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Conceitos fundamentais de psicopatologia descritiva

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Conceitos fundamentais de psicopatologia descritiva 1 
 
Conceitos fundamentais de 
psicopatologia descritiva 
Texto adaptado do livro Sintomas da Mente - Andrew Sims 
 "O que a alma é, não nos cabe saber; com o que ela se parece, quais são suas manifestações, 
é de grande importância." (Juan Luis Vives - 1538 - De Anima et Vita) 
 
 A aplicação precisa da psicopatologia descritiva na prática da psiquiatria é necessária, no 
mínimo, pelas três razões seguintes: 
 
1. A psicopatologia descritiva é a ferramenta profissional fundamental do psiquiatra; ela é 
possivelmente, a única ferramenta diagnóstica exclusiva do psiquiatra. 
2. A psicopatologia descritiva diz respeito mais do que à simples realização de uma entrevista 
clínica com o paciente, ou, até mesmo, ter que escutá-lo, embora deva envolver ambos, 
necessariamente. 
3. A psicopatologia descritiva tem utilidade e aplicação clínica. 
 É claro que, para a prática racional da psiquiatria, é necessário o conhecimento de 
neurociências básicas; o conhecimento factual apropriado da psicologia, da sociologia e da 
antropologia social também é necessário. Com estes, há uma necessidade de um conhecimento 
operacional abrangente de medicina geral, especialmente neurologia e endocrinologia. Esta poderia 
ser considerada a base mínima de conhecimentos, essencial para a prática da psiquiatria. 
 
 As bases acadêmicas fundamentais de psiquiatria, no entanto, não são as descritas aqui, e sim 
a epidemiologia psiquiátrica e a psicopatologia descritiva. A epidemiologia é o estudo da 
distribuição da doença ou transtorno em uma população definida; na psiquiatria, portanto, ela 
refere-se ao conhecimento da incidência e da prevalência de diferentes condições psiquiátricas 
dentro de distintos grupos de pessoas. A psicopatologia descritiva, como ferramenta exclusiva do 
psiquiatra, pode ser comparada à anamnese e ao exame médico, ferramentas exclusivas do 
profissional médico. O psiquiatra acrescenta a essas ferramentas gerais da prática médica, de 
anamnese e exame, os conhecimentos únicos adicionais da psicopatologia descritiva. 
O que é psicopatologia? 
Conceitos fundamentais de psicopatologia descritiva 2 
 
 A psicopatologia é o estudo sistemático do comportamento, da cognição e da experiência 
anormais; o estudo dos produtos de uma mente com um transtorno mental. Isto inclui as 
psicopatologias explicativas, nas quais existem supostas explicações, de acordo com conceitos 
teóricos (p. ex., a partir de uma base psicodinâmica, comportamental ou existencial, e assim por 
diante), e a psicopatologia descritiva, que consiste da descrição e da categorização precisas de 
experiências anormais, como informadas pelo paciente e observadas em seu comportamento (figura 
1.1). 
 
 
Figura 1.1 - As Psicopatologias. 
 
 A psicopatologia descritiva consiste, portanto de duas partes distintas: a observação do 
comportamento e a avaliação empática da experiência subjetiva. A observação acurada é 
extremamente importante e um exercício muito mais útil do que simplesmente contar os sintomas; 
às vezes o uso servil de listas de sintomas, para a verificação de sua presença ou ausência, tem 
impedido a observação clinica genuína. A objetividade é crucial, mas existe também a necessidade 
de observar-se mais do que apenas o comportamento. 
 A outra parte da psicopatologia descritiva - e a mais difícil - avalia a experiência 
subjetiva. Empatia, como termo psiquiátrico, significa literalmente "sentir-se como". Ela é usada 
ocasionalmente por certos profissionais que cuidam de pacientes como um sentimento caloroso e 
afável em relação às adversidades de outras pessoas. É louvável sentir-se desta maneira em relação 
às dificuldades de nossos pacientes, mas isto não é empatia, mas simpatia, que significa "sentir 
com". De certo modo, surpreende-nos saber que no grego moderno empatia significa "manter seus 
sentimentos internamente", que significa guardar rancor. Este não é, absolutamente, o sentido em 
que o termo é usado na psiquiatria! 
 
 Na psicopatologia descritiva o conceito de empatia é um instrumento clínico que precisa ser 
Conceitos fundamentais de psicopatologia descritiva 3 
 
utilizado com habilidade para medir o estado subjetivo interno de outra pessoa usando a capacidade 
do próprio observador para a experiência emocional e cognitiva como um critério de medida. Isto é 
alcançado por um questionamento preciso, pleno de insight, persistente e informado, até que o 
médico seja capaz de oferecer um relato sobre a experiência subjetiva do paciente que este possa 
reconhecer como sendo realmente seu. Se a descrição do médico sobre a experiência interna do 
paciente não é reconhecida por este como sendo sua, o questionamento deve continuar até que a 
experiência interna seja reconhecidamente descrita. Ao longo de todo este processo, o sucesso 
depende da capacidade do médico como ser humano, de experimentar algo como a experiência 
interna de outra pessoa, o paciente; não se trata de uma avaliação que pode ser realizada por meio 
de um microfone ou computador. Ela depende absolutamente da capacidade compartilhada entre 
médico e paciente para a experiência e sentimentos humanos. 
Fenomenologia e psicopatologia 
 Um dos métodos mais frequentes de classificação de doença mental é pela categorização de 
experiências descritas por pessoas mentalmente doentes e da definição dos termos utilizados, tais 
como "depressão" ou "ansiedade". Para o progresso no prognóstico e no tratamento, tal 
classificação é essencial. Ao tentar entender as experiências subjetivas de uma pessoa que sofre, o 
terapeuta demonstra um envolvimento e o paciente provavelmente terá maior confiança no 
tratamento. 
 
 Os sintomas agregam-se em determinados padrões e podemos, portanto, falar de diferentes 
doenças mentais ou psiquiátricas. Os métodos precisos de diagnóstico ou a definição da natureza do 
problema continuam sendo importantes. Para que a nosologia psiquiátrica possa ser melhorada, é 
necessária uma observação acurada dos fenômenos com os quais nos confrontamos. 
 
 O que uma pessoa obviamente afetada por uma doença mental está realmente sentindo? De 
que forma suas próprias experiências assemelham-se ou diferem da experiência dos outros - tanto 
daqueles que estão bem quanto dos que estão doentes? É importante haver um esquema para 
organizar os fenômenos que ocorrem. 
 
 A psicopatologia refere-se a toda experiência, cognição e comportamento anormais. A 
psicopatologia descritiva evita explicações teóricas para eventos psicológicos. Ela descreve e 
categoriza a experiência anormal como relatada pelo paciente e observada pelo seu comportamento. 
Conceitos fundamentais de psicopatologia descritiva 4 
 
Em seu contexto histórico, Berrios (1984) a descreve como um sistema cognitivo constituído por 
termos, suposições e regras para a sua aplicação - "a identificação de classes de atos mentais 
anormais". Fenomenologia é o estudo de eventos, psicológicos ou físicos, sem "enfeitá-los" com 
explicação de causa ou função. Quando usada em psiquiatria, a fenomenologia envolve a 
observação e categorização de eventos psíquicos anormais, as experiências internas do paciente e 
seu comportamento consequente. O terapeuta tenta observar e entender o evento ou fenômeno 
psíquico para que possa saber por ele mesmo, na medida do possível, como o paciente 
provavelmente se sente. 
 
 Como podemos usar a palavra observador com relação à experiência interna de outra pessoa? 
É exatamente aqui que o processo de empatia torna-se relevante. A psicopatologia descritiva, 
portanto, inclui aspectos subjetivos (fenomenologia) e objetivos (descrição do comportamento). 
 
 Preocupa-se com a variedade da experiência humana, mas limita deliberadamente seu âmbito 
àquilo que é clinicamente relevante;por exemplo, ela pode não dizer nada sobre a validade religiosa 
do que James (1902) chamou de "saintliness" (qualidade relativa ao indivíduo que leva uma vida 
pia, com pureza de um santo). 
 
 Como isso funciona na prática? A Sra. Jenkins reclama que é infeliz. É tarefa da psicologia 
descritiva tanto obter os pensamentos e ações da paciente sem tentar explicá-los quanto observar e 
descrever o comportamento da mesma - seus ombros caídos, o tenso retorcer e remexer de suas 
mãos. A fenomenologia exige uma descrição muito precisa de como exatamente ela sente-se 
internamente - "este horrível sentimento de não existir realmente" e "não ser capaz de sentir 
nenhuma emoção". 
 
