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���s� d� �o��� �liveir� �n� ��ul� �liegner dos �n�os Esta obra busca discutir sobre o iní- cio do Serviço Social, seus principais fundamentos, autores clássicos e in- formações pertinentes à profissão, de uma maneira didática e com base na literatura especializada na área. Por se tratar de um texto introdutó- rio sobre o assunto, não houve a in- tenção de abordar os conteúdos de uma maneira densa, mas apresentar informações relevantes sobre o Ser- viço Social no intuito de ampliar seus conhecimentos e estimular seu inte- resse pela área. Código Logístico 59168 Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-85-387-6580-6 9 7 8 8 5 3 8 7 6 5 8 0 6 Introdução ao Serviço Social Ana Paula Fliegner dos Santos Taísa da Motta Oliveira IESDE BRASIL 2020 © 2020 – IESDE BRASIL S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito das autoras e do detentor dos direitos autorais. Projeto de capa: IESDE BRASIL S/A. Imagem da capa: Africa Studio/ fizkes/ Dmytro Zinkevych/ Nolte Lourens/ Avatar_023/ addkm/ Iakov Filimonov/ Photographee.eu/ Shutterstock Todos os direitos reservados. IESDE BRASIL S/A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ S233i Santos, Ana Paula Fliegner dos Introdução ao serviço social / Ana Paula Fliegner dos Santos, Taísa da Motta Oliveira. - 1. ed. - Curitiba [PR] : IESDE, 2020. 88 p.: Inclui bibliografia ISBN 978-85-387-6580-6 1. Serviço social - Brasil. 2. Assistentes sociais - Brasil. 3. Formação profissional - Brasil. I. Oliveira, Taísa da Motta. II. Título. 20-62288 CDD: 361.30981 CDU: 364(81) Ana Paula Fliegner dos Santos Taísa da Motta Oliveira Doutoranda e mestre em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Especialista em Educação Especial Inclusiva pela Sociedade Educacional de Santa Catarina (Unisociesc). Graduada em Serviço Social pela Universidade Federal do Paraná (UFPR Litoral). Atuou como assistente social no Núcleo de Projeto Comunitário, como coordenadora dos cursos de Bacharelado em Serviço Social e Licenciatura em Pedagogia e como professora responsável pelo Projeto Comunitário do Centro Universitário – Católica de Santa Catarina. Atua como docente no ensino superior, pesquisadora e autora. Doutora e mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Especialista em Questão Social pela Universidade Federal do Paraná (UFPR Litoral). Bacharel em Serviço Social pela Universidade Federal do Paraná (UFPR Litoral). Coordenadora de Estágios em Serviço Social. Atua como docente no ensino superior, pesquisadora, servidora pública e assistente social na Defensoria Pública do Estado do Paraná. Agora é possível acessar os vídeos do livro por meio de QR codes (códigos de barras) presentes no início de cada seção de capítulo. Acesse os vídeos automaticamente, direcionando a câmera fotográ�ca de seu smartphone ou tablet para o QR code. Em alguns dispositivos é necessário ter instalado um leitor de QR code, que pode ser adquirido gratuitamente em lojas de aplicativos. Vídeos em QR code! SUMÁRIO 1 A trajetória do Serviço Social como profissão 9 1.1 O que é o Serviço Social? 9 1.2 História do Serviço Social 18 1.3 Reprodução social e Serviço Social 24 2 Órgãos de representação profissional do assistente social 29 2.1 Regulamentação da profissão 29 2.2 Entidades de representação estudantil 41 2.3 O curso de Serviço Social 47 3 A consolidação do projeto profissional do assistente social 55 3.1 Projeto de sociedade e projeto profissional 55 3.2 A construção do Projeto Político do Serviço Social 60 3.3 A condição política da construção do novo projeto profissional 66 4 Serviço Social na contemporaneidade 71 4.1 Espaços sócio-ocupacionais dos assistentes sociais 71 4.2 Demandas atuais da profissão 78 4.3 Desafios e possibilidades aos profissionais de Serviço Social 82 Agora é possível acessar os vídeos do livro por meio de QR codes (códigos de barras) presentes no início de cada seção de capítulo. Acesse os vídeos automaticamente, direcionando a câmera fotográ�ca de seu smartphone ou tablet para o QR code. Em alguns dispositivos é necessário ter instalado um leitor de QR code, que pode ser adquirido gratuitamente em lojas de aplicativos. Vídeos em QR code! Esta obra busca discutir sobre o início do Serviço Social, seus principais fundamentos, autores clássicos e informações pertinentes à profissão, de uma maneira didática e com base na literatura especializada na área. Por se tratar de um texto introdutório sobre o assunto, não tivemos a intenção de abordar os conteúdos de uma maneira densa, mas apresentamos informações relevantes sobre o Serviço Social no intuito de ampliar seus conhecimentos. Nesse viés, no primeiro capítulo discorremos sobre a compreensão dos principais aspectos sócio-históricos do Serviço Social e o significado social da profissão. Articulamos o conceito de reprodução social e sua importância, apresentamos os primeiros profissionais e explicamos como foi a institucionalização do Serviço Social. No segundo capítulo, vamos conhecer as principais legislações que regem o Serviço Social no Brasil e seus principais órgãos de fiscalização, assim como as instâncias de organização do movimento estudantil. O capítulo apresenta, também, o histórico das diretrizes curriculares e a sua organização. No terceiro capítulo propomos o reconhecimento e a reflexão sobre o projeto profissional do Serviço Social e as principais características do projeto de sociedade ao qual ele se vincula. Vamos conhecer as principais características do Projeto Político do Serviço Social na atualidade e refletir sobre o significado do Projeto Ético-Político da profissão. No último capítulo, queremos que você conheça os principais espaços sócio-ocupacionais da categoria profissional dos assistentes sociais e busque compreender as principais demandas para o seu trabalho na contemporaneidade. Você também vai reconhecer os principais desafios e possibilidades para o trabalho técnico-científico do Serviço Social. Desejamos que essa obra o inspire e abra caminhos para seus estudos. Bons estudos! APRESENTAÇÃO A trajetória do Serviço Social como profissão 9 A trajetória do Serviço Social como profissão 1 O surgimento do Serviço Social como profissão tem um ponto em comum na Europa e no Brasil. Nas duas localidades, ele nasce com as marcas do capitalismo, decorrente dos acentuados traços de empobrecimento e das vulnerabilidades sociais a que os trabalhadores estavam submetidos. No Brasil, o movimento ocorre um pouco mais tarde, sendo chamado de capitalismo tardio. Neste capítulo, você vai conhecer a profissão de Serviço Social. Para começar, você vai estudar o que é e o que fazem os profissionais, além de aprender algumas nomenclaturas e conceitos que fazem parte da formação na área, o que vai ajudar para que você tenha mais clareza sobre a profissão que escolheu. O Serviço Social se transformou muito desde sua origem, por isso é importante reconhecer a trajetória histórica da definição do termo serviço social. 1.1 O que é o Serviço Social? Vídeo O Serviço Social é uma profissão fruto do desenvolvimento econô- mico da sociedade capitalista, que se propagou no Brasil a partir da dé- cada de 1930, mas teve origem no mundo ocidental no final do século XIX (VERDÈS-LEROUX, 1986). A figura dos assistentes sociais, na época, estava atrelada à ajuda, ao cuidado e à caridade, de acordo com uma visão de enquadramento das famílias e dos indivíduos à moral católica e aos bons costumes. Tendo a Igreja Católica como principal instituição de formação ideológica da profissão, no Brasil, os primeiros profissio- nais exerciam um papel de controlar a vida dostrabalhadores para que eles se moldassem à sociedade capitalista. 10 Introdução ao Serviço Social Muitas são as imagens criadas pelo senso comum em relação a essa profissão, pois, ao longo de seu percurso histórico, ela esteve atrelada a uma concepção de benevolência e assistência, o que muitas vezes a confunde como sendo apenas uma das formas de ajuda à sociedade. Nesse contexto, é retirado seu significado social e histórico, o qual po- demos entender como sua real essência e que, em síntese, é garantir os direitos sociais, econômicos e de cidadania a todos os cidadãos por meio de uma intervenção profissional na sociedade. Seu caráter interventivo se baseia nos princípios da justiça social, nos direitos humanos, na cidadania, na responsabilidade coletiva e no respeito à dignidade humana. Além disso, o Serviço Social prioriza o caráter pedagógico das práticas profissionais, assumindo a posição de emancipação da classe trabalhadora, subordinada aos meios de pro- dução em seu fazer profissional. A profissão, na contemporaneidade, tem como seu grande objetivo contribuir para a construção de uma ordem social mais justa, menos desigual e em consonância com os princípios éticos. Seu Código de Ética Profissional contém os instrumentos normativos da atividade e é considerado a materialização do Projeto Ético-Profissional da Profis- são, desenvolvido nas últimas décadas (BRASIL, 2012). Como todas as profissões, o Serviço Social tem seus símbolos: a cor atribuída à área é o verde, e ela já foi representada pela Turmalina Ver- de e pela Balança com Tocha. É corriqueiro encontrar essas imagens atribuídas ao Serviço Social, seja nos diferentes conselhos regionais, em seus cursos de graduação e pós-graduação, nos locais de trabalho dos profissionais, entre outros lugares, inclusive os virtuais, como pági- nas da internet relacionadas ao imaginário social e simbólico da profis- são. Observe, na Figura 1, um dos símbolos utilizados e que serve de referência histórica à profissão. O Conselho Federal de Serviço Social (CFESS, 