Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Pó s- gr ad ua çã o em E du ca çã o TEORIAS DO PENSAMENTO CONTEMPORÂNEO Paulo César Medeiros Cleonice Soares de Sales Diretores Diretoria Executiva Luiz Borges da Silveira Filho Diretoria Operacional Marcelo Antonio Aguilar Diretoria Acadêmica Francisco Carlos Sardo Editora Coordenação Editorial Angela Krainski Dallabona Projeto Gráfico Evelyn Caroline Betim Araujo Arte-Final Evelyn Caroline Betim Araujo Capa Vitor Bernardo Backes Lopes Direitos desta edição reservados à Fael. É proibida reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da Fael. Edição 2021 1 A NATUREZA DO CONHECIMENTO HUMANO “O pensamento é a ação ensaiando.” Sigmund Freud 1.1 Evolução e conhecimento humano Sabe-se que as capacidades cognitivas dos seres humanos seguiram a trilha do processo evolutivo do gênero Homo e de seus predecessores. Segundo Foladori (2001), nas últimas décadas, realizaram-se avanços importantes na paleontologia humana e na biologia molecular. Os dados da biologia molecular apontam que os primeiros hominídeos começaram a se desprender do tronco comum, que também deu origem aos grandes símios, há 5 ou 6 milhões de anos. Pouco tempo em relação aos demais seres vivos. Os fósseis hominídeos primitivos mais conhe- cidos datam em 3,5 milhões de anos (Australopitecus afarensis). Sua diferença básica em relação aos parentes símios é a posição erguida e a locomoção bípede nem tão sofisticada como as do Homo erectus e Homo habi- lis, datados em 2,5 milhões de anos. A mudança da postura foi fundamental para a liberação das mãos, o aperfeiçoa- mento cerebral e a transformação de todo o organismo, que foram vinculados, também, às pres- sões seletivas, produto de importantes transformações climáticas. Por volta de 3 milhões de anos atrás, uma nova onda de frio provocou alterações e tornou o clima mais seco, acarretando mudança de dietas alimentares. A escassez e o processo de seleção natural levaram nossos ancestrais a se bifurcarem em duas práticas de sobrevi- vência. O grupo de Australopitecus se especializou em extração de raízes e sementes, e o Homo habilis, com uma dieta onívora (alimentação vegetariana e carní- vora), alcançou o êxito evolutivo mental e físico. A posição erguida e a locomoção bípede trouxe- ram vantagem adaptativa, acelerando as funções de deslocamento e liberando definitivamente as mãos para a transição do símio para o hominídeo. Com a nova habilidade internalizada, as pressões sobre as arti- culações faciais foram reduzidas, dando lugar para a expansão dos órgãos da fala e do volume do cérebro. A transição do hominídeo ao homem é tema de muitos debates científicos. Os achados arqueológi- cos nos permitem compreender como os hominídeos fabricavam seus instrumentos e utensílios, como se distribuíam espacialmente e como se adaptavam às condições ambientais em que viviam. Esses registros fornecem ricas informações; porém, restam lacu- nas sobre aquilo que pensavam e sobre a linguagem que utilizavam. Sabe-se que a relação entre cérebro, mãos e meio natural representou uma aceleração na hominização do humano, pois mudou a história de suas relações sociais e delas com a natureza. Assim, o pensamento humano seguiu a trajetória de sua pró- pria humanização. 1.2 O pensamento e a construção do conhecimento O pensamento é considerado como habilidade fundamental para a construção de ciência, pois ele permite a adaptação às novas realidades, melhorando o desempenho de cada indivíduo e a maneira como se explicam os fenômenos naturais e humanos. A inves- tigação científica sobre o conhecimento humano e a sua interação com as diversas sociedades ao longo do tempo é realizada por diferentes áreas específicas, como história, sociologia, filosofia da ciência e episte- mologia das ciências. Neste texto, não serão aprofundadas as teorias do conhecimento, campo vasto de estudos realizados pela filosofia, pela psicologia cognitiva, pela inteligência Teorias do Pensamento Contemporâneo Faculdade Educacional da Lapa - FAEL 4 artificial, pela antropologia, pela neurociência e pelas demais ciências da cognição. Este texto se propõe a ser apenas um ensaio de orientação sobre as recentes abordagens relacionadas ao conhecimento humano. Em termos gerais, pode-se considerar que “conhecer” é uma necessidade inerente aos seres humanos e que envolve três elementos essenciais: 2 O sujeito: aquele que está na condição de busca pela cognição de algo, alguma coisa, ou um objeto. 2 O objeto: aquilo que o sujeito está objeti- vando conhecer, seja um fato, coisas ou um fenômeno. 2 A imagem da realidade: a representação mental que o sujeito realiza sobre o objeto da cognição. Os vários métodos que procuram classificar o pensamento humano destacam a capacidade de pensar a partir de análises da capacidade mental dos sujeitos em relação aos objetos que buscam conhecer. Segundo Morin (2002), a mente humana opera sob duas gran- des bases de pensar: a racional, ligada à lógica, ao cál- culo e à razão; e a mítica, que ocorre em um âmbito mitológico, do imaginário, das analogias e dos símbo- los. Para ele, o raciocínio humano acontece a partir da articulação desses dois tipos de pensamento, os quais não podem ser vistos separadamente, de modo que a esfera imaginária – dos mitos, religiões, crenças – adquire para o ser humano tanta importância quanto a esfera do pensamento racional. O conhecimento reconstrução do “real” realizado pelo ser humano, por- tanto, não é completo, nem pode ser encarado como uma cópia exata do mundo objetivo, sendo sempre permeado por constantes “erros e ilusões”. O conhecimento humano não se encerra nos princípios da razão e da lógica e deve ser sempre con- siderado dentro de seus limites e incertezas. Dessa forma, tanto o pensamento quanto a construção do conhecimento são permeados não apenas por proces- sos relativos à racionalidade e à lógica, mas também por fatores de outra natureza. O retorno do pensa- mento a si mesmo para uma reflexão mais profunda aconteceu principalmente na filosofia clássica. Antes disso, o pensamento era citado como algo superior, quase como indescritível. O logos (razão, pensamento) era uma força imensa, que dirigia todo o universo e aparecia como inacessível aos seres humanos. 1.3 Estruturas e formas de conhecimento De acordo com a natureza e a forma de expres- são do conhecimento (sensação, percepção, imagi- nação, memória, linguagem, raciocínio e intuição intelectual), este pode ser classificado em alguns tipos, a saber: 2 conhecimento empírico; 2 conhecimento teológico; 2 conhecimento filosófico; 2 conhecimento científico. 1.3.1 Conhecimento empírico É também chamado de vulgar, intuitivo, de senso comum ou ordinário. Essa forma de conhecimento dos fatos não se preocupa em lhes inquirir as causas. Esse conhecimento é superficial, acontece por informação ou experiência casual. É ametódico e assistemático, constituindo a maior parte dos conhecimentos locais, pois é gerado para resolver problemas do cotidiano de forma instantânea e instintiva. Está ligado à vivência, à ação, à percepção e subordinado a um envolvimento afetivo dos sujeitos. Isso lhe confere dificuldades de se submeter a uma crítica sistemática e imparcial, gerando dificuldades de controle e avaliação experimental. 1.3.2 Conhecimento teológico Esse conhecimento busca suas bases em teorias criacionistas, as quais explicam a origem do mundo, das coisas e do ser humano a partir de princípios divinos. O conhecimento teológico foi amplamente difundido no período medieval, no qual a autoridade divina se tornou inquestionável. Atualmente, desen- volve-se nos meios acadêmico e religioso. Consiste em um conjunto de verdades que ocorre, não com o auxí- lio de sua inteligência, mas mediante a aceitação de uma revelação divina. Tudo em uma religião é aceito pela fé, nada pode ser provado cientificamente nem se admite crítica, pois o justo viverá pelafé. A revelação é a única fonte de dados. Também conhecido como conhecimento religioso ou místico, ele é baseado exclusivamente na fé humana e desprovido de método e de raciocínio crítico. Alguns exemplos de conheci- mento teológico são as Escrituras Sagradas, tais como a Bíblia, o Alcorão, as Encíclicas Papais e a Sagrada Tradição, que reúne decisões de Concílios e Sínodos, e outros. Também podem ser incluídos como conheci- Teorias do Pensamento Contemporâneo 5Faculdade Educacional da Lapa - FAEL mento teológico os ensinamentos de grandes teólogos e mestres da igreja. O conhecimento humano não se encerra nos princípios da razão e da lógica e deve ser sempre considerado dentro de seus limites e incertezas. 1.3.3 Conhecimento filosófico Sabe-se que a filosofia busca conhecer o esforço da razão para questionar os problemas humanos e discernir entre o certo e o errado. O conhecimento filosófico tem por objetos as ideias, as relações concei- tuais e as exigências lógicas. Para analisar esses obje- tos, utiliza o método racional, visando questionar os demais tipos de conhecimento (teológico, científico, empírico e outros que se apresentem). A ideia de existe a “verdade”. Esse termo pode ser aplicado quando os sujeitos do pensamento percebem o que está se desen- rolando em sua volta e o conseguem comunicar, repre- sentar ou interpretar, segundo sua razão e seus valores. O conhecimento filosófico reconhece as limitações da construção da verdade, pois ela não é absoluta. Para tal reconhecimento, utiliza dois importantes elementos para a busca de uma dada verdade: a evidência – o que aparece do objeto de estudo, sem invenções sobre o que se desvela; e a certeza – a confiança na verdade que está fundamentada na evidência, sem dúvida, ignorân- cia ou juízo de valor. 