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I ,
~iiilFeaD
Psicoterapia fenomenologico-existencial:
fundamentos filosofico-antropologicos
Jose Paulo Giovanetti
FEAD
Bela Harizante
2012
20('"00
Publicado por FEAD
Copyright©2012 FEAD
Diretoria Geral
Jose Roberto Franco Tavares Paes
Capa
FEADVISUAL
Todos os direitos reservados ao
Sistema Integrado de Ensino de Minas Gerais - SIEMG
Rua Claudio Manoel, 1.162 - Savassi - Belo Horizonte - MG
Nenhuma parte deste material podera ser reproduzida, armazenada ou
transmitida de qualquer forma ou por qualquer meio, seja ele eletronico,
mecanico, fotoc6pia ou grava9iio, sem autoriza9ao do SIEMG.
Aten9iio: pode acontecer de algum desses sites indicados nao estar mais disponlvel
devido ao dinamismo que caracteriza essa fonte de informa9iio.
Giovanetti, Jose Paulo
i342p Psicoterapia fenomenoI6gica-existencial: fundamentos filos6fico-
; antropol6gicos I Jose Paulo Giovanetti. - Belo Horizonte: FEAD, 2012.
~ . 12Cp.
r
~
R I Titulo 1- Psicologia 2- Fenomenologia 3- Antropologia
I,c. i CDU:159.9
~
I
iN DICE
la Parte:
BASES FILOSOFICAS PARA A CLiNICA
Impactos das Ideias Humanistas, Fenomenol6gicas e Existenciais na Psicoterapia ..... 11
2 Diferencial psicoterapeutico na fenomenologia existencial ........................................... 37
3 Fundamenta980 antropologica da pratica psicoterapica ............................................... 49
4 0 existir humane na obra de Ludwig Binswanger ......................................................... 59
II a Parte:
QUESTOES DE PSICOTERAPIA EXISTENCIAL
5 A rela980 terapeutica na perspectiva fenomenoI6gico-existencial ................................ 81
6 0 encontro na perspectiva terapeutica existencial. .................................................... ..101
7 P6s-modernidade e 0 vazio existencial. ............... · ................................................. · ...... 111
Publicado por FEAD
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devido ao dinamismo que caracteriza essa fonte de informa9iio.
Giovanetti, Jose Paulo
i342p Psicoterapia fenomenoI6gica-existencial: fundamentos filos6fico-
; antropol6gicos I Jose Paulo Giovanetti. - Belo Horizonte: FEAD, 2012.
~ . 12Cp.
r
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R I Titulo 1- Psicologia 2- Fenomenologia 3- Antropologia
I,c. i CDU:159.9
~
I
iN DICE
la Parte:
BASES FILOSOFICAS PARA A CLiNICA
Impactos das Ideias Humanistas, Fenomenol6gicas e Existenciais na Psicoterapia ..... 11
2 Diferencial psicoterapeutico na fenomenologia existencial ........................................... 37
3 Fundamenta980 antropologica da pratica psicoterapica ............................................... 49
4 0 existir humane na obra de Ludwig Binswanger ......................................................... 59
II a Parte:
QUESTOES DE PSICOTERAPIA EXISTENCIAL
5 A rela980 terapeutica na perspectiva fenomenoI6gico-existencial ................................ 81
6 0 encontro na perspectiva terapeutica existencial. .................................................... ..101
7 P6s-modernidade e 0 vazio existencial. ............... · ................................................. · ...... 111
" ,-
... ~ ..
APRESENTACAO
Ja h8 algum tempo queria reunir em um livro alguns artigos
que escrevi ao longo dos ultimos anos e que foram apresentados
em varios congressos e se encontram espalhados em muiflplas re-
vistas. Os artigos aqui reunidos abordam 0 tema da Psicoterapia,
principalmente de seus fundamentos filos6ficos, especialmente
aqueles base ados em uma antropologia filos6fica. Por isso, 0 titulo
escolhido foi "Psicoterapia fenomenoI6gico-existencial: fundamen-
tos filos6fico-antropoI6gicos".
Um dos grandes desafios da Psico!ogia Clinica e explicitar
uma concepgao de ser humane que Ihe sirva de parametro para
o trabalho clinico. A ciencia que possibilita lan9ar as bases para
esse trabalho e a Filosofia. Entre as diversas abordagens te6ricas
da atividade clinica, aPsicologia Existencial vai buscar na reflex80
filos6fica sua inspira980 para compreender melhor 0 ser humano
e, com isso, ajuda-Io a enfrentar os percal90s da existencia e os
sofrimentos que podem advir de seu caminhar.
