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1 Caroline de Oliveira Leão – 7° - FASAI Distúrbios hidroeletrolíticos 1. Distúrbios do sódio Para que as células do corpo funcionem normalmente, elas devem estar banhadas por líquido extracelular com concentração relativamenteconstante de eletrólitos e outros solutos. A concentração total de solutos no líquido extracelular — e, portanto, a osmolaridade —, deve ser também regulada com precisão para evitar que as células murchem ou inchem de tamanho. A osmolaridade é determinada pela quantidade de soluto (principalmente, cloreto de sódio) dividida pelo volume do líquido extracelular. Assim, a concentração de cloreto de sódio e a osmolaridade do líquido extracelular são, em grande parte, reguladas pela quantidade de água extracelular. Toda a água corporal, por sua vez, é controlada pela (1) ingestão de líquido, regulada por fatores determinantes da sede; e (2) excreção renal de água, controlada por múltiplos fatores que influenciam a filtração glomerular e a reabsorção tubular. Regulação da água corporal Os rins normais têm extraordinária capacidade de variar as proporções relativas de solutos e água na urina em resposta aos diversos desafios. Quando existe um excesso de água no corpo e queda da osmolaridade do líquido corporal, os rins podem excretar urina com osmolaridade de até 50 mOsm/L, concentração correspondente a cerca de um sexto da osmolaridade do líquido extracelular normal. Ao contrário, quando existe déficit de água no corpo e a osmolaridade do líquido extracelular se eleva, os rins podem excretar urina com concentração de 1.200 a 1.400 mOsm/L. Igualmente importante, os rins podem excretar grande volume de urina diluída ou pequeno volume de urina concentrada, sem grandes alterações nas excreções de solutos, como o sódio e o potássio. Essa capacidade de regular a excreção de água, independentemente da excreção de soluto, é necessária para a sobrevivência sobretudo quando a ingestão de líquido é limitada. O hormônio antidiurético controla a concentração urinária O corpo conta com um sistema de feedback muito eficaz para regular a osmolaridade e a concentração do sódio plasmático. Esse mecanismo atua por meio da alteração na excreção renal de água, independentemente da excreção de solutos. Um efetor importante desse feedback é o hormônio antidiurético (ADH), também conhecido por vasopressina. Quando a osmolaridade dos líquidos corporais se eleva para valores acima do normal (isto é, os solutos, nos líquidos corporais ficam muito concentrados), a glândula hipófise posterior secreta mais ADH, o que aumenta a permeabilidade dos túbulos distais e ductos coletores à água. Esse mecanismo aumenta a reabsorção de água e reduz o volume urinário, porém sem alterações acentuadas na excreção renal dos solutos. Quando ocorre excesso de água no corpo e, por conseguinte, diminuição da osmolaridade do líquido extracelular, a secreção do ADH pela hipófise posterior diminui, reduzindo, consequentemente, a permeabilidade dos túbulos distais e ductos coletores à água; isso, por sua vez, leva à excreção de maiores quantidade de urina mais diluída. Assim, a secreção do ADH determina, em grande parte, a excreção renal de urina diluída ou concentrada. O eixo hipotálamo-neuro-hipofisário- renal normalmente mantém o balanço hídrico durante variações na ingestão hídrica e perdas não-renais de água. A falha desse mecanismo é comum em pacientes hospitalizados e 2 Caroline de Oliveira Leão – 7° - FASAI resulta em uma variedade de distúrbios do balanço hídrico. A regulação do balanço hídrico é governada por um mecanismo de feedback envolvendo o hipotálamo, a neuro-hipófise e os rins. Os osmorreceptores no hipotálamo detectam a osmolaridade plasmática; quando a osmolalidade plasmática aumenta para níveis acima de um limiar fisiológico (290 a 295 mOsm por quilograma de água na maioria das pessoas), há um aumento da secreção do ADH das terminações nervosas vasopressinérgicas na neuro-hipófise. Alta osmolalidade também provoca sede. Quando a vasopressina (ADH) se liga aos seus receptores nos túbulos coletores (V2), ocorre síntese e fosforilação de aquaporinas, as quais são proteínas capazes de inserir poros na membrana plasmática da célula tubular, tornando-a permeável à água. Nesta situação, ocorre reabsorção de água dos túbulos coletores em direção ao interstício medular, concentrando a urina. Como dito anteriormente, a taxa de excreção de água pode variar em uma ampla faixa em resposta a alterações nos níveis plasmáticos de ADH, sem alterações substanciais na excreção líquida de soluto (depuração osmolar). Esse controle independente da excreção de água e soluto é o resultado de mecanismos especializados de concentração e diluição urinária. O aumento da reabsorção renal de água em resposta à vasopressina diminui a osmolalidade plasmática, reduzindo assim o estímulo à secreção e sede de vasopressina e completando o ciclo de realimentação O ADH é tipicamente secretado em resposta a um déficit de água e hiperosmolaridade, para promover retenção da água ingerida e correção do déficit. No entanto, existem outros estímulos para sua secreção. O mais comum é a redução do volume intravascular efetivo (VIVE) por estímulo barorreceptor. Como veremos a seguir, este é o fator operante na hiponatremia hipovolêmica e na hiponatremia “hipervolêmica”, pois nesses estados edematosos também existe redução do VIVE e hipoperfusão de barorreceptores. Secreção não-osmótica de ADH também pode ocorrer em resposta à dor e náuseas, fenômenos muito comuns em pacientes no período pós-operatório. Finalmente, alguns medicamentos e tumores podem promover uma secreção inapropriada de ADH (SIADH), como veremos adiante. Na prática clínica diária, o ADH sérico não é medido, mas a sua presença é inferida a partir da avaliação da urina. A urina concentrada (densidade urinária > 1005 e osmolalidade urinária > 100 mOsm/kg) sugere a presença de ADH. 2. HIPONATREMIA Hiponatremia pode ser definida como uma concentração de sódio sérico [Na+] abaixo do limite inferior da normalidade; na maioria dos laboratórios, isto significa [Na+] < 135 meq/L. SE LIGA! Para o cálculo da concentração de um soluto, divide-se os miliequivalentes do soluto em questão pelo volume do solvente. Ou seja, para a concentração diminuir, ou o numerador diminui, ou o denominador aumenta. Hiponatremia é um distúrbio da CONCENTRAÇÃO de sódio, geralmente causada por uma falha em excretar água normalmente! Ou seja, salvo em situações de hipovolemia (em que há perda importante de soluto), hiponatremia é causada por um aumento na quantidade de água plasmática (denominador) e não por uma redução do sódio corporal total (numerador). Deste modo, ao ler “hiponatremia”, você deve associar este termo ao “excesso de água corporal”. Epidemiologia Hiponatremia é o distúrbio hidroeletrolítico mais comum em pacientes hospitalizados. Estudos estimam uma prevalência de hiponatremia de 11,8% - 17,7% no momento da admissão hospitalar de pacientes internados Unidades de Terapia Intensiva (UTI). Em pacientes com cirrose 3 Caroline de Oliveira Leão – 7° - FASAI avançada, em lista de espera para transplante hepático, a prevalência de hiponatremia pode superar 30%. A presença de hiponatremia está associada a uma série de desfechos desfavoráveis, como aumento no tempo de permanência hospitalar, necessidade de internamento em UTI, custo da hospitalização e mortalidade. A associação de hiponatremia com aumento na mortalidade é bastante consistente, seja ela adquirida na comunidade, no hospital ou na UTI. A associação persiste quando analisada em subgrupos específicos de doenças, como neoplasias, insuficiênciacardíaca congestiva (ICC) e cirrose. Recentemente, hiponatremia foi associada a aumento na mortalidade em pacientes renais crônicos em hemodiálise. Etiologias, Diagnóstico e Classificação Geralmente, a hiponatremia é causada por uma falha em excretar água normalmente. Porém, apesar da excreção renal de água ser excepcional, se houver ingestão de água superior à esta capacidade de excreção, o indivíduo vai desenvolver hiponatremia. Nestas situações, a urina estará diluída, indicando que os rins estão tentando excretar o excesso de água. Na presença de ingestão normal de solutos, o indivíduo terá que ingerir mais de 10 L de água para desenvolver hiponatremia. Isto pode ocorrer em pacientes psiquiátricos, com polidipsia psicogênica. Às vezes, ingestões muito rápidas de quantidades não tão grandes de água podem causar hiponatremia. Outras situações análogas seriam os afogamentos em água doce e as cirurgias endoscópicas, como a histeroscopia, curetagem uterina e a ressecção transuretral da próstata, em que pode haver absorção rápida de grande quantidade da água contida nas soluções de irrigação. Nestes casos, cessando a ingestão excessiva de água, os rins excretam o seu excesso e o [Na+] sérico normaliza. No entanto, na vigência de hiponatremia severa sintomática, o tratamento com salina hipertônica é indicado para reduzir o edema cerebral. Diante de um paciente com hiponatremia, a primeira medida deve ser afastar uma pseudo-hiponatremia. Na hiponatremia verdadeira, a osmolaridade sérica é sempre baixa (hiponatremia hipotônica): Se houver hiponatremia com osmolaridade sérica normal ou elevada, está ocorrendo uma pseudo- hiponatremia. Estas situações não representam distúrbios no metabolismo da água e não necessitam de medidas direcionadas para correção do sódio sérico. Pseudo-hiponatremia com osmolaridade sérica elevada: A situação