2019) escla- rece que não há uma explicação para o uso da cor verde, mas é possível que “tenha relação com o fato de que a cor verde é representativa das profissões da área de saúde”. Ainda de acordo com o órgão, a utilização do símbolo apresentado na figura está defasada, uma vez que ele estaria vinculado a uma postura de caridade relacionada à Igreja Católica. Segundo o CFESS (2019), “o que se convencionou para identificar o Ser- O Serviço Social é uma das áreas de conhecimento das ciências sociais aplicadas, reconhecido pelas agências de regulação e fomento à pesquisa e pós-gra- duação (CNPq, CAPES e FINEP), pois desenvolve pesquisa de graduação e pós-graduação, além de produzir conhecimento apropriado, ressaltando em seus escritos a dimensão intelectual da profissão. Saiba mais+ Para exercer a profissão, é ne- cessário cursar a graduação em Serviço Social em uma institui- ção de ensino reconhecida pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC). O curso foi oficializado no país a partir da Lei n. 1889, de 13 de junho de 1953. E a profissão de assistente social foi regulamentada pela Lei n. 3.252, de 27 de agosto de 1957. Na época, essa lei dispunha sobre o exercício profissional da categoria. Curiosidade Figura 1 Símbolo atribuído ao Serviço Social A trajetória do Serviço Social como profissão 11 viço Social nos seus primórdios, [...] haja vista a aderência da profissão a valores religiosos e perspectivas vinculadas a movimentos de bases confessionais, hoje estão distantes das características e referências da profissão”. Desse modo, esse símbolo deixou de ser utilizado pela instituição, que passou a usar uma simbologia representativa da atual perspectiva da profissão e em sintonia com os valores e princípios nor- matizados no Código de Ética Profissional, sendo adotada uma imagem colorida que demonstra a diversidade, bem como os desafios e alterna- tivas postos à profissão. Outro aspecto interessante a se ressaltar quando se trata do que é o Serviço Social é o porquê de se comemorar na data de 15 de maio o Dia do Assistente Social. De acordo com o próprio CFESS (2019), “o dia é comemorado em virtude de o Decreto n. 994/1962, que regulamenta a profissão do/a assistente social e cria os Conselhos Federal e Regionais ter sido editado em 15 de maio de 1962”. Desse modo, em razão da regu- lamentação da profissão no país, vinculou-se essa data ao Serviço Social. Diante das informações trazidas nessa explicação, foi possível apre- sentar as principais características e curiosidades sobre o que é o Ser- viço Social. Mas o aprofundamento sobre o que é essa área vem com a prática do conhecimento sobre os aspectos que compõem a profissão, tanto aqueles mais teóricos e metodológicos como aqueles mais inter- ventivos e ligados à ética. Consideramos que a pergunta título desta seção precisará ser res- pondida ao longo dos anos por cada um de vocês, a partir de uma vi- vência atenta e crítica de todos os aspectos que envolvem as atividades do profissional dessa área. O serviço social é uma atividade que se de- senvolve junto com as mudanças da sociedade, e não é fácil explicá-la de uma maneira objetiva, sem levar em conta esses aspectos. 1.1.1 O que faz o assistente social? O profissional que atua nessa área é conhecido como assistente so- cial no Brasil e como trabalhador social em outros países. De acordo com o artigo 4° da Lei n. 8.662 (BRASIL, 1993), ele é responsável por coordenar, elaborar, executar, supervisionar e avaliar estudos, pesqui- sas, planos, programas e projetos na área de Serviço Social, entre ou- tras atribuições. 12 Introdução ao Serviço Social O assistente social atua de uma maneira científica e interventiva nas mais complexas expressões da questão social, sendo essa a matéria-pri- ma do Serviço Social, o seu objeto de trabalho. Com a finalidade de elucidar a colocação anterior, tão necessária para explicar o que faz o assistente social, vamos trazer para este espaço algumas informações sobre a questão social de um modo bem introdutório, no sentido de nos inteirarmos sobre o assunto. Iamamoto e Carvalho (2013, p. 77), em uma das obras mais impor- tantes sobre o Serviço Social no Brasil, afirmam: A questão social não é senão as expressões do processo de for- mação e desenvolvimento da classe operária e de seu ingresso no cenário político da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por parte do empresariado e do Estado. É a ma- nifestação, no cotidiano da vida social, da contradição entre o proletariado e a burguesia, a qual passa a exigir outros tipos de intervenção mais além da caridade e repressão. Sendo assim, a questão social é um aspecto de explicação da rea- lidade que, vinculado à teoria marxista, demonstra essa contradição relacionada à produção no capitalismo, em que a riqueza gerada é apropriada pelo dono da fábrica na qual esse bem ou serviço foi pro- duzido, e não por quem de fato o produziu. De acordo com os apontamentos de Iamamoto e Carvalho (2013), as desigualdades típicas do sistema capitalista são expressões da questão social. Vamos recapitular, logo no começo dessa seção, abordou-se que a expressão da questão social é a matéria-prima, o objeto do trabalho dos assistentes sociais. Dessa forma, a categoria profissional intervém nas ex- pressões e desigualdades típicas desse sistema. O assistente social, por meio da sua intervenção profissional, desen- volve um trabalho qualificado com o objetivo de combater as expres- sões da questão social, fazendo com que elas diminuam. Ele faz isso com base em uma série de ações na realidade dos sujeitos sociais, de suas famílias e da comunidade em que estão inseridos. O assistente social pode desenvolver suas atividades em institui- ções privadas, como dentro das empresas, por exemplo, e em institui- ções estatais e não governamentais. Ele pode atuar em áreas de saúde, assistência social, habitação, previdênciasocial, sistema sócio-jurídico, educação, trabalho, entre tantas outras, atendendo, também, a diver- sos segmentos sociais, dentre eles crianças e adolescentes, pessoas No livro O que é Serviço Social, a autora afirma que a pergunta correta não é o que é Serviço Social?, mas sim o que fazem e pensam os assis- tentes sociais? Nesse livro, ela conta um pouco da história da profissão e explica as atribuições dos assistentes. ESTEVÃO, A. M. R. São Paulo: Brasiliense, 1992. Livro A trajetória do Serviço Social como profissão 13 idosas, com deficiência ou com demandas em saúde mental, mulheres vítimas de violência e pessoas em situação de rua. Além disso, os assistentes sociais são capazes de fazer e planejar ações estratégicas com o propósito de garantir os direitos da popu- lação. É necessário deixar claro, aqui, que esses profissionais não os garantem apenas com a sua intervenção na realidade social, mas pro- movem esses direitos propondo e fazendo a gestão das políticas públi- cas sociais em todos os âmbitos. A categoria profissional trabalha em prol da população usuária dos serviços socioassistenciais, por exemplo. Esses serviços foram elabora- dos pela Política Nacional de Assistência Social (PNAS) e destinados à superação da situação de vulnerabilidade social, decorrente da pobre- za e da falta de acesso da população aos direitos sociais e aos serviços e bens públicos. A assistência social é uma política pública muito impor- tante para o trabalho do assistente social e um dos principais campos de trabalho desse profissional. Trabalhando nessa política pública, ele pode, entre outras possibilidades, planejar, organizar e administrar os benefícios sociais fornecidos pelo governo federal, como é o caso do Benefício de Prestação Continuada (BPC 1 ). No senso comum, a caridade e a ajuda são pensadas como ações desenvolvidas pelos assistentes sociais. Mas é necessário ter muito cui- dado em relação a isso, pois o assistente social não faz esse tipo de ação em seu cotidiano profissional. Por meio da PNAS e da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), Lei n. 8.742/1993, compreendemos que a assis- tência social, por exemplo, é um direito da população brasileira e estran- geira quando em território nacional, constitui-se como política pública e social e não pode ser confundida com favor, ajuda ou caridade. Nesse âmbito, é relevante reforçar que não podemos dizer que o estudante está fazendo uma graduação de assistência social, apesar de isso ser um erro que se ouve de modo recorrente no dia a dia profissio- nal e acadêmico. A assistência social é uma das áreas de intervenção do assistente social, assim como a saúde, a habitação, a previdência social, o campo sociojurídico, a educação, entre outros. No seu trabalho cotidiano, o profissional tem o dever de orientar os cidadãos em relação aos serviços prestados nos órgãos públicos, por exemplo. Uma das competências profissionais do assistente social, descrita na Lei de Regulamentação da Profissão, inciso V, artigo 4º da Lei n. 8.662 (BRASIL, 1993), é: O BPC garante aos seus beneficiários a transferência mensal de um salário mínimo à pessoa idosa com 65 anos ou mais e à pessoa com deficiência de qualquer idade. 