A perspectiva aqui adotada, dentre as diversas intervengoes
clinicas, e a Psicoterapia FenomenoI6gico-existencic::, que tem
como ponto de partida uma antropologia filos6fica, a qual pretende
compreender as diversas dimensoes que compoem a vida huma-
na e suas articula90es intrinsecas. 0 livro e apresentado em duas
partes. A primeira, intitulada "Bases flIos6ficas para a clinica", com-
posta pel os quatro primeiros textos, visa a explicitar a perspectiva
filos6fica que 0 embasa, destacando as teorias de sustenta980 das
intervengoes clinicas, a Fenomenologia e 0 Existencialismo, cor-
rentes filos6ficas com bergo na Europa. A segunda parte do livro,
intitulada "Quest6es de PSicoterapia Existencial", que se comp6e
de tres capitulos, mostra a nossa compreens80 do que seja um
"encontro humano", condig80 sine qua non para 0 trabalho tera-
peutico.
" ,-
... ~ ..
APRESENTACAO
Ja h8 algum tempo queria reunir em um livro alguns artigos
que escrevi ao longo dos ultimos anos e que foram apresentados
em varios congressos e se encontram espalhados em muiflplas re-
vistas. Os artigos aqui reunidos abordam 0 tema da Psicoterapia,
principalmente de seus fundamentos filos6ficos, especialmente
aqueles base ados em uma antropologia filos6fica. Por isso, 0 titulo
escolhido foi "Psicoterapia fenomenoI6gico-existencial: fundamen-
tos filos6fico-antropoI6gicos".
Um dos grandes desafios da Psico!ogia Clinica e explicitar
uma concepgao de ser humane que Ihe sirva de parametro para
o trabalho clinico. A ciencia que possibilita lan9ar as bases para
esse trabalho e a Filosofia. Entre as diversas abordagens te6ricas
da atividade clinica, aPsicologia Existencial vai buscar na reflex80
filos6fica sua inspira980 para compreender melhor 0 ser humano
e, com isso, ajuda-Io a enfrentar os percal90s da existencia e os
sofrimentos que podem advir de seu caminhar.
A perspectiva aqui adotada, dentre as diversas intervengoes
clinicas, e a Psicoterapia FenomenoI6gico-existencic::, que tem
como ponto de partida uma antropologia filos6fica, a qual pretende
compreender as diversas dimensoes que compoem a vida huma-
na e suas articula90es intrinsecas. 0 livro e apresentado em duas
partes. A primeira, intitulada "Bases flIos6ficas para a clinica", com-
posta pel os quatro primeiros textos, visa a explicitar a perspectiva
filos6fica que 0 embasa, destacando as teorias de sustenta980 das
intervengoes clinicas, a Fenomenologia e 0 Existencialismo, cor-
rentes filos6ficas com bergo na Europa. A segunda parte do livro,
intitulada "Quest6es de PSicoterapia Existencial", que se comp6e
de tres capitulos, mostra a nossa compreens80 do que seja um
"encontro humano", condig80 sine qua non para 0 trabalho tera-
peutico.
Ocampo da Psicologia Existencial e muito vasto e diversifrcado
e tem como inspiraryao varias correntes de pensamento. Por isso,
procuraremos explicitar as diferentes fontes dessas abordagens. 0
primeiro texto, "Impacto das ideias humanistas, fenomenol6gicas e
existenciais na psicoterapia", pretende mostrar de forma sucinta as
tres fontes que inspiram as abordagens da Psicologia de orienta-
ryao Existencial, distinguindo-a da Psicologia Humanista, cuja base
se refere ao contexte americano, diferente do contexto europeu.o segundo texto, "0 diferencial fenomenol6gico na psicotera-
pia", procura lanryar algumas luzes sobre a especificidade do me-
todo fenomenol6gico para 0 trabalho cllnico, lembrando que esse
metodo pode ser frutifero em varios dominios da Psicologia, mas
que 0 psicoterapeuta pode muito bem utiliza-Io no seu trabalho.
Uma vez destacada a perspectiva da Psicologia Existencial por
n6s utilizada, e necessario mostrar que, ap6s elegermos uma cor-
rente frlos6frca, torna-se imprescindfvel falar da importancia de
uma antropologia frlos6fica como ponto de sustcntary80 de todo 0
desenrolar do trabalho. Esse e 0 sentido do terceiro texto, "Funda-
mentaryao antropol6gica da pratica psicoterapica".
Ludwig Binswanger foi um psiquiatra-frI6sofo sufryo que vislum-
brou a necessidade de sedimentar seu trabalho medico em uma
, ViS80 de homem mais abrangente do que aquela oferecida pelas
;. ciencias medicas. Em uma grande obra de 1942, Grundformen
to f und Erkenntnis menschlichen Daseins, explicitou as bases de sua
(,
r, antropologia filos6fica. 0 quarto texto, "0 existir humano na obra
rde Ludwig Binswanger", e um resumo das lin has de sustentag80
i:~e sua compreens80 do ser humano.