mais clássica é a hiperglicemia, mas pode ocorrer também durante a administração de contraste iodado hiperosmolar. Neste caso, ocorre saída de água do líquido intracelular (LIC) para o extracelular (LEC) numa tentativa de equilibrar a osmolaridade entre os dois espaços. Esta entrada de água no LEC dilui o sódio sérico. Com a correção da glicemia, o sódio sérico normaliza sem que nenhuma outra medida seja tomada. Pseudo-hiponatremia com osmolaridade sérica normal: É classicamente descrita nas hiperproteinemias (por exemplo, mieloma múltiplo) e dislipidemias severas (por exemplo, hipertrigliceridemias), quando a fração aquosa do plasma está reduzida à custa de excesso de proteínas ou lipídeos, respectivamente. Em tais situações, erros técnicos na aferição da concentração do sódio sérico podem induzir uma pseudo- hiponatremia, neste caso, com osmolaridade normal. Este fenômeno é mais comum quando o sódio sérico é medido pela técnica de fotometria de chama. Como a avaliação da osmolaridade sérica não é feita em diversos hospitais e laboratórios , na prática, é muito comum 4 Caroline de Oliveira Leão – 7° - FASAI afastar uma pseudo-hiponatremia, com base nos dados clínicos, e com a dosagem de glicose, proteínas totais e frações e o perfil lipídico. Afastadas as pseudo-hiponatremias, o próximo passo é fazer uma avaliação da volemia. A avaliação da volemia se baseia em dados clínicos de anamnese e exame físico, assim como em alguns exames laboratoriais. Hipovolemia Uma história que sugira baixa ingesta e/ou perdas (cutânea, gastrintestinal ou renal) excessivas, e exame físico que revele taquicardia e/ou hipotensão (sejam espontâneas ou com manobra postural). O sódio urinário está baixo e a osmolaridade urinária alta, demonstrando a retenção hdrossalina em resposta à hipovolemia verdadeira. Hipervolemia História e exame físico sugestivos de síndrome edematosa, como ICC, cirrose ou síndrome nefrótica. Cada uma destas síndromes possui sinais específicos ao exame físico, mas edema e ganho de peso são comuns a todas. Do mesmo modo, o sódio urinária está baixo e a osmolaridade urinária alta, mas esta retenção hidrossalina ocorre em resposta à hipovolemia relativa (redução no VIVE). Euvolemia Ausência de dados de história e exame físico que sugiram hipo ou hipervolemia. Este grupo inclui a potomania do bebedor de cerveja, a polidipsia psicogênica (pois a ingest excessiva de água pura não aumenta Independente se estamos diante de uma hipovolemia (que estimula a secreção não-osmótica do ADH), hipervolemia (que, por conta do VIVE reduzido, também induz uma secreção não-osmótica do ADH) ou de uma si tuaçãode euvolemia (com uma secreção inapropriada do ADH), o denominador comum a todos estes cenários é o nível sérico aumentado do ADH. Muitas drogas causam hiponatremia por promover SIADH. Outras causas menos comuns de hiponatremia euvolêmica são as mutações de ganho de função do receptor V2. Independente se estamos diante de uma hipovolemia (que estimula a secreção não-osmótica do ADH), hipervolemia (que, por conta do VIVE reduzido, também induz uma secreção não-osmótica do ADH) ou de uma situaçãode euvolemia (com uma secreção inapropriada do ADH), o denominador comum a todos estes cenários é o nível sérico aumentado do ADH. Neste contexto de níveis circulantes elevados de ADH, a água ingerida pelo indivíduo não consegue ser excretada, de modo que este aporte de água livre de solutos dilui o sódio sérico, o que culmina na hiponatremia. Alguns exames laboratoriais são muito úteis no diagnóstico diferencial de hiponatremia. A osmolaridade sérica deve estar baixa nas hiponatremias verdadeiras; se estiver normal ou elevada, tem-se uma pseudo-hiponatremia. Glicemia, lipidograma, proteínas totais e frações também podem serutilizados para afastar as pseudo- hiponatremias. As vantagens em relação à osmolaridade sérica são: o baixo custo, maior disponibilidade e rapidez. Um sódio urinário reduzido (< 20 mEq/L) sugere um estado de retenção renal de sódio, que ocorre na hipovolemia verdadeira e nas hipovolemias relativas, como nos estados edematosos (em que há aumento no volume corporal total, mas redução no VIVE). A osmolaridade urinária pode ser usada como medida indireta da presença de ADH; na presença deste, ela é sempre maior que 100 mOsm/L (e, geralmente, maior que 300 mOsm/L). Hiponatremia com osmolaridade urinária < 100 mOsm/L sugere causas mais raras como polidipsia psicogênica e potomania do bebedor de cerveja. 5 Caroline de Oliveira Leão – 7° - FASAI A creatinina deve ser sempre dosada para avaliar a função renal. Nos casos em que o diagnóstico não está claro ou o quadro clínico sugere endocrinopatia, o cortisol deve ser checado (e, se indicado, teste de estimulação com cosintropina), assim como TSH e outros hormônios pituitários, como LH e FSH. A lista de medicações do paciente deve ser revisada detalhadamente, pois diversos medicamentos comumente utilizados (tais como, anti-inflamatórios, antidepressivos, anticonvulsivantes e diuréticos tiazídicos) podem causar hiponatremia. A Tabela 1 apresenta os principais aspectos clínicos da hiponatremia hipovolêmica, hipervolêmica e euvolêmica, bem como as suas principais etiologias. Secreção Inapropriada do ADH (SIADH) Considera-se a Secreção Inapropriada de ADH (SIADH) quando existe secreção de ADH sem que haja um estímulo fisiológico (hiperosmolaridade, redução no VIVE, dor, náuseas) que a justifique. Neste contexto de níveis circulantes elevados de hormônio antidiurético, a ingestão de líquidos hipotônicos leva à hiponatremia. Principais grupos de causas para SIADH são: • Neoplasias: ADH secretado no con- texto de síndrome paraneoplásica. • Doenças pulmonares: não apenas câncer de pulmão, mas pneumonias e atémesmo ventilação mecânica com PEEP. • Distúrbios do SNC: neoplasias, AVC, hemorragia subaracnóidea, neurocirurgia. Neste cenário, deve-se procurar fazer o diagnóstico diferencial com a síndrome perdedora de sal cerebral. A única diferença clínica é a volemia, que está normal na SIADH e reduzida na síndrome perdedora de sal cere- bral. A diferenciação entre estas duas síndromes podem ser bastante difíceis na prática. • Drogas: antidepressivos, opioides, anticonvulsivantes, ciclofosfamida. Para afirmamos que estamos diante de uma SIADH, devemos, primeiramente nos certificarmos que temos uma hiponatremia 6 Caroline de Oliveira Leão – 7° - FASAI hipotônica (osmolaridade sérica baixa); ou seja, deve-se afastar as causas de pseudo-hi- ponatremia. A função renal, cardíaca, hepática, tireodiana e adrenal devem estar normais e o paciente não deve estar em uso de diurético tiazídico. Outro pré-requisito diagnóstico é a osmolaridade urinária > 100 mosm/L (em geral > 300 mosm/L), o que indica uma urina concentrada. A osmolaridade urinária deve ser fixa, ou seja, não deve cair com administração de NaCl. Isto, pois, quando há redução da osmolaridade urinária, infere-se que os níveis de ADH diminuíram no plasma (já que estes níveis reduzidos passam a permitir a excreção de água livre, que é manifestada através de urina mais diluída). Então, se a osmolaridade urinária reduzir com a administração de NaCl (que corrige hipovolemia), significa dizer que os níveis de ADH estavam elevados por conta de uma hipovolemia vigente e não por conta de sua secreção inadequada. Com isso, é possível realizar o diagnóstico diferencial entre SIHAD e hiponatremia hipovolêmica. Da mesma forma, o sódio urinário deve ser maior que 40 meq/L, uma vez que sódio urinário baixo indica uma tentativa de corrigir hipovolemia vigente por meio de uma maior reabsorção de Na. O paciente deve estar euvolêmico e sem edema, afastando-se quadro de hiponatremia hipervolêmica. 3. QUADRO CLÍNICO DA HIPONATREMIA Os sintomas de hiponatremia são principalmente neurológicos. Eles estão relacionados à gravidade e, em particular, à rapidez da alteração na concentração sérica de sódio. Pacientes com hiponatremia também podem apresentar queixas relacionadas à depleção concomitante de volume e possíveis doenças neurológicas subjacentes que predispõem à anormalidade eletrolítica. Isso inclui uma ampla variedade de distúrbios neurológicos que podem levar sequencialmente à SIADH, retenção de água e hiponatremia. Os sintomas diretamente atribuíveis à hiponatremia ocorrem principalmente com reduções agudas e acentuadas na concentração sérica de sódio e refletem disfunção neurológica induzida por edema cerebral e possíveis respostas adaptativas das células cerebrais ao inchaço osmótico. Nesse cenário, a queda na osmolaridade sérica cria um gradiente osmolar que favorece o desvio de água para o interior das células, levando a edema cerebral. Por isso, as principais manifestações clínicas da hiponatremia são neurológicas, pois, como a calota craniana impede a expansão do parênquima cerebral, o edema celular resulta em hipertensão intracraniana. O edema cerebral induzido por hiponatremia ocorre principalmente com reduções rápidas na concentração sérica de sódio, geralmente em menos de 24 horas. Como resultado da hipertensão intracraniana resultante, o paciente pode se manifestar com rebaixamento do nível de consciência, estupor, coma e crises convulsivas. A velocidade de instalação da hiponatremia é um fator determinante na sintomatologia. Isto porque, na hiponatremia crônica, mecanismos adaptativos entram em ação visando reduzir a osmolaridade intracelular e, consequentemente, minimizar a entrada de água nas células e o edema cerebral. Para isso, os neurônios inicialmente excretam sais de sódio e potássio e, posteriormente, osmólitos orgânicos. Por conta da ação destes mecanismos compensatórios, uma hiponatremia crônica severa pode se manifestar de maneira oligoassintomática. Estes mecanismos adaptativos precisam ser respeitados no momento do tratamento. Correção inadvertidamente rápida de uma hiponatremia crônica, ao elevar a osmolaridade líquido extracelular, pode causar redução abrupta do volume neuronal com desmielinização de tronco cerebral principalmente na ponte (mielinólise pontina). 