1 14 Introdução ao Serviço Social “orientar indivíduos e grupos de diferentes segmentos sociais no sentido de identifi- car recursos e de fazer uso dos mesmos no atendimento e na defesa de seus direitos.” Usando dessa competência profissional, se um assistente social da área da educação percebe, durante o atendimento a algum cidadão, que ele necessita de um encaminhamento para o setor da saúde, esse profissional tem o dever de encaminhá-lo para tal área. Assim, em prol de um atendimento qualificado, é fundamental que o assistente conhe- ça políticas, programas e projetos das áreas sociais (saúde, habitação, assistência social etc.) para que consiga auxiliar os cidadãos. Trabalhando no sistema sociojurídico, o assistente social elabora, no âmbito do Serviço Social, estudos, pareceres e/ou laudos sociais que subsidiarão o Juiz de Direito na tomada de decisões em processos judi- ciais de adoção e guarda de crianças e adolescentes. Esses documentos devem ser muito bem elaborados por esse profissional, pois influen- ciarão diretamente na vida desses sujeitos. Sendo essa mais uma ati- vidade que pode ser desenvolvida pelo assistente social, a elaboração desse material técnico está descrita no artigo 5° da Lei de Regulamen- tação da Profissão (BRASIL, 1993). Podemos perceber que a Lei de Regulamentação da Profissão (Lei n. 8.662/1993) é um documento importantíssimo para que possamos responder à pergunta título da presente seção – o que faz o assistente social? Ao longo da formação, é necessário conhecer e assimilar as in- formações que estão contidas nesse documento, pois ele demarca a intervenção desse profissional no Brasil. O assistente, em seu cotidiano, precisa aprender a trabalhar com pessoas e ter capacidade de analisar e compreender situações ditas problemáticas em relação à vida social dos seus usuários. Essa carac- terística não está descrita em nenhum manual ou legislação da área, mas é necessário saber que é fundamental no trabalho diário. Essa função deve ser planejada e fruto de uma boa formação profissional e acadêmica. Por isso, os assistentes sociais e os graduandos de Serviço Social devem sempre buscar, por meio de cursos de formação nas mais diversas áreas, qualificação para serem profissionais capacitados a res- ponderem às expressões da questão social. A trajetória do Serviço Social como profissão 15 1.1.2 Significado social da profissão O significado social da profissão só pode ser desvendado e apreen- dido quando consideramos que ela está inserida na sociedade capita- lista. O Serviço Social é fruto do desenvolvimento do modo de produção capitalista na sociedade moderna e contemporânea. De acordo com Yazbek (2009, p. 1-21), “é necessário analisar a profissão em um con- texto de relações mais amplas que o condicionem e o atribuam carac- terísticas particulares”. Para a autora, compreender o Serviço Social em si mesmo acaba não permitindo desvendar a sua lógica, seus percalços e seus objetivos. De acordo com o pensamento de Yazbek (2009, p. 4-9), é necessário considerar o Serviço Social por meio de dois ângulos indissociáveis e in- terdependentes: a perspectiva endógena da profissão, “como realidade vivida e representada na e pela consciência de seus agentes profissio- nais e que se expressa pelo discurso teórico e ideológico do exercício profissional”; e a perspectiva exógena da profissão, “como atividade socialmente determinada pelas circunstâncias sociais objetivas que im- primem certa direção social ao exercício profissional, que independe da vontade e/ou consciência de seus agentes individuais”. Dessa ma- neira, seu significado enquanto profissão deve ser organizado partindo dessas ponderações, uma vez que o Serviço Social não pode ser expli- cado por si mesmo, mas sim por uma base histórica que ao longo do tempo o constrói como uma prática que intervém na realidade social dos sujeitos e usuários dos serviços prestados. A fim de dimensionar o significado social do Serviço Social, é neces- sário, segundo Iamamoto (2008), perceber a prática profissional como trabalho, bem como a inserção do assistente social nos processos de trabalho da sociedade capitalista. A proposta curricular, predominante na década de 1980, apresentava uma ruptura que continha dois ele- mentos: considerar a questão social como base de fundação sócio-his- tórica do Serviço Social, bem como considerar a prática como exercício profissional inserido em um processo de trabalho. Como questão cen- tral dessa ruptura, temos as relações entre história, teoria e metodolo- gia do Serviço Social, ou seja, uma visão de como essa área se formou e se desenvolveu no marco das forças societárias, como especialização do trabalho na sociedade. 16 Introdução ao Serviço SocialOutra questão importante a ser ressaltada diz respeito a se conside- rar o sujeito que constrói o serviço social e que o vivencia. O profissional dessa área se aprimora intelectualmente, além de fazer a sistematiza- ção por meio de metodologias próprias da sua área de conhecimento, fundamentando-se teoricamente e dando visibilidade à teoria marxista na leitura profissional da realidade. Para a análise da prática profissional, é preciso conhecer o termo trabalho, que significa uma “atividade fundamental do homem, pois mediatiza a satisfação de suas necessidades diante da natureza e de outros homens” (GIAQUETO; SOARES, p. 1). É o ato consciente de acio- nar, é uma ação orientada a fins e associada a valores e ao dever ser, que conta não só com uma necessária dimensão ética, mas também com uma dimensão de conhecimento ético-moral. Os condicionantes do trabalho no Serviço Social nos anos de 1980 eram a dinâmica insti- tucional, as políticas sociais, os movimentos e lutas sociais. Hoje, o Serviço Social tem como matéria-prima do trabalho pro- fissional a questão social, representadas pelas desigualdades sociais geradas pelo capitalismo de mercado, embora não se limite a isso. A intenção é decifrar a gênese das desigualdades sociais, o que, por con- seguinte, é também compreender as particulares formas de luta e de resistência material e simbólica acionadas pelos indivíduos sociais em resposta à questão social. Trabalhar a questão social requer instrumentos de trabalho, isto é, um arsenal de técnicas que constituem as bases teórico-metodológicas que o assistente social aciona com a finalidade de contribuir para a lei- tura da realidade e imprimir rumos à ação, ao mesmo tempo em que a molda. O que determinará a utilização dos instrumentos é a instituição na qual o assistente social exerce o seu trabalho; tal organização não condiciona sua vida profissional, mas a organiza, uma vez que esse pro- fissional faz parte dessa instituição, e os recursos materiais, financeiros e organizacionais são, em partes, fornecidos pelas entidades emprega- doras. Dada a condição de trabalhador livre, o assistente social venderá sua força de trabalho para o empregador, seja ele um ente público, de economia mista, ou do âmbito privado (IAMAMOTO, 2005). O trabalho é uma atividade humana exercida por sujeitos de clas- ses. O Serviço Social é uma profissão majoritariamente feminina e que está atrelada à questão da ajuda e da filantropia, tendo, assim, uma for- A trajetória do Serviço Social como profissão 17 te ligação com questões de gênero. Esse processo histórico consolidou uma visão limitada da profissão na sociedade brasileira, afetando a sua imagem frente às instituições e segmentos sociais. Ainda no cotidiano é possível encarar, nos locais de trabalho, uma certa subalternidade do Serviço Social a outras áreas do conhecimento, como é o caso do Direito no campo sociojurídico, por exemplo. A recorrência a posturas messiânicas e voluntaristas tem a ver com a tradição católica atrelada à origem da profissão. O compromisso com valores humanistas histórico-concretos voltados à criação de condições para o livre desenvolvimento de todos passa pela afirmação de valores da democracia, dos direitos humanos e da cidadania para todos. Assim como outros trabalhadores assalariados, o assistente so- cial interfere, ou não, na reprodução da forma de trabalho. Ele faz isso por meio dos planos, programas e projetos previstos em lei, nas várias áreas onde atua profissionalmente – saúde, assistência e previdência social, educação, entre outras áreas político-sociais –, dando importância às noções éticas da cidadania, isto é, que reme- tem aos direitos políticos, sociais e civis de um indivíduo, grupo ou da coletividade, com primazia aos direitos humanos. Além disso, por reproduzir-se socialmente, ele deixa marcas na sociedade, seja por meio do conhecimento acumulado que auxilia a produzir, seja na intervenção da questão social, pela prática cotidiana nos espaços sócio-ocupacionais. Essas práticas acabam incidindo na vida dos su- jeitos sociais – isto é, a classe trabalhadora –, o que demanda que o assistente pense eticamente o seu fazer profissional voltando-o às necessidades desses indivíduos. Sob outro ângulo, o assistente social atua no âmbito do controle das políticas sociais e de direitos. Dessa forma, é adequado que esse profissional auxilie na criação e ma- nutenção de espaços democráticos de discussão das políticas públicas e sociais e dos direitos humanos. Esses espaços devem priorizar a participação da sociedade civil, oportunizando o diálogo com o Estado e com a iniciativa privada, quando houver. Do ponto de vista da produção de valores ou da riqueza social, o as- sistente social, ao pensar esse trabalho em empresas capitalistas, tem um efeito na sociedade por fazer parte de um trabalho coletivo. Desse modo, é necessário que o assistente social faça eticamente a media- messiânicas: aguardar um enviado por Deus (Messias) que virá para resolver os problemas existentes na sociedade. Glossário 18 Introdução ao Serviço Social ção entre o interesse da instituição e o interesse do público-alvo do trabalho que está sendo elaborado. O lucro da empresa, nesse caso, é acessório, uma vez que a cidadania e os direitos humanos são valores fundamentais no trabalho do assistente social, e o empregador deve estar ciente disso. A realização desse trabalho, tanto no âmbito merca- dológico quanto no âmbito estatal, tem como objetivo a prestação de serviços sociais, que não geram mais-valia, isso é, lucro para as fontes pagadoras do salário do profissional. No Estado, essa relação fica ainda mais latente, uma vez que os serviços sociais, principalmente da assis- tência social e da saúde, podem servir a todos os cidadãos. Sendo as- sim, fica evidente que o profissional precisa ter clareza para considerar as condições específicas do que é produzido com o seu trabalho junto ao público e ao privado. O Código de Ética profissional, a democratização do debate impul- sionado por entidades representativas e aqueles resultantes da revisão curricular dos anos 1980 contribuíram para construir um projeto pro- Atividade 1 De qual fator são decorrentes os problemas contra os quais luta o Serviço Social? fissional em outra direção social, contraposta à anteriormente exercida e teorizada pelo Serviço Social. 