 Alguns psiquiatras consideram a fenomenologia com desdém, vendo-a como um pedantismo 
arcaico, exageradamente minucioso, mas a avaliação diagnóstica dos sintomas é uma tarefa que o 
psiquiatra omite por conta própria e em prejuízo do paciente. O estudo da fenomenologia "afia" as 
ferramentas diagnósticas, aguça a perspicácia clínica e melhora a comunicação com o paciente. O 
paciente e suas queixas merecem nossa escrupulosa atenção. Se "o estudo adequado da humanidade 
diz respeito ao homem", o estudo correto da sua doença mental começa com a descrição de como 
ele pensa e sente-se internamente – “caos de pensamento e paixão, tudo confuso" (Pope,1688-
1744). 
 
Conceitos fundamentais de psicopatologia descritiva 5 
 
 Uma negligência desdenhosa da fenomenologia pode ter sérias repercussões para o cuidado do 
paciente. Oito pessoas foram enviadas separadamente para 12 unidades de internação em hospitais 
psiquiátricos americanos queixando-se que ouviam estas palavras sendo ditas em voz alta: "vazio, 
fundo, surdo" (Rosenhan, 1673). Em todos os casos, com exceção de um, foi diagnosticada 
esquizofrenia. Após a internação no hospital, eles não produziram sintomas psiquiátricos 
posteriores, agindo tão normalmente quanto podiam, respondendo a questões com sinceridade, 
exceto pelo fato de ocultarem seu nome e ocupação. A ética e o bom-senso do experimento podem 
certamente ser questionados, mas o que fica claro não é que os psiquiatras devem deixar de fazer 
um diagnóstico, mas que devem fazê-lo em uma base psicopatológica sólida. Nem Rosenhan e 
colaboradores e nem os psiquiatras deram qualquer informação sobre que sintomas poderiam ser 
considerados para fazer um diagnóstico de esquizofrenia; isto requer um método baseado na 
psicopatologia (Wing, 1978). Com o uso adequado da psicopatologia fenomenológica esta falha de 
diagnóstico não teria ocorrido. 
 
 Jaspers (1963) escreveu: "A fenomenologia, apesar de ser uma das pedras fundamentais da 
psicopatologia, é ainda muito tosca". Um dos grandes problemas da utilização deste método é a 
natureza confusa da terminologia. Ideias quase idênticas podem receber diferentes nomes por 
pessoas de diferentes bases teóricas- por exemplo, a abundância de descrições acerca de como uma 
pessoa pode conceituar a si mesma: autoimagem, percepção do corpo, catexia, etc. 
 
 Há uma confusão considerável a respeito do significado do termo fenomenologia. Berrios 
(1992) descreveu quatro significados em psiquiatria: "P1 refere-se ao seu uso clínico mais comum, 
como um mero sinônimo para ‘sinais e sintomas’ (como em psicopatologia fenomenológica); este é 
um uso que se degenerou e, portanto, é conceitualmente desinteressante. P2 refere-se a um sentido 
pseudotécnico frequentemente utilizado em dicionários e que alcança uma falsa unidade de 
significado ao simplesmente catalogar usos sucessivos em ordem cronológica; esta abordagem é 
equivocada, já que sugere linhas evolutivas falsas e deixa em aberto questões importantes 
relacionadas à história da fenomenologia. P3 refere-se ao uso idiossincrásico iniciado por Karl 
Jaspers que dedicou seus primeiros escritos clínicos à descrição de estados mentais de uma maneira 
que (de acordo com ele) era empática e teoricamente neutra. Finalmente, P4 refere-se a um sistema 
filosófico completo iniciado por Edmund Husserl e continuado por autores coletivamente incluídos 
no chamado "Movimento Fenomenológico". Dentre estes significados, este artigo estará voltado 
inteiramente para o significado jaspersiano de fenomenologia, o P3 de Berrios. Jaspers em seus 
escritos define a fenomenologia talvez 30 a 40 vezes, de maneiras sutilmente distintas, mas sempre 
Conceitos fundamentais de psicopatologia descritiva 6 
 
implicando-a ao estudo da experiência subjetiva. Walker (1993) demonstrou, de um modo muito 
elegante, que, apesar de Jaspers considerar ter sido influenciado por Husserl e seu sistema de 
fenomenologia, tal não é realmente o caso, pois sua psicopatologia é mais por conceitos kantianos, 
tais como forma conteúdo. 
 
 A fenomenologia é um método empático que evidencia os sintomas, mas que não pode ser 
aprendida por meio de livro. Os pacientes são os melhores professores, mas é bom saber o que se 
está procurando, os aspectos práticos, clínicos, pelos quais o paciente descreve a si mesmo, seus 
sentimentos e seu mundo. O médico tenta interpretar a natureza da experiência do paciente – 
entendê-la suficientemente bem e senti-la tão intensamente a ponto de que o relato de seus achados 
permita o reconhecimento do paciente. O método fenomenológico em psiquiatria é inteiramente 
voltado para idéia de tornar a experiência do paciente compreensível (esta é uma palavra técnica em 
fenomenologia; no entanto, aqui queremos dizer "a capacidade de colocar-se no lugar do paciente"), 
de modo a permitir classificá-lo e tratá-lo. 
 
 "A barreira ao avanço da psiquiatria não reside na avareza ou no preconceito daqueles que 
decidem se um projeto de pesquisa submetido à apreciação deve viver ou morrer; nem tem sido a 
falta de habilidade daqueles que estão engajados em pesquisas psiquiátricas: ela reside na 
dificuldade inerente dos problemas” (Lewis, 1963). A maior dificuldade na fenomenologia não é 
assimilação de fatos obscuros ou acúmulo de epônimos estrangeiros, embora tais aspectos sejam 
difíceis. A maior dificuldade está na compreensão do método de investigação e na capacidade de 
usar novos conceitos. Na tentativa para evitar o obscuro e o óbvio, descrevemos alguns desses 
conceitos aos pares. 
 
SAÚDE NORMAL 
 Algumas palavras são usadas comumente, mas de um modo inconsistente; portanto, apesar de 
sabermos o que pretendemos dizer com elas, somos incapazes de supor que outras pessoas as 
utilizam da mesma maneira. Duas dessas palavras são normais e saudáveis. Em uma discussão 
sobre a doença mental elas ocorrem tão frequentemente que devem ser examinadas brevemente 
antes de uma excursão adicional à psicopatologia. 
 
Saúde / Doença 
Conceitos fundamentais de psicopatologia descritiva 7 
 
 A psicopatologia preocupa-se com a doença da mente. O que é doença, porém? Trata-se de um 
tema vasto, que tem sido discutido por filósofos, teólogos, administradores e advogados, assim 
como por médicos. Os profissionais que passam a maior parte do tempo de seu trabalho em meio à 
saúde e à doença raramente fazem esta pergunta, e com menos frequência tentam respondê-la. 
 
1 - A definição da Organização Mundial de Saúde afirma: "Saúde é um estado de completo bem-
estar físico, mental e social e não somente a ausência de doença ou enfermidade" (1946). Se o total 
bem-estar é um requisito, talvez praticamente todos estejamos excluídos. 
 
2 - A doença pode ser considerada em termos físicos, como na afirmação de Griesinger (1845), de 
que "doenças mentais são doenças do cérebro". Embora esta alegação ajuste-se aos estados 
psiquiátricos orgânicos e possa abranger a deficiência de aprendizagem (retardo mental), não é 
muito simples tentar incluir nesta definição todos os transtornos "neuróticos" e os psicóticos; por 
outro lado, de forma alguma os transtornos de personalidade não se encaixamaqui. 
 
3 - De modo semelhante, as doenças podem ser descritas como aquelas condições que o médico 
trata. Ao definir isto Kräupl Taylor (1980) declarou: "Para ser paciente é necessário e suficiente a 
experiência vivida por uma pessoa ao sentir a necessidade de tratamento, ou, no seu meio, que deve 
receber tratamento". Doença mental torna-se, então, um termo para descrever os sintomas e a 
condição daquelas pessoas que são encaminhadas a um psiquiatra. Esta descrição tautológica de 
doença tem alguma vantagem prática, já que não impede que ferramentas terapêuticas sejam 
utilizadas com relação a um amplo espectro de problemas humanos. Ela apresenta, no entanto, a 
desvantagem de permitir que a sociedade escolha quem ela chamará de "doente mental", e, em um 
sistema social totalitário, o estado pode decidir quais indivíduos com desvios deverão ser 
considerados doentes (Bloch e Reddaway,1977). 
 