7 Caroline de Oliveira Leão – 7° - FASAI Como os danos neurológicos decorrentes da mielinólise pontina são frequentemente irreversíveis, a melhor alternativa é a prevenção. 4. TRATAMENTO DA HIPONATREMIA O tratamento da hiponatremia depende da velocidade de instalação (aguda ou crônica), da gravidade dos sintomas e de outras variáveis da história e do exame físico, a saber: • Tempo de instalação da hiponatremia: ◊ Aguda (< 48 h): geralmente ocorre devido à infusão excessiva de fluidos hipotônicos parenterais ou à intoxicação por água (p.ex., pacientes psicóticos). ◊ Crônica (> 48 h): é mais comum quando não se consegue determinar o tempo de instalação pela história. • Classificação de acordo com o valor do sódio sérico: ◊ Leve: 130-134 mEq/L. ◊ Moderada: 120-129 mEq/L. ◊ Grave:< 120 mEq/L. • Classificação quanto à gravidade dos sintomas: ◊ Sintomas graves: convulsão, obnubilação, coma e parada respiratória. ◊ Sintomas leves a moderados: cefaleia, fadiga, letargia, náuseas, vômitos, tontura, confusão mental, distúrbio de marcha, cãibras. O tratamento tem como objetivos prevenir maiores reduções no sódio sérico, reduzir a pressão intracraniana em pacientes com risco de herniação, além de aliviar os sintomas da hiponatremia. Como dito anteriormente, não se deve corrigir rápida e/ou excessivamente o sódio sérico, de modo a evitar síndrome da desmielinização osmótica. A maioria dos pacientes apresentam hiponatremia crônica ou sintomas no máximo moderados e serão tratados de maneira convencional, usualmente com solução salina a 3%. Uma rara exceção são os pacientes com as chamadas hiponatremias agudas graves. Esses pacientes usualmente se apresentam com coma ou convulsões, que presumivelmente são causadas pela hiponatremia, e os dados de história permitem supor que a instalação foi rápida, sem tempo hábil para resposta adaptativa do sistema nervoso central. Nesses pacientes, o objetivo é elevar rapidamente a natremia em 4 a 6 mEq/L. Para isso: • Utilizam-se 50-150 mL de salina hipertônica, usualmente a 20%. • Podem-se utilizar alíquotas de 50 mL e repetir a cada 20-30 minutos até conseguir o efeito clínico desejado (máximo de 150 mL). • Pode-se considerar o uso de furosemida em pacientes hipervolêmicos. Após o uso da salina hipertônica, deve - se diminuir o ritmo de correção do sódio para que não ultrapasse 8-9 mEq/L em 24 horas, a fim de se evitar a síndrome de desmielinização osmótica. A monitorização do sódio sérico deve ser realizada a cada 2 horas. Considera-se tratar dessa forma pacientes com Na < 120 mEq/L ou Na < 125 mEq/L em pacientes sintomáticos. Os demais pacientes devem ser tratados de forma convencional. Deve-se preparar a solução que será infundida (recomenda-se que a correção seja feita com solução salina a 3%: 445mL de SF 0,9% + 55mL de NaCl 20% = 500 mL de NaCl 3%). É importante ressaltar que, a cada 1 mL/kg de solução de NaCl 3% infundida, o sódio sérico se eleva em 1 mEq/L. Em pacientes com sintomas moderados, é recomendada a dosagem do sódio com 1, 6 e 12horas de tratamento. Pacientes com hiponatremia sem sintomas ou oligossintomática podem ser tratados com restrição hídrica e controle da causa de base. Pode ser considerado o uso de cloreto de sódio por via oral. Importante ter em mente também que algumas medidas gerais devem ser adotadas para os pacientesque apresentam hiponatremia, como a identificação e tratamento da causa de base; suspensão de medicações que possam contribuir com a 8 Caroline de Oliveira Leão – 7° - FASAI hiponatremia.; restrição de água livre da dieta ou líquidos hipotônicos. Para pacientes com SIADH e/ou hiponatremia crônica, considerar a prescrição de diuréticos de alça e aumento da ingestão de sódio. É particularmente importante realizar restrição hídrica. Reposição volêmica com soluções fisiológicas tendem a piorar a hiponatremia e mesmo a reposição com salina a 3% pode não a corrigir; inclusive, em alguns raros casos, pode até agravá-la. Nesses casos, o uso de tabletes de sal por via oral associados a restrição hídrica é útil no tratamento. Outras opções terapêuticas podem ser consideradas, como o uso de diuréticos de alça e o bloqueio da ação do ADH nos ductos coletores (carbonato de lítio ou demeclociclina e, mais recentemente, os bloqueadores dos receptores V2, que atuam nos segmentos terminais do néfron). Os vaptanos incluem tolvaptan, mozavaptan, satavaptan, lixivaptan e são seletivos para o receptor V2, enquanto o conivaptan bloqueia os receptores V1 e V2. A medicação não é recomendada de rotina e particularmente não deve ser usada em pacientes com hipovolemia. Outra opção pouco utilizada é a fludrocortisona, que também não é recomendada de rotina nesses pacientes. SE LIGA! Deve-se atentar para evitar a correção rápida dos níveis de sódio pelo risco de síndrome de desmielinização osmótica. Pacientes com correção da natremia maior que 10-12 mEq/L por dia estão sob risco, principalmente se essa velocidade de correção for mantida por mais de 24 horas. A síndrome de desmielinização osmótica é uma situação com alta letalidade e sequelas significativas, mas de possível tratamento, sendo necessário induzir novamente hiponatremia se o paciente desenvolver sintomas dessa síndrome. O quadro clínico usual é o de acometimento de tronco com tetraplegia, paralisia pseudobulbar, coma e múltiplos pares cranianos acometidos. 5. HIPERNATEMIA A hipernatremia é definida por uma concentração de sódio sérico > 145 mEq/L. Sua incidência na população geral varia de 0,5% a 3,4% no momento da admissão hospitalar e é de cerca de 0,5% dos pacientes que procura o departamento de emergência (DE), e ocorre durante a internação em até 7% dos pacientes admitidos no DE. Quase que invariavelmente, a hipernatremia é um distúrbio associado à perda de água, por perdas renais ou extrarrenais. Pode ocorrer raramente, de forma iatrogênica, por sobrecarga de sódio pelo uso de salina hipertônica ou cloreto de sódio por via oral. O consumo de potássio sem consumo de água associado eleva também os níveis de sódio sérico. Os pacientes são protegidos da hipernatremia pelo mecanismo de sede, que induz à ingestão de água. Alterações do mecanismo de sede determinam risco aumentado de desenvolver hipernatremia. Então, pode-se considerar que a hipernatremia é o distúrbio “dos fracos e oprimidos”, os quais são incapazes de ingerir água por algum motivo (idosos acamados, pacientes internados em UTI com balanço hídrico negativo, etc.). Perdas de água pelo organismo A perda de água livre de soluto, se não for substituída, levará a uma elevação na concentração sérica de sódio. A concentração sérica de sódio e osmolaridade são determinadas pela razão entre os osmoles efetivos do corpo total (principalmente, sais de sódio) e a água corporal total. Numa situação de perda de líquido com uma concentração de sódio menor que a do plasma, se esta perda de água não for reposta, ocorrerá o aumento da concentração sérica de sódio Há uma variedade de fontes de perda de água livre de eletrólitos que podem levar à hipernatremia. Isso inclui perdas cutâneas, gastrointestinais e urinárias. 9 Caroline de Oliveira Leão – 7° - FASAI Perdas na pele: A perda de água na pele consiste em perdas insensíveis (transepidérmicas por difusão e suor) e é importante para a termorregulação. Sob condições normais, o volume de suor é de aproximadamente 500 a 700 mL/dia em adultos. No entanto, as perdas de suor aumentam drama ticamente devido à febre, exercícios e exposição a altas temperaturas. O suor é derivado do líquido extracelular e a maior parte do sódio é removida pelas glândulas sudoríparas. A concentração média normal de sódio no suor é de aproximadamente 38 a 45 mEq/L (faixa de 24 a 65 mEq/L). À medida que a taxa de produção de suor aumenta, a concentração sérica de sódio aumenta, pois o suor é hipotônico para o plasma (ou seja, menor concentração de sódio), o que promove a perda de água livre. A per da obrigatória de água devido ao suor e as perdas evaporativas transdérmicas devem ser repostas para evitar hipernatremia. Perdas gastrointestinais: As perdas gastrointestinais superiores e inferiores podem resultar em hipernatremia quando a ingestão de água é limitada. A perda de secreções gástricas (devido a vômitos ou drenagem) e secreções do intestino delgado têm uma concentração de sódio bem abaixo da concentração plasmática e, portanto, promove o desenvolvimento de hipernatremia. Considerações semelhantes se aplicam às diarreias osmóticas, mas não às diarreias secretórias, que têm uma concentração de sódio semelhante à do plasma, cuja perda não afeta diretamente a concentração sérica de sódio. Perdas urinárias: A perda de água livre na urina pode levar à hipernatremia se não for substituída. Geralmente, esse é um problema em pacientes com diabetes insipidus ou diurese osmótica. Diabetes insipidus central ou nefrogênico - A liberação diminuída do hormônio antidiurético (ADH) ou a resistência renal ao seu efeito (diabetes insipidus central e nefrogênico, respectivamente) causa a excreção de uma