1.2 História do Serviço Social Vídeo Com a transição do feudalismo 2 para o capitalismo, ocorreram mu- danças no sistema de produção e nas relações de trabalho. Passa-se à realização do trabalho considerado livre, e o trabalhador recebe um salário pelos serviços prestados, sendo considerado trabalhador assa- lariado. A força de trabalho transforma-se em mercadoria e precisa ser vendida para poder garantir a subsistência dos trabalhadores. Anos mais tarde, a Revolução Industrial 3 provocou a industrializa- ção, criando novos empregos, o que levou a população rural a migrar para a área urbana (êxodo rural) em busca de trabalho e melhores con- dições de vida. A industrialização e a urbanização acelerada e desor- ganizada acarretavam diversos problemas sociais. Com mão de obra abundante e trabalhadores necessitados de recursos, os donos dos meios de produção ofereciam salários baixos e incompatíveis com as funções, condição que os trabalhadores acabavam aceitando devido às suas necessidades. O Feudalismo era baseado no regime de servidão, um sistema no qual o dono de terras era quem detinha e controlava os trabalhadores (servos), explo- rando seu trabalho quase como em um regime escravo. 2 A Revolução Industrial foi o período de transição – entre 1760 e 1820/1840 – para novos processos de manufatura. Uma transição de métodos de produ- ção artesanais para a produção por meio de máquinas. 3 A trajetória do Serviço Social como profissão 19 O aumento das desigualdades sociais acabou criando dentro das cidades e vilas operárias uma condição reprovadapela classe burgue- sa. Essa condição incluía ações de violência, miséria, fome e doenças, o que incomodava a burguesa. O ajuste social e o combate às mazelas sociais – como a pobreza extrema, a miséria etc. – eram vistos como uma emergência pelos burgueses ligados às igrejas, e eles, em conjun- to com as autoridades locais, buscaram soluções para o sistema assis- tencial. Este grupo de beneméritos se autodenominavam reformistas sociais (MARTINELLI, 2013). A classe trabalhadora percebe suas condições de trabalho e começa a reclamar e buscar melhorias, incomodando, assim, a sociedade bur- guesa e fazendo com que o Estado interviesse para mediar a situação por meio de dispositivos de regulação da relação capital-trabalho. Des- sa forma, tornou-se necessário o controle social da exploração da força de trabalho e o surgimento de uma regulação jurídica do mercado de trabalho por meio do Estado (PELLIZZER, 2008). O Estado e a Igreja Católica, classes dominantes da época, iniciam, então, suas ações e intervenções junto à classe dos trabalhadores, criando as leis sociais. Para Iamamoto e Carvalho (2013, p. 129), essas leis marcam: o deslocamento da questão social de ser apenas a contradição entre abençoados e desabençoados pela fortuna, pobres e ricos, ou entre dominantes e dominados, para constituir-se, essen- cialmente, na contradição antagônica entre burguesia e prole- tariado, independentemente do pleno amadurecimento das condições necessárias à sua superação. Os reformistas sociais trabalhavam em prol da manutenção da ordem vigente, traçando estratégias para solucionar as mazelas que afetavam os trabalhadores, visto que tais problemas se refletiriam dire- tamente na sociedade. A esperança dos burgueses era de que os refor- mistas viessem com alguma ação que ajudasse a proteger o capital, e, assim, a burguesia aliou-se aos filantropos e os transformou em agen- tes de disseminação ideológica capitalista (MARTINELLI, 2013). Utilizando a facilidade do acesso dos reformistas sociais às famí- lias operárias, a burguesia buscou transformá-los em aparelhos de re- produção do capitalismo e de coerção dos trabalhadores. A sociedade burguesa visava à desmobilização das reivindicações coletivas dos tra- balhadores, forçando-os a atender às exigências da própria burguesia. beneméritos: representavam aqueles que realizavam serviços benéficos à população. Glossário 20 Introdução ao Serviço Social Tentando impedir e conter as manifestações dos trabalhadores e abafar as organizações políticas e sociais, a igreja, a burguesia e o Es- tado criaram, em 1869, a Sociedade de Organização da Caridade em Londres, reunindo os reformistas sociais e responsabilizando-os pela organização e normatização da prática da assistência. Nesse cenário, surgiram os primeiros assistentes sociais, que eram os agentes que realizavam a assistência social (MARTINELLI, 2013). Com base nisso, podemos afirmar que o Serviço Social como profis- são tem em suas origens a marca do capitalismo, pois nasce articulado com um projeto de hegemonia burguesa. Envolvido pelas contradições do sistema capitalista até hoje, estrategicamente atribui-se à profissão uma função de controle social das massas, garantindo, assim, à bur- guesia o controle histórico sobre a sociedade. Desta maneira, o Serviço Social surge no “cenário histórico com uma identidade atribuída, que expressa uma síntese das práticas sociais pré-capitalistas – repressoras e controlistas [...]” (MARTINELLI, 2013, p. 67). Além disso, o Serviço So- cial desponta vinculado à Igreja e com a missão de garantir o expansio- nismo do sistema capitalista e o controle da classe trabalhadora. 1.2.1 Os primeiros profissionais de Serviço Social Toda profissão possui seus percursores, e no Serviço Social isso não é diferente. Esses personagens, cada um em seu contexto histórico, contribuíram para a construção da profissão como ela é hoje. Des- ses, destacamos alguns atores da gênese do Serviço Social europeu e norte-americano. Quadro 1 Pioneiros do Serviço Social Europeu Norte-americano Juan Luis Vives São Vicente de Paulo Octavia Hill Canon Samuel Barnett Charles Stewart Loch René Sand Jane Addams Mary Richmond Mary Parker Follet Gisela Konopka Fonte: Adaptado de Vieira, 1984; Martinelli, 2013. Juan Luis Vives (1493-1540) foi um filósofo espanhol humanista que se preocupava e iniciava ações de assistência aos pobres; realizou um Com o filme Germinal, você compreenderá um pouco mais sobre o processo de produção do trabalho capitalista em meio à Revolução Industrial, além de perceber a caracterização desse processo como a expansão do capital. Direção: Claude Berri. França; Bélgi- ca; Itália: Renn Productions, 1993. Filme Atividade 2 Por que os primeiros assistentes sociais intervinham na questão social, na lógica do assistencia- lismo e da caridade? A trajetória do Serviço Social como profissão 21 diagnóstico da realidade social da época e destacou que os sujeitos possuem necessidades básicas (VIEIRA, 1984). São Vicente de Paulo (1581-1660) foi um sacerdote francês que criou, com apoio das damas de caridade, as Confrarias da Caridade para realizar ações com as crianças. Executava ações paliativas e assis- tencialistas (VIEIRA, 1984). Segundo Martinelli (2013), a professora inglesa Octavia Hill (1838- 1912) realizou, na Europa, um trabalho filantrópico com os moradores das periferias a fim de organizar moradias estruturadas para os po- bres. Em 1865, Octavia Hill iniciou seu trabalho de educação familiar e social. Hoje ela é reconhecida por ter fundado diversas organizações de caridade e de conservação no Reino Unido, como a National Trust (Fundo Nacional para Locais de Interesse Histórico ou Beleza Natural). Canon Samuel Barnett (1844-1913), conterrâneo de Octavia Hill, era pároco da Igreja Protestante e formado em Direito. Desenvolveu um trabalho com grupos em sua paróquia. Com suas ações, buscava uma elevação cultural e moral dos pobres por meio da educação e da soli- dariedade, pois, assim, esses indivíduos poderiam melhorar de vida. Charles Stewart Loch (1849-1923) foi fundador da primeira Charity Organization Society (Sociedade de Organização da Caridade – COS), baseada nas ideias de Octavia Hill. Charles se tornou um filantropo, e seu lema era “uma sociedade sem dependentes”, propondo que todos deveriam ganhar a vida pelos seus próprios meios (MARTINELLI, 2013). A americana Jane Addams (1860-1935) criou as Hull House, que eram centros de vizinhança onde se reuniam pessoas da comunidade. Esses centros visavam integrar e proporcionar cooperação entre as pessoas, como uma espécie de caridade organizada. Em 1899, em Amsterdã (Países Baixos), foi fundada a primeira es- cola de Serviço Social, denominada Institute for Social Work Training, na qual a lógica religiosa deu lugar à científica. Ao mesmo tempo, nos Estados Unidos, Mary Richmond (1861-1928) consolidava seu método de trabalho na área. Segundo Estevão (2006), Mary Richmond foi responsável por escre- ver sobre como deveria ser executado o trabalho dos assistentes so- ciais, norteando a atuação profissional por meio da resolução de casos. Ela foi responsável por lançar as bases da “visita domiciliar”. 