1.3.4 Conhecimento científico Esse conhecimento procura conhecer, além do fenômeno, suas causas e as leis que o regem. Busca descobrir os princípios explicativos que servem de base para a compreensão da organização, da classifica- ção e da ordenação da natureza. Segundo Aristóteles, o conhecimento só acontece quando sabemos qual a causa e o motivo dos fenômenos. Em seu método, ele buscava conhecer perfeitamente essas causas, demons- trando seus experimentos em laboratório, aplicando instrumentos, com trabalhos programados, metódicos e sistemáticos. 2 PENSAMENTO CIENTÍFICO: DA ERA CLÁSSICA À MODERNA 2.1 A mitologia como conhecimento do “mundo” O termo “mitologia” deriva das palavras gregas mytos, que pode ser traduzida como fábula, lenda ou a criação de algo concreto ou abstrato que influen- ciou os humanos, e logos, que significa um tratado ou algo a ser estudado. De modo geral, compreende- -se mitologia como um conjunto de histórias fantás- ticas e seus personagens fascinantes que influenciam o ser humano desde a Antiguidade até os dias atuais, desempenhado um papel importante como fonte de inspiração e ponto de partida do conhecimento sobre a natureza das coisas e do mundo. Os mitos são um tipo de conhecimento que apa- rece, geralmente, na forma de histórias baseadas em tradições e lendas criadas para explicar o universo, a origem do mundo, os fenômenos naturais e qualquer outro fato para o qual explicações simples não sejam atribuíveis. Em geral, a maioria dos mitos envolve for- ças sobrenaturais de seres divinos. Esses seres ou figu- ras mitológicas de sociedades clássicas (romana, grega, egípcia, nórdica, chinesa etc.) formaram a base do pensamento humano, nas diferentes civilizações. A mitologia, como forma de explicação dos fenô- menos naturais e humanos, gerou pontos de vista e crenças sobre cultura, política e religião que atraves- saram os séculos e na atualidade ainda influenciam as civilizações. Muitos estudiosos do pensamento consi- deram as histórias sobre a origem e os acontecimentos dos povos como contadores de mitos, como exemplos dos textos sagrados que buscam verdades religiosas, inspiradas divinamente e repassadas em linguagens humanas. Outro exemplo são as crenças em heróis nacionais sobre os quais se formam lendas sobre feitos espetaculares e incomuns. Na atualidade, os mitos são retomados pela indústria cinematográfica, pela literatura infantojuve- nil e pelos jogos eletrônicos. Filmes como O senhor dos anéis e os livros Star Trek e Harry Potter trazem aspectos mitológicos marcantes, que algumas vezes desenvolvem-se em sistemas filosóficos profundos e intrincados. A mitologia, tomada na forma de ficção, recria seres fantásticos que só existiram nas lendas do Faculdade Educacional da Lapa - FAEL 6 passado, mas que na sociedade atual assumem forma e geram milhões de dólares. 2.2 O conhecimento filosófico clássico e medieval O pensamento filosófico se desenvolveu em todos os povos e continentes. No entanto, é indiscutível a importância da filosofia que se praticava na Grécia, por volta de 2,5 mil anos atrás. Os sophos (sábios, em grego), que viveram no século VI a.C., buscaram diversos temas para reflexão e procuraram formular explicações racionais para tudo aquilo que era explicado, até então, pela mitologia. Os pensadores desse período clássico são divididos de acordo com sua ligação com Sócrates, o principal dos filósofos, em: pré-socráticos, socráticos e pós-socráticos. 2.2.1 Pensadores pré-socráticos Foram os pensadores da Grécia Antiga que vive- ram antes de Sócrates e tinham como principal preo- cupação o universo e os fenômenos da natureza. Em seus ensaios filosóficos, buscavam explicar tudo por meio da razão e do conhecimento particular das coi- sas. O matemático Pitágoras fez parte desse grupo e desenvolveu seu pensamento a partir da ideia de que em tudo preexiste a alma, já que esta é imortal. Outros filósofos pré-socráticos são Demócrito e Leucipo, que defendiam a formação de todas as coisas a partir da existência dos átomos. 2.2.2 Pensadores socráticos Entre os séculos V e IV a.C. a Grécia viveu um grande desenvolvimento cultural, político e cientí- fico. Entre os pensadores desse momento destacaram- -se os sofistas, como Górgias, Leontinos e Abdera, que defendiam uma educação cujo objetivo máximo seria a formação de um cidadão pleno, preparado para atuar politicamente para o crescimento da cidade. Os jovens deveriam ser preparados para falar bem (retó- rica), pensar e manifestar suas qualidades artísticas. Diferente dos sofistas, Sócrates começa a pensar e a refletir sobre o homem, buscando entender o funcio- namento do universo dentro de uma concepção cien- tífica. Para ele, a verdade está ligada ao bem moral do ser humano. Ele também acreditava que os pensadores teriam a função de entender o mundo da realidade, separando-o das aparências. Sócrates não deixou tex- tos ou outros documentos escritos. O pensamento de Sócrates só foi conhecido por meio dos relatos dei- xados por Platão, seu discípulo, que defendia que as ideias formavam o foco do conhecimento intelec- tual. Outro pensador de destaque foi Aristóteles, que desenvolveu os estudos de Platão e de Sócrates. Ele desenvolveu a lógica dedutiva clássica como forma de chegar ao conhecimento científico. A sistematização e os métodos devem ser desenvolvidos para se chegar ao conhecimento pretendido, partindo sempre dos con- ceitos gerais para os específicos. 2.2.3 Pensadores pós-socráticos Essa época vai do fim do período clássico (320 a.C.) até o fim da hegemonia política e militar da Grécia e início do Período Medieval na Europa. Sob a influência do pensamento de Sócrates, formaram-se várias correntes de pensamento: a) ceticismo – para os céticos, a dúvida deve estar sempre presente, pois o ser humano não consegue conhecer nada de modo exato e seguro. b) epicurismo – os epicuristas, seguidores do pensador Epicuro, defendiam que o bem era originário da prática da virtude. O corpo e a alma não deveriam sofrer para, dessa forma, chegar-se ao prazer. c) estoicismo – os sábios estoicos, como Marco Aurélio e Sêneca, defendiama razão a qual- quer preço. Para eles os fenômenos exteriores à vida deviam ser deixados de lado, como a emoção, o prazer e o sofrimento. 2.2.4 Pensamento medieval Na Idade Média, o pensamento europeu foi muito influenciado pela Igreja Católica, que assumiu considerável poder, uma vez que os reis tornaram- -se cristãos. O teocentrismo, doutrina filosófica da igreja, definiu as formas de sentir, ver e também de pensar da população. Entre os filósofos dessa vertente destaca-se o teólogo romano Santo Agostinho (354- 430), que acreditava que o conhecimento e as ideias eram de origem divina. Segundo esse pensamento, as verdades sobre o mundo e sobre todas as coisas deviam ser buscadas nas palavras de Deus. A partir do século V até o século XIII, uma nova linha de pensamento ganhou importância na Europa – era a escolástica, conjunto de ideias que visava unir a fé com o pensamento racional de Platão e Aristóteles. Teorias do Pensamento Contemporâneo 7Faculdade Educacional da Lapa - FAEL O principal representante dessa linha de pensamento foi São Tomás de Aquino (1225-1274). O teocentrismo definiu as formas de sentir, ver e também de pensar da população durante a Idade Média. 2.3 Renascimento e conhecimento científico A partir do século XIV, um grande movimento no pensamento humano passou a operar na Europa – o renascimento ou renascença. Nesse período, os impérios europeus ampliaram o comércio e a diversi- ficação dos produtos de consumo que eram vendidos para a Ásia. O aumento do comércio gerou acumula- ção de riquezas nas mãos da burguesia mercantil. Isso gerou condições de se investir na produção artística e intelectual. Com a proteção e o apoio financeiro dos gover- nantes e do clero na forma de mecenato, os intelectu- ais, artistas e pensadores tiveram condições para pro- duzir novos conhecimentos e, por consequência, uma grande transformação no conhecimento. Exemplos desse período são encontrados na península itálica, região em que o comércio mais se desenvolveu nesse período e gerou uma grande quantidade de locais de produção artística, como Veneza, Florença e Gênova. Nesse processo de revitalização do conhecimento, houve grande valorização da cultura greco-romana clássica, pois acreditava-se que esta possuía uma visão completa e humana da natureza, ao contrário dos homens medievais; a inteligência, o conhecimento e o dom artístico passaram a ser as qualidades mais valo- rizadas no ser humano; o homem passou a ser con- siderado o principal personagem (antropocentrismo), em lugar de Deus (teocentrismo). Nesse período tam- bém a razão e a natureza passam a ser valorizadas com grande intensidade, e os métodos experimentais e de observação da natureza e universo ganharam destaque. Entre os pensadores preocupados com o desenvol- vimento científico, pode-se citar Nicolau Copérnico (1473-1543) e seus estudos astronômicos sobre o Sis- tema Solar e os movimentos das constelações. Foram também importantes os estudos de Galileu Galilei (1564-1642), que desenvolveu instrumentos ópticos, além de construir telescópios para aprimorar o estudo celeste. Galileu defendeu a ideia de que a Terra girava em torno do Sol e, por isso, teve de enfrentar a inqui- sição da Igreja Católica. 