urina relativamente diluída. A maioria dos pacientes com diabetes insipidus tem um mecanismo normal de sede. Como resultado, eles geralmente apresentam poliúria e polidip- sia e uma concentração sérica alta de sódio normal, necessária para estimular a sede. No entanto, hipernatremia acentuada e sintomática pode ocorrer em pacientes com diabetes insipidus se houver uma lesão central que prejudica tanto a liberação de ADH quanto a sede, em bebês e crianças pequenas que não têm acesso independente à água livre, no período pós-operatório em pacientes com diabetes insipidus previamente não reconhecido e em pacientes idosos com diabetes insipidus causados por terapia com lítio. Diurese osmótica: Uma diurese osmótica causada por solutos não-absorvidos e não eletrolíticos, como glicose, manitol ou ureia, aumenta a produção de urina que tem uma concentração de sódio bem abaixo do soro. Espera-se que a perda desse líquido aumente a concentração sérica de sódio. No entanto, as alterações na osmolaridade plasmática e na concentração sérica de sódio associadas à diurese osmótica são complexas. Como exemplo, pacientes com cetoacidose diabética ou hiperglicemia não- cetótica apresentam alta osmolalidade sérica devido à hiperglicemia e à diurese osmótica. No entanto, a concentração sérica de sódio é variável, refletindo o equilíbrio entre o aumento da tonicidade sérica induzida pela hiperglicemia, o que promove o movimento da água para fora das células, diminuindo o sódio sérico e a diurese osmótica induzida pela glicosúria, que tende a aumentar o sódio sérico. Considerações semelhantes se aplicam à terapia com manitol. O aumento inicial no manitol sérico reduzirá o sódio sérico devido ao movimento osmótico da água para fora das células. No entanto, na ausência de função 10 Caroline de Oliveira Leão – 7° - FASAI renal comprometida, o manitol é rapidamente excretado na urina e a diurese osmótica associada aumentao sódio sérico. Isto se deve à remoção do manitol do plasma, o que permite que a água volte para as células e que a diurese osmótica aconteça, resultando em perda de líquidos com excesso de sódio. Ao contrário da hiperglicemia e da terapia com manitol, os pacientes com diurese osmótica devido à ureia (que ocorre mais comumente durante a resolução da azotemia) podem produzir hipernatremia, mas não hiponatremia. Como a ureia é um osmol ineficaz, a água não sai das células e, portanto, as concentrações séricas elevadas de ureia não diminuem o sódio sérico. Como a ureia é excretada na urina, a perda de água na urina aumenta a concentração sérica de sódio. Perda de água nas células: A hipernatremia transitória (na qual a concentração sérica de sódio pode subir de 10 a 15 mEq/L em poucos minutos) pode ser induzida por exercícios intensos ou convulsões induzidas por eletrochoque, efeito mediado por um aumento transitório na osmolaridade celular. Pensa-se que a decomposição de grandes moléculas orgânicas complexas em numerosos componentes pequenos é, pelo menos em parte, responsável pelo aumento da osmolaridade celular, que acaba “puxando” a água para o interior das mesmas. A concentração sérica de sódio volta ao normal dentro de 5 a 15 minutos após a interrupção da atividade de esforço ou convulsão. Classificação e Etiologias A hipernatremia pode ser classificada clinicam ente em: • Hipovolêmica: quando o paciente perde água livre e sódio, porém mais água do que sódio. Lembre-se que concentração de um soluto é uma fração, onde o denominador é o volume do solvente e o numerador, a quantidade de soluto. Deste modo, para a concentração de sódio sérico se elevar, o denominador (água livre) deve diminuir mais do que o numerador (sódio corporal total). Pode ocorrer por perdas renais (p. ex., uso de diuréticos) ou extrarrenais de água (p. ex., diarreia) • Euvolêmica: é decorrente, na maioria das vezes, da desidratação, ou seja, da perda de água livre do plasma, e, com isso, a quantidade total de sódio corporal não muda. Nesta situação, poderia ocorrer por diabetes insipidus e/ou perdas insensíveis (sudorese, taquipneia). • Hipervolêmica: sobrecarga de volume, geralmente devido à infusão excessiva de soluções cristaloides. Pode ocorrer também devido a erros em hemodiálise ou ingestão excessiva de sal (tentativa de suicídio). Os mecanismos de proteção da sede e manutenção da osmolaridade são muito eficientes e conseguem manter os valores da osmolaridade com variação de apenas 1 a 2%. Assim, pacientes alertas quase sempre conseguem manter sua osmolaridade dentro da normalidade, mesmo com grandes perdas de água. Para ocorrer uma hipernatremia com sódio >150 mEq/L nestes pacientes é necessário que exista alguma alteração nos mecanismos de sede. Alguns pacientes são particularmente suscetíveis ao desenvolvimento de hipernatremia. Entre eles podemos citar idosos com capacidade mental comprometida e acesso à água limitado; pacientes críticos intubados ou recebendo dieta por via enteral (sem reposição adequada de água livre); paciente com diabetes insipidus com acesso limitado à água por algum motivo. Em pacientes com acesso à água e mecanismos da sede intactos, é improvável a ocorrência de hipernatremia. Principais causas de hipernatremia. Perda de água livre não reposta (deve haver sede e/ ou acesso à água prejudicados) Perdas insensíveis e suor Perdas gastrointestinais Uso de diuréticos 11 Caroline de Oliveira Leão – 7° - FASAI Diabetes insipidus nefrogênico ou central Diurese osmótica: - hipergliemia; - dieta hiperproteica (principalmente nasoentérica) gerando ureia; - manitol Lesões hipotalâmicas que prejudiam a sede ou função do osmorreceptor: - hipodipsia primária; - excesso de minerolacorticoide gerando reset do osmostato Perda de água para dentro das células Exercício extenuante ou convulsões Sobrecarga de sódio Ingestão ou infusão de soluções salinas Alimentos ricos em soja (soy bean, a intoxicação praticamente não ocorre em nosso meio) Pacientes com hiperaldosteronismo primário ou com síndrome de Cushing podem cursar com discretas hipernatremias, secundárias à retenção de sódio pela aldosterona, mas raramente os valores de sódio desses pacientes ultrapassam níveis de 150 mEq/L, e na maioria dos casos a natremia se encontra dentro dos limites da normalidade (em geral, próximo ao limite superior da normalidade). Para proteção dos efeitos da perda de água do tecido cerebral, esperada em pacientes com hiper natremia, ocorre um mecanismo de produção cerebral, osmólitos ou osmoles idiogênicos, que equilibram a osmolaridade cerebral com a osmolaridade plasmática. Para o diagnóstico etiológico da hipernatremia, é importante a avaliação da osmolaridade urinária, o principal determinante da atividade do hormônio antidiurético (ADH). Assim: • Osmolaridade urinária < 300mOsm/L sugere inefetividade do ADH,que pode ocorrer por: 1. Deficiência de ADH (diabetes insipidus central): responsiva à administração exógena de ADH. 2. Resistência a ADH (diabetes insipidus nefrogênico): não responsivo à administração de ADH exógeno; portanto, a osmolarida de urinária não se altera após sua administração. • Osmolaridade urinária > 800 mOsm/L indica uma resposta adequada do néfron à ação do ADH e capacidade preservada de concentração urinária. Ocorre nas seguintes situações: 1. Perdas extrarrenais (perdas insensíveis ou gastrintestinais). 2. Diurese osmótica. 3. Sobrecarga de sódio (NaCl, NaHCO3, excesso de mineralocorticoides). 4. Ureia (dieta hiperproteica, sangramento digestivo, hipercatabolismo por queimaduras ou uso de esteroides). 5. Glicose ou manitol no plasma em excesso. 6. Hipodipsia primária (condição rara de distúrbio da sede). • Osmolaridade urinária entre 300 e 800 mOsm/L pode ser vista em: 1. Diabetes insipidus parcial tanto central quanto nefrogênico. 2. Diabetes insipidus central com depleção de volume. 3. Uso de diuréticos de alça. 6. QUADRO CLÍNICO DA HIPERNATREMIA Os sintomas são dependentes da velocidade de instalação da hipernatremia e de sua gravidade. A instalação rápida em menos de 48 horas geralmente é associada a quadros clínicos mais graves. Em pacientes com mecanismo de sede intacto, o primeiro sintoma a aparecer é a sede. No exame físico deve-se procurar por sinais incipientes de hipovolemia, como hipotensão ortostática (queda > 20 mmHg na pressão arterial sistólica [PAS] e 10 mmHg na pressão arterial diastólica [PAD]) e aumento da frequência cardíaca em ortostase (> 30 bpm). Os pacientes podem apresentar sinais e sintomas de desidratação como mucosas secas, olhos encovados e perda de turgor da 12 Caroline de Oliveira Leão – 7° - FASAI pele. A presença de edema de extremidades em paciente com hipernatremia sugere sobrecarga volêmica associada. Os pacientes precisam ser avaliados do ponto de vista neurológico quanto a nível de consciência, resposta motora e reflexos profundos. Pacientes com hipernatremia podem evoluir com agitação, irritabilidade e letargia; já os quadros graves podem cursar com espasmos musculares, hiperreflexia e piora da letargia. Quadros extremamente graves e agudos podem cursar com coma e apneia. Se a hipernatremia grave se desenvolve no decorrer de minutos a horas, como em uma overdose maciça de sal em uma tentativa de suicídio, o encolhimento repentino do cérebro pode causar uma hemorragia intracraniana. Outra complicação potencial em hipernatremia aguda grave é a trombose de seio cavernoso. Os pacientes podem apresentar sintomas associados a condições subjacentes. Assim, pacientes com diabetes insipidus podem cursar com poliúria, e aqueles com síndromede Cushing podem apresentar fácies em lua cheia e estrias violáceas, entre outros estigmas da síndrome. A avaliação de pacientes com hipernatremia deve levar em consideração fatores potenciais que podem causá-la, por exemplo um trauma cranioencefálico e pós- operatório de neurocirurgia. Avalia-se, ainda, se o paciente apresenta doença renal crônica e medicações que podem causar diabetes insipidus. 