22 Introdução ao Serviço Social Mary Parker Follet (Boston, 1868-1933) era formada em filosofia, his- tória e economia, trabalhou como professora e organizou várias ações assistenciais. Conhecida como a profetisa da administração, ela vinculou o Serviço Social a uma concepção de administração voltada aos pobres, ensinando-os a administrar seus lares e recursos. Mary conseguiu a li- beração das escolas no período noturno, e assim se formaram centros educacionais e de lazer para as crianças e adolescentes. Ela também fun- dou o Comitê para o Uso Extensivo dos Prédios Escolares (VIEIRA, 1984). O médico belga René Sand (1877-1953) entendia o Serviço Social como uma profissão necessária para o enfrentamento dos problemas sociais que influenciavamno processo de saúde-doença da população mais pobre e pesquisava a Medicina Social. Foi responsável por criar a Escola de Medicina Social (VIEIRA, 1984). A norte-americana Gisela Konopka (1910-2003) foi uma pioneira, e suas obras serviram como base para demais autores que usavam o método do Serviço Social de Grupos. Escreveu, em 1935, o livro Serviço Social de Grupo, um clássico da literatura da área. Essa obra traz um “método do Serviço Social que ajuda as pessoas a aumentarem o seu funcionamento social através de objetivas experiências de grupo e a enfrentarem, de modo mais eficaz, os seus problemas pessoais, de gru- po e de comunidade” (KONOPKA, 1972, p. 33). 1.2.2 A institucionalização do Serviço Social Na década de 1920, sob influência da Igreja Católica europeia, tor- na-se urgente a necessidade de institucionalizar o Serviço Social, trans- formando-o em especialização do trabalho devido à sua importância e relevância para a sociedade. Para compreender como ocorreu essa ins- titucionalização na América Latina, é indispensável que se entenda a li- gação do Serviço Social com as múltiplas expressões da questão social. Buscando o enfrentamento das expressões da questão social pelo Estado, com o apoio de instituições sociais e da Igreja Católica e em um cenário social e econômico de mudanças no qual a pobreza era vista como uma ameaça à burguesia, é que ocorre a institucionalização do Serviço Social. As principais iniciativas de organização da profissão es- tavam ligadas ao movimento assistencialista da Igreja Católica: da aju- da, da caridade e do auxílio aos pobres, atividades que tinham como objetivo manter a ordem social vigente na época. A trajetória do Serviço Social como profissão 23 Essa institucionalização não foi fruto de uma situação isolada, mas da junção de vários fatores sócio-históricos fundamentais para o processo de surgimento da profissão no Brasil. Para Iamamoto (2008, p. 213), a constituição da profissão, enquanto “profissão inscrita na divisão socio- técnica do trabalho”, relaciona-se com a questão das grandes mobiliza- ções da classe operária, presentes já nas primeiras décadas do século XX. Essas mobilizações se intensificaram devido às reivindicações por melhores condições de trabalho, ocasionando grandes greves operá- rias no país entre 1903 e 1908. Em 1906, aconteceu o 1º Congresso Operário Brasileiro, seguido da fundação da Confederação Operária Brasileira (COB). Na década de 1920, os líderes dos trabalhadores fun- daram o Partido Comunista Brasileiro (PCB), com tendências políticas de ideologia comunista-socialista. O PCB tinha como um de seus obje- tivos liderar as mobilizações de trabalhadores, disputando com ideolo- gias políticas de vertente anarquista e com a liderança dos sindicatos. Em 1930, as disputas dos trabalhadores ficaram ainda mais inten- sas, causando muitas mudanças à sociedade brasileira. O Brasil rural e agrícola foi dando lugar a um país moderno, com o início de seu processo de industrialização. Com essas alterações no cenário eco- nômico, acontece o êxodo rural – muitos camponeses e colonos se mudam para as cidades onde estavam as fábricas, principalmente Rio de Janeiro e São Paulo. Como consequência desse novo cenário, foram elaboradas, entre 1930 e 1937, as leis trabalhistas brasileiras, que foram compiladas na Consolidação das Leis Trabalhista (CLT) por Getúlio Vargas, com o De- creto-Lei n. 5.452, de 1º de maio de 1943. Essas mobilizações exigiram do Estado e da igreja, classes dominantes da época, um posicionamen- to em relação às expressões da questão social. Foi nesse momento de grandes mudanças sociais e econômicas que o Serviço Social se institucionalizou no país como uma resposta “conservadora” do Estado brasileiro às mobilizações da classe operá- ria. Trata-se de resposta conservadora porque se estabeleceu uma parceria entre o Estado e a Igreja Católica com o objetivo de manter a ordem social vigente na época. De acordo com Iamamoto e Carvalho (2013, p. 129), se “as leis sociais são, em última instância, resultantes da pressão do proletariado pelo reconhecimento de sua cidadania social, o Serviço Social origina-se numa demanda diametralmente oposta”. Ou Atividade 3 Pelo que o Serviço Social foi influenciado inicialmente? 24 Introdução ao Serviço Social seja, o Serviço Social se institucionaliza no Brasil para intervir na socie- dade em nome do Estado e da Igreja Católica, sua principal aliada nas questões de cunho social na época. 1.3 Reprodução social e Serviço Social Vídeo A reprodução social diz respeito ao modo como são produzidas e reproduzidas as relações sociais na sociedade capitalista. Esse conceito também está marcado pela ideia da totalidade, uma vez que diz respei- to à representação da vida social, isto é, da vida material e dos modos de produção de uma sociedade, em conjunto com as formas de cons- ciência social, como as questões que estão atreladas a questões éticas e morais. A reprodução das relações sociais é diretamente determinada, se- gundo a interpretação de Iamamoto e Carvalho (2013, p. 65), pelo modo de vida, valores, práticas culturais e políticas de um povo, e esse tipo de reprodução, “como a reprodução do capital, permeia as várias ‘dimen- sões’ e expressões da vida em sociedade”. Esses fatores são complexos e contraditórios, uma vez que o movimento da totalidade histórica cria as condições para o adensamento da sociedade de classes, auxiliando em sua reprodução ao longo da história e aprofundando os conflitos a ela inerentes. O Serviço Social está diretamente ligado à reprodução das relações sociais da sociedade capitalista, sendo uma instituição nela inserida, com as suas características próprias, bem como suas for- mas de interpretação e intervenção na realidade. Na sociedade capitalista, o processo de produção e reprodução da vida social se materializa pela oposição de interesses entre dois grupos: aquele que detém os meios de produção (proprietários) e o que detém a força de trabalho (trabalhadores) e a vende para os donos dos meios de produção. Essa relação gera a riqueza, que é distribuída de maneira desigual, ou seja, quem controla os meios de produção retém maior parte da riqueza produzida; e os trabalhadores, que possuem a força de trabalho e geram as riquezas, ficam com a menor parte dela. O trabalho acompanha a humanidade desde os seus primórdios, e é pelo trabalho que os homens transformam a natureza, sobrevivem e se relacionam uns com os outros. As relações de produção e reprodu- adensamento: ato ou efeito de consolidar. Glossário A trajetória do Serviço Social como profissão 25 ção da vida social são uma construção humana com aspectos culturais, econômicos, políticos e sociais. A sociabilidade humana é intrínseca ao trabalho, pois se constrói na relação cotidiana, envolvendo aspectos de poder e exploração que se reconfiguram, dialeticamente, na trajetória da vida social. O sentido do trabalho, na sociedade capitalista, manifesta-se pela relação de explora- ção entre as classes sociais: burguesia e proletariado. Essa exploração se constitui tanto no campo da produção direta – isto é, na forma de or- ganização, controle da produção e no valor pago pela força de trabalho – quanto na construção de valores políticos, sociais, éticos e paradigmas de comportamento social, como os modos de viver, pensar e sentir a vida, que, para a burguesia, expressam-se pelo controle político e ideo- lógico do processo de produção e mercantilização de bens e serviços. Para a classe trabalhadora, os modos de ver, pensar e sentir a vida se materializam pela sujeição e/ou rebeldia aos ditames da classe bur- guesa. E a sujeição à ordem burguesa se dá pela adoção de valores, comportamentos, crenças, modos, hábitos de vida pautados na ideo- logia da classe dominante. A rebeldia se manifesta nas lutas pela con- quista de direitos trabalhistas e sociais que historicamente marcam os movimentos dos trabalhadores. Falar em reproduçãosocial atualmente é falar dos sintomas adqui- ridos pelo modo de produção capitalista na sociedade moderna e con- temporânea. Esses sintomas, muitas vezes, fazem com que se agucem as desigualdades sociais não apenas de cunho econômico, mas tam- bém de gênero, raça ou aquelas que estejam atreladas a modos de vida diferenciados, a exemplo da questão dos povos originários, conhecidos como indígenas, quilombolas, entre outras populações tradicionais. A reprodução social do modo de produção capitalista faz com que as mulheres ganhem salários inferiores aos dos homens e que aquelas que trabalham com atividades domésticas – as donas de casa – não sejam reconhecidas no mundo do trabalho. Isso acontece porque a ex- ploração de sua mão de obra não gera lucros, além de, nessa ordem social, esse trabalho não ser considerado como um processo de traba- lho digno de reconhecimento por uma parte significativa da sociedade. Assim podemos dizer que essa reprodução social nada mais é do que a apropriação cultural de certos preconceitos que foram se esta- belecendo no seio da sociedade capitalista e que geram uma