3 EMPIRISMO: A EXPERIÊNCIA E O CONHECIMENTO 3.1 Concepções e métodos empíricos Os empiristas procuravam argumentos nas ciên- cias experimentais, na evolução do pensamento e do conhecimento humanos para justificar suas posições diante do que buscavam conhecer. Para eles, o conhe- cimento resultava da observação dos fatos, na qual a experiência desempenha um papel fundamental. Por isso privilegiavam a experiência em detrimento da razão humana. Esses estudiosos afirmavam que o “sujeito cognoscente” é uma espécie de “tábula rasa”, na qual são gravadas as impressões decorrentes da “experiência” com o mundo exterior. Por isso, essa corrente desconsidera o inatismo (doutrina que se entrelaça com o racionalismo), que admite a existência de um sujeito cognoscente (a mente, o espírito) dotado de ideias inatas, isentas de qualquer dado da experiência. Ainda que o termo “empirismo” tenha sido atribuído a um grande número de posições filosóficas, a tradição prefere aceitar como “empiristas” aqueles pensadores que afirmam ser o conhecimento derivado exclusivamente da experiência dos sentidos, da sensação ou da emperia. Admitamos que, na origem, a alma é como que uma tábula rasa, sem quaisquer caracteres, vazia de ideia alguma: como adquire ideias? Por que meio recebe essa imensa quantidade que a imaginação do homem, sempre activa e ilimitada, lhe apresenta com uma variedade quase infinita? Onde vai ela bus- car todos esses materiais que fun- damentam os seus raciocínios e os seus conhecimentos? Respondo com uma palavra: à experiência. É essa a base de todos os nossos conhecimentos e é nela que assenta a sua origem. As observações que fazemos no que se refere a objec- tos exteriores e sensíveis ou as que dizem respeito às operações interio- Faculdade Educacional da Lapa - FAEL 8 res da nossa alma, que nós aperce- bemos e sobre as quais reflectimos, dão ao espírito os materiais dos seus pensamentos. São essas as duas fontes em que se baseiam todas as ideias que, de um ponto de vista natural, possuímos ou podemos vir a possuir (LOCKE, [s.d.], p. 68). De acordo com a teoria de que o espírito, a mente, seja uma tábula rasa, uma superfície maleável às impressões da experiência externa, o empirismo pode ser estimado sob um prisma psicológico e sob outro gnosiológico. À medida em que a fonte do conheci- mento não é a razão ou o pensamento, mas a experiên- cia, a origem temporal de conhecer é concebida como resultado da experiência externa e interna – aspecto psicológico – e, por conseguinte, só o conhecimento empírico é válido – o aspecto gnosiológico. 3.2 Bases históricas do Empirismo Entre os primeiros pensadores europeus que defenderam a ideia de que todos os conhecimentos são provenientes de experiências, encontra-se Aristóteles, que considerava a observação do mundo como base para a indução ou que, a partir da obtenção de dados particulares, no caso, a observação empírica, seria pos- sível tirar conclusões (ou conhecimentos) de verdades mais absolutas. A partir de suas considerações, os filó- sofos estoicos, epicuristas e ceticistas formularam teo- rias empiristas mais explícitas acerca da formação das ideias e dos conceitos. Os estoicos acreditavam que a mente humana era uma tábula rasa que seria marcada pelas ideias advin- das da experiência sensível. Os epicuristas tiveram uma visão empirista mais forte, afirmando que a ver- dade provinha apenas da sensação. Para eles, as coisas são conhecidas por meio de imagens em miniatura, os chamados fantasmas, que se desprendem do ser e chegam até aos sujeitos, indo diretamente à alma ou, indiretamente, por meio dos sentidos. O ceticismo teve como maior representante o filósofo Sexto, que ficou conhecido como O Empírico. Segundo ele, as verdades sobre o universo seriam inacessíveis ao ser; os sentidos eram a base do conhecimento, mas possuíam limitações que distorciam a imagem do mundo real, criando as ilusões. A Idade Média europeia foi dominada pelo pen- samento cristão que subordinava os demais pensa- mentos à religião. Assim, a experiência sensível ou as ideias humanas não poderiam ser comprovadas e/ou refutadas senão pelo interesse de Deus e sua Trindade. Tomás de Aquino, célebre teórico da escolástica, defendia que o conhecimento opera em duas fases: sensível e intelectual, sendo que a segunda depende da primeira, mas ultrapassa-a: o intelecto vê a natu- reza das coisas (intus legit) mais profundamente do que os sentidos, sobre os quais exerce a sua atividade. Por meio da observação, o conhecimento intelectual abstrai de cada objeto individual a sua essência, a forma universal das coisas. Portanto, Deus é cognos- cível pelas experiências sensível e racional.Baseado nisso, Aquino propõe as chamadas “cinco provas da existência de Deus” (quinquae viae), das quais proce- dem demonstrações igualmente racionais. Na Idade Moderna europeia, o empirismo assu- miu a forma de método sistemático tal como se conhece atualmente, e se difundiu como conheci- mento nos meios acadêmicos emergentes. Entre seus formuladores principais destaca-se Francis Bacon, estudioso das ciências do mundo físico. Para ele, o método utilizado por empiristas anteriores não era sistemático: embora recolhessem dados da experiên- cia, essas informações eram “capturadas” ao acaso, sem o auxílio de um método que classificasse e sistemati- zasse as várias experiências e as orientasse no sentido de dar ao homem uma ciência útil, em oposição ao conhecimento produzindo. Pelo método da indução, se relacionaria o conhecimento sensível, que fornece- ria material para a inteligência, e a racionalidade, que manipularia e daria sentido aos dados dos sentidos. O filósofo inglês Thomas Hobbes (1558-1603) aplicou o método nos estudos da sociedade e da polí- tica. Segundo ele, a verdade resulta de raciocínios cor- retos, fundamentados pelas sensações. Hobbes criou um método rigoroso de controle das deduções lógicas provenientes da experiência, representada pelos acon- tecimentos passados na história e da situação política do momento. O método empírico de Francis Bacon e de Tho- mas Hobbes influenciou toda uma geração de filóso- fos britânicos, com destaque para John Locke (1632- 1704) que, em seu livro Ensaio sobre o entendimento humano, descreve a mente humana como uma tábula rasa (literalmente, uma “ardósia em branco”), na qual, por meio da experiência, são gravadas as ideias. A partir dessa análise empirista da Epistemologia, ele diferencia dois tipos de ideias: as ideias simples, sobre as quais não se poderia estabelecer distinções, como a de amarelo, duro etc., e as ideias complexas, que Teorias do Pensamento Contemporâneo 9Faculdade Educacional da Lapa - FAEL seriam associações de ideias simples (por exemplo o ouro – que é uma substância dura e de cor amare- lada). Com isso, seria formado um conceito abstrato da substância material. Os estoicos acreditavam que a mente humana era uma tábula rasa que seria marcada pelas ideias advindas da experiência sensível. Do ponto de vista político e filosófico, os pensa- dores ingleses lançaram as raízes das ideias que, talvez, mais profundamente influenciaram a transformação da sociedade europeia. O empirismo que se desenvol- veu na Inglaterra adquiriu características próprias, dos fatos e fenômenos do século XVI ao XVIII. Os pen- sadores apresentaram uma preocupação menor pelas questões rigorosamente metafísicas, voltando-se bem mais para os problemas do conhecimento (que não deixam de incluir uma metafísica). Seu método a posteriori, utilizando as ciências positivas, estabelece uma psicologia e uma gnosiolo- gia sensistas, baseadas essencialmente nos sentidos, na sensação (sensus). Historicamente, o Empirismo se opõe à escola conhecida como Racionalismo, segundo a qual o homem nasceria com certas ideias inatas, as quais “aflorariam” à consciência e constituiriam as verdades acerca do universo. A partir dessas ideias, o homem poderia entender os fenômenos particulares apresentados pelos sentidos. O conhecimento da ver- dade, portanto, independeria dos sentidos físicos. 3.3 Empirismo e modernidade O empirismo de John Locke recebeu novas inter- pretações no século XVIII nas formulações de George Berkeley (1685-1753). Segundo ele, uma substância material não pode ser conhecida em si mesma. O que se conhece, na verdade, resume-se às qualidades revela- das durante o processo perceptivo. Assim, o que existe realmente não passa de um feixe de sensações. Daí sua famosa frase: “ser é ser percebido”. Berkeley postulava a existência de uma mente cósmica, a qual seria uni- versal e superior à mente dos homens individuais. No entanto, apesar de existir, o mundo seria impossível de ser conhecido verdadeiramente pelo homem, pois esse conhecimento só é acessível a Deus. Ao assumir esse empirismo radical, esse pensador criou a corrente conhecida como idealismo subjetivo. O escocês David Hume (1711-1776), seguindo a linha de Berkeley, identificou dois tipos de conhe- cimento: matérias de fato e relação de ideias. O primeiro está relacionado com a percepção imediata e seria a única forma verdadeira de conhecimento. As relações de ideias se referem a coisas que não podem ser percebidas, que não têm correspondência na reali- dade e seriam pura imaginação. Dessa forma, os pró- prios conceitos abstratos utilizados pela ciência para analisar os dados dos sentidos não seriam verdadeiros. Baseado nisso, Hume refutou a própria causali- dade, a noção de causa e efeito, fundamental para a ciência. Para ele, o simples fato de um fenômeno ser sempre seguido de outro faz com que eles se relacio- nem entre si de tal forma que um é encarado como causa do outro. Causa e efeito, como impressões sen- síveis, não seriam mais do que um evento seguido de outro. A noção de causalidade seria, portanto, uma “criação” humana, uma acumulação de hábitos desen- volvidos em resposta às sensações. O pensamento de Hume e Berkeley influenciou várias escolas empíricas do século XIX, com destaque para o positivismo e a fenomenologia. Entre algumas correntes que tentaram aproximar o empirismo do racionalismo destacou-se o empirismo lógico (tam- bém conhecido como positivismo ou neopositivismo lógico, embora alguns não concordem com essa sinoní- mia), uma tentativa de sintetizar as ideias essenciais do empirismo britânico (por exemplo, a forte ênfase na experiência sensorial como base para o conhecimento) com a lógica matemática, a exemplo dos trabalhos de Ludwig Wittgenstein, Gottlob Frege, Bertrand Rus- sell, George Mooro, Rudolf Carnap, Jonh Austin e Karl Popper e outros que aplicaram o empirismo em seus trabalhos. Nem