7. TRATAMENTO DA HIPERNATREMIA Em primeiro lugar, é necessário avaliar se o paciente apresenta instabilidade hemodinâmica ou choque. Se for este o caso, administra-se a princípio salina isotônica. Em pacientes em que se sabe que a hipernatremia é aguda, como em ingestão intencional e sobrecarga de cloreto de sódio em tentativas de suicídio com menos de 6 horas de apresentação, pode-se repor o déficit de água livre rapidamente sem eventos adversos. Contudo, mais de 95% das hipernatremias são crônicas. Uma forma de correção que pode ser utilizada nesses pacientes é a utilização de solução com glicose 5%; solução de escolha com taxa de infusão de 3-6 mL/ kg/hora. O objetivo de diminuir a natremia em 1-2 mEq/L/hora. A monitorização da natremia deve ser realizada a cada 4-6 horas. Quando houver concentração de sódio perto de 145 mEq/L, deve-se reduzir a velocidade da infusão para 1 mL/kg/hora. A hipernatremia é muitas vezes associada à restrição ao acesso à água livre. Assim, reestabelecer o acesso ou suprir a necessidade diária de H2O (≥ 1L/dia) pode ser suficiente para corrigir a hipematremia. Uma das medidas mais importantes é a avaliação do estado volêmico. Como já comentado, em pacientes hipovolêmicos deve-se realizar a expansão volêmica com salina isotônica (SF 0,9% → 154 mEq/L de sódio) até recuperar os sinais vitais estáveis. Assim que se atingir a euvolemia, dosa- se novamente o sódio sérico, calcula-se o déficit de água livre e realiza-se a reposição. O déficit de água livre pode ser calculado com a fórmula a seguir: Déficit de água livre (L) = (([Na] - 140)/140) x água corporal total Já a água corporal total é calculada da seguinte forma: Água corporal total= peso x 0,6 (homens) ou 0,5 (mulheres) (Se idoso, 0,5 (homens) ou 0,45 (mulheres)) Quando a adaptação das células cerebrais é incompleta (início em menos de 48 horas), a taxa de correção da hipernatremia aguda pode ser realizada a 1 mEq/L/h. Em um paciente alerta capaz de beber água com segurança, a via de administração recomendada pela maioria dos autores é de dois terços de água livre por via oral e um terço de água por via intravenosa. Se a hipernatremia for crônica (início> 48 horas), a taxa de correção deve ser mais lenta, para 13 Caroline de Oliveira Leão – 7° - FASAI evitar o risco de edema cerebral, a não mais que 0,5 mEq/L/h ou 10 a 12 mEq/24h. Para realizar essa correção recomendamos a utilização da fórmula de Androgué, que estima a variação da natremia com cada litro de solução infundida. A fórmula é apresentada a seguir: Variação de sódio para cada litro de solução infundido = ([Na] – sódio solução)/(água corporal total + 1) HIPOCALEMIA A hipocalemia é definida pela concentração sérica de potássio menor que 3,5 mEq/L, muito embora as manifestações clínicas só ocorram em níveis séricos mais reduzidos (< 2,5 mEq/L). Estratifica-se conforme as concentrações: 1) leve: 3,1-3,5 mEq/L; 2) moderada: 2,5-3,0 mEq/L; 3) grave:< 2,5 mEq/L. Por modificar a assimetria de concentrações entre o LIC e o LEC, a hipocalemia causa uma alteração no potencial de repouso da membrana celular, tornando-a mais hiperpolarizada. Quanto menor o nível sérico de K+, maior o distúrbio da membrana celular e, consequentemente, a gravidade das manifestações clínicas. Mecanismos de desenvolvimento da hipocalemia A hipocalemia pode se desenvolver a partir dos seguintes mecanismos: • Diminuição da ingestão; • Desvio do LEC para o LIC; • Aumento das perdas gastrintestinais; • Aumento das perdas renais; • Aumento das perdas pelo suor; • Perdas para circuitos extracorpóreos (diálise, plasmaférese, etc.). Diminuição da ingestão Em condições normais, a diminuição da ingestão de K+ por curtos espaços de tempo não leva à hipocalemia, pois o rim é capaz de reduzir bastante a excreção de K+, como visto anteriormente. Contudo, por menor que seja a ingestão de K+, o rim precisa manter uma taxa de excreção mínima. Em situações extremas e duradouras, como na anorexia nervosa, pode ocorrer hipocalemia, por vezes grave. Nesse distúrbio alimentar, a hipocalemia frequentemente é agravada por outros mecanismos, como indução de vômitos e uso abusivo de laxativos e/ou diuréticos. Desvio do líquido extracelular para o líquido intracelular • Insulina: Como vimos anteriormente, a insulina estimula a bomba Na+/K+ ATPase, o que resulta num maior deslocamento do K+ do LEC para o LIC. Esta situação é mais pronunciada em ocasiões de grande administração de insulina, como o tratamento de cetoacidose diabética e estado hiperosmolar hiperglicêmico, assim como de liberação importante de insulina endógena no caso da síndrome de realimentação. • ẞ2-adrenérgicos: Os ẞ-agonistas, de modo indireto, também estimulam a bomba Na+/K+ ATPase. Os broncodilatadores ẞ-agonistas utilizados principalmente em asma e doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) são os exemplos mais clássicos da hipocalemia induzida por ẞ2-adrenérgicos. No entanto, qualquer situação com excesso de atividade adrenérgica tem esse po tencial, como o feocromocitoma, o delirium tremens e a tireotoxicose. • Alcalose metabólica ou respiratória: A alcalose metabólica e a hipocalemia estão frequentemente associadas, pois ambas têm causas comuns, como o uso de diuréticos, vômitos e hiperaldosteronismo. Além disso, viu-se que a alcalose pode causar hipocalemia, isto pois, a saída de H+ das células, na tentativa de compensar a alcalose, leva ao 14 Caroline de Oliveira Leão – 7° - FASAI desvio do potássio do LEC para o LIC, para manutenção da eletroneutralidade. Da mesma maneira, uma hipocalemia grave pode gerar alcalose metabólica, pois, quando o K+ sai das células para atenuar a hiperpolarização da membrana, o H+ é desviado do LEC para o LIC para manter a eletroneutralidade. Com a entrada do H+ na célula, ocorre uma acidose intracelular. Os túbulos renais, então, passam a absorver o NaHCO3 e secretar H+ para o lúmen tubular. O resultado é a ocorrência de um ciclo vicioso envolvendo alcalose e hipocalemia. • Paralisia periódica hipocalêmica: Doença rara caracterizada por episódios súbitos de intensa fraqueza muscular ou paralisias que podem afetar até mesmo a musculatura respiratória. É causada por um distúrbio genético que leva a anormalidades em canais iônicos das células musculares. Esses ataques geralmente são precipitados por exercício físico intenso, jejum ou refeições ricas em carboidratos e se caracterizam por um desvio acentuado e rápido do K+ para o LIC. Um quadro clínico semelhante ocorre em alguns casos de hipertireoidismo, devido ao excesso de catecolaminas. • Aumento na produção de células: A produção maciça de células hematopoiéticas está associada à hipocalemia devido à utilização do K+ para formação de novas células. Isso pode ocorrer no início do tratamento de anemia megaloblástica com vitamina B12 ou no tratamento de neutropenias com fator estimulante da colônia de granulócitos (G–CSF). • Pseudo-hipocalemia: As amostras de sangue de pacientes com células metabolicamente muito ativas, como leucemia mieloide aguda (LMA) com grandes leucocitoses, leva à internalização de parte do K+ extracelular, podendo diminuir o nível sérico daquela amostra. Para evitar essa situação, o médico pode solicitar ao laboratórioque centrifugue a amostra com rapidez após a coleta ou, se não for possível, que armazene a amostra em temperatura de 4oC. • Outras causas: hipotermia, intoxicação por cloroquina e intoxicação por bário. Perdas gastrintestinais • Perdas pelo trato gastrintestinal inferior (diarreia, uso de laxativos e fístulas): A eliminação fecal de K+ em condições normais fica em torno de 10mEq/dia. Essa perda aumenta consideravelmente durante episódios de diarreia, podendo gerar hipocalemia. A tentativa de adaptação renal em reduzir a perda urinária de K+ é, em parte, antagonizada por um estado de hiperaldosteronismo secundário à hipovolemia. • Perdas pelo trato gastrintestinal superior (vômitos e drenagem nasogástrica): A concentração de K+ no suco gástrico é baixa (5 a 10mEq/L). Se a causa da hipocalemia fosse apenas a perda de suco gástrico, o indivíduo precisaria vomitar aproximadamente 20 litros para reduzir, de forma significativa, o K+ sérico. Então, por que ocorre hipocalemia? O primeiro motivo é a perda de ácidos no suco gástrico. A alcalose metabólica resultante leva a um desvio do K+ do LEC para o LIC, além de aumentar a excreção urinária desse íon por estímulo à secreção pelas células tubulares renais. O segundo é o estado de hiperaldosteronismo secundário à hipovolemia. Portanto, esse mecanismo de hipocalemia também poderia ser classificado como perda urinária de K+. Perdas urinárias • Diuréticos: Os diuréticos que agem no túbulo proximal, na alça de Henle e no túbulo distal (inibidores da anidrase carbônica, diuréticos de alça e diuréticos tiazídicos, respectivamente) inibem a reabsorção de K+, aumentam o fluxo tubular renal e causam hiperaldosteronismo secundário ao estado de 15 Caroline de Oliveira Leão – 7° - FASAI hipovolemia, que, conjuntamente, aumentam a excreção urinária de K+, podendo levar à hipocalemia. O manitol intravenoso também podecausar hipocalemia devido