da solução de nebulização para crianças com idade ≥ 2 anos que apresentam crise de asma grave, durante a 1ª hora do atendimento. Outros recomendam seu uso intravenoso, na dose de 40-50 mg/kg em infusão lenta (20- 60min). Crianças com idade < 6 anos que iniciaram corticoide oral devem manter este tratamento por 3-5 dias apenas, podendo interrompê-lo abruptamente, sem necessidade de desmame. 23 FARMACOLOGIA DAS DROGAS ANTIASMÁTICAS BRONCODILATADORES Relaxam a musculatura lisa brônquica, revertendo o broncoespasmo. Não interferem no processo inflamatório crônico da via aérea, logo, não servem como terapia de controle, isto é, não devem ser usados isoladamente em longo prazo, pois não evitam o remodelamento brônquico. Existem três representantes principais: (1) agonistas beta-2 adrenérgicos; (2) antagonistas muscarínicos (anticolinérgicos); e (3) teofilina. Os agonistas beta-2 adrenérgicos são as drogas de escolha, por terem maior eficácia e início de ação mais rápido . Por serem específicos para o receptor β2, têm poucos efeitos diretos sobre o coração (que possui receptores β1 )... A preferência é pela via inalatória, já que a via sistêmica (oral ou parenteral) acarreta mais efeitos colaterais. Podem ter meia-vida curta (SABA) ou longa (LABA). 24 Os principais efeitos colaterais dos agonistas beta-2 adrenérgicos são tremores e palpitações, ocorrendo principalmente em IDOSOS. Por estimularem a entrada de K+ nas células, podem causar discreta redução da calemia, em geral, sem repercussões clínicas. Os anticolinérgicos bloqueiam receptores muscarínicos de acetilcolina, inibindo apenas o componente neurogênico do broncoespasmo (por isso sua menor eficácia em comparação com os agonistas beta-2 adrenérgicos, que inibem todos os mecanismos do broncoespasmo). Também reduzem a secreção de muco na via aérea. São classificados como de meia-vida curta (brometo de ipratrópio ou Atrovent ®) ou longa (tiotrópio ou Spiriva ®): SAMA e LAMA, respectivamente. O SAMA pode ser usado como adjuvante no tratamento agudo das crises asmáticas graves, mas como seu início de ação é mais tardio que o dos agonistas beta-2 adrenérgicos, deve sempre ser associado a estes. O LAMA pode ser associado ao tratamento crônico no paciente (> 12 anos) que não obtém controle da asma com o uso de CI + LABA. Seu acréscimo melhora a função pulmonar e diminui a ocorrência de crises! Os paraefeitos também predominam em idosos: os principais são xerostomia (boca seca) e, mais raramente, retenção urinária e glaucoma. A teofilina de liberação lenta (Teolong ®) é uma droga de uso oral que causa broncodilatação por inibir a enzima fosfodiesterase. Isso aumenta os níveis de AMPc intracelular, produzindo relaxamento do músculo liso. Infelizmente, as doses necessárias para promover broncodilatação costumam ser altas o bastante para induzir efeitos colaterais sistêmicos (nível sérico entre 10-20 mg/l). Ademais, a teofilina é bastante inferior ao SABA como agente broncodilatador... Não obstante, foi descrito que a teofilina de liberação lenta em baixas doses (nível sérico entre 5-10 mg/L) parece exercer discreta ação antiinflamatória, por um mecanismo molecular diferente: silenciamento da expressão de genes pró- inflamatórios. Por isso ela passou a ser aceita como alternativa no tratamento de controle da asma, de preferência como adjuvante à combinação CI + LABA nos portadores de asma grave. As principais indicações de sulfato de Mg 2+ IV na crise asmática são: (1) ausência de resposta ao tratamento inicial, com persistência da hipoxemia (ou não atinge VEF1 de pelo menos 60% do predito); (2) VEF1 < 25-30% do predito (neste caso, já pode fazer Mg 2+ IV desde o início do tratamento). Alguns trabalhos também sugerem que a crise grave tratada com SABA + ipratrópio por NBZ poderia se beneficiar da solução de MgSO4 como diluente, em vez do soro fisiológico. 