4 - A doença pode ser considerada como uma variação estatística da norma, trazendo em si mesma 
desvantagem biológica. Isto foi formulado por Scadding (1967) para a doença física e desenvolvido 
para a doença psiquiátrica por Kendell (1975). Desvantagem biológica implica fertilidade reduzida 
e/ou vida mais curta. Este estado de desvantagem torna-se difícil de aplicar ao homem moderno, 
uma vez que ele aprendeu a controlar seu ambiente e sua reprodução de tal maneira que o próprio 
termo desvantagem biológico torna-se questionável. O que é uma vantagem biológica para o 
indivíduo pode ser uma desvantagem para a espécie, e vice-versa. 
 
Conceitos fundamentais de psicopatologia descritiva 8 
 
5 - A doença tem implicações legais. Por exemplo, as circunstâncias que resultam em doença 
podem dar direito à compensação legal; se o comportamento resulta da doença, isto pode reduzir a 
pena. Da mesma maneira, a doença mental é um conceito que pode justificar detenção compulsória 
em um hospital (Lei da Saúde Mental, 1983; Blugass, 1983) e criminosos mentalmente enfermos 
são tratados pela lei de uma maneira diferente de outros criminosos (Bluglass e Bowden, 1990). 
 
 Esta distinção entre normalidade e doença, saúde e enfermidade, nada tem de trivial. "Uma 
grande parte da ética médica e muito de toda a base da política médica atual, privada e pública, 
estão baseadas precisamente na noção de doença e normalidade. Por si mesmo, o médico (dando-se 
conta ou não) pode fazer seu trabalho muito bem sem uma definição formal de doença... 
Infelizmente, o médico não pode trabalhar tranquilamente usando seu bom-senso. Ele é atingido por 
dois ângulos: pelos consumidores vorazes e pelos conselheiros pretensiosos" (Murphy, 1979). 
Normalidade/anormalidade 
 A palavra normal é usada corretamente no mínimo em quatro sentidos na língua inglesa 
(Mowbray, Rodger e Mellor, 1979). Estes consistem das normas de valor, estatística, individual e 
tipológica. O termo "normal" passa a ser usado indevidamente quando substitui injustificavelmente 
as palavras usual ou usualmente. 
 
 A norma de valor tem o ideal como seu conceito de normalidade. Assim, a afirmação "é 
normal ter dentes perfeitos" está usando a palavra normal em sentido de valor - na prática, a maioria 
das pessoas tem, no mínimo, algum problema com seus dentes. 
 
 A norma estatística, naturalmente, é o uso preferencial que a palavra retém no vocabulário 
científico. O anormal é considerado aquele que fica fora da faixa média. Se um inglês normal mede 
1m80cm, ter 1m60cm ou 1m90cm é estatisticamente anormal. 
 
 A norma individual é o nível consistente de funcionamento que um indivíduo mantém ao 
longo do tempo. Após uma lesão cerebral, uma pessoa pode experimentar um declínio na 
inteligência, que é certamente uma deterioração de seu nível individual prévio, mas tal diminuição 
pode não representar qualquer anormalidade estatística (p.ex; uma diminuição no QI de 125 para 
105). 
 
Conceitos fundamentais de psicopatologia descritiva 9 
 
 A anormalidade tipológica é um termo necessário para descrever-se a situação em que uma 
condição é considerada como normal em todos os três significados anteriormente citados e, contudo 
representa anormalidade, talvez mesmo uma doença. O exemplo dado por Mowbray e 
colaboradores é a doença infecciosa pinta. As manchas cutâneas causadas por esta doença são 
altamente valorizadas pelos índios sul-americanos, a tal ponto que os que não têm esta doença são 
excluídos da tribo. Assim, possuir a doença é considerado normal em sentido de valor, estatístico 
em individual, e ainda assim é patológico. 
 
Amostra psiquiátrica: população geral 
 
 Na discussão de saúde e normalidade, é importante apontar as generalizações perigosas que 
surgem quando o psiquiatra, normalmente contra sua vontade, é colocado na posição de perito na 
conduta total da vida. Não podemos extrapolar do anormal para o normal; eles tendem a não estar 
situados em uma linha contínua, mais em vez disso, são qualitativamente diferentes. Devido ao 
conhecimento detalhado dos processos psíquicos anormais e sintomas e seu manejo, o psiquiatra 
não é necessariamente, também, um perito em educar filhos ou em dar uma receita para uma mente 
tranquila. 
 
 A amostra de pessoas que vai a um psiquiatra é diferente, em muitos aspectos, daquela que 
consulta seu médico de família com sintomas psicológicos, sendo que esta população da clínica 
geral também difere da população em geral (Goldberg e Huxley,1980). Embora seja muito 
necessário concentrar-se no indivíduo e em seus sintomas, é também útil ter em mente as 
características do restante da população da qual ele provém. Seu comportamento e seu 
entendimento do mundo têm raízes dentro da sua própria psicopatologia individual, mas também de 
seu meio social geral. 
 
 Normalmente, existe um desejo de se raciocinar do particular para o geral. Com base em nossa 
experiência com pacientes esquizofrênicos jovens em um hospital-escola, fazemos generalizações 
sobre esquizofrenia. Para sermos capazes de fazer isto devemos saber que os pacientes que estamos 
atendendo (nossa amostra da população) são representativos da população-alvo (esquizofrênicos). 
Somente poderemos fazer está afirmação se nossa amostra foi selecionada aleatória na população 
total dos esquizofrênicos, de modo que todos os esquizofrênicos tenham tido uma probabilidade 
conhecida, igual e maior do que zero de entrar em nossa amostra. Na prática, certamente, isto nunca 
pode ser feito desta maneira; assim, devemos restringir nossa população-alvo a um grupo mais 
Conceitos fundamentais de psicopatologia descritiva 10 
 
limitado (uma amostra). Nossas alegações sobre o conhecimento a respeito do mesmo também 
devem ser limitadas. Vale a pena repetirmos o axioma: diferentes populações têm diferentes 
características. 
O comum/o esotérico 
 A psicopatologia descritiva às vezes corre o risco de cair no esotérico, com um interesse 
excessivo por síndromes raras. A fim de ter uso prático, é necessário que se concentre nas 
manifestações de anormalidade que são comuns a muitos pacientes: 
1. A observação de um fenômeno sem teoria preconcebida é útil para a conciliação entre diferentes 
escolas de psicopatologia. 
2. O requisito de uma definição precisa formar uma base para uma pesquisa sólida. Síndromes raras 
têm seu valor para o aprendizado de habilidades psicopatológicas, mas o interesse nelas não deve 
ocorrer em detrimento de seu uso mais importante – ainda que mais corriqueiro na prática clínica 
(Sims, 1982). 
COMPREENDENDO SINTOMAS DOS PACIENTES 
 O entendimento, tanto no sentido cotidiano quanto no fenomenológico, não pode ser completo, 
a não ser que o médico tenha um conhecimento detalhado da base cultural do paciente e de 
informações específicas sobre sua família e seu ambiente imediato. A fenomenologia também não 
pode concentrar-se somente no indivíduoisolado, observado em um determinado momento de sua 
vida. Deve-se preocupar com a pessoa em um contexto social: acima de tudo, a experiência de uma 
pessoa é amplamente determinada por suas interações com os outros. Ela também deve considerar o 
estado mental e o ambiente do indivíduo antes do evento de interesse imediato e com o que ocorre 
após o mesmo. 
 
 O método fenomenológico facilita a comunicação; seu uso faz com que seja mais fácil para o 
médico entender o paciente. Isto também ajuda o paciente a ter mais confiança no médico, pois 
percebe que seus sintomas são entendidos e, portanto, aceitos como “reais”. A descrição precisa e a 
avaliação dos sintomas auxilia na comunicação entre os médicos. 
Sintoma/sinal 
Conceitos fundamentais de psicopatologia descritiva 11 
 
 A medicina clínica faz uma clara distinção entre sinais e sintomas. O paciente queixa-se 
de sintomas, como se sentir agitado e desconfortável no calor, com hipertireoidismo. Sinais físicos 
são detectados no exame: um leve bócio com ruído audível, perda de peso, pulso rápido e 
exoftalmia. 
 
 Esta distinção não é normalmente feita com os fenômenos do estado mental. A descrição do 
paciente de um fenômeno mental anormal é geralmente chamada de sintoma, quer ele queixe-se de 
algo que o perturba, ou simplesmente descreva sua experiência mental, que parece patológica para 
um observador. Em seu relato acerca de suas experiências, ambos são, portanto, considerados 
sintomas. Quando agregados, esses sintomas podem ser considerados como sinais de qualquer 
diagnóstico indicado. 
 