à diurese osmótica. • Excesso de mineralocorticoides: A aldosterona é um hormônio que tem um papel central na excreção urinária de K+. Logo, as situações de excesso desse mineralocorticoide são potenciais causas de hipocalemia. O hiperaldosteronismo pode ser primário – como no adenoma, na hiperplasia ou no carcinoma de adrenal – ou secundário à secreção de renina – como nas neoplasias produtoras de renina e na estenose de artéria renal. Os hormônios glicocorticoides, quando em excesso, também mimetizam a ação da aldosterona. Isso ocorre na síndrome de Cushing e durante o uso farmacológico de glicocorticoides. Nessas síndromes de excesso de mineralocorticoide, a hipocalemia frequentemente é acompanhada de hipertensão arterial e alcalose metabólica. • Defeitos genéticos dos túbulos renais: Três mutações raras podem levar a alterações de canais iônicos de células tubulares. A síndrome de Bartter é a consequência clínica de um defeito no cotransportador Na+–K+– 2Cl−, dificultando a absorção de K+ pela alça de Henle. É o mesmo canal iônico bloqueado pela furosemida; por isso, o fenótipo dessa síndrome é semelhante ao dos pacientes que fazem uso crônico desse diurético. As manifestações clínicas de hipovolemia, hipotensão, hipocalemia, alcalosmetabólica e hiperreninemia têm início na infância e pode haver retardo no crescimento. A síndrome de Gitelman tem quadro clínico semelhante à de Bartter, porém mais brando, manifestando-se na adolescência ou em adultos jovens. Nessa síndrome, a bomba iônica disfuncional é a Na+/ Cl−, sensível a diurético tiazídico e localizada no túbulo distal. Portanto, o fenótipo dessa síndrome lembra o dos pacientes que fazem uso crônico de diurético tiazídico. Todas as anormalidades bioquímicas mostradas desta síndrome podem ser encontradas na síndrome de Bartter, exceto o cálcio urinário que estará normal ou elevado. A síndrome de Liddle é causada por um aumento da função do canal ENAC e se manifesta clinicamente com hipocalemia e hipertensão arterial (pseudo- hiperaldosteronismo). • Cetoacidose diabética e estado hiperosmolar hiperglicêmico: Devido à diurese osmótica, os pacientes desenvolvem grande déficit de K+ corporal. Uma menor proporção da perda urinária é decorrente de cetoácidos não absorvíveis, hiperaldosteronismo secundário à hipovolemia e vômitos. Contudo, a hipocalemia no momento da apresentação é vista apenas em uma minoria de pacientes. A razão disso é o grande desvio de K+ do LIC para o LEC decorrente da hiperosmolaridade sérica, deficiência de insulina e acidose metabólica. Durante o tratamento com insulina e reposição de fluidos, no entanto, o K+ voltará para o LIC, manifestan- do o real déficit de K+ corporal total. Este paciente poderá desenvolver hipocalemia grave, tornando obrigatória a monitorização cuidadosa deste eletrólito. • Medicações: A anfotericina B, os aminoglicosídeos e a cisplatina têm ação tóxica nos túbulos renais. As penicilinas causam hipocalemia por aumento de ânions não reabsorvíveis nos túbulos renais. Os glicocorticoides e a fludrocortisona também são causas de hipocale mia pelos mecanismos já descritos (excesso de mineralocorticoides). • Alterações tubulares adquiridas: Acidose tubular renal (ATR), fase poliúrica da necrose tubular aguda (NTA), poliúria após desobstrução do trato urinário, hipomagnesemia e leptospirose. 16 Caroline de Oliveira Leão – 7° - FASAI Aumento das perdas pelo suor Normalmente é baixa a excreção de K+ pelo suor. Contudo, as atividades físicas intensas em ambientes quentes podem levar à sudorese profusa e causar hipocalemia. Em parte, também há a influência do hiperaldosteronismo secundário à hipovolemia. Perdas por circuitos extracorpóreos Na diálise, ao final do tratamento, o K+ sérico tende a se igualar ao K+ do banho de diálise. Se o nível de K+ nes- se banho for baixo, poderá ocorrer hipocalemia. Na plasmaférese, caso a reposição do plasma seja feita com albumina, pode ocorrer hipocalemia. 3. QUADRO CLÍNICO DA HIPOCALEMIA E AVALIAÇÃO DIAGNÓSTICA A hipocalemia leve pode ser completamente assintomática. As manifestações são proporcionais ao grau de hipocalemia e à sua velocidade de instalação. Os sintomas começam a surgir quando o K+ sérico cai para valores abaixo de 2,5 - 3,0mEq/L e melhoram rapidamente à medida que se corrige o nível sérico. Porém, em pacientes com queda rápida ou fatores predisponentes, por exemplo uso de digitálicos, a sintomatologia pode surgir com níveis maiores de potássio sérico. As manifestações clínicas associadas à hipocalemia são principalmente neuromusculares e cardíacas, relacionadas à alteração na geração do potencial de ação, responsável pela transmissão neural e muscular. Alémdisso, a hipocalemia gera atraso na repolarização ventricular por inibir a atividade dos canais de potássio. Manifestações cardiovasculares A hipocalemia leva a irregularidades no ritmo cardíaco e aumento da pressão arterial (PA), favorecendo a intoxicação digitálica. As primeiras alterações no eletrocardiograma (ECG) são o achatamento da onda T e o surgimento da onda U. Em seguida, começa a surgir prolongamento do intervalo QT, depressão do segmento ST e aumento da amplitude e largura da onda P. As pessoas mais predispostas à instabilidade elétrica do coração – como os portadores de insuficiência cardíaca, doença coronariana e em uso de digitálicos – apresentam maior risco de desenvolver arritmias potencialmente fatais. Podem ocorrer bloqueio atrioventricular (BAV); taquicardias ventriculares e supraventriculares; torsades de pointes; fibrilação ventricular; extrassístoles atriais e ventriculares; e bradicardia sinusal. A hipocalemia também causa elevação da PA através da estimulação da retenção de sódio(Na+) e sensibilização dos vasos sanguíneos a agentes vasoconstrictores. Manifestações musculares As manifestações musculares ocorrem quando o K+ sérico cai abaixo de 2,5mEq/L. A fraqueza muscular é o primeiro sintoma. O padrão é similar ao apresentando na hipercalemia – ascendente, progressiva, que se inicia nas pernas e progride para tronco e braços – e pode simular quadro de paralisia flácida aguda sugerindo Guillain-Barré. Com a progressão da hipocalemia, o paciente pode desenvolver paralisia da musculatura respiratória, levando à insuficiência respiratória aguda. Também podem ocorrer câimbras e até mesmo rabdomiólise. A musculatura lisa também é envolvida, podendo ocorrer íleo paralítico e, em casos mais severos, confundir o médico com abdome agudo obstrutivo. Avaliação Diagnóstica da Hipocalemia 17 Caroline de Oliveira Leão – 7° - FASAI A causa da hipocalemia costuma ficar clara após uma boa história clínica e de um cuidadoso exame físico. No entanto, em algumas situações, necessita-se de suporte laboratorial para identificar o diagnóstico etiológico. Após a exclusão da pseudohipocalemia, uma ferramenta muito útil é a dosagem do K+ urinário de 24 horas para diferenciar as perdas renais das extrarrenais. A dosagem de K+ na amostra isolada de urina pode ser utilizada, porém é necessária sua correção para a creatinina urinária da mesma amostra (K+ urinário/creatinina urinária), para minimizar a influência da concentração urinária e do ritmo circadiano. Na vigência de hipocalemia, um K+ urinário/24h elevado (> 40 mEq/dia) confirma que a perda é renal. Se as perdas forem extrarrenais, os rins ab- sorvem mais K+ e excretam o mínimo possível (< 20 mEq/dia) na tentativa de preservar esse íon e corrigir o déficit. O perfil ácido-base do paciente também pode ajudar. A hipocalemia com K+ urinário baixo e a acidose metabólica podem sugerir abuso de laxantes. Por outro lado, a hipocalemia com alcalose metabólica pode sugerir bulimia ou abuso de diuréticos. Em ambas as situações, o K+ urinário seria elevado. O Cl− urinário pode ser útil quando houver alcalose metabólica associada. Na bulimia, o Cl− urinário seria baixo, enquanto, no abuso de diuréticos, o Cl- urinário seria elevado (caso dosado no período de ação do diurético). O fluxograma a seguir resume a abordagem diagnóstica. 4. TRATAMENTO DA HIPOCALEMIA O objetivo do tratamento da hipocalemia é tratar a causa de base e corrigir a hipocalemia para um nível > 3,5mEq/L de uma forma segura para a paciente, evitando- se iatrogenias. O tratamento de hipocalemia segue dois princípios básicos: a identificação e correção, se possível, de uma fonte de perda de K+ ou de desvio para o LIC e a reposição do déficit de K+. Em um paciente com hipocalemia por perda renal de K+ pelo uso de diurético tiazídico ou de alça, por exemplo, faz-se necessário avaliar se o diurético pode ser suspenso, se ao menos a dose pode ser reduzida ou se é possível associar um diurético poupador de K+. Quanto à reposição do déficit de K+, há várias opções de tratamento, a começar pela via, que pode ser enteral ou parenteral. Se a via escolhida for parenteral, deve-se escolher entre KCl ou fosfato de potássio (K2HPO4). Há também que se preocupar com a forma de administração, se por veia periférica ou central. É preciso atentar para o diluente (soro glicosado a 5% ou NaCl a 0,9%) a ser utilizado para a concentração da solução, para a necessidade de uso de bomba de infusão contínua e, principalmente, para não ultrapassar a velocidade máxima de correção. Inicialmente, devem ser estratificadas as hipocalemias quanto à gravidade: 1) leve: 3,1-3,5 mEq/L; 2) moderada: 2,5-3,0 mEq/L; 3) grave:< 2,5 mEq/L. • Hipocalemia leve: Na hipocalemia leve ou causada por desvio do K+ do LEC para o LIC (assintomática), sugere-se a reposição por via enteral, pela menor