" t Com 0 titulo "Questoes de psicoterapia existencial", a segunda
~arte do Iivro, trata de alguns temas especfficos da pSicoterapia
f~xistencial, principalmente a relag80 terapeutica entendida como
f
ium' encontro inter-humano.
o texto "A relay80 terapeutica na perspectiva fenomenol6gico-
-existencial", que abre a segunda parte do livro, procura definir a
relag80 terapeutica na perspectiva fenomenol6gico-existencial,
partindo da explicitaryao dos elementos que compoem uma relagao
humana, para, em seguida, destacar a especifrcidade da. relary80
terapeutica. Sob a perspectiva existencial, a relaryao entre 0 ser
humano que sofre e busca uma ajuda e 0 terapeuta e vivida na
diregao de um encontro intersubjetivo, em que as duas pessoas
crescem no seu caminho existencial. 0 titulo dessa reflex80 e "0
encontro na perspectiva terapeutica existencial".
o ultimo texto, "P6s-modernidade e vazio existencial", procura
abordar um dos grandes problemas do homem contemporaneo,
que vive mergulhado em uma sociedade cada vez mais comple-
xa, a qual gera formas de adoecimentos tipicos da globalizag80
a que somos submetidos. 0 vazio existencial e uma das formas
mais tipicas de sofrimento humano, neste novo comeryo de seculo
em uma sociedade dita p6s-moderna ou, como denominada por
alguns, hipermoderna.
Esperamos que os textos aqui apresentados possam contribuir
para despertar no psic610go c1inico 0 desejo de buscar na filosofra
uma base s61ida para 0 seu trabalho do dia-a-dia.
Ocampo da Psicologia Existencial e muito vasto e diversifrcado
e tem como inspiraryao varias correntes de pensamento. Por isso,
procuraremos explicitar as diferentes fontes dessas abordagens. 0
primeiro texto, "Impacto das ideias humanistas, fenomenol6gicas e
existenciais na psicoterapia", pretende mostrar de forma sucinta as
tres fontes que inspiram as abordagens da Psicologia de orienta-
ryao Existencial, distinguindo-a da Psicologia Humanista, cuja base
se refere ao contexte americano, diferente do contexto europeu.
o segundo texto, "0 diferencial fenomenol6gico na psicotera-
pia", procura lanryar algumas luzes sobre a especificidade do me-
todo fenomenol6gico para 0 trabalho cllnico, lembrando que esse
metodo pode ser frutifero em varios dominios da Psicologia, mas
que 0 psicoterapeuta pode muito bem utiliza-Io no seu trabalho.
Uma vez destacada a perspectiva da Psicologia Existencial por
n6s utilizada, e necessario mostrar que, ap6s elegermos uma cor-
rente frlos6frca, torna-se imprescindfvel falar da importancia de
uma antropologia frlos6fica como ponto de sustcntary80 de todo 0
desenrolar do trabalho. Esse e 0 sentido do terceiro texto, "Funda-
mentaryao antropol6gica da pratica psicoterapica".
Ludwig Binswanger foi um psiquiatra-frI6sofo sufryo que vislum-
brou a necessidade de sedimentar seu trabalho medico em uma
, ViS80 de homem mais abrangente do que aquela oferecida pelas
;. ciencias medicas. Em uma grande obra de 1942, Grundformen
to f und Erkenntnis menschlichen Daseins, explicitou as bases de sua
(,
r, antropologia filos6fica. 0 quarto texto, "0 existir humano na obra
rde Ludwig Binswanger", e um resumo das lin has de sustentag80
i:~e sua compreens80 do ser humano.
" t Com 0 titulo "Questoes de psicoterapia existencial", a segunda
~arte do Iivro, trata de alguns temas especfficos da pSicoterapia
f~xistencial, principalmente a relag80 terapeutica entendida como
f
ium' encontro inter-humano.
o texto "A relay80 terapeutica na perspectiva fenomenol6gico-
-existencial", que abre a segunda parte do livro, procura definir a
relag80 terapeutica na perspectiva fenomenol6gico-existencial,
partindo da explicitaryao dos elementos que compoem uma relagao
humana, para, em seguida, destacar a especifrcidade da. relary80
terapeutica. Sob a perspectiva existencial, a relaryao entre 0 ser
humano que sofre e busca uma ajuda e 0 terapeuta e vivida na
diregao de um encontro intersubjetivo, em que as duas pessoas
crescem no seu caminho existencial. 0 titulo dessa reflex80 e "0
encontro na perspectiva terapeutica existencial".
o ultimo texto, "P6s-modernidade e vazio existencial", procura
abordar um dos grandes problemas do homem contemporaneo,
que vive mergulhado em uma sociedade cada vez mais comple-
xa, a qual gera formas de adoecimentos tipicos da globalizag80
a que somos submetidos. 0 vazio existencial e uma das formas
mais tipicas de sofrimento humano, neste novo comeryo de seculo
em uma sociedade dita p6s-moderna ou, como denominada por
alguns, hipermoderna.