o racionalismo nem o empirismo são res- postas totais aos problemas que pretendem resolver. O racionalismo opõe-se ao empirismo, e a doutrina empírico-racionalista representa uma tentativa de esta- belecer a mediação entre essas duas escolas, afirmando que o conhecimento se deve à coparticipação da expe- riência e da razão. O maior representante dessa cor- rente é Emanuel Kant (1724-1804), filósofo alemão do século XVIII que abordou a questão da origem do conhecimento procurando conciliar as duas doutrinas – de fato, para Kant, todo o conhecimento começa na e pela experiência, mas não se limita a ela. Os elemen- Faculdade Educacional da Lapa - FAEL 10 tos múltiplos, diversos e contingentes fornecidos pela experiência são integrados em conceitos que o próprio entendimento possui a priori. Desse modo, a experi- ência fornece a matéria, o conteúdo do conhecimento, enquanto o entendimento lhe dá certa forma; o que significa que o conhecimento é sempre o resultado da junção de uma forma e uma matéria. A doutrina empírico‑racionalista afirma que o conhecimento se deve à coparticipação da experiência e da razão. Kant analisa criticamente ambas as doutrinas – o racionalismo e o empirismo –, concluindo a insufi- ciência de cada uma delas, se perspectivadas de um ponto de vista disjuntivo. Entretanto, se se concilia- rem, talvez resolvam mais satisfatoriamente os pro- blemas. Kant considera, pois, que o conhecimento não pode se fundamentar unicamente na razão, como pretendiam os racionalistas, mas também não pode se reduzir unicamente aos dados da experiência. Esta é antes fonte dos dados recebidos pela nossa sensibilidade, mas devidamente organizados por determinados conceitos existentes no nosso conhe- cimento, os quais não derivam da experiência, pois são-lhe independentes os anteriores – são os concei- tos puros do entendimento a priori, daí chama aprio- rismo a doutrina desenvolvida por Kant. Então, para esse pensador, o conhecimento é como o resultado de um processode transformação de uma matéria-prima dada pela experiência e apreendida pelo entendimento como tendo determinada significação. 4 RACIONALISMO: A FACULDADE AUTÔNOMA DO CONHECIMENTO 4.1 A razão como base do conhecimento Sabe-se que a idade Moderna europeia foi inau- gurada com o Renascimento, o qual se estabeleceu de fato nos séculos XVII e XVIII. Os dois grandes movi- mentos filosóficos dos séculos XVII e XVIII são o empirismo, tendência positiva e prática, expresso pela cultura anglo-saxônica, conforme foi visto anterior- mente, e o racionalismo, corrente vinculada ao pen- samento francês. Ainda que a razão seja um componente básico de todas as manifestações da filosofia ocidental, é no pen- samento moderno que ela adquire novas característica e importância. Enquanto na Antiguidade era consi- derada propriedade inteligível da natureza e, na Idade Média, uma luz cedida por Deus ao homem para que bem a utilize, na filosofia moderna a “razão” é deter- minada como uma faculdade autônoma, que possui finalidade própria. Em outras palavras, a razão torna-se, por excelên- cia, veículo de análise e de entendimento do real, que caracteriza, de modo específico, o ser ou a substância racional, isto é, o homem. E, se por um lado se afirma veículo cognitivo do real, por outro se estabelece como órgão experimental da mesma realidade. Quer dizer, as construções racionais (racionalismo) se aliam aos dados da experiência (empirismo). O racionalismo, tomado apenas etimologica- mente, pode ser entendido como uma perspectiva cul- tural pela qual o homem chega a verdades absolutas apenas com o uso da faculdade da razão. Seja a partir de fatos, os quais, ultrapassando a mera força dos sen- tidos, permitem ao homem, com a força da razão, abs- trair e atingir condições transcendentais do mundo; seja a partir da pura intuição, que prescinde dos fatos. O racionalismo buscava conhecer a essência. Por isso, não se prendia aos fatos e ao mundo sensível, mas afirmava que a razão humana poderia transcender e chegar ao conhecimento de realidades suprassensíveis pela força da abstração e das concatenações racionais. Ao caráter naturalista que apresentava “a razão” no renascimento, é acrescentado, assim, um antropolo- gismo. Por tais motivos, é possível afirmar que as filo- sofias antiga e medieval preocupam-se mais com o ser, enquanto a filosofia moderna com o conhecer. O racionalismo dos séculos XVII e XVIII é a dou- trina que afirma ser a razão o único órgão adequado e completo do saber, de modo que todo conhecimento verdadeiro tem origem racional. Por tal motivo, essa corrente filosófica é conhecida como racionalismo gnosiológico ou epistemológico. A importância con- ferida à razão por Descartes e pelos cartesianos, seus seguidores, é um modo de racionalizar a realidade, um lastro “metafísico” de cunho racional. 4.2 Pensamento e método cartesiano Descartes propôs um desprendimento cosmoló- gico da visão do homem, ou seja, deixar uma visão de Teorias do Pensamento Contemporâneo 11Faculdade Educacional da Lapa - FAEL mundo centralizada na autoridade e no poder da reli- gião e passar para a certeza do conhecimento, dando, assim, origem ao chamado racionalismo. Assume, de certa forma, o espírito iluminista de sua época, cen- tralizando na capacidade racional humana da busca do conhecimento. Descartes preocupou-se fundamen- talmente em construir um modo para que se pudesse chegar a um conhecimento que fosse seguro. [...] criei um método que, parece- -me, proporcionou-me os meios para o gradativo aumento de meu conhecimento, e a levá-lo, gradu- almente, ao máximo de grau que a mediocridade de meu espírito e a breve duração de minha vida lhe permitirem atingir (DESCARTES, 2000, p. 15). Ele distingue o universo das ideias duvidosas do universo das ideias claras e distintas. As ideias claras e distintas são as ideias inatas, verdadeiras, não sujei- tas ao erro, pois não vêm de fora, mas do próprio sujeito pensante. Em sua mais conhecida, O discurso do método, Descartes enumera quatro regras básicas capazes de conduzir o espírito na busca da verdade: 2 regras de evidência – só aceitar algo como verdadeiro desde que seja evidente (ideias claras e distintas) – ideias inatas. 2 regras de análise – dividir as dificuldades em quantas partes forem necessárias à resolução do problema. 2 regras de síntese – ordenar o raciocínio (pro- blemas mais simples aos mais complexos). 2 regras de enumeração – realizar verificações completas e gerais para garantir que nenhum aspecto do problema foi omitido. Descartes via o mundo como uma máquina, como um relógio. A natureza, segundo essa visão, é um conjunto de peças que deve estar em perfeito fun- cionamento. Com essa obra, ele pretendia partilhar com o leitor o método que encontrou para si, a fim de alcançar uma ciência universal que pudesse elevar a nossa natureza ao seu mais alto grau de perfeição. Seu método é o da dúvida. Para a razão adquirir seu pleno funcionamento, é necessário limpar o terreno da mente de todo precon- ceito; é preciso, em um primeiro momento, duvidar de tudo, principalmente do que já se tem estabelecido como verdade absoluta, como dogma. Ele resume e enumera apenas quatro regras, quatro passos a serem dados no caminho de seu método: 2 Jamais acolher coisa alguma como verdadeira que não conheça evidentemente como tal; isto é, evitar cuidadosamente a precipitação e a prevenção. E de nada incluir nos juízos que não se apresente tão clara e tão distinta- mente a meu espírito que não tenha ocasião de pô-lo em dúvida. 2 Dividir cada uma das dificuldades para que se examine em tantas parcelas quantas possí- veis forem para melhor resolvê-las. 2 Conduzir por ordem os pensamentos, começando pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer, para subir, pouco a pouco, como por degraus, até o conhecimento dos mais compostos e supondo mesmo uma ordem entre os que não se precedem naturalmente uns aos outros. 2 Fazer em toda parte enumerações tão com- pletas e revisões tão gerais que se tenha a cer- teza de nada omitir. O cartesianismo também pode ser definido em uma perspectiva de senso comum como a primeira filosofia moderna, tendo estabelecido as bases da ciên- cia moderna e contemporânea. O fundamento princi- pal da filosofia cartesiana consiste na pesquisa da ver- dade, com relação à existência dos “objetos” dentro de um universo de coisas reais. O cartesianismo também pode ser definido em uma perspectiva de senso comum como a primeira filosofia moderna, tendo estabelecido as bases da ciência moderna e contemporânea. O objetivo de Descartes é a pesquisa de um método adaptado para a conquista do saber, descobre esse método que tem como objetivo a clareza e a dis- tinção, ou seja, com isso quer ser mais objetivo pos- sível, imparcial, quer fundamentar o seu pensamento em verdades claras e distintas. Para isso, de acordo com o seu método, devem ser eliminadas quaisquer Faculdade Educacional da Lapa - FAEL 12 influências de ideias que muitas vezes não são verda- deiras, mas que são tidas como mitológicas, e por fim frequentemente acabamos aceitando tais mitos sem que os tenhamos comprovado de fato. 4.3 O Racionalismo Científico e Aplicado A influência do racionalismo sobre o método científico alimentou a ideia de muitos pensadores dos séculos XIX e XX de que a ciência é obra da razão humana, uma espécie de máquina gerada por ela, cujas estruturas e leis internas é preciso descobrir. O principal expoente dessa interpretação episte- mológica é Gaston Bachelard (1844-1962). Esse autor afirma que a filosofia da ciência contemporânea não pode aceitar nem a solução realista nem a idealista. Segundo ele, deve colocar-se em um meio termo entre ambos, no qual sejam retomados e superados. Em sua gnosiologia, Bachelard põe o binômio experiência-ra- zão na base de todo o conhecimento humano. Entre- tanto, não se trata de um condomínio de potênciasiguais, pois o elemento teórico é que desempenha o papel normativo. Bachelard (1977) indica a maneira segundo a qual o racionalismo, em seu diálogo permanente com o empirismo, constrói a estrutura de apreensão e de criação do conhecimento científico. O racionalismo aplicado de Bachelard procura mostrar a interdepen- dência desses dois modos de pensar, os quais estariam disseminados por toda a ciência. Para ele, o conheci- mento humano possui dois polos – idealismo e rea- lismo – e nenhuma atividade se fixa somente em um desses polos. A partir dessa premissa, esse pensador afirma ser possível, então, atribuir um caráter realista ao raciona- lismo e um caráter idealista ao Empirismo, devido ao modo como estes se relacionam respectivamente com a instância empírica e com o plano das ideias. 