chance de hipercalemia de rebote, por não necessitar de acesso venoso e não ocasionar risco de sobrecarga volêmica com as diluições em salina. A dose inicial é de 10 a 20mEq de K+ 3 a 4 vezes/dia (20 a 80mEq/dia). Utilizando o xarope de KCl a 6%, seriam aproximadamente 10mL de 8/8 horas até 25mL de 6/6 horas. Para o Slow-K®, a dose varia de 1 a 3 drágeas de 8/8 horas. A drágea é preferível pela via oral devido ao gosto pouco palatável do xarope. No entanto, o xarope é preferível se a administração for feita através de sonda nasoenteral ou gastrostomia. Geralmente são 18 Caroline de Oliveira Leão – 7° - FASAI medicações bem toleradas, porém são descritos efeitos adversos gastrintestinais raros, como hemorragia e perfuração. • Hipocalemia moderada/grave: A reposição venosa está indicada na hipocalemia moderada/grave ou quando a via enteral estiver indisponível. Ela deve sempre ser feita em bomba de infusão contínua para evitar uma infusão inadvertidamente rápida, seja por cálculo inadequado do gotejamento pela equipe de enfermagem, mau funcionamento do equipo Ou até mesmo pela manipulação do equipo de gotejamento pelo paciente ou acompanhantes. SE LIGA! A solução de reposição venosa de K+ deve ser preferencialmente diluída em soluções salinas, uma vez que a diluição em soro glicosado eleva transitoriamente a insulina sérica; essa liberação de insulina poderá agravar a hipocalemia, com reduções transitórias de 0,2 a 1,4mEq/L no nível sérico de K+ decorrente do seu movimento para o LIC. A reposição de K+ é basicamente empírica; ela não é feita baseada em estimativas ou em fórmulas, como a reposição de Na+, mas sim nos princípios discutidos a seguir, como concentração da solução e velocidade da infusão. Como não se pode saber a quantidade exata de K+ de que o paciente necessita, o tratamento é geralmente feito em pequenas alíquotas, sendo fundamental monitorar o nível sérico de K+ após cada reposição. Para repor K+ intravenoso, é preciso respeitar alguns limites de segurança, visando evitar dor no local de infusão, flebite e hipercalemia iatrogênica. Por isso, é preciso ficar atento à velocidade de infusão e à concentração da solução a ser infundida: Veia Periférica: a velocidade máxima de infusão é de 10mEq/h. A concentração máxima da solução de KCl é de 10mEq em 100mL de NaCl 0,9%; Veia Central: a velocidade máxima de infusão é de 40mEq/h. A concentração máxima da solução de KCl é de 40mEq em 100mL de NaCl 0,9%. No Brasil, as soluções de KCl que dispomos são de 13,4 e 25,6mEq (10% e 19,1% respectivamente). Portanto, é frequente a prescrição com o limite de concentração máxima em 13,4 mEq de KCl diluído em 100mL de NaCl 0,9% (1 ampola de 10 ml com KCl 10%) para infusão em veia periférica e 40,2 mEq (3 ampolas de 10ml com KCl 10%) diluídos em 100mL de NaCl 0,9% para veia central, ambas soluções correndo em 100ml/h em bomba de infusão. Outra sugestão de prescrição de reposição intravenosa de KCl em veia periférica é: KCl 19,1% 10mL, diluído em 500mL de NaCl 0,9% intravenoso, em bomba de infusão contínua, com velocidade de infusão de 150mL/hora ( ≅ 7,7mEq/h). Para reposição intravenosa de KCl em veia central é: KCl 19,1% 20mL diluído em 250mL de NaCl 0,9% intravenoso, em bomba de infusão contínua, com velocidade de infusão de 200mL/hora ( ≅ 40mEq/h). SE LIGA! Respeitando-se os limites de concentração e velocidade de infusão, a prescrição de reposição intravenosa de potássio pode ser feita de diversas formas. Refletindo sobre as sugestões citadas, conclui-se que é necessário garantir um acesso venoso central para fazer reposições mais rápidas, caso o paciente se apresente com complicações potencialmente fatais. Esse paciente deve ser encaminhado para uma unidade que permita monitorização cardíaca contínua, como uma unidade de terapia intensiva(UTI) ou semi-intensiva, pelo risco de arritmias. De forma alternativa, é uma conduta razoável no pronto socorro obter dois acessos venosos periféricos para administração de 10mEq/h de uma solução venosa de KCl em cada acesso. Não se deve ultrapassar o limite de 40mEq/h pelo risco de se sobrepor à velocidade de equilíbrio entre os compartimentos intracelulares e 19 Caroline de Oliveira Leão – 7° - FASAI extracelulares, provocando uma hipercalemia iatrogênica. O K+ sérico deve ser monitorado após cada reposição venosa. Quando houver melhora da hipocalemia, ou seja, quando o paciente sair da situação de risco, a reposição venosa deverá ser substituída pela enteral, por ser mais segura. • Diuréticos poupadores de potássio: Nas hipocalemias por perdas renais (síndrome de Bartter, síndrome de Gitelman, síndrome de Liddle, hiperaldosteronismo primário ou uso crônico de diuréticos), uma forma eficaz de tratamento é o uso dos diuréticos poupadores de K+. Há duas classes de diuréticos poupadores de K+. A primeira bloqueia os canais ENAC no túbulo coletor; o seu representante principal é a amilorida. No Brasil, a amilorida só é disponível comercialmente em associações. Se o médico quiser usar amilorida isoladamente, será necessário solicitar a formulação da substância. A segunda age bloqueando a ação da aldosterona no seu receptor de mineralocorticoide; o seu representante principal é a espironolactona. • Hipomagnesemia associada à hipocalemia: Muitas causas de hipocalemia também levam à hipomagnesemia, como diarreia e uso de diuréticos. Além disso, a própria hipomagnesemia pode causar (e/ ou perpetuar) hipocalemia por reduzir a capacidade renal de reabsorção de K+. Portanto, todo paciente com hipocalemia deve ter o nível sérico de Mg2+ avaliado e, quando necessário, reposto. ◊ [Mg2+] < 1 mg/dL Repor 4-8 g em 12-24 horas. ◊ [Mg2+] 1-1,5 mg/dL Repor 2-4 g em 4-12 horas. ◊ [Mg2+] 1,6-1,9 mg/dL Re- por 1-2 g em 1-2 horas. 5. HIPERCALEMIA A hipercalemia é uma desordem comum e potencialmente ameaçadora à vida, definida por níveis séricos de potássio superiores a 5,5 mEq/L. Sua estratificação é baseada tanto nos valores quanto na presença de manifestações clínicas. Assim: • Hipercalemia leve [K+] 5,5 - 6,0 mEq/L. • Hipercalemia moderada [K+] 6 - 6,5 mEq/L. • Hipercalemia grave [K+] ≥ 6,5 mEq/L; ou [K+] ≥ 5,5 mEq/L associada a alterações eletrocardiográficas e/ou sintomas de hipercalemia (fraqueza, paralisia flácida, palpitações ou parestesia). Mecanismos de desenvolvimento da hipercalemia Diminuição da excreção renal de potássio Os fatores para diminuição da excreção renal de K+ são abordados a seguir: • Doença Renal Crônica (DRC): A perda crônica de massa renal diminui a capacidade de excreção urinária de K+. No entanto, como a perda é lenta e progressiva, os néfrons remanescentes vão se adaptando, aumentando sua fração de excreção de K+. Por isso, o paciente com DRC pode começar a apresentar hipercalemia apenas quando a taxa de filtração glomerular estiver < 20 mL/min/1,73m2. Em determinadas etiologias de DRC, a hipercalemia pode surgir em fases mais precoces, como, por exemplo, a nefropatia diabética associada à ATR tipo IV e em doenças tubulointersticiais. • Insuficiência Renal Aguda (IRA): A perda abrupta da função renal se associa com a hipercalemia, principalmente se houver oligúria. A dificuldade de excretar o K+ decorre principalmente da redução significativa da filtração glomerular de K+ e da perda da capacidade de secreção de K+ devido à necrose do epitélio tubular. O menor fluxo de Na+ nos túbulos renais também dificulta a caliurese. Se o paciente apresentar acidose 20 Caroline de Oliveira Leão – 7° - FASAI metabólica, o desvio de K+ do LIC para o LEC contribuirá para hipercalemia. • Redução da secreção de aldosterona: A redução da secreção de aldosterona pode ser resultado de uma doença das glândulas adrenais (por exemplo, doença de Addison) ou decorrente de hiporreninemia (hipoaldosteronismo hiporreninêmico). A nefropatia diabética é um exemplo clássico de hipoaldosteronismo hiporreninêmico; outras etiologias mais raras são a síndrome de Gordon (pseudo-hipoaldosteronismo tipo 2) e o hipoaldosteronismo congênito. Devem ser destacadas as substâncias com importante etiologia na redução da secreção de aldosterona. Os IECAs e BRAs II são os principais exemplos. Algumas medicações atuam inibindo diretamente a síntese de renina, como os AINEs, inibidores da calcineurina (tacrolimus e ciclosporina), inibidores da renina (alisquireno) e betabloqueadores. A heparina e o cetoconazol podem inibir diretamente a síntese de aldosterona. • Resistência à ação da aldosterona: Nestas situações, o paciente apresenta níveis normais ou elevados de aldosterona. O principal exemplo é o uso dos diuréticos poupadores de K+ (espironolactona, eplerenona, amilorida e triantereno). Uma causa incomum de resistência é o pseudo- hipoaldosteronismo tipo 1, que decorre de uma mutação genética que afeta a ação do ENAC. • Ureterojejunostomia: o jejuno recebe a urina e, ao longo do seu percurso, absorve o K+ excretado pelos rins. Desvio de potássio do líquido intracelular para o líquido extracelular A seguir, serão apresentados os casos de desvio de K+ do LIC para o LEC: • Acidose metabólica: Quando o H+ entra nas células para ser tamponado, o K+ sai para manter a eletroneutralidade, gerando hipercalemia. Esse efeito é mais intenso nas acidoses metabólicas hiperclorêmicas do que nas acidoses com ânion gap elevado. Isso se deve ao fato de que os ânions não mensurados (por exemplo, lactato) entram com mais facilidade do que o Cl- no LIC, o que diminui a saída de K+ para o LEC. Por motivos ainda não esclarecidos, a acidose respiratória tem uma influência pequena no nível