série de 26 Introdução ao Serviço Social conflitos sociais. Conflitos esses que surgem entre a lógica de explo- ração da mão de obra – na qual um dos pilares é a contradição entre capital e trabalho – e a lógica de manutenção da cultura e do modo de vida das comunidades tradicionais, por exemplo. De acordo com essa perspectiva, é reproduzida socialmente para a classe trabalhadora a necessidade de trabalhar em empresas em troca de um salário, muitas vezes, mínimo. Desse modo, se o sujeito social não se encaixar nessa lógica predeterminada pela sociedade que habita, ele poderá ser pri- vado de uma série de bens materiais, de consumo, de bem-estar e de direitos para si e sua família. Existem comunidades de povos originários tradicionais nas quais essa lógica não faz parte da cultura e da reprodução social do seu modo de vida. O preconceito e o conflito que estamos tratando surgem justamente da negação vinda da sociedade capitalista – por meio, fre- quentemente, do poder socioeconômico e cultural hegemônico dessa sociedade – em relação ao direito à reprodução social desses povos que compreendem a questão do trabalho por uma outra lógica, a lógica do “bem viver”. A natureza do Serviço Social faz com que essa categoria profissional pense e reflita sobre o seu fazer profissional no sentido de garantir a esses povos maneiras de se reproduzirem socialmente por meio dos direitos humanos fundamentais. Compreende-se, então, a necessidade de os assistentes sociais re- fletirem sobre o conceito de reprodução social por meio de uma inter- pretação marxista, uma vez que, assim, esses profissionais são capazes de compreender como o modelo de explicação societária do capitalis- mo transformou-se em hegemônico. O capitalismo, muitas vezes – se não na maioria das vezes –, ao deter o poder econômico em si, em suas instituições e atores sociais não reconhece ou aceita modelos de repro- dução que partam de outra lógica de pensar a realidade e o cotidiano, submetendo os sujeitos sociais às suas regras, morais e costumes. O as- sistente social deve estar atento a esse modo de vida e de reprodução social, para, além de questioná-lo com base no seu cotidiano de traba- lho, transformá-lo junto com o restante dos atores sociais que compõem a sociedade, no intuito de gerar um novo modelo de sociabilidade sem as implicações da reprodução social do modo de produção capitalista. A lógica do “bem viver” pode ser entendida com base nas con- siderações de Sampaio (2018, p. 122): “o projeto civilizacional cuja perspectiva prepondera no presente oferece perspectivas de mudança ou permanência social sem problematizar os fundamentos primordiais da sociedade de consumo.[...] O bem e a virtude estariam a serviço dessa máxima, e o poder de compra (mercadores) suplantaria o ser pelo ter. Essa confusão entre Viver para Ter e o Bem Viver (BV) descaracteriza as necessidades individuais fundamentais e as coloca à mercê de um social liquefeito e opaco”. Saiba mais+ A trajetória do Serviço Social como profissão 27 CONSIDERAÇÕES FINAIS O capítulo teve como objetivo discutir algumas das principais caracte- rísticas históricas e conceituais que auxiliam na compreensão do Serviço Social enquanto uma profissão na divisão sociotécnica do trabalho bra- sileiro e mundial. Essas informações são iniciais em relação a essa área de formação e de intervenção enquanto profissão inserida no bojo da sociedade capitalista. É necessário frisar que o Serviço Social se origina na sociedade capi- talista para dar uma resposta adequada às expressões da questão social. Considerando sua origem no Brasil, com a institucionalização da profissão por volta da década de 1930, essa resposta se deu em âmbito conserva- dor, utilizando-se de premissas éticas e técnicas baseadas no assistencia- lismo e na caridade cristã, por meio da doutrina social da Igreja Católica. Compreender essas informações, assim como todo o percurso apre- sentado durante a leitura deste capítulo, é fundamental para a formação acadêmica em Serviço Social, pois foi a partir dessas premissas históricas e conceituais que a profissão passou a ter um significado sócio-histórico na sociedade brasileira. REFERÊNCIAS BRASIL. Decreto-Lei n. 5.452, de 1º de maio de 1943. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 9 ago. 1943. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/ del5452.htm. Acesso em: 15 jan. 2020. BRASIL. Lei n. 8.662, de 7 de junho de 1993. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 8 jun. 1993. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8662. htm. Acesso em: 15 jan. 2020. BRASIL. Código de Ética do/a Assistente Social: Lei n. 8662/93 de regulamentação da profissão. 10. ed. Brasília: Conselho Federal de Serviço Social, 2012. Disponível em: http:// www.cfess.org.br/arquivos/CEP_CFESS-SITE.pdf. Acesso em: 15 jan. 2020. CFESS - CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL. Perguntas frequentes. CFESS, 2019. Disponível em: http://www.cfess.org.br/visualizar/menu/local/perguntas-frequentes. Acesso em: 15 jan. 2020. ESTEVÃO, A. M. R. O que é Serviço Social. 6. ed. São Paulo: Brasiliense, 2006. GIAQUETO, A.; SOARES, N. O trabalho e o trabalhador idoso. 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O Serviço Social, no início, atuava sobre as expressões da questão social de forma a amenizar seus efeitos, sem se preocupar com as causas das desigualdades sociais, baseando-se no assistencialismo e na caridade cristã, pois sua gênese ocorreu dentro da igreja, influenciando, assim, nas características profissionais na época. 3. A profissão teve influência inicial da teoria europeia, com caráter confessional (Igreja Católica), apoiada em princípios éticos e cristãos. E não poderia ser diferente, pois foi dentro da igreja que nasceu a profissão. Como consequência, os profissionais atuavam conforme era solicitado na época, levando a doutrina cristã e mantendo a ordem. Órgãos de representação profissional do assistente social 29 Para o exercício pleno da cidadania, o conhecimento da legislação é essencial, pois somente assim podemos fazer com que nossos direitos sejam respeitados e efetivados. No que se refere ao fazer profissional, conhecer a legislação significa saber seus direitos e deveres enquanto assistente social. Neste capítulo, você irá estudar a história das leis de regulamentação que regem o Serviço Social no Brasil e as competências dos órgãos específicos da profissão. O Conselho Federal de Serviço Social (CFESS), os Conselhos Regionais de Serviço Social (CRESS), o Movimento estudantil de Serviço Social (MESS), a Executiva Nacional de Estudantes de Serviço Social (ENESSO) e a Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS) formam um coletivo de luta pela defesa do trabalho e da formação dos assistentes sociais. Dada a relevância desses órgãos de representação da categoria estudantil e profissional, conhecê- los é de extrema importância para o seu aprendizado e para o seu preparo como futuro assistente social. Órgãos de representação profissional do assistente social 2 2.1 Regulamentação da profissão Vídeo O processo histórico da construção das legislações profissionais de Serviço Social está relacionado à construção de instituições (lo- cais de exercício do trabalho) e aos processos de trabalho em si. Sendo assim, é importante traçarmos uma breve retrospectiva da his- tória, a fim de conhecer e entender a regulamentação da profissão na contemporaneidade. 30 Introdução ao Serviço Social A prestação de assistência social no Brasil surgiu logo após a coloni- zação portuguesa. Em 1543, foi criado o primeiro hospital, em Santos, por Brás Cubas (explorador português e fundador da Vila de Santos), essa instituição deu origem à primeira Santa Casa. Mas foi somente em 1693 que surgiu a primeira regulamentação social no país, por meio de uma Carta Régia da Coroa Portuguesa para a proteção de crianças abandonadas. Em 1927, foi criado o Código de Menores, primeira lei social do país que previa a proteção e a assistência a crianças e adolescentes. Essa regulamentação foi muito importante na época, pois pressupunha a reeducação e recuperação de “menores”, cujas famílias eram conside- radas “desajustadas”. Esses termos foram abolidos da jurisprudência brasileira com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e, assim, crianças e adolescentes tornaram-se cidadãos de direitos, cuja prote- ção deve ser integral. Após cinco anos dessa primeira regulamentação de proteção social, Adèle de Loneux – assistente social formada pela Escola de Serviço So- cial de Bruxelas –, em visita ao Brasil para desenvolver um curso in- tensivo de formação social, levou consigo as brasileiras Maria Kiehl e Albertina Ramos, alunas do curso, para estudar em Bruxelas. Foi tam- bém nesse ano que a Igreja Católica criou o Centro de Estudos de Ações Sociais (CEAS), o qual, por meio de aulas de trabalhos manuais, pales- tras e conselhos sobre higiene e vida social, prestava atendimentos à classe operária católica. A partir das atividades do CEAS e com a sua expansão em São Paulo, no ano de 1936, foi criada pelas profissionais já formadas, Maria Kiehl e Albertina Ramos, a primeira Escola de Servi- ço Social do Brasil, a qual anos mais tarde foi agregada à PUC-SP, onde se formou a primeira turma. Em 1938, nasceu o Conselho Nacional de Serviço Social, juntamente com a formatura da primeira turma de Serviço Social, formada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sendo esse o primeiro curso oferecido no Brasil. Contudo, somente em 1944 o Estado bra- sileiro ofereceu oportunidade de trabalho para assistentes sociais no funcionalismo público, criando o primeiro espaço de trabalho na Previ- dência