5 PARADIGMAS DO PENSAMENTO CIENTÍFICO DO SÉCULO XX 5.1 Positivismo: pensamento e paradigma monista O positivismo emerge no progresso das ciências naturais, particularmente das biológicas e fisiológicas, as quais buscavam resolver os problemas da Europa do século XIX. Esse paradigma científico se preocupou em aplicar os princípios e os métodos das ciências à filosofia como resolvedora do problema do mundo e da vida, com resultados. Edmund Leach descreveu o positivismo em 1966 como “a visão de que o inquérito científico sério não deveria procurar causas últimas que derivem de alguma fonte externa, mas sim, confi- nar-se ao estudo de relações existentes entre fatos que são diretamente acessíveis pela observação”. Essa cor- rente buscava explicar fatos mais práticos e presentes na vida do homem, como no caso das leis, das relações sociais e da ética. Entre seus principais formuladores, encontra- mos o francês Auguste Comte (1798-1857). Em seus ensaios, atribui fatores humanos às explicações dos diversos assuntos, contrariando o primado da razão, da teologia e da metafísica. Para Comte, o método positivista consistia na observação dos fenômenos, subordinando a imaginação à observação. Ele sinte- tizou seu ideal em sete palavras: real, útil, certo, pre- ciso, relativo, orgânico e simpático e preocupou-se com a elaboração de um sistema de valores adaptado à realidade que o mundo vivia na época da Revolu- ção Industrial. Para Comte, o espírito humano, em seu esforço para explicar o universo, passa sucessivamente por três estados: 5.1.1 Estado teológico ou “fictício” Que explica os fatos por meio de vontades análo- gas à nossa (a tempestade, por exemplo, será explicada por um capricho do deus dos ventos, Éolo). Esse estado evolui do fetichismo ao poli- teísmo e ao monoteísmo. 5.1.2 Estado metafísico Que substitui os deuses por princípios abstratos como “o horror ao vazio”, por longo tempo atribuído à natureza. A tempestade, por exemplo, será explicada pela “virtude dinâmica” do ar. Esse estado é no fundo tão antropomórfico quanto o primeiro (a natureza tem “horror” do vazio exatamente como a senhora baro- nesa tem horror de chá). O homem projeta esponta- neamente sua própria psicologia sobre a natureza. A explicação dita teológica ou metafísica é uma explica- ção ingenuamente psicológica. Ela tem, para Comte, importância sobretudo histórica como crítica e nega- ção da explicação teológica precedente. Desse modo, Teorias do Pensamento Contemporâneo 13Faculdade Educacional da Lapa - FAEL os revolucionários de 1789 são “metafísicos” quando evocam os “direitos” do homem – reivindicação crítica contra os deveres teológicos anteriores, mas sem con- teúdo real. 5.1.3 Estado positivo Que é aquele em que o espírito renuncia a pro- curar os fins últimos e a responder aos últimos “por- quês”. A noção de causa (transposição abusiva de nossa experiência interior do querer para a natureza) é por ele substituída pela noção de lei. Iremos nos contentar em descrever como os fatos se passam, em descobrir as leis (exprimíveis em linguagem matemá- tica) segundo as quais os fenômenos se encadeiam uns nos outros. Tal concepção do saber desemboca diretamente na técnica: o conhecimento das leis posi- tivas da natureza nos permite, com efeito, quando um fenômeno é dado, prever o fenômeno que se seguirá e, eventualmente, agindo sobre o primeiro, transformar o segundo (“ciência donde previsão, pre- visão donde ação”). Gnosiologicamente, o positivismo desenvolvido por Comte admite, como fonte única de conheci- mento e critério de verdade, a experiência, os fatos positivos, os dados sensíveis. Não aceita qualquer metafísica, portanto, como interpretação, justificação transcendente ou imanente da experiência. O positivismo do século XIX buscou bases meto- dológicas no empirismo e no naturalismo inglês, redu- zindo o conhecimento humano ao conhecimento sen- sível; a metafísica, à ciência e o espírito, à natureza, com as relativas consequências práticas. Por meio de um conflito mecânico de seres e de forças, mediante a luta pela existência, determina-se uma seleção natural, uma eliminação do organismo mais imperfeito, sobre- vivendo o mais perfeito. Como teoria do pensamento, o positivismo vin- cula-se ao monismo (do grego monis, “um”), às teo- rias filosóficas que defendem a unidade da realidade como um todo (em metafísica) ou a identidade entre mente e corpo (em filosofia da mente) por oposição ao dualismo ou ao pluralismo, à diversidade da rea- lidade em geral. No monismo, um oposto se reduz a outro, em detrimento de uma unidade maior e abso- luta. As raízes do monismo na filosofia ocidental estão nos filósofos pré-socráticos, como Zenão e Parmênides de Eleia. Já Spinoza é o filósofo monista por excelên- cia, pois defende que se deve considerar a existência de uma única coisa, a substância, da qual tudo o mais são modos. 5.2 Marxismo: materialismo e dialética O marxismo é o conjunto de ideias filosóficas, econômicas, políticas e sociais elaboradas primaria- mente por Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895). A concepção materialista e dialética da história interpreta a vida social conforme a dinâmica da base produtiva das sociedades e das lutas de classes daí consequentes. O paradigma marxista compreende o homem como um ser social histórico que possui a capacidade de trabalhar e desenvolver a produtividade do traba- lho, o que o diferencia dos outros animais e possibilita o progresso de sua emancipação da escassez da natu- reza, proporcionando o desenvolvimento das poten- cialidades humanas. O método dialético influenciou os mais diversos setores da atividade humana ao longo do século XX, desde a política e a prática sindical até a análise e a interpretação de fatos sociais, morais, artísticos, his- tóricos e econômicos. Marx criticou o sistema filo- sófico idealista de Georg Wilhelm Friedrich Hegel (17701831), no qual a realidade se faz filosofia, pois para Marx esta precisa incidir sobre aquela. Pode-se dizer que o pensamento de Karl Marx se originou fundamentalmente a partir de seus estudos sobre três tradições intelectuais já bem desenvolvidas na Europa do século XIX: a filosofia idealista alemã de Hegel e dos neo-hegelianos, o pensamento da economia-polí- tica britânica e a teoria política socialista utópica dos autores franceses. O núcleo do pensamento de Marx é sua inter- pretação do homem, que começa com a necessidade de sobrevivência humana. A história se inicia com o próprio homem que, na busca da satisfação de necessi- dades, trabalha sobre a natureza. À medida que realiza esse trabalho, o homem se descobre como ser produ- tivo e passa a ter consciência de si e do mundo pelo desenvolvimento do aprimoramento da produtivi- dade do trabalho, da ciência sobre a realidade. Perce- be-se então que “a história é o processo de criação do homem pelo trabalho humano”. Hegel enunciou as características fundamentais da dialética, e Marx e Engels tomaram desse ensaio apenas o núcleo racional de sua dialética. O filósofo alemão Ludwig Andreas Feuerbach (1804-1872) rein- Faculdade Educacional da Lapa - FAEL 14tegrou o materialismo ao seu devido lugar, e Marx e Engels, assim como no caso de Hegel, tomaram apenas o núcleo central do materialismo de Feuerbach. Dessa maneira, podemos organizar o pensamento marxista nas seguintes estruturas: 5.2.1 O método dialético marxista a) Olha a natureza como um conjunto de elementos ligados que dependem uns dos outros e são condicionados reciprocamente. Nada pode ser considerado ou entendido isoladamente, para se entender determinado fenômeno é necessário estudar o ambiente como um todo. b) Olha a natureza como um estado de movi- mentos constante. Como diz Engels, toda a natureza das partículas mais ínfimas aos cor- pos maiores. Está empenhada em um pro- cesso de aparecimento e desaparecimento, em um fluxo incessante, em movimento e em transformação perpétuos. c) A dialética considera o processo de desen- volvimento como o que passa das mudanças quantitativas e latentes a mudanças evidentes e radicais, às mudanças qualitativas. d) A dialética entende que os objetos e os fenô- menos da natureza encerram contradições internas, pois têm um lado negativo e um lado positivo, um passado e um futuro, todos eles têm elementos que desaparecem ou que se desenvolvem, a luta entre o velho e o novo. Lênin diz que a dialética no verdadeiro sen- tido da palavra é o estudo das contradições na própria essência das coisas. 5.2.2 O Materialismo Filosófico Marxista a) Marx parte do princípio de que o mundo, pela sua natureza, é material e que os múlti- plos fenômenos do universo são diferentes da matéria em movimento. b) O materialismo filosófico marxista parte do princípio de que a matéria, a natureza, o ser, são uma realidade objetiva existindo fora e independente da consciência. c) Para o materialismo filosófico marxista, o mundo e as suas leis são perfeitamente conhecíveis. Não há de forma alguma no mundo coisas que não podem ser conheci- das, mas unicamente coisas desconhecidas, as quais serão descobertas e conhecidas pela ciência e pela prática. 