Esperamos que os textos aqui apresentados possam contribuir
para despertar no psic610go c1inico 0 desejo de buscar na filosofra
uma base s61ida para 0 seu trabalho do dia-a-dia.
/ ,-
la PARTE
BASES FILOSOFICAS PARA A
CLiNICA
/ ,-
la PARTE
BASES FILOSOFICAS PARA A
CLiNICA
. )
IMPACTOS DAS IDEIAS HUMANISTAS,
FENOMENOL6GICAS E EXISTENCIAIS NA
PSICOTERAPIA
I - INTRODUCAO
Estamos assistindo a um ressurgimento das terapias ditas
humanista-existenciais. Pequenos grupos espalhados por varias
lugares comegam a se organizar para sistematizarem seus estu-
dos. Como exemplo deste revigoramento do que ja foi chamada a
3a. forga da PSicologia em algumas decadas passadas, tivemos,
em setembro de 1993, 0 1\ Congresso Brasileiro de Psicoterapia
Existencial; em setembro de 1994, a Segunda Conferencia Inter-
nacional de Psicologia y Psiquiatria Fenomenologica; em outubro
de 1994, 10. Encontro Latino Americano da abordagem centrada
na pessoa e, hoje, estamos iniciando 0 1\ Encontro Mineiro de Psi-
cologia Humanista, que tem como objetivo reunir reflexoes de pro-
fissionais para que possam explicitar melhor as caracterfsticas do
ser humano, e, assim, compreenderem 0 homem como pessoa.
o desafio diante do qual nos deparamos e de vermos agrupa-
dos sob 0 nome da Psicologia Humanista, e mais especificamente,
Psicoterapia humananista-existencial as mais diversas praticas de
psicoterapais, algumas meras tecnicas que nao tem nada aver
com a Psicologia Humanista ou Fenomenol6gico-existencial. Este
desafio se manifesta de uma dupla maneira. Em primeiro lugar, se-
ria necessario separarmos as praticas terapeuticas de orientagao
humanista-existencial das meras praticas alternativas que se proli-
feram no mundo moderno. Em segundo lugar, dentro das praticas
humanista-existenciais, separamos as diversas orientagoes que,
• Texto publicado pela primeira vez nos Anais dos Encontros Mineiros de Psiciologia
Humanista 1993-1995, p. 41-53. Em uma segunda vez, 0 texto foi editado pela
Revista Cafe de Flore, Rio de Janeiro. Bo/etim nO 6, out.-nov. 95, p. 25-43 ..
11
. )
IMPACTOS DAS IDEIAS HUMANISTAS,
FENOMENOL6GICAS E EXISTENCIAISNA
PSICOTERAPIA
I - INTRODUCAO
Estamos assistindo a um ressurgimento das terapias ditas
humanista-existenciais. Pequenos grupos espalhados por varias
lugares comegam a se organizar para sistematizarem seus estu-
dos. Como exemplo deste revigoramento do que ja foi chamada a
3a. forga da PSicologia em algumas decadas passadas, tivemos,
em setembro de 1993, 0 1\ Congresso Brasileiro de Psicoterapia
Existencial; em setembro de 1994, a Segunda Conferencia Inter-
nacional de Psicologia y Psiquiatria Fenomenologica; em outubro
de 1994, 10. Encontro Latino Americano da abordagem centrada
na pessoa e, hoje, estamos iniciando 0 1\ Encontro Mineiro de Psi-
cologia Humanista, que tem como objetivo reunir reflexoes de pro-
fissionais para que possam explicitar melhor as caracterfsticas do
ser humano, e, assim, compreenderem 0 homem como pessoa.
o desafio diante do qual nos deparamos e de vermos agrupa-
dos sob 0 nome da Psicologia Humanista, e mais especificamente,
Psicoterapia humananista-existencial as mais diversas praticas de
psicoterapais, algumas meras tecnicas que nao tem nada aver
com a Psicologia Humanista ou Fenomenol6gico-existencial. Este
desafio se manifesta de uma dupla maneira. Em primeiro lugar, se-
ria necessario separarmos as praticas terapeuticas de orientagao
humanista-existencial das meras praticas alternativas que se proli-
feram no mundo moderno. Em segundo lugar, dentro das praticas
humanista-existenciais, separamos as diversas orientagoes que,
• Texto publicado pela primeira vez nos Anais dos Encontros Mineiros de Psiciologia
Humanista 1993-1995, p. 41-53. Em uma segunda vez, 0 texto foi editado pela
Revista Cafe de Flore, Rio de Janeiro. Bo/etim nO 6, out.-nov. 95, p. 25-43 ..