 O sintoma, pois, considerado como incluindo o sinal, pode ser uma queixa (p.ex., um 
sentimento de infelicidade) ou um item de descrição fenomenológica que pode não representar 
queixa do paciente (p.ex., ouvir vozes que discutem baixinho sobre o paciente, com perplexidade e 
admiração). O sentimento de infelicidade pode ser um sinal de doença depressiva; as alucinações 
auditivas podem ser um sinal de esquizofrenia. Há, também, sintomas ou sinais comportamentais, 
como no paciente que grita para o teto – isto pode ser considerado como um sinal que sugere 
alucinação auditiva. Shneider (1959) considera que um sintoma, na esquizofrenia, é uma 
“característica frequente e, portanto, importante, deste estado”. Para que um sintoma seja usado no 
diagnóstico, sua ocorrência deve ser típica desta condição e deve ocorrer com relativa frequência na 
mesma. 
O método de empatia: o método de observação e experimentação 
 O método clássico na medicina, de obter informações sobre o paciente, ocorre a partir da 
anamnese e do exame físico. O uso da fenomenologia em psiquiatria é uma extensão da anamnese, 
no sentido de que amplia a descrição da queixa presente para dar informação mais detalhada. É, 
também, um exame, já que revela o estado mental. Não é possível para mim, o médico, observar a 
alucinação de meu paciente, nem medi-la de maneira direta. No entanto, para compreendê-lo, posso 
utilizar as características humanas que tenho em comum com ele, isto é, minha habilidade para 
perceber e usar a linguagem que compartilho com ele. Posso esforçar-me para criar em minha 
própria mente uma idéia de como deve ser sua experiência. Então, testo para ver se estou correto em 
minha reconstrução de sua experiência, pedindo que ele confirme ou negue minha descrição. 
Conceitos fundamentais de psicopatologia descritiva 12 
 
Também utilizo minha observação de seu comportamento – a expressão triste de seu rosto ou o ato 
de bater com o punho na mesa – para reconstruir suas experiências. 
 
 Ouvir e observar são cruciais para o entendimento. Deve-se tomar muito cuidado ao se 
fazerem perguntas. Os médicos muitas vezes identificam sintomas incorretamente e fazem o 
diagnóstico errado pois fizeram perguntas capciosas com as quais o paciente, por meio de sua 
submissão ao status do médico e ansiedade para cooperar, está completamente disposto a 
concordar. 
 
 O método de empatia significa usar a habilidade de sentir-se na situação de outra pessoa, 
avançando através de séries organizadas de perguntas; repetindo e reiterando onde for necessário 
até que se tenha certeza do que está sendo descrito pelo paciente. A sequência poderia ser a 
seguinte: 
 Pergunta - “Você diz que seus pensamentos estão mudando; o que acontece com eles?” 
 Resposta – O paciente descreve seus pensamentos recorrentes sobre matar pessoas e a 
afirmação de que isto se origina de uma dor em seu estômago. 
 Pergunta – (Tentando isolar os elementos de sua experiência) “Como é este seu pensamento 
de matar pessoas?” (obsessão, delírio, fantasia, chance de se transformar em atuação, etc.) “Você 
acredita que seu estômago afeta seu pensamento?; É diferente de uma pessoa que sabe que fica 
irritada quando está com fome?; De que maneira isto é diferente?; O que causa sua dor no 
estômago?” 
 Resposta – O paciente descreve os detalhes, que incluirão, entre o material irrelevante, o tipo 
de informação essencial para a determinação dos sintomas presentes. 
 Pergunta – (O convite à empatia) “Estou certo ao pensar que você está descrevendo uma 
experiência na qual raios estão causando dor em seu estômago, e que este, de alguma maneira 
bastante independentemente de você, causa este pensamento que o assusta, de que você deve matar 
alguém com uma faca?” Isto é um relato dos sintomas relevantes que ele descreveu na linguagem 
que pode reconhecer como sua. 
 Resposta – “Sim” (nós, então, alcançamos nosso objetivo); “Não” (portanto, devo tentar 
evocar novamente os sintomas, experimentá-los por mim mesmo e descrevê-los outra vez ao 
paciente). 
Conceitos fundamentais de psicopatologia descritiva 13 
 
 Para dar exemplos do que isto significa na prática: Como eu, um médico, decido se um 
determinado paciente está deprimido ou não? Isto não é feito pela imitação de uma máquina que 
poderia registrar unidades de tom vocal ou de expressão facial, chegando a um diagnóstico de 
depressão. Para a avaliação clínica, sigo o seguinte processo: 
 
1. Eu sou capaz de sentir-me infeliz, miserável, deprimido e saber como é este sentimento dentro de 
mim. 
2. Se eu estivesse me sentindo como vejo o paciente se sentindo, falando, atuando, etc, também me 
sentiria miserável, deprimido, infeliz. 
3. Portanto, eu avalio o humor do paciente como sendo de depressão. É claro que este processo 
mental de diagnóstico não é geralmente verbalizado. 
 Em outro exemplo, um paciente diz: “Os marcianos estão me fazendo dizer palavrões, não sou 
eu que estou dizendo isto.” O questionamento empático revela a falsa crença do paciente de que 
quando palavrões vêm de sua boca ele acredita que a causa está fora de si mesmo (marcianos), em 
vez de dentro de si. O questionamento incluiria: “Você realmente ouve os marcianos? Como você 
sabe que são marcianos e ninguém mais?”, etc. 
 
 Um outro exemplo não-psicótico seria o de uma garota de 20 anos de idade que desmaia 
quando criticada em seu trabalho. O médico precisa colocar-se, mesmo sendo um homem de 55 
anos, de uma diferente formação, na posição da paciente, com um conhecimento não somente de 
sua história social, mas também da maneira como ela, no presente, percebe a história. Somente 
depois disto o desenvolvimento de seus sintomas pode se tornar compreensível. Quando tomamos 
conhecimento, por exemplo, de seu pai com abuso de álcool, das discussões deste com a mãe 
epiléptica da paciente, da experiência cultural restrita da família em uma aldeia de pescadores 
isolada; quando sabemos que a mãe tinha um ataque quando as discussões com o marido tornavam-
se intoleráveis – podemos começar a entender alguma coisa sobre o desenvolvimento do sintoma da 
própria paciente. Isto não é alcançado somente por explicação, como um observador externo, mas 
pelo entendimentoempático e pela capacidade de experiência subjetiva por parte do médico. 
 
 Talvez uma analogia da medicina geral fosse útil aqui. O médico experiente apalpa um rim 
aumentado no abdome de seu paciente (Figura 1.2). Ele convida os estudantes de medicina a 
apalparem o abdome bimanualmente para que possam aprender a experimentar esta sensação quase 
imperceptível, mas ainda assim significativa. O método fenomenológico de empatia empregado em 
Conceitos fundamentais de psicopatologia descritiva 14 
 
psiquiatria é mais difícil de ensinar do que este. É como se o médico tivesse que realizar este exame 
sem as mãos (Figura 1.3)! Primeiro, ele precisa treinar o paciente a apalpar seu próprio abdome 
bimanualmente de maneira correta e, depois, descrever de forma precisa o que sente. O médico, 
então, interpreta a descrição do paciente para decidir se o rim está dilatado sem poder ele próprio 
colocar a mão no abdome. 
 
 
 
Figura 1.2 - Palpação bimanual para 
verificação de um rim aumentado. 
 
Figura 1.3 - Apalpação bimanual, sem 
as mãos 
 A proposta do método fenomenológico, portanto, é a seguinte: 
(1) descrever experiências internas; 
(2) ordená-las e classificá-las; e 
(3) criar uma terminologia confiável. 
 A empatia também é de grande valor terapêutico no estabelecimento de uma relação com o 
paciente. Saber que o médico entende, e que é capaz de compartilhar de seus sentimentos, dá ao 
paciente confiança e sensação de alívio. Esta empatia é também útil como uma maneira de estender 
o conhecimento mais genericamente no campo da psiquiatria, permitindo o desenvolvimento de 
uma terminologia diagnóstica. 
O todo não-diferenciado – a parte significativa 
 Geralmente, uma classificação de qualquer espécie requer o exame detalhado de uma grande 
quantidade de material, para a identificação do indício, pequeno, mas significativo. Isto se aplica à 
fenomenologia, na qual a parte significativa do material psicológico para avaliação fenomenológica 
pode ocorrer dentro de uma longa anamnese e exame, onde a maior parte da conversa do paciente 
Conceitos fundamentais de psicopatologia descritiva 15 
 
não revela qualquer evidência de doença. Um paciente falou por vários minutos sobre várias coisas 
que considerava bastante estranhas, mas não pude ter certeza sobre seu estado psicótico. No 
entanto, quando ele disse: “Eu raspei minhas sobrancelhas porque eram ruivas, e quando as pessoas 
viam sobrancelhas ruivas, elas sabiam que eu era bicha” (na verdade, ele não era homossexual); 
com isto, ficou óbvio que tinha delírios, e este sintoma foi explorado em maiores detalhes. 
 