5.2.3 O Materialismo Histórico a) O materialismo histórico considera que a força é o método de obtenção dos meios de existência necessários à vida dos homens, o modo de produção de bens materiais. A primeira particularidade da produ- ção, é a de que nunca se mantém em um dado ponto por muito tempo; está sem- pre a transformar-se e desenvolver-se; além disso, mudança do modo de produção pro- voca inevitavelmente a mudança de todo o regime social, as ideias sociais, as opiniões e instituições políticas; a mudança do modo de produção provoca a modificação de todo o sistema social e político. b) A segunda particularidade da produção é a de que as transformações e o seu desenvolvi- mento começam sempre pela transformação e desenvolvimento das forças produtivas. As forças produtivas são por consequência, o elemento mais móvel e mais revolucionário da produção. c) A terceira particularidade de produção é que as novas forças produtivas e as relações de produção que lhes correspondem não apare- cem fora do antigo regime, aparecem no ceio do velho regime. 5.3 Fenomenologia: a intencionalidade da consciência humana A fenomenologia foi empregada em várias acep- ções, por vários pensadores, ao longo da história da filosofia. O termo aparece na obra de Jean Lambert, em 1734, com o sentido de “doutrina da aparência”. Ele denomina fenomenologia a investigação que visa a distinção entre verdade e aparência, de modo a des- truir as ilusões que com frequência se apresentam ao pensamento. Essa investigação é afirmada como o fundamento de todo saber empírico. Foi, em seguida, retomada por Kant e, sobretudo, por Hegel, que publica Fenomenologia do espírito, em 1807. O método fenomenológico que emergiu na segunda metade do século XIX teve entre seus formu- Teorias do Pensamento Contemporâneo 15Faculdade Educacional da Lapa - FAEL ladores Franz Clemens Brentano (1838-1917), um filósofo alemão que, em suas análises, buscava a inten- cionalidade da consciência humana, em sua intenção de descrever, compreender e interpretar os fenôme- nos que se apresentam à percepção. Em oposição ao positivismo, a fenomenologia busca a volta às coisas mesmas, isto é, aos fenômenos, àquilo que aparece à consciência, que se dá como objeto intencional. Seu objetivo é chegar à intuição das essências, isto é, ao conteúdo inteligível e ideal dos fenômenos, captado de maneira imediata. No século XX, vários filósofos desenvolveram o método fenomenológico, entre eles: Edmund Husserl, Martin Heidegger, Jean-Paul Sartre e Maurice Merleau-Ponty. O método fenomenológico consiste em mos- trar o que é apresentado e esclarecer esse fenômeno. O objeto é como o sujeito o percebe, e tudo tem de ser estudado tal como é para ele, sem interferência de qualquer regra de observação. Um objeto, uma sensa- ção, uma recordação, enfim, tudo deve ser estudado tal como é para o espectador. Toda consciência é cons- ciência de alguma coisa. Assim sendo, a consciência não é uma substância, mas uma atividade constituída por atos (percepção, imaginação, especulação, volição, paixão etc.) com os quais visa algo. Segundo Kant, o fenômeno deve caracterizar-se no tempo e no espaço por meio da aplicação das cate- gorias do entendimento a priori (uma dedução lógica da coisa) e em seguida a posteriori (o que pode ser iden- tificado “positivamente” quanto a esse objeto). Com a coisa inserida em um contexto temporal e espacial, está apta a receber todos os componentes da ciência afim de estudá-la. E, para a aplicação dos diversos juí- zos da ciência (sintético/a priori; analítico/a posteriori), deve existir o ser que transcenda a ciência, o objeto e a terra. Segundo ele, a fenomenologia estuda a matéria como objeto possível da experiência. Para Charles Sanders Peirce (1839-1914), filó- sofo, cientista e matemático americano, a Fenome- nologia constitui parte da filosofia e compreende o estudo do fenômeno que se apresenta de qualquer modo à mente, independentemente de qualquer cor- respondência com a realidade. Essa escola de pensa- mento, contudo, ganhou um novo e rigoroso dire- cionamento no pensamento de Edmund Husserl, de maneira tal que o sentido atualmente vigente desse termo liga-se, por princípio, ao significado que lhe outorgou esse autor. A fenomenologia, segundo Edmund Husserl (1859-1938), é um método que visa encontrar as leis puras da consciência intencional. A intencionalidade é o modo próprio de ser da consciência, uma vez que não há consciência que não esteja em ato, dirigida para um determinado objeto. Por sua vez, todo objeto somente existe enquanto apropriado por uma consci- ência. Sujeito e objeto constituem, para essa concep- ção, dois polos de uma mesma realidade. 6 CONFLITO DE PARADIGMAS E ABORDAGENS CONTEMPORÂNEAS 6.1 Cartesianismo: crise humana e ambiental O físico Fritjof Capra, no seu livro O ponto de mutação, busca identificar os dois grandes paradigmas que se confrontam no fim do século XX: o mecani- cista e o sistêmico. Segundo ele, o paradigma meca- nicista agrupa todos os paradigmas que aceitaram a visão de mundo de René Descartes, segundo a qual o mundo natural é uma máquina carente de espiritua- lidade e, portanto, deve ser dominada pela inteligên- cia humana e ser colocada a seu serviço. Nessa visão, o mundo opera a partir de leis matemáticas, igual a qualquer máquina, o que permitiria que, ao serem estabelecidas rigorosamente, o homem teria uma cópia fiel do mundo. Essa visão agrupa o positivismo, o neopositivismo e a dialética materialista. Em suma, agrupam-se aqui as escolas de pensamento monista e algumas dualistas. A fenomenologia busca a volta às coisas mesmas, isto é, aos fenômenos, àquilo que aparece à consciência, que se dá como objeto intencional. Capra (1995) descreve como o mecanicismo car- tesiano foi incorporado por todas as ciências tradicio- nais, levando à crise individual, social e ambiental de caráter global que se vive hoje.A visão mecanicista adota a ideia de que o mundo natural é regido deter- ministicamente por leis matemáticas em contraposi- ção ao mundo humano, no qual há o livre-arbítrio. O paradigma mecanicista privilegia a individuali- dade, a luta e a competição. Ele transformou o mundo Faculdade Educacional da Lapa - FAEL 16 medieval no mundo moderno de hoje. A tecnologia aplicada a todos os campos da vida cotidiana, indus- trial e científica é fundamentada nas descobertas da ciência mecanicista, positivista, e as sociedades, ins- tituições, bem como a individualidade e a subjetivi- dade, funcionam de acordo com os modelos dialéti- cos, materialistas. O que significa que, de fato, a crise vivida hoje em todas as áreas, desde a ecológica, pas- sando pela social até a individual e espiritual, é respon- sabilidade do paradigma cartesiano. Max Horkheimer (1895-1973), filósofo e soció- logo alemão, fez críticas ao racionalismo de Descartes. Segundo ele, o pensamento nascido com Descartes e, posteriormente, transformado em um dos princípios fundamentais da ciência moderna, privilegiou sem qualquer restrição uma racionalidade abstrata e voltada para a dominação da natureza, colocando assim o pen- samento e a especulação filosófica em uma via de cres- cente degradação. Com a separação do pensamento e da realidade concreta promovida pelo Cartesianismo, a razão transformou-se em um mero instrumento de dominação, perdendo sua força esclarecedora e o seu poder libertador. A racionalidade técnica, desprezando a objetividade em favor de regras (método) lógicas internalizadas, levou aos homens a possibilidade de domínio efetivo sob a natureza externa. Ao lado do progresso da ciência e da indústria, a razão lógica e abstrata impôs uma dinâmica cega e irracional no que diz a respeito à condição humana. Morin (1996) lembra que presenciamos a der- rubada da ciência clássica cujos expoentes, Descartes e Newton, concebiam o mundo como perfeito. Para esse autor, essa perfeição é inexistente, o que ficou provado quando percebeu-se que o mundo era cons- tituído por átomos, em um sistema formado de par- tículas altamente complexas. Nesse aspecto, a ciência clássica é uma ciência limitada, presa a uma realidade determinista mecânica, que considera a subjetividade como fonte de erro, ao mesmo tempo em que exclui o observador e sua observação – mundo dos objetos, mundo dos sujeitos. Segundo Kuhn (1975), essa crise faz surgir um novo paradigma, uma nova estrutura de pressupos- tos que vão alicerçar uma comunidade científica. Um olhar em nova direção passa a dar corpo ao paradigma emergente, enquanto uma teoria capaz de abarcar a riqueza da ciência e do espírito. Para Heisenberg (1995), a realidade é indeter- minada, uma probabilidade na qual tudo pode acon- tecer. A incerteza passa a ser rotulada subjetiva na medida em que se refere ao conhecimento do mundo de cada um. A única coisa que pode ser prevista é a probabilidade. A probabilidade, portanto, assume o lugar da certeza. Segundo Bohm (1995), aquilo que se vê de ime- diato é na verdade superficial, e as ideias devem cor- relacionar-se ao que se vê de imediato. Ele define, portanto, que o holograma é o ponto de partida para uma nova descrição da realidade: a ordem dobrada em que a realidade é sempre inteira, total e essencialmente independente do tempo, em que o todo se manifesta. Desdobra simplicidade até abranger a complexidade do universo. Bohm afirma que o manifesto está dentro do não manifesto, e que este é maior e move aquele, captado pela armadilha do pensamento. 