11
num primeiro momento, podem parecer iguais, mas apresentam
fundamentayoes teoricas divergentes.
o objetivo desta conferencia, sem querer esgotar 0 assunto
e muito menos julga-Ia completa, pretende trayar algumas linhas
gerais das diversas terapias contemporaneas ditas humanista-
-existenciais, a partir de suas fontes e de suas ideias chaves, res-
pondendo, assim, ao segundo aspecto do desafio proposto. Para
levarmos a contento 0 proposito estabelecido, dividi~emos a expo-
siyao em dois momentos:
a) Analise das diferentes fontes do movimeilto psicoterapico
humanista-existencial.
b) Impacto destas ideias na pratica clfnica denominada psico-
terapia.
II - AS FONTES DA PSICOTERAPIA HUMANISTA -
EXISTENCIAL
Para entendermos as diversas foryas que vaG moldar as psi-
coterapias de cunho humanista-existencial, comecemos a distin-
guir as ideias humanistas das ideias fenomenoiogicas e das ideias
existenciais. Em determinados mementos da historia, estas ideias
se intercruzam, mas e necessario distinguirmos suas origens.
2.1. CONTEXTO HISTORICO DAS FONTES
a) HUMANISMO INDIVIDUAL
o conceito historico-cultural de humanismo se refere a epoca
'do Renascimento e tinha como objetivo uma volta aos estudos dos
; auto res classicos greco-Iatinos. Dessa maneira, a recuperayao
fdoS grandes modelos de sabedoria do pensamento antigo pos-
i~ siqilitava 0 crescimento do homem. Por outro lado, 0 humanismo,
:' enquanto possuidor de um significado ideal, designa uma concep-
. 12
yao do mundo e da existencia que tem por centro 0 homem. As-
sim temos tantos humanismos quantas concepyoes de homem. E
nesta perspectiva que devemos entender 0 movimento humanista
que surgiu na sociedade americana e que foi responsavel pelo
aparecimento da Psicologia humanista que se apresentou como
a terceira fon;a da Psicologia e como ~Iternativa a psicanalise de
Freud, que tinha como preocupayao central 0 estudo do incons-
ciente, e a Psicologia behaviorista, que tinha como objeto de es-
tudo 0 comportamento. A psicologia humanista e um retorno ao
estudo da experiencia consciente. "Esta psic%gia constitui-se em
OpOSiC;80 a objetividade do behaviorismo, e, em bora em acordo
com a enfase subjetiva da psicana/ise, op6e-se ao reducionismo
do comporiamento a defesas e pu/s6es".1
o movimento cultural que sustentou esta transformayao foi
chamado por Gomes (1986) de humanismo individual e
"sua histaria esta associada com a desempenho da
economia. Com a economia em ascensao, cecorren-
te das transformagoes sociais pas-guerra, va/ores tais
como, independencia, hedonismo, dissidencia, to/eran-
cia, permissividade, auto-expressao, ganham proemi-
nencia. Todo este movimento /ibera/izante e permissivo
a/canga seu pica no governo Kennedy onde ;was qua-
/ida des anunciam mudangas rapidas e significativas".2
Nos assistimos a invasao da sociedade pelo Eu, onde tudo,
a partir dos anos 60, se estruturou tendo nas preocupayoes pes-
soais seu lugar privilegiado. A lei, a seguir, formou-se depois da
percepyao de que a polftica nao leva a nada: Sentir e viver plena-
mente suas emocoes. 0 impacto desta maneira de viver pode se
sentir tambem na psicologia e e descrita por Gomes assim:
1 Gomes. William. Movimentos Humanistas; Psicologia Humanista e Abordagem
centrad a na Pessoa. In: Psicologia, Reflexao e Crftica. Porto Alegre. vol. 1, no. 1,
1986, p. 44.
2 Idem, p. 44-45 .
13
num primeiro momento, podem parecer iguais, mas apresentam
fundamentayoes teoricas divergentes.
o objetivo desta conferencia, sem querer esgotar 0 assunto
e muito menos julga-Ia completa, pretende trayar algumas linhas
gerais das diversas terapias contemporaneas ditas humanista-
-existenciais, a partir de suas fontes e de suas ideias chaves, res-
pondendo, assim, ao segundo aspecto do desafio proposto. Para
levarmos a contento 0 proposito estabelecido, dividi~emos a expo-
siyao em dois momentos:
a) Analise das diferentes fontes do movimeilto psicoterapico
humanista-existencial.
b) Impacto destas ideias na pratica clfnica denominada psico-
terapia.