 O uso da fenomenologia para a avaliação no estado mental pode ser comparado com o exame 
do campo no microscópio. Não se pode esperar extrair algum sentido da amostra de sangue apenas 
olhando e focalizando. Deve-se mover a lâmina e conseguir um bom exemplo para demonstrar o 
ponto de interesse da massa não-diferenciada. Assim, a conversa do paciente pode ter demonstrado 
muitas idéias estranhas e delírios bizarros, mas talvez somente uma vez o entrevistador possa obter 
uma descrição totalmente satisfatória de determinado sintoma psicopatológico de particular 
importância diagnóstica. 
Comportamento aleatório/significado 
 Um homem andando de bicicleta ao redor de um canal encontrou outro homem, robusto, 
caminhando na direção oposta e carregando um tubo de borracha. Este levantou o tubo e o bateu no 
ombro do ciclista, quase o empurrando para dentro do canal. Ao chegar na cidade mais próxima, o 
ciclista registrou a agressão na polícia local, que prendeu o agressor. A polícia considerou seu 
comportamento sem sentido e, portanto, solicitou a opinião de um psiquiatra. Quando questionado a 
respeito da razão pela qual havia agredido o ciclista, o homem respondeu que tinha sentido uma dor 
em seu estômago e ouviu uma voz dizendo: “Bata no homem da bicicleta e a dor irá passar”; e foi o 
que ele fez. 
 
 Um leigo qualquer, comentando o “comportamento maluco”, pode dizer que este não tem 
sentido; mas, como o significado não é sempre aparente para um observador ou mesmo para a 
vítima, não se pode negar que não é real, apesar de psicótico, para o paciente: “Uma ação é, a 
princípio, intencional” (Sartre, 1943). 
 
 É importante tentar alcançar o significado subjetivo do paciente e não somente ficar satisfeito 
porque a resposta é anormal. O significado fenomenológico é, algumas vezes, revelado no tipo de 
resposta; por exemplo, quando se pediu a um paciente esquizofrênico que explicasse a diferença 
entre uma parede e uma cerca, ele respondeu: “Você pode ver através de uma cerca, mas as paredes 
Conceitos fundamentais de psicopatologia descritiva 16 
 
têm ouvidos” (Rawnsley, 1985, comunicação pessoal). Da mesma maneira que os eventos externos 
têm causas que podem ser explicadas, os eventos psicológicos internos podem originar-se uns dos 
outros em um encadeamento significativo, se o estado interno do paciente puder ser entendido 
empaticamente. 
Compreensão/explicação 
 Iniciamos com a premissa de que o comportamento significa algo, isto é , que surge com 
consistência interna, a partir de eventos psíquicos. Embora o comportamento de um paciente possa 
ser significativo para ele, pode não ser possível para nós, os observadores externos, entendê-lo. 
Existem muitos níveis nos quais podemos entender. Por exemplo, podemos ter algum entendimento 
das dificuldades sexuais de um exibicionista reincidente ao saber sobre sua infância perturbada; mas 
isto ainda não se explica por que ele regularmente repete o comportamento que o faz entrar em 
conflito com a lei, prejudicando-o socialmente e à sua família. Wittgenstein (1953) afirmou: “Nós 
explicamos comportamentos humanos dando razões, não causas”. 
 
 Jaspers contrastou compressão (verstehen) com explicação (erklären) e mostrou como estes 
termos podem ser usados no sentido tanto estático quanto genético. Estático significa compreender 
ou explicar a presente situação a partir das informações disponíveis; genético, como atingiu este 
estado pelo exame de seus antecedentes. Isto é mostrado na Tabela 1.1. 
 Tabela 1.1 – Diagrama de entendimento e explicação. 
 Compreensão Explicação 
Estático (1) Descrição Fenomenológica 
(3) Observação através da percepção sensorial 
externa 
Genético 
(2) Empatia estabelecida a partir do que 
emerge 
(4) Causa e efeito do método científico 
 
 
 Compreensão é a percepção do significado pessoal da experiência subjetiva do paciente: 
 
1. Se quisermos encontrar significado em um determinado momento no tempo, o método da 
fenomenologia é apropriado. A experiência subjetiva do paciente é dissecada formando-se um 
Conceitos fundamentais de psicopatologia descritiva 17 
 
quadro estático do que tal pensamento ou tal evento significaram para ele naquele determinado 
momento. Não é feito qualquer comentário de como o evento surgiu e nem alguma previsão ao que 
acontecerá depois. O significado é simplesmente extraído como uma descrição do que o paciente 
está experimentando e o que isto significa para ele agora. Um homem sente-se zangado: a 
compreensão estática usa a empatia para descrever em detalhes exatamente como é para ele sentir-
se zangado. Eu, o examinador, já experimentei fenômenos como estes? Eles são conhecidos por 
mim pelas experiências que tive em minha vida? 
 
2. A compreensão genética, em oposição à compreensão estática, preocupa-se com um processo. 
Entende-se que, quando insultado, este homem reage com violência; quando esta mulher ouve 
vozes comentando sobre suas ações, ela fecha as cortinas de sua casa. Para compreender a maneira 
como os acontecimentos psíquicos originam-se um dos outros na experiência do paciente, o 
terapeuta usa a empatia como um método ou ferramenta. Ele coloca-se na situação do paciente. Se 
esteprimeiro acontecimento tivesse ocorrido com ele nas circunstâncias totais do paciente, o 
segundo evento, que foi a reação do paciente ao primeiro, ocorreu dentro do esperado, com alguma 
margem de certeza. Ele compreende os sentimentos atribuídos ao paciente a partir da ação que deles 
resulta. Então, se eu fosse o paciente com a mesma história, será que teria as mesmas experiências e 
o mesmo comportamento? Um exemplo ajudaria a demonstrar a humanidade desta abordagem e a 
universalidade da experiência humana: eu devo me colocar no lugar de uma jovem mulher de 19 
anos, criada em uma comunidade pesqueira isolada, a mais velha de oito filhos, que se torna 
estuporosa durante sua segunda gravidez. Ela é casada com um homem alcoólatra de 35 anos, e seu 
pai também é alcoolista. Devo compreender como ela lidou com o comportamento de seu pai 
quando criança; o que sua gravidez significou para ela; como ela viu o comportamento de sua mãe 
durante suas gestações, etc. A explicação trata do registro de eventos de um ponto de observação 
fora destes; a compreensão, de dentro deles. Compreende-se a raiva de uma pessoa e suas 
conseqüências; explica-se a ocorrência da neve no inverno. Explicações também podem ser 
descritas como estáticas ou genéticas. 
 
3. A explicação estática refere-se à percepção sensorial externa, à observação de um acontecimento. 
 
4. A explicação genética consiste na descoberta de conexões causais: ela descreve uma cadeia de 
eventos e por que eles seguem esta sequência. Compreender e explicar são partes necessárias da 
investigação psiquiátrica. 
Conceitos fundamentais de psicopatologia descritiva 18 
 
 Jaspers faz uma distinção importante entre o que é significativo e permite empatia, e o que é, 
em última instância, incompreensível – a essência da experiência psicótica. Apesar de o observador 
possivelmente empatizar com o conteúdo de um delírio de um paciente em qualquer situação 
particular, ele não pode compreender ou ver uma conexão significativa na ocorrência do delírio por 
si só. O delírio como um evento não é compreensível: para o médico, parece incompreensível e 
irreal. Podemos compreender pelo conhecimento do passado da paciente porque, caso seu 
pensamento tiver um transtorno na forma, o conteúdo deste pensamento refere-se à perseguição 
pelos nazistas – talvez porque seus pais escaparam da Alemanha em 1937. Mas não podemos 
compreender a razão pela qual ela deve acreditar em algo que é claramente falso: que os 
perseguidores estão colocando uma substância sem gosto em sua bebida que a faz sentir-se doente. 
O delírio, em si mesmo, como forma psicopatológica, é incompreensível. Conexões significativas, 
então, mostram o vínculo entre diferentes eventos psicológicos, pela compreensão de como tais 
eventos surgem um dos outros, por um processo de empatia. 
Primário: secundário 
 Jaspers discute os diferentes significados que podem ser atribuídos aos 
vocábulos primário e secundário quando aplicados a sintomas. A distinção pode ser em termos de 
compreensão, no sentido de que o primário não pode ser reduzido adicionalmente pelo 
entendimento; por exemplo, nas alucinações, na medida em que o secundário é o que surge do 
primário de uma maneira que possa ser compreendida; por exemplo, a elaboração delirante que 
surge da parte saudável da psique em resposta a alucinações que surgem da parte não-saudável da 
psique. Novamente, a distinção entre primário e secundário pode ser feita em termos 
de causalidade, no sentido de que o que é primário é a causa, enquanto o que é secundário é o 
efeito: a afasia sensorial é primária, a perturbação resultante das relações com outras pessoas é 
secundária. 
 