6.2 As teorias sistêmicas A Teoria Geral dos Sistemas foi proposta em mea- dos de 1950 pelo biólogo Ludwig von Bertalanffy. Suas pesquisas foram baseadas em uma visão diferente do reducionismo científico, até então aplicado pela ciên- cia convencional. Bertalanffy compreendeu o sistema como um conjunto de elementos interdependentes que interagem com objetivos comuns formando um todo, no qual cada um dos elementos componen- tes comporta-se, por sua vez, como um sistema cujo resultado é maior do que o resultado que as unidades poderiam ter se funcionassem independentemente. Qualquer conjunto de partes unidas entre si pode ser considerado um sistema, desde que as relações entre as partes e o comportamento do todo sejam o foco de atenção. Sistema é um conjunto de partes coordena- das, formando um todo complexo ou unitário. Os sistemas podem ser abertos ou fechados: os abertos sofrem interações com o ambiente em que estão inseridos. A interação gera realimentações que podem ser positivas ou negativas, criando uma autor- regulação regenerativa, a qual, por sua vez, cria novas propriedades que podem ser benéficas ou maléficas para o todo independentemente das partes; os siste- mas fechados são aqueles que não sofrem influência do meio ambiente no qual estão inseridos, de tal forma que ele se alimenta dele mesmo. Segundo Bertalanffy (1975), os organismos (ou sistemas orgânicos) em que as alterações benéficas são absorvidas e aproveitadas sobrevivem, e os sistemas em que as qualidades maléficas ao todo resultam em difi- Teorias do Pensamento Contemporâneo 17Faculdade Educacional da Lapa - FAEL culdade de sobrevivência tendem a desaparecer, caso não haja outra alteração de contrabalanço que neutra- lize aquela primeira mutação. A evolução permanece ininterrupta enquanto os sistemas se autorregulam. Um sistema realimentado se reorganiza e autogerencia isso é a autorregulação em que o todo assume as tarefas da parte que falhou. Os parâmetros que compõem qualquer sistema são: 2 entrada (input), sendo os impulsos recebidos de fora na forma de matéria e/ou energia; 2 saídas (output), resultados ou produtos do sistema na forma de matéria e energia; 2 processamento, transformação ou operação; 2 retroação (feedback) em forma de retroali- mentação; 2 ambiente, sendo o meio que envolve o sistema. Entre as várias vertentes que deram origem ao atual pensamento sistêmico, inclui-se a cibernética ou ciência dos sistemas de controle. A cibernética surgiu nos EUA e se consolidou durante uma série de confe- rências patrocinadas pela Fundação Josiah Macy Jr. A partir de 1942, pesquisadores de várias procedências e diferentes áreas de interesse começaram a se reunir com regularidade. Entre eles, o biólogo chileno Hum- berto Maturana tem se apresentado como grande crí- tico do realismo matemático. Ele é o criador da teoria da autopoiese e da biologia do conhecer, e junto de Francisco Varela, faz parte dos propositores do pensa- mento sistêmico e do construtivismo radical. Dizem que nós, seres humanos, somos animais racionais. Nossa crença nessa afirmação nos leva a menosprezar as emoções e a enal- tecer a racionalidade, a ponto de querermos atribuir pensamento racional a animais não humanos, sempre que observamos neles com- portamentos complexos. Nesse processo, fizemos com que a noção de realidade objetiva, se tornasse referência a algo que supomos ser universal e independente do que fazemos, e que usamos como argu- mento visando a convencer alguém, quando não queremos usar a força bruta (MATURANA, 1997). A abordagem sistêmica de Maturana deriva de seu conceito fundamental: a autopoiese. Poiesis é um termo grego que significa “produção”. Autopoiese quer dizer autoprodução. A palavra surgiu pela primeira vez na literatura internacional em 1974, em um artigo publicado por Varela, Maturana e uribe para definir os seres vivos como sistemas que produzem a si mesmos de modo incessante. Esses são sistemas autopoiéticos por definição, porque sempre recompõem seus com- ponentes desgastados. Assim, um sistema autopoiético é ao mesmo tempo produtor e produto. De um modo geral, as principais ideias de Matu- rana e sua contribuição ao pensamento sistêmico podem ser assim resumidas: a) enquanto não entendermos o caráter sistê- mico da célula, não conseguiremos compre- ender os organismos; b) a autopoiese define comclareza os fenôme- nos biológicos; c) os fenômenos sociais podem ser considera- dos biológicos, porque a sociedade é formada por seres vivos; d) a noção de que os sistemas são determinados por sua estrutura é de fundamental importân- cia para muitas áreas da atividade humana. Para Maturana, o termo “autopoiese” traduz o centro da dinâmica constitutiva dos seres vivos. Para exercê-la, esses seres precisam de recursos do ambiente. Portanto, são sistemas ao mesmo tempo autônomos e dependentes. Maturana e Varela utilizaram uma metá- fora didática para falar dos sistemas autopoiéticos. Para eles, tais sistemas são máquinas que produzem a si próprias. Nenhuma outra espécie de máquina é capaz de fazer isso, pois todas elas produzem sempre algo diferente de si mesmas. 6.3 A teoria da complexidade Segundo uma importante dimensão ou pres- suposto epistemológico emergente na ciência é o da complexidade. Esse tema não é novo, ele surge de maneira mais efetiva nos anos 1980. Sabe-se que as ciências biológicas e sociais há muito se defrontam com a dificuldade de adotar o paradigma tradicional de ciência, enquanto as ciências físicas, por obterem sucesso em sua forma de trabalhar com esse para- digma, eram vistas como modelo de cientificidade (VASCONCELLOS, 2002). Segundo Morin (1990), a palavra “complexi- dade” tem origem no latim complexus, que significa o que está tecido em conjunto. Refere-se a um con- Faculdade Educacional da Lapa - FAEL 18 junto cujos constituintes heterogêneos estão insepa- ravelmente associados e integrados, sendo ao mesmo tempo uno e múltiplo. Para que se possa perceber o complexo, é preciso ampliar o foco, em vez de acre- ditar que o objeto de estudo será o elemento, ou o indivíduo, e que será preciso delimitá-lo muito bem, deve-se passar a acreditar que o objeto será estudado ou trabalhado em seu contexto. Segundo Frederic Munné (1995), a Teoria da Complexidade mostra que a realidade é não linear, caótica, fractal, catastrófica e fuzzy (difusa) e deve ser vista de forma não somente quantitativa, mas, princi- palmente, qualitativa. A realidade é inacabada, é um eterno e caótico fluir. Ela engloba várias teorias recen- tes – Teoria do Caos, dos Fractais, das Catástrofes, da Lógica/Conjuntos Fuzzy (difusos) e outras proceden- tes das ciências exatas que se dirigem, explícita e impli- citamente, para uma visão cada vez mais aproximada da realidade, sem simplificação, sem reducionismo. Paradoxalmente, essas teorias aproximam-se das ciên- cias naturais e das ciências humanas, sendo aplicadas para entender as estruturas e os processos organizacio- nais complexos que transcendem as teorias clássicas sobre organizações humanas. Os diferentes pensadores da complexidade reco- nheceram que ela não é como se acreditava inicial- mente, uma propriedade específica dos fenômenos biológicos e sociais, tornando-se, portanto, um pressu- posto epistemológico transdisciplinar que surge sobre três aspectos: 2 1 o “problema lógico” – no início do século XX, no campo da microfísica defrontavam- 2 -se duas concepções, a da partícula subatô- mica concebida de um lado como onda e de outro como partícula, obrigando os pes- quisadores a fazer uma das opções. Até que Niels Bohr afirmou que “essas proposições contraditórias eram de fato complementares [e que] logicamente se deveriam associar os dois termos que se excluem mutuamente” (MORIN, 1991, p. 422). Esses princípios foram também analisados por Max Plank (1990), que percebeu que a luz parecia auto- contraditória, consistindo, ao mesmo tempo, em ondas e em partículas, fato que elimina a dualidade. Essa dualidade levou ao desen- volvimento da teoria quântica para a mecâ- nica quântica, ao descobrimento do funcio- namento do átomo e ao reconhecimento do mundo subatômico como espaço-tempo em que predomina o “princípio da incerteza” e “princípio da complementaridade”. 2 o “problema da desordem” – remete-se à dimensão da instabilidade. A física constatou também o problema da tendência à desor- dem, que veio para derrubar um dogma cen- tral da física, a ordem. Segundo esse dogma o mundo é estável, funciona como uma máquina mecânica absolutamente perfeita, em que a desordem não seria mais que uma ilusão ou uma aparência. Um tipo de desor- dem veio das pesquisas da termodinâmica. Segundo Prigogine (1980), a descoberta de que o calor corresponde à agitação desorde- nada das moléculas por Boltzmann permitiu que se notasse que a entropia corresponde a uma medida da desordem molecular. O reco- nhecimento da desordem exigiu uma nova forma de pensar, que incluísse a indetermi- nação e a imprevisibilidade dos fenômenos. Os diferentes pensadores da complexidade reconheceram que ela não é como se acreditava inicialmente – uma propriedade específica dos fenômenos biológicos e sociais. 2 o “problema da incerteza” – remete-se à dimensão da intersubjetividade. Morin (1983) ensina a complexidade da relação de conhecimento, da relação entre sujeito que conhece e o objeto que é conhecido já é tema a muito discutido pelos pensadores e filó- sofos. Entretanto, essa relação só foi trazida formalmente para o âmbito da ciência pela física, quando Heisenberg formulou o “prin- cípio da incerteza” no qual “não se pode ter, simultaneamente, valores bem determinados para a posição e para a velocidade, em mecâ- nica quântica”. Com isso, demonstrou que nem mesmo a mensuração poderia produzir certeza e que “ao se lançar sobre um elétron, a fim de poder ‘vê-lo’, isso inevitavelmente o Teorias do Pensamento Contemporâneo 19Faculdade Educacional da Lapa - FAEL colocava fora de curso, afetando sua veloci- dade ou sua posição”. Essas descobertas provocaram a eclosão do pen- samento complexo e, por consequência, o avanço de diversas ciências. Nas ciências humanas, deu-se início a uma visão mais integradora para o conhe- cimento do seu objeto de estudo, o ser humano, e assim a busca de uma ciência que pudesse atender a demanda da crise socioambiental. Para se ter uma melhor percepção do que se concebe no âmbito do pensamento científico como complexidade, é preciso conhecer suas bases epistemológicas. 