II - AS FONTES DA PSICOTERAPIA HUMANISTA -
EXISTENCIAL
Para entendermos as diversas foryas que vaG moldar as psi-
coterapias de cunho humanista-existencial, comecemos a distin-
guir as ideias humanistas das ideias fenomenoiogicas e das ideias
existenciais. Em determinados mementos da historia, estas ideias
se intercruzam, mas e necessario distinguirmos suas origens.
2.1. CONTEXTO HISTORICO DAS FONTES
a) HUMANISMO INDIVIDUAL
o conceito historico-cultural de humanismo se refere a epoca
'do Renascimento e tinha como objetivo uma volta aos estudos dos
; auto res classicos greco-Iatinos. Dessa maneira, a recuperayao
fdoS grandes modelos de sabedoria do pensamento antigo pos-
i~ siqilitava 0 crescimento do homem. Por outro lado, 0 humanismo,
:' enquanto possuidor de um significado ideal, designa uma concep-
. 12
yao do mundo e da existencia que tem por centro 0 homem. As-
sim temos tantos humanismos quantas concepyoes de homem. E
nesta perspectiva que devemos entender 0 movimento humanista
que surgiu na sociedade americana e que foi responsavel pelo
aparecimento da Psicologia humanista que se apresentou como
a terceira fon;a da Psicologia e como ~Iternativa a psicanalise de
Freud, que tinha como preocupayao central 0 estudo do incons-
ciente, e a Psicologia behaviorista, que tinha como objeto de es-
tudo 0 comportamento. A psicologia humanista e um retorno ao
estudo da experiencia consciente. "Esta psic%gia constitui-se em
OpOSiC;80 a objetividade do behaviorismo, e, em bora em acordo
com a enfase subjetiva da psicana/ise, op6e-se ao reducionismo
do comporiamento a defesas e pu/s6es".1
o movimento cultural que sustentou esta transformayao foi
chamado por Gomes (1986) de humanismo individual e
"sua histaria esta associada com a desempenho da
economia. Com a economia em ascensao, cecorren-
te das transformagoes sociais pas-guerra, va/ores tais
como, independencia, hedonismo, dissidencia, to/eran-
cia, permissividade, auto-expressao, ganham proemi-
nencia. Todo este movimento /ibera/izante e permissivo
a/canga seu pica no governo Kennedy onde ;was qua-
/ida des anunciam mudangasrapidas e significativas".2
Nos assistimos a invasao da sociedade pelo Eu, onde tudo,
a partir dos anos 60, se estruturou tendo nas preocupayoes pes-
soais seu lugar privilegiado. A lei, a seguir, formou-se depois da
percepyao de que a polftica nao leva a nada: Sentir e viver plena-
mente suas emocoes. 0 impacto desta maneira de viver pode se
sentir tambem na psicologia e e descrita por Gomes assim:
1 Gomes. William. Movimentos Humanistas; Psicologia Humanista e Abordagem
centrad a na Pessoa. In: Psicologia, Reflexao e Crftica. Porto Alegre. vol. 1, no. 1,
1986, p. 44.
2 Idem, p. 44-45 .
13
"Exemplos da atmosfera dominante podem ser vistas
em frases que fica ram celebres como a ora~ao da Ges-
talt: 'Voce cuide da sua vida que eu cuido da minha. Eu
estou aqui para nao viver as suas expectativas e nem
voce esta aqui para viver as minhas'. Ou como Marlow
(1968) costumava dizer que uma pessoa e valorizada
nao pelo que ela produziu mas pelo que pode vir a ser.
Ou ainda, na teoria rogeriana da confian~a irrestrita na
pessoa".3
Este clima de centramento no sujeito e a matriz de varios mo-
vimentos terapicos e, hoje, a exacerbac;ao do eu como centro, em
tudo que se faz, provoca a onda de tecnicas de auto-ajuda que
assistimos proliferarem na sociedade contemporanea.
b) FENOMENOLOGIA
Ao contrario do humanismo individual, a fenomenologia e um
movimento filosofico que se estruturou no inicio do seculo XX
atraves de Husser!. A palavra Fenomenologia foi utilizada pel~
primeira vez pelo medico frances J.H. Lambert em meados do
seculo XVIII, para designar 0 estudo ou a "descric;ao da aparencia",
na quarta parte do seu livro intitulado New Organon (1764). Este
sentido pre-husserliano e recolhido por Kant e retomado por Hegel
na Fenomenologia do Espirito ja para designar a sucessao, por .
necessidade dialetica, dos fenomenos da consciencia, desde as
t simples aparencias sensiveis ate 0 saber absoluto. Sem se esquecer
~ ,que 0 termo foi tambem utilizado por Hartmann, Pierce e Stumpf,
~ . chegamos ao sentido husserliano, anunciado na obra Logische
; Untersuchungen (1900-1901) onde Fenomenologia e entendida
r ·como um metodo para fundar a logica pura, e, posteriormente,
tPens~d~ por Husserl para fundamentar a totalidade dos objetos
r posslvels.