 Estes dois significados distintos do termo primário obscurecem a distinção crucial entre 
conexões significativas e conexões causais. Para evitar dúvidas em física e química, fazemos 
observações por meio de experimentos e então formulamos conexões e leis causais, ao passo que, 
em psicopatologia, experimentamos outro tipo de conexão, na qual eventos psíquicos emergem uns 
dos outros de uma maneira que pode ser compreendida – as chamadas conexões 
significativas (Robinson, 1984, comunicação pessoal). 
A ANÁLISE DE EXPERIÊNCIA 
Conceitos fundamentais de psicopatologia descritiva 19 
 
 O que o paciente considera importante ao oferecer a história de seus sintomas e causas de 
aflição pode não ser necessariamente idêntico ao que o médico ou examinador considera 
importante. O médico pode muito bem estar tentando determinar as entidades psicopatológicas que 
estão presentes, talvez para fazer um diagnóstico, enquanto o paciente está preocupado em 
comunicar a agonia que vive, sua intensidade e a forma como está é percebida como uma ameaça. 
Predição/quantificação 
 Na acusação feita à psiquiatria – de não ser científica por não ser quantificável – existem duas 
percepções incorretas. Em primeiro lugar, a quantificação não é fundamental para a ciência, mas 
secundária. O fundamental, para o conhecimento fatual ou ciência, é que esta tenha uma qualidade 
suficientemente boa para ser preditiva. Por exemplo, saber que a maçã, solta no ar, cairá, é o 
princípio essencial da ciência: medir e, portanto, quantificar sua velocidade depende da observação 
e da previsão inicial. Em segundo lugar, é possível quantificar a psicologia subjetiva que tem usado 
a fenomenologia no estágio de formação de hipóteses. Exemplos disto serão descritos em maiores 
detalhes posteriormente, incluindo autoavaliações para a depressão, localização do self dentro do 
espaço semântico na Grade de Repertório; automedições de peso na anorexia nervosa e assim por 
diante. São necessários métodos indiretos e criativos para a quantificação da psicopatologia, mas 
isto é possível e, com frequência, vantajoso. 
 
 Popper (1959) introduziu o teste de falsificabilidade para a ciência: uma teoria pode ser 
falsificável como um critério de definição. A fenomenologia, a descrição do estado subjetivo do 
indivíduo, é falsificável: está disponível para a refutação, e parte do método empático diz respeito a 
convidar o paciente a refutar o relato do entrevistador sobre a experiência anterior do primeiro. 
Portanto, as teorias fenomenológicas podem ser falsificadas a partir das argumentações do próprio 
paciente. 
Forma: conteúdo 
 Como a urdidura e a trama, a forma e o conteúdo são essencialmente diferentes, mas estão 
inextricavelmente entrelaçados. É claro que o conceito filosófico de forma e conteúdo constitui uma 
ferramenta didática, um auxílio para o entendimento, e não deve ser usado de uma maneira concreta 
ou absoluta. O que é forma a um nível de classificação torna-se conteúdo em outro, como, por 
exemplo, artefatos de madeira podem incluir móveis como um dos muitos “conteúdos”, 
mas mobília, quando utilizada como uma “forma” pode também incluir outros artigos diferentes. 
Conceitos fundamentais de psicopatologia descritiva 20 
 
A forma de uma experiência psíquica é a descrição de sua estrutura em termos fenomenológicos, 
como, por exemplo, um delírio. Visto assim, o conteúdo é o colorido da experiência. O paciente 
está preocupado pois acredita que estão roubando seu dinheiro. Sua preocupação é que “pessoas 
estão tirando meu dinheiro”, não que “eu mantenho uma falsa crença apoiada em razões 
inaceitáveis de que pessoas estão tirando meu dinheiro”. Ele está preocupado com o conteúdo. 
Claramente, forma e conteúdo são importantes, mas em contextos diferentes. O paciente está 
somente preocupado com o conteúdo, “que estou sendo perseguido por 10.000 tacos de hóquei”. O 
médico preocupa-se com a forma e com o conteúdo, mas, como fenomenologista, só com a forma; 
neste caso, uma falsa crença de estar sendo perseguido. No que se refere à forma, os tacos de hóquei 
são irrelevantes. O paciente, por sua vez, acha este interesse do médico pela forma incompreensívele um desvio do que ele considera importante, acabando por demonstrar irritação com o fato. 
 
 Uma paciente que disse: “Quando giro a torneira, ouço uma voz sussurrando no cano: ‘Ela 
está a caminho da lua. Vamos torcer para que ela faça uma aterrissagem suave’”. A forma desta 
experiência é o que exige a atenção do fenomenologista e é útil em termos de diagnóstico. Ela está 
descrevendo uma percepção: é uma falsa percepção auditiva e uma percepção auditiva falsa ou 
perturbada. Tem as características de uma alucinação e, especificamente, de uma 
alucinação funcional. Esta é a forma. Enquanto o psiquiatra preocupa-se em esclarecer a forma, a 
paciente fica muito irritada porque “ele não está anotando nada do que estou dizendo”. Ela está 
preocupada por talvez ser mandada para a lua. O que acontecerá quando chegar lá? Como voltará? 
Portanto, o conteúdo é tudo o que importa para ela e a preocupação do médico com a forma é 
incompreensível e frustrante ao extremo. 
 
 A forma depende da doença mental da qual o paciente sofre, constituindo-se, portanto, uma 
chave diagnóstica da mesma. Por exemplo, percepções delirantes ocorrem na esquizofrenia, e 
quando demonstradas como a forma da experiência elas indicam esta condição. O achado de uma 
alucinação visual sugere a probabilidade de uma psicossíndrome orgânica. A natureza do conteúdo 
destes dois exemplos é irrelevante para se chegar a um diagnóstico. O conteúdo pode ser entendido 
em termos da situação de vida do paciente com relação à cultura, ao grupo de pares, ao status, à 
sofisticação, à idade, ao sexo, aos eventos de vida e à localidade geográfica. Um outro paciente, por 
exemplo, disse que havia sido enviado à lua e retornado durante a noite duas semanas após a 
primeira aterrissagem da descida do homem na lua. Descrever os pensamentos de uma pessoa como 
sendo controlados pela televisão é necessariamente restrito àquelas partes do mundo onde está 
invenção é conhecida. Um colega informou-me que duas semanas após a morte de Elvis Presley, 
Conceitos fundamentais de psicopatologia descritiva 21 
 
três reencarnações autoconfessas do famoso cantor formam atendidas em seu setor de emergência. 
 
 A hipocondria é uma doença de conteúdo, mais do que de forma. A forma pode ser variada. 
Ela poderia tomar a forma de uma alucinação auditiva, na qual o paciente ouve uma voz dizendo: 
“Você tem câncer”; pode ser um delírio, quando ele acredita falsamente e com evidência delirante 
que tem câncer; pode ser, também, uma idéia supervalorizada, quando ele passa a maior parte do 
dia checando sua saúde, pois acredita que está doente; pode ser uma anormalidade de afeto, que se 
manifesta em extrema ansiedade hipocondríaca ou um desânimo hipocondríaco de fundo 
depressivo. De modo semelhante, o ciúme mórbido é um transtorno do conteúdo, no qual a forma 
expressa-se de várias maneiras: alucinatória, delirante, através de uma idéia supervalorizada, como 
um comportamento compulsivo ou um pensamento obsessivo; mas o conteúdo é compreensível em 
termos da situação de vida do paciente. 
Subjetivo/objetivo 
 A objetividade na ciência passou a ser reverenciada como o ideal, de modo que somente o que 
é externo à mente é considerado real, mensurável e válido. Trata-se de um erro, porque 
necessariamente avaliações objetivas são subjetivamente carregadas de valor naquilo que o 
observador escolhe medir; e é possível tornar este aspecto subjetivo mais preciso e confiável. Há 
sempre julgamentos de valor associados a avaliações subjetivas e objetivas. O processo de fazer 
uma avaliação científica consiste de vários estágios: receber um estímulo sensorial, perceber, 
observar (tornar significativas as impressões), anotar, codificar e formular hipóteses. Este é um 
processo progressivo de se descartar informações, e é o julgamento subjetivo do que é válido que 
determina a pequena quantidade de cada estágio que é retido para transmissão à próxima parte do 
processo. “Não existe algo como uma observação sem ideias preconcebidas” (Popper, 1974). 
 