Social. Nos anos que se sucederam, muitos movimentos aconte- ceram no seio da categoria profissional: o I Congresso Pan-Americano de Serviço Social; a criação da Associação Brasileira de Escolas de Ser- viço Social (ABESS); a criação da Associação Brasileira de Assistência Órgãos de representação profissional do assistente social 31 Social (ABAS), entidade sociocultural da categoria; e o I Congresso Bra- sileiro de Serviço Social. A partir desses movimentos, surgiu a necessidade de estabelecer regras para a profissão. E, com isso, no ano de 1947, foi instituído o 1º Código de Ética Profissional. Além disso, o ensino e o currículo dos cursos de Serviço Social foram instituídos pela Lei n. 1.889/1953, regu- lamentada pelo Decreto n. 35.311/1954. Após a instituição dos aportes legais citados anteriormente, surgiu a necessidade de regulamentar a profissão. Por isso, no ano de 1957, instituiu-se a Lei n. 3.252, regulamentada pelo Decreto n. 994/1962. O decreto classificou a profissão como de natureza técnico-científica; definiu as atividades específicas; quais trabalhadores poderiam exer- cer a profissão, dando o direito ao título de assistente social aos agen- tes sociais de órgãos públicos que exerceram atividades específicas dessa área até 12 de julho de 1960; criou o Conselho Federal de Assis- tentes Sociais (CFAS); dividiu o território nacional em dez regiões, com jurisdições próprias, denominadas de Conselho Regional de Assisten- tes Sociais (CRAS); e estabeleceu as competências desses órgãos. 2.1.1 Conselho Federal de Serviço Social A categoria profissional do assistente social possui instâncias nor- mativas e de fiscalização. O Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) é a instância de grau superior, instituída pela Lei n. 8.662/1993, confor- me o artigo 8º: Art. 8º Compete ao Conselho Federal de Serviço Social (CFESS), na qualidade de órgão normativo de grau superior, o exercí- cio das seguintes atribuições: I – orientar, disciplinar, normatizar, fiscalizar e defender o exercício da profissão de Assistente Social, em conjunto com o CRESS; II – assessorar os CRESS sempre que se fizer necessário; III – aprovar os Regimentos Internos dos CRESS no fórum má- ximo de deliberação do conjunto CFESS/CRESS; IV – aprovar o Código de Ética Profissional dos Assistentes So- ciais juntamente com os CRESS, no fórum máximo de delibe- ração do conjunto CFESS/CRESS; V – funcionar como Tribunal Superior de Ética Profissional; VI – julgar, em última instância, os recursos contra as sanções impostas pelos CRESS; Atividade 1 Qual é a importância dos órgãos fiscalizadores da ação profissio- nal do assistente social, isto é, do Conjunto CFESS/CRESS? 32 Introdução ao Serviço Social VII – estabelecer os sistemas de registro dos profissionais habilitados; VIII – prestar assessoria técnico-consultiva aos organismos públicos ou privados, em matéria de Serviço Social; IX – (Vetado). (BRASIL, 1993a) Segundo o Conselho Regional de Serviço Social do Mato Grosso do Sul (CRESSMS, 2020), o CFESS é uma personalidade jurídica de direito público, na forma de autarquia, possuindo poderes fiscalizatórios em relação à categoria profissional dos assistentes sociais. A sede do CFESS está localizada em Brasília, sendo composta por 18 assistentes sociais devidamente filiados aos Conselhos Regionais de todo o território na- cional. Para compor essa instância política e fiscalizatória da profissão,é necessário que o assistente social seja eleito, para um mandato de três anos. Esse mandato não é remunerado, sendo permitida uma ree- leição, com garantia de renovação de dois terços de seus membros. 2.1.2 Conselho Regional de Serviço Social Os Conselhos Regionais de Serviço Social (CRESS) são órgãos execu- tivos de primeira instância, nas respectivas áreas de jurisdição, e têm como atribuições, de acordo com o artigo 10 da Lei n. 8.662/1993, de regulamentação da profissão: I– organizar e manter o registro profissional dos Assistentes So- ciais e o cadastro das instituições e obras sociais públicas e priva- das, ou de fins filantrópicos; II– fiscalizar e disciplinar o exercício da profissão de Assistente Social na respectiva região; III– expedir carteiras profissionais de Assistentes Sociais, fixando a respectiva taxa; IV– zelar pela observância do Código de Ética Profissional, funcio- nando como Tribunais Regionais de Ética Profissional; V– aplicar as sanções previstas no Código de Ética Profissional; VI– fixar, em assembleia da categoria, as anuidades que devem ser pagas pelos Assistentes Sociais; VII– elaborar o respectivo Regimento Interno e submetê-lo a exame e aprovação do fórum máximo de deliberação do conjun- to CFESS/CRESS. (BRASIL, 1993a) Os CRESS foram instituídos nas regiões do Brasil na década de 1960. Também surgiram nesse período as delegacias, atualmente denomi- nadas seccionais ou núcleos do Conselho Regional de Serviço Social Órgãos de representação profissional do assistente social 33 (NUCRESS), pela Lei n. 8.662. Os NUCRESS buscam aproximar os pro- fissionais e facilitar a comunicação entre o órgão e a categoria, o que ocorre especialmente por meio de eventos e grupos de estudos. A fim de exemplificar e demonstrar a importância dos NUCRESS, vamos focar na 10ª Região do CRESS, que possui 35 núcleos espalha- dos pelo estado do Rio Grande do Sul com as seguintes atribuições: 1. Trabalhar em parceria com o CRESS dinamizando as ações de interesse com vista à defesa do exercício profissional e da qua- lidade do serviço prestado à sociedade. Divulgar e zelar pela observância do Código de Ética do/a Assistente Social, da Lei de Regulamentação da Profissão e do Projeto Ético-Político profis- sional. Promover debates sobre assuntos ligados ao Serviço So- cial e de interesse dos/as assistentes sociais. 2. Repassar informações sistemáticas ao CRESS 10ª Região das irregularidades constatadas na região referente ao exercício profissional. 3. Garantir os direitos e deveres do/a assistente social e divulgar a profissão junto à sociedade. 4. Incentivar o aprimoramento teórico, técnico e político dos/as assistentes sociais. 5. Participar representando o CRESS em Conselhos de Direitos e Políticas Sociais nos municípios e instâncias regionais em defesa das políticas públicas e de direitos; eleger e atualizar as indica- ções de assistentes sociais para representar o CRESS nos Con- selhos de Políticas Públicas e de Direitos e encaminhamento de seus nomes ao CRESS. 6. Comprometer-se em participar das reuniões de Conselho Pleno Ampliado, que ocorrem duas vezes por ano, e atender às Resoluções do CRESS 10ª Região que dizem respeito aos NUCRESS e representação. (NUCRESS, 2020) O principal evento que vem sendo oferecido pelos CRESS à categoria profissional é um espaço de debate bastante importante – ocorre anual- mente em alusão ao Dia do Assistente Social, celebrado em 15 de maio –, em que são discutidos inúmeros temas pertinentes ao trabalho profissio- nal, como o comprometimento com a defesa da liberdade democrática, a luta contra a exploração laboral, a educação que desejam para o mundo. Além da importante tarefa de promover a aproximação dos pro- fissionais e o seu processo de educação permanente, o CRESS é res- ponsável pela questão administrativa da categoria, sendo fiscalizador do exercício profissional e do pleno cumprimento do Código de Ética. Uma das responsabilidades desse órgão é a confecção da identidade 34 Introdução ao Serviço Social profissional do assistente social formado em Serviço Social, mediante a comprovação da conclusão do curso pela entidade educacional devi- damente registrada no Ministério da Educação. Exercendo sobre a categoria o papel de fiscal do trabalho e pro- motor da constante atualização do conhecimento nas áreas de atua- ção, o CFESS e os CRESS possuem uma importância significativa na construção política e de identidade dos assistentes sociais. Como parte dessa missão, buscam transmitir para a sociedade a relevância desses profissionais, assegurada por normas legais e pressupostos teórico-metodológicos, técnico-operativos e sócio-históricos, que os in- serem na divisão sócio-técnica do trabalho. 2.1.3 Lei n. 8.662 de 1993 No decorrer da história do Brasil, com as transformações sociopo- líticas desde o Estado Novo até a redemocratização, bem como o pro- cesso de reconceituação do Serviço Social, ocorrido entre as décadas de 1950 e 1960, a categoria de assistentes sociais resolveu atualizar sua Lei de Regulamentação. A nova lei, datada de 1993, veio ao encontro do conceito de política social, especialmente no que diz respeito às com- petências profissionais. As novas competências do assistente social o inseriram não somen- te na execução das políticas sociais, mas também na sua elaboração, planejamento, coordenação e avaliação. Veja o artigo que dispõe sobre as competências profissionais: Art. 4º Constituem competências do Assistente Social: I – elaborar, implementar, executar e avaliar políticas sociais junto a órgãos da administração pública, direta ou indireta, em- presas, entidades e organizações populares; II – elaborar, coordenar, executar e avaliar planos, programas e projetos que sejam do âmbito de atuação do Serviço Social com participação da sociedade civil; III – encaminhar providências, e prestar orientação social a indiví- duos, grupos e à população; IV – (Vetado); V– orientar indivíduos e grupos de diferentes segmentos sociais no sentido de identificar recursos e de fazer uso dos mesmos no atendimento e na defesa de seus direitos; VI – planejar, organizar e administrar benefícios e Serviços Sociais; VII – planejar, executar e avaliar pesquisas que possam Órgãos de representação profissional do assistente