\'
!~.,-----
k 3· Idem, p. 45.
14
E necessario lembrar que a concepc;ao da Fenomenologia nao
foi' colocada por Husserl de maneira acabada na referida obra. Ela
sofre uma evoluc;ao ao longo do pensamento husserliano. Como
nos mostra Van Breda no seu excelente artigo Phenomenologie,
existe, em Husserl, duas grandes concepc;oes de Fenom~nologia.
Na primeira, Husserl "define Fenomen%gia como uma ciencia
filos6fica propedeutica, que tem como objeto a descriC;80 das es-
sencias fundamentais para uma prob/ematica fifos6fica dada".4 A
segunda concepc;ao, que se desenvolveu a parti'r do escrito de
1907, "Ideias para uma fenomenologia pura", proclama a feno-
menologia possuidora da seguinte tarefa: "redescobrir a genese
intenciona/ da consciencia e os passos constitutivos que a consci-
encia c%ca am movimento". 5
Hoje, quando falamos que um pensador e influenciado pela
fenomenologia, devemos ter 0 cuidado de detectar qual e a sua
concepc;ao de fenomenologia subjacente ao seu trabalho teorico,
pois a primeira concepc;ao de fenomenologia influenciou um gran-
de numero de psicologos, psiquiatras, critico de artes dos quais
podemos citar Jagers como 0 primeiro que trouxe esta concepc;ao
para 0 dominio da psicopatologia. Ja a segunda concepc;ao foi uti-
lizada mais pelos filosofos nas suas investigac;oes. No pensamen-
to frances, podemos citar Sartre, Merleau-Ponty e Ricoeur.
Cad a um dos inspirados pela fenomenologia vai, porem, tri-
Ihar um caminho proprio. E por esta razao que teremos diversas
concepc;oes de fenomenologia ao longo da historia do pensamen-
to psicologico.6 Uma observaC;80 se faz necessaria no sentido de
~ Van Breda, H.L. La Phenomenologie em Les courrants philosophiques, vol. III, p.
423, infelizmente sem data e referencia editorial.
5 Idem, p. 421.
6 Para 0 acompanhamento de impacto da fenomenologia nas suas diversas variaveis
no campo da psicologia e da psiquiatria, consultar 0 excelente livro de Spiegelberger,
H., Phenomenology in Psychology and Psychiatry: A Historical Introduction,
Northwestern University Press, 1972
15
"Exemplos da atmosfera dominante podem ser vistas
em frases que fica ram celebres como a ora~ao da Ges-
talt: 'Voce cuide da sua vida que eu cuido da minha. Eu
estou aqui para nao viver as suas expectativas e nem
voce esta aqui para viver as minhas'. Ou como Marlow
(1968) costumava dizer que uma pessoa e valorizada
nao pelo que ela produziu mas pelo que pode vir a ser.
Ou ainda, na teoria rogeriana da confian~a irrestrita na
pessoa".3
Este clima de centramento no sujeito e a matriz de varios mo-
vimentos terapicos e, hoje, a exacerbac;ao do eu como centro, em
tudo que se faz, provoca a onda de tecnicas de auto-ajuda que
assistimos proliferarem na sociedade contemporanea.
b) FENOMENOLOGIA
Ao contrario do humanismo individual, a fenomenologia e um
movimento filosofico que se estruturou no inicio do seculo XX
atraves de Husser!. A palavra Fenomenologia foi utilizada pel~
primeira vez pelo medico frances J.H. Lambert em meados do
seculo XVIII, para designar 0 estudo ou a "descric;ao da aparencia",
na quarta parte do seu livro intitulado New Organon (1764). Este
sentido pre-husserliano e recolhido por Kant e retomado por Hegel
na Fenomenologia do Espirito ja para designar a sucessao, por .
necessidade dialetica, dos fenomenos da consciencia, desde as
t simples aparencias sensiveis ate 0 saber absoluto. Sem se esquecer
~ ,que 0 termo foi tambem utilizado por Hartmann, Pierce e Stumpf,
~ . chegamos ao sentido husserliano, anunciado na obra Logische
; Untersuchungen (1900-1901) onde Fenomenologia e entendida
r ·como um metodo para fundar a logica pura, e, posteriormente,
tPens~d~ por Husserl para fundamentar a totalidade dos objetos
r posslvels.
\'
!~.,-----
k 3· Idem, p. 45.