 As avaliações objetivas na psiquiatria têm coberto muitos aspectos da vida. Alguns exemplos, 
além das muitas medições fisiológicas, são a medição de movimentos corporais, expressão facial, 
escritos do paciente, capacidade de aprendizagem, respostas a um programa de condicionamento 
operante, extensão da memória, eficiência ocupacional e avaliação do conteúdo lógico das 
afirmações do paciente. Tudo isto pode ser quantificado e analisado objetivamente. Podem ser feitas 
análises subjetivas; por exemplo, a partir da expressão facial, da descrição do paciente sobre si 
mesmo, de sua própria escrita ou de seus acontecimentos internos. Quando um médico fala sobre 
um paciente: “Ela parece triste”, ele não está medindo objetivamente a expressão facial da mesma 
Conceitos fundamentais de psicopatologia descritiva 22 
 
em “unidades de tristeza” por algum gabarito objetivo. Ele segue estes estágios: “Eu associo sua 
expressão facial com o afeto que reconheço em mim como um sentimento de tristeza: ver sua 
expressão faz-me sentir triste”. Rapport é a qualidade que o paciente estabelece com o médico 
durante sua entrevista clínica. Para que isto aconteça, o médico precisa ser receptivo à sua 
comunicação. Ele deve ser capaz de estabelecer também um rapport, de ter uma capacidade para o 
entendimento humano. Esta é necessariamente uma experiência subjetiva para o médico, mas isto 
não significa que não seja real ou mesmo que não possa ser medido. O método fenomenológico 
tenta aumentar nosso conhecimento de eventos subjetivos, de modo que possam ser classificados e, 
finalmente, quantificados. 
 
 Aggernaes (1972) definiu subjetividade e objetividade por experiências diárias imediatas: 
 Quando alguma coisa vivida tem uma qualidade de “sensação”, diz-se também que tem uma 
qualidade de “objetividade” se a pessoa que a vive sente que, sob circunstâncias favoráveis, ele 
seria capaz de viver a mesma coisa com outra modalidade de sensação que aquela que provocou a 
qualidade de sensação. Quando algo que se experimentou tem uma qualidade de “ideação”, isto é, 
não está sendo diretamente percebido no momento, é também dito que tem uma qualidade de 
“objetividade” se o experimentador sente que, sob circunstancias favoráveis, ele seria capaz, ainda 
assim, de viver a mesma coisa com, no mínimo, duas ou mais modalidades de sensação. 
 Algo experimentado tem uma qualidade de “subjetividade” se quem o vive sente que sob 
circunstâncias favoráveis ele seria capaz de viver esta coisa com duas ou mais modalidades de 
sensação. 
 Assim, olho para a mesa à minha frente como uma percepção visual ou posso virar minha 
cabeça e ainda fantasiá-la como uma imagem visual. Enquanto “vejo a mesa”, em qualquer destas 
formas, o fato de eu poder imaginar ouvir um som se eu batesse na mesa com uma colher e 
machucar meus dedos se desse um soco nela, confirma sua qualidade de objetividade. Se eu usar 
minha imaginação para criar em minha mente uma imagem visual de uma cadeira que nunca 
realmente vi, mas que é um composto de objetos e quadros que vi, sei que nunca serei capaz de 
sentir ou ouvir esta cadeira de fato – esta é uma imagem subjetiva sem realidade externa, objetiva. 
Processo/desenvolvimento 
 Da mesma maneira que o entendimento e a explicação dependem da perspectiva do 
entrevistador – empaticamente de dentro ou observando de fora - , 
Conceitos fundamentais de psicopatologia descritiva 23 
 
assim processo ou desenvolvimento dependem do modo pelo qual a pessoa vivencia um 
acontecimento dentro de seu padrão usual de vida, ou fora do mesmo. O desenvolvimento significa 
que uma experiência é compreensível em termos da constituição e da história da pessoa; transtornos 
de personalidade seriam vistos como alterações do desenvolvimento. O processo é visto como a 
imposiçãode um evento “de fora”; a epilepsia seria experimentada como uma ocorrência da doença 
separada do desenvolvimento normal – o processo da doença interrompeu o curso normal da vida. 
De maneira similar, o início de uma doença esquizofrênica frequentemente produz uma “ruptura” 
definitiva na história de vida de um adolescente. 
POSIÇÕES TEÓRICAS DA PSICOPATOLOGIA 
 Existe uma multiplicidade de psicopatologias. Qualquer explicação para o comportamento 
anormal tem o germe de uma teoria da psicopatologia. A psicopatologia descritiva tenta evitar os 
inúmeros argumentos etiológicos, satisfazendo-se com uma descrição do que ocorre, sem solicitar 
explicações adicionais. Já discutimos o pressuposto de que os fenômenos da doença mental têm 
significados próprios. Uma opinião radicalmente oposta afirma que qualquer experiência subjetiva é 
desprovida de significados. Pensamentos, incluindo o humor e os impulsos, são considerados 
como epifenômenos, isto é, o pensar não tem significado ou objetivo, sendo como a espuma da 
cerveja na parte de cima de um copo. Pensamentos são considerados como subprodutos acidentais 
das atividades químicas que ocorrem no cérebro: não são causas de comportamento, mas meros 
produtos. O significado que a pessoa que pensa vincula a eles é puramente ilusório. Tal posição 
extrema nega qualquer possibilidade de investigação ou tratamento psicológico. 
Psicopatologia dinâmica descritiva 
 A psicopatologia é o estudo dos processos psíquicos anormais. A psicopatologia descritiva 
preocupa-se em descrever as experiências subjetivas e também o comportamento resultante durante 
a doença mental. Ela não arrisca explicações para tais experiências ou comportamentos, nem 
comenta sobre a etiologia ou o processo de desenvolvimento. 
 
 Esta abordagem para o fenômeno psíquico anormal contrasta de forma acentuada com outras 
molduras teóricas da psicopatologia, como a psicanalítica. Na psicanálise, no mínimo um de vários 
mecanismos supostamente ocorre, e o estado mental torna-se compreensível dentro deste 
referencial. Explicações do que ocorre no pensamento ou no comportamento baseiam-se nestes 
processos teóricos subjacentes, como transferência ou mecanismos de defesa do ego. Por exemplo, 
Conceitos fundamentais de psicopatologia descritiva 24 
 
no caso de um delírio, a psicopatologia descritiva tenta descrever aquilo em que a pessoa acredita, 
como ela descreve sua experiência de acreditar, que evidências dá para sua veracidade e qual é o 
significado desta crença para sua situação de vida. Tenta-se avaliar se sua crença tem as 
características exatas de um delírio e, se tiver, de que tipo de delírio. Após esta avaliação 
fenomenológica, a informação obtida pode ser utilizada de maneira diagnóstica, prognóstica e, 
como consequência, terapêutica. Alguns dos contrastes entre psicopatologia descritiva e dinâmica 
são resumidos na Tabela 1.2. 
Tabela 1.2 – Psicopatologia – descritiva versus psicanalítica. 
 Descritiva Psicanalítica 
Resumo 
Avaliação empática da experiência subjetiva 
do paciente. 
Estudo das raízes do comportamento atual e 
experiência consciente por meio de conflitos 
inconscientes. 
Terminologia Descrição de fenômenos. Processos teóricos demonstrados. 
Métodos 
Entendimento do estado subjetivo do paciente 
por intermédio da entrevista empática. 
Associação livre, sonhos, transferência. 
Diferenças na aplicação 
prática 
1. Faz distinção entre atendimento e 
explicação: entendimento pela observação e 
empatia. 
Entendimento em termos de noções de 
processos teóricos. 
2. A forma e o conteúdo são claramente 
separados: a forma tem importância para o 
diagnóstico. 
Não é feita distinção; envolvida com o 
conteúdo. 
3. Processo e desenvolvimento diferenciados: 
o processo interfere com o desenvolvimento. 
Não é feita distinção; sintomas vistos como 
tendo uma base psicológica inconsciente. 
 