social 35 contribuir para a análise da realidade social e para subsidiar ações profissionais; VIII – prestar assessoria e consultoria a órgãos da administração pública direta e indireta, empresas privadas e outras entidades, com relação às matérias relacionadas no inciso II deste artigo; IX – prestar assessoria e apoio aos movimentos sociais em maté- ria relacionada às políticas sociais, no exercício e na defesa dos direitos civis, políticos e sociais da coletividade; X – planejamento, organização e administração de Serviços So- ciais e de Unidade de Serviço Social; XI – realizar estudos sócio-econômicos com os usuários para fins de benefícios e serviços sociais junto a órgãos da administração pública direta e indireta, empresas privadas e outras entidades. (BRASIL, 1993a) Além de imprimir à nova legislação o caráter das políticas sociais, a regulamentação de 1993 trouxe a assessoria e a consultoria como novos instrumentos técnicos à profissão. De acordo com Matos (2009), é possível tratar esses dois instrumentos de forma indistinta. Nesse ponto, a legislação auxiliou para que os assistentes sociais pudessem trabalhar de forma alternativa, prestando assessoria/consultoria aos órgãos de iniciativa pública e também aos de iniciativa privada, na “cria- ção de políticas sociais, de serviços sociais, de trabalhos educativos jun- to à população, entre outros” (MATOS, 2009, p. 2). A Lei n. 8.662, além de estabelecer as competências profissionais de um modo geral, instituiu as atribuições privativas do assistente social, um avanço considerável para os profissionais que, até então, tinham dificuldades de estabelecer sua especificidade frente à expansão das políticassociais no Brasil. Nessas atribuições privativas, está contido um arsenal de processos laborais que são próprios do trabalho do assisten- te social, sendo que nenhuma outra profissão deve elaborá-las, por isso a condição de atribuição privativa dada a esse tópico por essa lei. Veja, a seguir, o artigo que normatizou as atribuições privativas da categoria dos assistentes sociais na lei: Art. 5º Constituem atribuições privativas do Assistente Social: I – coordenar, elaborar, executar, supervisionar e avaliar es- tudos, pesquisas, planos, programas e projetos na área de Serviço Social; II – planejar, organizar e administrar programas e projetos em Unidade de Serviço Social; 36 Introdução ao Serviço Social III – assessoria e consultoria e órgãos da Administração Pública direta e indireta, empresas privadas e outras entidades, em ma- téria de Serviço Social; IV– realizar vistorias, perícias técnicas, laudos periciais, informa- ções e pareceres sobre a matéria de Serviço Social; V– assumir, no magistério de Serviço Social tanto a nível de graduação como pós-graduação, disciplinas e funções que exi- jam conhecimentos próprios e adquiridos em curso de forma- ção regular; VI– treinamento, avaliação e supervisão direta de estagiários de Serviço Social; VII– dirigir e coordenar Unidades de Ensino e Cursos de Serviço Social, de graduação e pós-graduação; VIII– dirigir e coordenar associações, núcleos, centros de estudo e de pesquisa em Serviço Social; IX– elaborar provas, presidir e compor bancas de exames e co- missões julgadoras de concursos ou outras formas de seleção para Assistentes Sociais, ou onde sejam aferidos conhecimen- tos inerentes ao Serviço Social; X – coordenar seminários, encontros, congressos e eventos as- semelhados sobre assuntos de Serviço Social; XI – fiscalizar o exercício profissional através dos Conselhos Fe- deral e Regionais; XII– dirigir serviços técnicos de Serviço Social em entidades públi- cas ou privadas; XIII – ocupar cargos e funções de direção e fiscalização da gestão financeira em órgãos e entidades representativas da categoria profissional. (BRASIL, 1993a) É importante ressaltar que esse artigo sofreu alterações pela Lei n. 12.317/2010, no que tange a carga horária do assistente social, passan- do a ser de 30 horas semanais. A Lei n. 8.662 também modificou as nomenclaturas dos órgãos pro- fissionais. O Conselho Federal de Assistentes Sociais (CFAS) e os Con- selhos Regionais de Assistentes Social (CRAS), criados pela antiga lei de regulamentação profissional (Lei n. 3.252/1957), passaram a ser de- nominados de Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) e Conselhos Regionais de Serviço Social (CRESS). Essa mudança dá a perspectiva da profissão como um todo e não somente do profissional que exerce suas atribuições. Outra forma de dar maior visibilidade à profissão, a Lei n. 8.662, no artigo 15, vedou o uso indevido da expressão serviço social: “é vedado o Em relação à luta da categoria profissional dos assistentes sociais sobre a Lei das 30 horas, assista ao vídeo Direito se conquista: a luta dos/ as assistentes sociais pelas 30 horas semanais, elaborado pelo Conselho Federal de Serviço Social (CFESS), publicado pelo canal CFESS Vídeos. Disponível em: https://www.you- tube.com/watch?v=hiZzhQTlKBw. Acesso em: 8 jan. 2020. Vídeo Órgãos de representação profissional do assistente social 37 uso da expressão Serviço Social por quaisquer pessoas de direito públi- co ou privado que não desenvolvam atividades previstas nos artigos 4º e 5º desta lei” (BRASIL, 1993a). Essa lei especificou as atribuições dos CRESS, especialmente no que se refere às penalidades aos infratores, de acordo com o artigo 16: Art. 16. Os CRESS aplicarão as seguintes penalidades aos infrato- res dos dispositivos desta Lei: I – multa no valor de uma a cinco vezes a anuidade vigente; II – suspensão de um a dois anos de exercício da profissão ao Assistente Social que, no âmbito de sua atuação, deixar de cum- prir disposições do Código de Ética, tendo em vista a gravidade da falta; III – cancelamento definitivo do registro, nos casos de extrema gravidade ou de reincidência contumaz. 1º Provada a participação ativa ou conivência de empresas, enti- dades, instituições ou firmas individuais nas infrações a disposi- tivos desta lei pelos profissionais delas dependentes, serão estas também passíveis das multas aqui estabelecidas, na proporção de sua responsabilidade, sob pena das medidas judiciais cabíveis. 2º No caso de reincidência na mesma infração no prazo de dois anos, a multa cabível será elevada ao dobro. (BRASIL, 1993a) Ainda, como uma novidade trazida pela Lei n. 8.662, o CFESS criou a possibilidade da constituição de delegacias seccionais nos territórios que não tenham como estabelecer um CRESS, desde que sua arrecadação seja suficiente para a manutenção de todas as necessidades do órgão. Sendo assim, podemos considerar todas as modificações trazidas pela lei de regulamentação da profissão de extrema relevância para os assistentes sociais no que se refere ao pleno exercício de suas funções, tendo em vista a garantia legal das competências profissionais e de fiscalização dos órgãos da categoria. 2.1.4 Código de Ética do Assistente Social O projeto profissional do Serviço Social pode ser considerado de acordo com dois momentos importantes: um mais conservador e outro que representa a proposta de renovação da profissão. Desse modo, podemos inferir que, assim como o projeto profissional, os códigos de ética do Serviço Social seguiram o mesmo caminho. 38 Introdução ao Serviço Social Isso posto, faremos uma breve contextualização sobre os códigos de ética do Serviço Social de 1947, 1965, 1975, 1986 e 1993. O período que envolve o Código de 1947 até o Código de 1986 traz características semelhantes, sendo marcado pelo conservadorismo, com uma possível imparcialidade ética e política, que se reflete nos princípios enunciados nos códigos. A presença forte da Igreja, aqui representada pelo neoto- mismo 1 , incorpora a eles valores universais abstratos e a moralização da questão social. Aos assistentes sociais cabia o dever de cumprir as obrigações com base na doutrina social da Igreja, ou seja, em conso- nância com os preceitos divinos, baseando sua ação profissional na expectativa de atingir o bem comum, mantendo os princípios do jura- mento prestado mediante testemunho de Deus (SILVA, 2015). O código de 1947 traz, portanto, a proposta de aproximar a atua- ção dos assistentes sociais aos princípios de moralidade católicos, o que o referido código chama de “moral aplicada a uma profissão” (ABAS, 1947, p. 1). Na prática, isso significa que “não trata apenas de fator material, não se limita à remoção de um mal físico, ou a uma transação comercial ou monetária: trata com pessoas humanas desa- justadas ou empenhadas no desenvolvimento da própria personali- dade” (ABAS, 1947, p. 1). Na relação do assistente social com os seus beneficiários, o código de ética preconizava “respeitar no beneficiário do Serviço Social a dignidade da pessoa humana, inspirando-se na caridade cristã” (ABAS, 1947, p. 2). Assim, é possível observar que o primeiro código de ética registrava um forte traço do neotomismo em seus princípios. Já para falarmos sobre os códigos de ética de 1965 e 1975, convém relembrarmos outros aspectos importantes. Um deles é que nessa época o país já vivia no sistema capitalista, em que a busca incessante pelo lucro, as disparidades e a concentração de riquezas eram visíveis. Os problemas sociais decorrentes desse sistema eram considerados problemas individuais e o Serviço Social tinha uma ação moralizado- ra, considerando o indivíduo culpado por sua situação e necessitando integrá-lo à sociedade. Além disso, permaneciam os resquícios da ori- gem da profissão ligados à Igreja. Sendo assim, o código de ética de 1965 propunha: Art. 5º — No exercício de sua profissão, o assistente social tem o dever de respeitar as
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