25 CONTROLADORES DE INFLAMAÇÃO Diversos fármacos são capazes de reduzir a inflamação asmática nas vias aéreas inferiores, reduzindo não apenas os sintomas, mas também os riscos futuros, por evitar o remodelamento brônquico. São eles: (1) corticoide inalatório ou sistêmico; (2) antagonistas do receptor de leucotrieno; (3) cromonas; (4) anti-IgE; e (5) anti-IL-5. O corticoide inalatório revolucionou o tratamento da asma e hoje representa a base da terapia de controle. Quanto mais precocemente iniciado, maior o benefício. O CI literalmente “limpa” a infiltração mucosa por linfócitos Th2, eosinófilos e mastócitos, reduzindo a hiperreatividade brônquica. Seu efeito se dá no núcleo das células, silenciando a expressão de genes pró-inflamatórios e ativando a expressão de genes anti-inflamatórios. Efeitos colaterais sistêmicos são raros (em geral, quando altas doses são usadas por longos períodos). Na realidade, o bom controle da asma propiciado pelo CI faz com que o paciente necessite de menos cursos de corticoide oral/venoso, o que no fim das contas resulta em menos exposição sistêmica. Não obstante, paraefeitos locais são relativamente comuns quando a técnica de uso do inalador é inadequada. O ideal é que seja utilizado um espaçador, cujo objetivo é reter partículas de aerossol de maior peso, evitando que estas “caiam” na mucosa orofaríngea. Isso diminui a ocorrência de rouquidão, cujo mecanismo é amiopatia das cordas vocais. É importante também enxaguar a boca com água e cuspir logo em seguida! Isso diminui a chance decandidíase oral. Em relação ao uso sistêmico, já está provado que a via oral tem a mesma eficácia do que a via intravenosa no tratamento das crises, sendo a primeira, pela sua maior comodidade, preferível. Ambas levam cerca de4h para começar a agir... Cerca de 1% dos asmáticos necessita de corticoide oral crônico como terapia adicional para controle da doença. A menor dose possível deve ser empregada (de preferência ≤ 7,5 mg/dia de prednisona), mas mesmo assim o risco de efeitos colaterais sistêmicos é significativo no longo prazo. Leucotrienos são mediadores inflamatórios com poderosa ação broncoconstritora secretados por mastócitos e eosinófilos na via aérea do portador de asma. O bloqueio de seu receptor cys-LT1 por drogas de uso oral como zafirlucaste (Accolate ®) e montelucaste (Singulair ®, Piemonte ®) é eficaz e bem tolerado. A associação CI + LABA é superior como terapia de controle da asma no longo prazo, porém pode-se acrescentar um antagonista de receptor de leucotrieno em pacientes que não atingem o controle da doença. A resposta é maior em alguns indivíduos do que em outros e não existe uma 26 explicação definitiva para este achado, tampouco uma maneira de prevê-lo. Cromonas como o cromoglicato (Intal ®) e o nedocromil (Tilade ®) são especialmente eficazes na asma alérgica e na AIE, e já foram muito populares no tratamento da asma em crianças, porém, além de serem menos eficazes do que o CI, impõem sérias dificuldades práticas: são necessárias várias administrações diárias, e seus ina-ladores precisam ser lavados com frequência para não ficarem entupidos por resíduos da medicação. Atualmente são muito pouco usados. O omalizumabe (Xolair ®) é um anticorpo monoclonal anti-IgE indicado como adjuvante para pacientes com idade ≥ 6 anos que possuam asma alérgica refratária à combinação de CI + LABA na vigência de níveis elevados de IgE no sangue. Pode melhorar o controle da doença e reduzir exacerbações. É ministrado pela via subcutânea a cada 2-4 semanas, e seu custo é muito alto. O mepolizumabe (Nucala ®) e o reslizumabe (Cinqaero ®) são anticorpos monoclonais anti-IL-5, enquanto o benralizumabe (Fansera ®) é um bloqueador do receptor de IL-5. Todos são de uso parenteral... Como a IL-5 é a citocina que recruta e ativa eosinófilos, tais drogas reduzem eosinófilos no
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