 A psicopatologia analítica ou dinâmica, no entanto, mais provavelmente tentaria explicar o 
delírio em termos de conflitos precoces reprimidos no inconsciente e que somente agora são 
capazes de ganhar expressão na forma psicótica, talvez com base na projeção. O conteúdo do delírio 
seria considerado uma chave importante para a natureza do conflito subjacente que tem suas raízes 
no desenvolvimento precoce. A psicopatologia descritiva não tenta dizer por que um delírio está 
presente: ela somente observa, descreve e classifica. A psicopatologia dinâmica ajuda a descrever 
Conceitos fundamentais de psicopatologia descritiva 25 
 
como o delírio ocorreu e por que se trata deste delírio em particular, com base nas evidências da 
experiência no início da vida desta pessoa. Isto está relacionado com a compreensão genética, 
conforme descrito, e chamada de entendimento presciente por Mellor (1985, comunicação pessoal), 
indicando um suposto conhecimento prévio sobre como os eventos da vida mental devem se 
desenrolar, pois eles necessariamente terão de se adaptar às postulações teóricas. 
Consciente/inconsciente 
 A fenomenologia não pode estar envolvida com o inconsciente, visto que o paciente não pode 
descrevê-lo, e, portanto, o médico não pode sentir empatia. A psicopatologia descritiva não possui 
uma teoria do inconsciente, nem nega sua existência. A mente inconsciente está simplesmente fora 
de seus termos de referência, e eventos psíquicos são descritos sem se recorrer a explicações que 
envolvam o inconsciente. Os sonhos, os conteúdos do transe hipnótico e os deslizes da língua (atos 
falhos) são descritos de acordo com o modo como o paciente experienciou-se, isto é, de acordo com 
a forma como se manifestam na consciência. 
Orgânico: sintomático 
 A psicopatologia é essencialmente uma abordagem não-biológica aos processos mentais 
anormais, de modo que, mesmo quando as causas orgânicas de uma condição são conhecidas, a 
psicopatologia está envolvida na ordenação dos sintomas e na experiência do paciente, mas não tem 
em sua patologia orgânica. Há agora muitas conexões conhecidas entre diferentes doenças 
psiquiátricas e uma patologia orgânica identificável. No entanto, não é com estas ligações que a 
psicopatologia se preocupa, e sua utilidade não é dependente da localização de um delírio ou de 
qualquer outro evento psíquico no cérebro. No início, psiquiatras de orientação organicista, como 
Griesinger e Wernicke, não se preocupavam com o psicopatológico na psiquiatria, mas muito mais 
em mapear o cérebro do doente. Isto trouxe excelentes contribuições, como por exemplo, para a 
elucidação da natureza e para o tratamento da sífilis cerebral. De modo similar, os behavioristas 
modernos geralmente não se interessam pela fenomenologia. A fenomenologia não trata da 
patologia orgânica ou do comportamento em si mesmo, mas da experiência subjetiva do paciente 
em relação ao seu mundo. 
 
 Não contrastamos orgânico com o funcional de forma convencional, pois funcional é um 
termo muito sujeito a confusões. Ele provoca dificuldades conceituais em vez de trazer 
esclarecimentos: uma pessoa lógica que desconhece o jargão médico, ficaria perplexa ao saber que 
Conceitos fundamentais de psicopatologia descritiva 26 
 
uma perturbação humana decorrente de um problema psicológico é chamada de funcional, enquanto 
que uma perturbação similar, causada por uma doença orgânica, não é mais chamada de funcional. 
São os elementos sintomáticos da doença que a fenomenologia pode explorar: a natureza dos 
sintomas e ao que eles estão associados. 
Cérebro/mente 
 René Descartes (1596 – 1650) examinou, formulou e reafirmou pontos de vista sobre a 
separação entre corpo e mente. Ele descreveu “L’âme raisonable” – a alma que pensa está alojada 
na máquina, tendo sua sede principal no cérebro. Ele descreveu a alma como o engenheiro que 
alterava os movimentos da máquina, o corpo (1649). Descartes foi um homem de seu tempo,refletindo e desenvolvendo concepções dicotômicas da relação cérebro-mente. Um exemplo deste 
dualismo cartesiano, que ocorreu antes mesmo de Descartes, é a seguinte inscrição obituária para 
Lady Doderidge, que morreu em 1614: 
Como quando um relógio estragado é desmontado 
um relojoeiro toma suas pequenas peças 
e consertando o que encontra fora de ordem 
reúne tudo e o faz novamente operar 
também Deus está dama tomou e suas duas partes separou 
demasiado cedo – sua alma e seu pobre corpo mortal 
Mas por Sua vontade seu corpo totalmente são 
será novamente unido à sua alma agora coroada 
Até então, os dois repousam na terra e no céu separados 
com o que reuniu tudo o que tem vida nós então nos regozijamos. 
 Está clara afirmação de uma absoluta separação entre corpo e alma encontra-se em seu túmulo, 
que pode ser visitado na Catedral de Exerter. 
 
 É proveniente deste dualismo a nossa tendência de pensarmos em termos do corpo e da mente 
– doença mental e física. A disciplina total da psiquiatria aceita tacitamente uma base dualística 
para sua própria existência, apesar de se ressentir disto e tentar duramente ensinar uma medicina da 
pessoa como um todo. Nossa linguagem continuamente nos leva de volta a palavras e expressões 
dualísticas, e estamos constantemente sob o perigo de uma psiquiatria “descerebrada” ou então 
“sem mente” (Eisenberg, 1986). 
Conceitos fundamentais de psicopatologia descritiva 27 
 
 
 Neste aspecto, o método fenomenológico apresenta a vantagem de ser uma ponte sobre este 
abismo, de outro modo intransponível. Uma vez que se preocupa com a experiência subjetiva, está 
envolvido com a mente e não com o corpo, mas a mente pode somente perceber os estímulos que o 
corpo recebeu, e não pode haver percepção sem a consciência da mente. “O corpo não é somente 
um mecanismo causado, mas essencialmente uma entidade intencional sempre dirigida a um 
objetivo. O corpo vivido é a experiência de nosso corpo que não pode ser objetivada” (Gold, 1985; 
grifos de Gold). O termo mente não pretende representar algum homúnculo psicológico dentro do 
homem, talvez virado de cabeça para baixo, como no córtex cerebral. Ela é puramente uma 
abstração, que se refere a um aspecto de nossa humanidade. Como qualquer outro aspecto ou 
perspectiva, o que é mantido em foco é razoavelmente claro, mas as margens do campo são 
indefinidas e, portanto, não podemos dizer o que, precisamente, quais são os confins da mente, 
assim como nem podemos discriminar completamente o corpo e a mente, nem diríamos que a 
humanidade é completamente explicável em termos de corpo e mente (Sims, 1994). 
 
 Popper e Eccles (1977) desenvolveram o dualismo cartesiano ainda além e elaboraram um 
conceito tríplice – mente, corpo e self. As teorias de corpo-mente e suas relações com a psiquiatria 
foram bem resumidas por Granville-Grossman (1983). A mente é usada, daqui por diante, como 
uma abstração, um modo de observarmos parte dos fenômenos do homem. Esses temas são 
abordados resumidamente neste artigo, onde a finalidade foi a de um olhar sobre a doença, e não a 
dissecação da mente – “o estudo das características distintivas pelas quais se manifestam” (Pinel, 
1801). Este artigo descreveu o que é a fenomenologia e por que ela é útil na psiquiatria clínica. O 
método concentra-se na experiência subjetiva do paciente – tentar compreender seu próprio estado 
interno. Várias constelações de idéias foram discutidas, e os conceitos foram listados em pares, 
como construtores; assim como o modo pelo qual a população psiquiátrica difere de uma população 
normal. 
 
 As idéias básicas para o atendimento dos sintomas do paciente são elaboradas usando-se o 
método de empatia e significado do comportamento, ou seja, a compreensão e a explicação dos 
eventos psíquicos. O comportamento do paciente é analisado, adicionalmente, em termos de forma 
e conteúdo, avaliação subjetiva e objetiva. As posições teóricas da psicopatologia descritiva foram 
discutidas e comparadas com métodos psicanalíticos e com o enfoque biológico da doença mental. 
O conceito de mente foi brevemente discutido. 
Conceitos fundamentais de psicopatologia descritiva 28 
 
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