6.4 Abordagem cultural e conhecimento O termo “cultura” em latim significa os cuidados prestados aos campos e ao gado. No século XVI, essa palavra definia a ação de cultivar a terra; e no fim do século XVII passou a ser usado no sentido de uma faculdade ou o trabalho para desenvolver uma facul- dade. Mas foi no século XVIII que a palavra assumiu seu sentido figurado, como nas expressões “cultura das artes”, “cultura das letras”, “cultura das ciências”. O termo “cultura” também se associa às expressões “for- mação”, “educação do espírito”. É associada à ideia de progresso, educação (uma pessoa “culta”). Pierre Bourdieu (1930-2002) foi um sociólogo francês que analisou diferenças culturais entre grupos sociais e desenvolveu o conceito de habitus: sistemas de disposições duradouras e transponíveis, estruturas adquiridas por meio de conhecimentos próprios de modos de vida particulares. Ele caracteriza uma classe ou um grupo social por comparação com outros que não partilham das mesmas condições sociais. O habitus funciona como a materialização ou a incorporação da memória coletiva. Franz Boas (1858-1942) mostra que a aplicação desse método recusa as determinações do meio físico e as determinações raciais como responsáveis pela diver- sidade dos modos de vida humanos. É na cultura e no particularismo histórico que ele vai buscar as fontes dessa diversidade. Boas, ao criticar o evolucionismo, lançou as bases do culturalismo, cujo objeto de refle- xão eram as sociedades ditas primitivas, espalhadas sobre o globo terrestre, consideradas na sua especifici- dade, na sua originalidade. Segundo Consorte (1997), o culturalismo emerge como esforço de compreensão da diversidade humana, “constitui-se no processo de crítica ao evolucionismo, caracterizando-se, fundamentalmente,por duas rup- turas uma com o Determinismo Geográfico e outra com o Determinismo Biológico”. No campo da psico- logia, o Culturalismo atribui à cultura o papel deter- minante no desenvolvimento do caráter e da persona- lidade, enquanto nas ciências sociais em geral ele se traduz no destaque do papel da cultura na organização das condutas e dos fenômenos coletivos. Entre os conceitos mais importantes que ganha- ram força no culturalismo está o de identidade, que se remete para o sentido de pertença, influenciando o comportamento dos indivíduos em modalidade de categorização na distinção eu-você e nós-eles. Desse conceito deriva a identidade social, na qual a coleti- vidade pode perfeitamente funcionar admitindo no seu interior certa pluralidade cultural. O que cria a separação, a fronteira, é a vontade de diferenciação e a utilização de certos traços culturais como marcadores da sua identidade específica. No campo da psicologia, o culturalismo atribui à cultura o papel determinante no desenvolvimento do caráter e da personalidade. 7 A COMPLEXIDADE HUMANA: LIMITES E DESAFIOS EDUCACIONAIS 7.1 Novos paradigmas e conhecimento científico Na primeira década deste século, as preocupa- ções com os sistemas naturais e humanos adquiriram suprema importância. Veio à tona com toda uma série de problemas globais que estão danificando a biosfera e a vida humana de uma maneira alarmante, em um cenário de degradação próximo de ser irreversível. Existe ampla documentação científica a respeito da extensão e da importância desses problemas. Quanto mais se conhece os principais problemas da atuali- dade, mais percebe-se que eles não podem ser enten- didos isoladamente. São problemas sistêmicos, o que significa que estão interligados e são interdependentes. Em última análise, esses problemas precisam ser vistos, exatamente, como diferentes facetas de uma Faculdade Educacional da Lapa - FAEL 20 única crise, que é, em grande medida, uma crise de percepção. Ela deriva do fato de que a maioria das pessoas, e em especial grandes instituições sociais, concordam com os conceitos de uma visão de mundo obsoleta, uma percepção da realidade inadequada para lidar com as questões culturais e naturais deste século. Thomas Kuhn (1962) aponta que esse movimento ocorre sob a forma de rupturas descontínuas e revo- lucionárias denominadas mudanças de paradigma. Segundo ele, há um “paradigma” científico, que pode ser definido como “uma constelação de realizações – concepções, valores, técnicas etc. – compartilhada por uma comunidade científica e utilizada por ela para definir problemas e soluções legítimos. O paradigma que está agora retrocedendo dominou a cultura por várias centenas de anos, durante as quais modelou a moderna sociedade ocidental e influenciou significati- vamente o restante do mundo. Segundo Chizzotti (2005), as concepções de mundo denominam-se paradigmas e estes represen- tam uma concepção teórica, uma crença que direciona a leitura do mundo, ou que faz que se enxergue o mundo de um determinado modo. Por conseguinte, as teorias que orientam as investigações podem ser definidas também como paradigmas, modelos ou pos- turas dos investigadores. Boaventura Santos, apresentando as teses de um paradigma emergente e argumentando que todo o conhecimento científico visa constituir-se em senso comum, diz: [...] a ciência pós-moderna sabe que nenhuma forma de conhecimento é, em si mesma, racional; só a configuração de todas elas é racional. Tenta, pois, dialogar com outras formas de conhecimento deixando-se penetrar por elas. A mais importante de todas é o conhecimento do senso comum, o conhecimento vulgar e prático com que no quotidiano orientamos as nossas acções e damos sentido à nossa vida. [...] É certo que o conhecimento do senso comum tende a ser um conhecimento mistificado e mistificador mas, apesar disso e apesar de ser conservador, tem uma dimensão utópica e libertadora que pode ser ampliada através do diálogo com o conhecimento científico” (2002, p. 55-56) Reconhecer a falência das certezas é tomar consci- ência da crise paradigmática que se vive. Os parâmetros de verdade – aqueles transmitidos de geração em gera- ção – não são os mesmos e não conseguimos mais agir como nossos pais, como pensava o músico e o poeta. Os novos paradigmas e modelos de saber cientí- fico que emergem trazem consigo uma nova visão de mundo para a sociedade. Nessa nova visão o conhe- cimento que necessita ser sustentado em princípios, tais como: 2 o conhecimento científico-natural é cientí- fico social sem ruptura entre o ser humano e natureza, o orgânico e o inorgânico, a consci- ência e a realidade física externa, o que leva a um saber sem distinção entre ciências exatas e humanas. O ser humano está no centro do conhecimento, mas a natureza está no centro do ser humano; 2 o conhecimento é local e total, sem fragmen- tação do saber. O saber se constitui multidisci- plinarmente por meio de uma síntese de várias fontes, métodos, vivências e percepções; 2 o conhecimento é autoconhecimento, sem distinção entre observador e fenômeno, sujeito e objeto, subjetivo e objetivo. O pen- samento científico não descobre, cria conhe- cimentos, e não é a única explicação possível; 2 o conhecimento científico deixa de ser hermé- tica e reservada a poucos eleitos capacitados, para ganhar o domínio público e tornar-se um saber popular. 7.2 A formação do cidadão complexo Morin (2003), ao analisar as bases da educação do futuro, aponta que ela deverá ser o ensino primeiro e universal na condição humana. Vive-se na era plane- tária; uma aventura comum conduz seres humanos, onde quer que se encontrem. Estes devem reconhecer- -se em sua humanidade comum e ao mesmo tempo reconhecer a diversidade cultural inerente a tudo que é humano. Conhecer o humano é, antes de mais nada, situá-lo no universo, e não separá-lo dele. Todo o conhe- cimento deve contextualizar seu objeto, para ser pertinente. “Quem somos?” é inseparável de “Onde estamos?”, “De onde viemos?”, Teorias do Pensamento Contemporâneo 21Faculdade Educacional da Lapa - FAEL “Para onde vamos?” Interrogar nossa condição humana implica questionar primeiro nossa posição no mundo. O fluxo de conheci- mentos, no final do século XX, traz luz sobre a situação do ser humano no universo. Os progressos con- comitantes da cosmologia, das ciências da Terra, da ecologia, da biologia, da pré-história, nos anos 60-70, modificaram as ideias sobre o universo, a Terra, a Vida e sobre o próprio Homem. Mas estas contri- buições permaneceram ainda desu- nidas. O humano continua esquar- tejado, partido como pedaços de um quebra-cabeça ao qual falta uma peça. Aqui se apresenta um problema epistemológico: é impos- sível conceber a unidade complexa do ser humano pelo pensamento disjuntivo, que concebe nossa humanidade de maneira insular, fora do cosmos que nos rodeia, da matéria física e do espírito do qual somos constituídos, bem como pelo pensamento redutor, que restringe a unidade humana a um substrato puramente bioana- tômico. As ciências humanas são elas próprias fragmentadas e com- partimentadas. Assim, a comple- xidade humana torna-se invisível e o homem desvanece “como um rastro na areia”. Além disso, o novo saber, por não ter sido religado, não é assimilado nem integrado. Paradoxalmente assiste-se ao agra- vamento da ignorância do todo, enquanto avança o conhecimento das partes. Disso decorre que, para a educação do futuro, é necessário promover grande remembramento dos conhecimentos oriundos das ciências naturais, a fim de situar a condição humana no mundo, dos conhecimentos derivados das ciências humanas para colocar em evidência a multidimensionalidade e a complexidade humana, bem como integrar (na educação do futuro) a contribuição inestimável das humanidades, não somente a filosofia e história, mas também a literatura, a poesia, as artes [...]
Compartilhar