sérico de K+. • Deficiência de insulina: A insulina é um hormônio essencial para o balanço interno de K+, pois estimula a Na+/K+ ATPase, que desvia o K+ do LEC para o LIC. Na ausência de insulina, a hiperosmolaridade sérica decorrente da hiperglicemia também contribui para arrastar K+ do LIC para o LEC, que é transportado, passivamente, junto com a água. Se houver cetoacidose diabética, a acidemia também contribui para desviar K do LIC para o LEC. A combinação desses mecanismos (deficiência de insulina, hiperosmolaridade sérica e acidose metabólica) faz os pacientes se apresentarem com hipercalemia. No entanto, o tratamento com insulina e NaCl 0,9% corrige rapidamente o K+, não sendo rara a evolução para hipocalemia. Isso se deve ao fato de que os pacientes podem apresentar uma depleção do K+ corporal total devido à diurese osmótica secundária ao mau controle glicêmico. • Hiperosmolaridade: Além da hiperglicemia (descrita acima), a hipernatremia e o uso de contraste iodado, imunoglobulina ou manitol são outros exemplos de estados hiperosmolares que podem precipitar “arrasto” de K+ do LIC para o LEC junto com a água. O risco de hipercalemia é maior quando há alteração da função renal. • ẞ-bloqueadores: Assim como a insulina, o estímulo ẞ2-adrenérgico estimula a Na+/K+ ATPase, que atua desviando o K+ do LEC para o LIC. O bloqueio desses receptores pode ser suficiente para causar hipercalemia em pacientes com doença renal. Os ẞ- bloqueadores seletivos, por manterem livres 21 Caroline de Oliveira Leão – 7° - FASAI os receptores ẞ2-adrenérgicos, não exercem grande influência no K+ sérico. • Paralisia periódica hipercalêmica: Doença genética autossômica dominante, rara, caracterizada por uma disfunção de canais iônicos em células musculares, levando à hipercalemia transitória e a um quadro clínico semelhante à paralisia periódica hipocalêmica.Caracteriza-se por episódios súbitos e autolimitados de fraqueza ou paralisia muscular, precipitadas por frio, jejum, repouso após exercício físico, entre outros. • Destruição celular maciça: Se uma quantidade grande de células sofrerem lise em um período curto de tempo, a liberação do K+ contido nessas células no LEC pode gerar uma hipercalemia potencialmente fatal. É o caso de rabdomiólise, síndrome de lise tumoral, hemólise maciça, grande queimado e hipotermia grave. • Outras causas: Transfusão de concentrado de hemácias (principalmente se estocadas por tempo prolongado), intoxicação por digital e succinilcolina. • Pseudo-hipercalemia: Nos casos de pseudo-hipercalemia, o níve de K+ no sangue do paciente está normal, mas o resultado do exame laboratorial vem elevado. Trata-se de um resultado espúrio e não há necessidade de introduzir medidas para reduzir o K+ sérico. Deve ser suspeitada em pacientes com hipercalemia sem causa aparente, assintomática e sem alteração eletrocardiográfica. As possíveis causas incluem hemólise traumática durante a punção; garroteamento prolongado, com abertura e fechamento repetido da mão; sucção excessiva na seringa; armazenamento inadequado da amostra de sangue; trombocitose (> 1.000.000) ou leucocitose (> 50.000) severas; coleta de sangue em veia com infusão de K+ ou coletado através de acesso venoso central que tenha sido utilizado para reposição de KCl. 6. QUADRO CLÍNICO DA HIPERCALEMIA E AVALIAÇÃO DIAGNÓSTICA A maioria dos pacientes com hipercalemia é assintomática, com as manifestações clínicas ocorrendo, geralmente, quando o K+ sérico está maior do que 7,0mEq/L (salvo em elevações hiperagudas, quando hipercalemias menos graves podem ser sintomáticas). A fraqueza muscular e as arritmias cardíacas são os sintomas mais comuns. Manifestações cardíacas As hipercalemias graves estão associadas a alterações eletrocardiográficas. Inicialmente, há um aumento da amplitude da onda T, achatamento da onda P, redução no intervalo QT e prolongamento do intervalo PR; em seguida, ocorre prolongamento do intervalo QRS, evolução para uma sine wave, eventualmente, PCR. Bloqueios de ramo e atrioventriculares, bradicardia sinusal, taquicardia ventricular e fibrilação ventricular podem ocorrer, principalmente em portadores de cardiopatia. Manifestações musculares A hipercalemia pode causar fraqueza muscular ascendente e progressiva, podendo envolver até mesmo a musculatura respiratória, levando à insuficiência respiratória aguda, num padrão de evolução similar ao da parestesia provocada pela hipocalemia. 22 Caroline de Oliveira Leão – 7° - FASAI AVALIAÇÃO DIAGNÓSTICA DA HIPERCALEMIA De forma prática, resume-se a investigação etiológica da hipercalemia da seguinte forma: 1. Afastar pseudo-hipercalemia. 2. Excluir efluxo celular de K+ 3. Avaliar a função renal; caso normal, investigar diminuição de fluxo no néfron distal de água e sódio. 4. Se normal, realizar investigação de hipoaldosteronismo. Em todo paciente com hipercalemia sem causa aparente e que não apresente sintomas ou alterações eletrocardiográficas, a possibilidade de pseudo-hipercalemia deve ser aventada. Se houver suspeita de coleta inadequada, esta deve ser repetida, porém sem uso de torniquete ou movimentos de abrir e fechar a mão, além disso, a amostra deve ser imediatamente processada. Na presença de trombocitose (>1.000.000/mm3), a amostra deve ser colhida em um tubo com heparina para evitar a formação de coágulos e, consequentemente, a saída de K+ para fora das plaquetas. No caso de leucocitose (>50.000), a dosagem do K+ na amostra de plasma em sangue heparinizado também deve ser realizada. Excluindo-se pseudo-hipercalemia, a elevação aguda dos níveis de potássio é em geral relacionada a liberação do potássio do meio intracelular, sendo possível na maioria das vezes, por meio dos exames laboratoriais e história, identificar a causa. Como exemplos podemos citar pacientes politraumatizados, síndrome da lise tumoral, ou ainda cetoacidose diabética, principalmente em pacientes com função renal alterada. Em pacientes que se apresentem com hipercalemia persistente, as principais etiologias estão relacionadas à diminuição da excreção urinária de potássio, seja pela diminuição da secreção/ atividade da aldosterona, IRA/DRC e diminuição do volume arterial efetivo. A diminuição do volume arterial efetivo pode ocorrer devido à depleção de volume (hipovelemia), à insuficiência cardíaca (diminuição do débito cardíaco) ou à cirrose hepática (vasodilatação). Nessas situações, há diminuição de fluxo de sódio e água no néfron distal, prejudicando a excreção tubular de potássio. A história clínica irá auxiliar na investigação etiológica. A avaliação da função renal permite averiguar se o paciente apresenta IRA/DRC e, consequentemente, diminuição da excreção urinária de potássio. Caso o paciente apresente função renal preservada, sem depleção do volume arterial efetivo, a investigação adicional deverá avaliar a presença de hipoaldosteronismo e sua etiologia. O fluxograma a seguir ilustra o raciocínio diagnóstico de hipercalemia. padrão de evolução similar ao da pa- restesia provocada pela hipocalemia. 7. TRATAMENTO DA HIPERCALEMIA O tratamento da hipercalemia leva em consideração a presença ou ausência de sinais e sintomas associados,os níveis de potássio e a etiologia da hipercalemia. Os casos de pacientes que possuem sinais e sintomas associados à hipercalemia (fraqueza muscular, alterações eletrocardiográficas) são considerados urgência hipercalêmica e submetidos a terapias de ação imediata. Isoladamente, [K+] > 6,5 mEq/L é uma urgência hipercalêmica. Uma atenção especial deve ser dada a pacientes que possam ter rápidas elevações dos níveis de potássio (hemorragia digestiva, politrauma, rabdomiólise e síndrome de lise tumoral). Os pacientes que apresentem hipercalemia moderada ([K+] > 5,5 mEq/L) associada a disfunção renal moderada/grave e risco de elevações rápidas dos níveis de potássio – síndrome lise tumoral, rabdomiólise, politraumatizados, hemorragia digestiva e acidose metabólica com ânion gap normal – estão sob risco de elevação abrupta dos níveis séricos de potássio e devem ser 23 Caroline de Oliveira Leão – 7° - FASAI conduzidos também como urgência hipercalêmica. O manejo emergencial da hipercalemia se baseia em três mecanismos: 1) estabilização da membrana celular do cardiomiócito; 2) desvio de K+ do LEC para o LIC; 3) remoção corporal de K+. Estabilização do cardiomiócito O cálcio (Ca2+) antagoniza os efeitos do K+ na membrana celular e deve ser a primeira medida nas hipercalemias graves, com alterações ao ECG. Administra-se 10mL de gluconato de cálcio a 10% por via intravenosa em 2 a 3 minutos. O início de ação do gluconato de cálcio é rápido (1 a 3 minutos), porém de duração curta (30 a 60 minutos), devendo ser repetido se as alterações ao ECG persistirem ou reaparecerem. Essa medida não reduz o nível sérico de K+, portanto, outros tratamentos com esse objetivo devem ser iniciados em seguida. SE LIGA! Caso o paciente faça uso de digoxina, a hipercalcemia resultante de rápidas infusões pode piorar seu efeito cardiotóxico. Para reduzir esse risco, deve-se diluir o gluconato de cálcio a 10% em 100mL de soro glicosado a 5% e infundi-lo ao longo de 20 a 30 minutos. Deve-se evitar o uso do gluconato de cálcio se houver suspeita de intoxicação digitálica, pois poderá agravá-la. Deve-se também evitar a infusão de cálcio pelo mesmo acesso venoso que o NaHCO3, que, como será visto a seguir, é uma medida frequentemente utilizada nas hipercalemias graves, devido ao risco de precipitação de carbonato
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