14
E necessario lembrar que a concepc;ao da Fenomenologia nao
foi' colocada por Husserl de maneira acabada na referida obra. Ela
sofre uma evoluc;ao ao longo do pensamento husserliano. Como
nos mostra Van Breda no seu excelente artigo Phenomenologie,
existe, em Husserl, duas grandes concepc;oes de Fenom~nologia.
Na primeira, Husserl "define Fenomen%gia como uma ciencia
filos6fica propedeutica, que tem como objeto a descriC;80 das es-
sencias fundamentais para uma prob/ematica fifos6fica dada".4 A
segunda concepc;ao, que se desenvolveu a parti'r do escrito de
1907, "Ideias para uma fenomenologia pura", proclama a feno-
menologia possuidora da seguinte tarefa: "redescobrir a genese
intenciona/ da consciencia e os passos constitutivos que a consci-
encia c%ca am movimento". 5
Hoje, quando falamos que um pensador e influenciado pela
fenomenologia, devemos ter 0 cuidado de detectar qual e a sua
concepc;ao de fenomenologia subjacente ao seu trabalho teorico,
pois a primeira concepc;ao de fenomenologia influenciou um gran-
de numero de psicologos, psiquiatras, critico de artes dos quais
podemos citar Jagers como 0 primeiro que trouxe esta concepc;ao
para 0 dominio da psicopatologia. Ja a segunda concepc;ao foi uti-
lizada mais pelos filosofos nas suas investigac;oes. No pensamen-
to frances, podemos citar Sartre, Merleau-Ponty e Ricoeur.
Cad a um dos inspirados pela fenomenologia vai, porem, tri-
Ihar um caminho proprio. E por esta razao que teremos diversas
concepc;oes de fenomenologia ao longo da historia do pensamen-
to psicologico.6 Uma observaC;80 se faz necessaria no sentido de
~ Van Breda, H.L. La Phenomenologie em Les courrants philosophiques, vol. III, p.
423, infelizmente sem data e referencia editorial.
5 Idem, p. 421.
6 Para 0 acompanhamento de impacto da fenomenologianas suas diversas variaveis
no campo da psicologia e da psiquiatria, consultar 0 excelente livro de Spiegelberger,
H., Phenomenology in Psychology and Psychiatry: A Historical Introduction,
Northwestern University Press, 1972
15
precisar que todos os qu.e adotam 0 metodo fenomenol6gico se
opoem ao metodo cientificc classico e a analise central dos feno-
men os psiquicos. Desta maneira, a fenomenologia e uma nova
maneira de se abordar os fenomenos psiquicos.
c) EXISTENCIALISMO
Enquanto a Fenomenologia e compreendida pelos disci pulos
como um metodo, 0 Existencialismo e entendido como uma dou-
trina filos6fica sobre 0 homem. As filosofias da Existencia surgirao
como uma oposi<;ao a toda filosofia c\assica a qual e entendida
como 0 estudo das essencias, cuja ideia principal seria a compre-
en sao das dimensoes estaveis. Os fil6sofos da existencia vao re-
direcionar as perguntas sobre 0 homem. Em vez de se perguntar:
o que e 0 homem, se perguntara: quem e 0 homem?
Evidentemente a palavra existencialismo come<;ou a ser usa-
da depois da primeira guerra mundial para designar justa mente
o movimento de alguns pensadores e de alguns Iiteratos sobre a
investiga<;ao de quem e 0 homem. Este movimento, que se estru-
turou com mais for<;a no entreguerras, isto e, entre 1918 e 1945,
teve suas raizes hist6ricas no pensamento de Kierkegaard quan-
do 0 fil6sofo dinamarques se opos ao pensamento p6s-hegeliano
dominante do seu tempo. A ideia central de luta de Kierkegaard
~era reagir contra 0 carater universal, intelectual e determinista do
t::
r: ,hegelianismo, afirmando 0 interese pelo singular e pela vontade.
f: Segundo os historiadores, 0 movimento existencialista se inicou na
f Alemanha, em 1919, quando Barth publicou urn comentario sabre
it
r a epistola aos Romanos e Jaspers publicou A Psicologia da Mun-
~
!i dividencia. De um lado, 0 movimento ex:stencialista ganha for<;as
r justamente a partir da decada de 20, uma vez que 0 entreguerras
k foi um periodo de muito sofrimento, desespero e angustias. Estes
1'·
:i temas se tornaram os temas preferidos dos existencialistas, po is
16
estes se preocupavam em falar e refletir sobre 0 que 0 homem
estava vivendo naquele instante. Por outro lado, este movimento
s6 veio a se expandir fora do contexte europeu a partir do tim da
segunda guerra mundial. A decada de 50 foi, talvez, a decada de
divulga<;ao do movimento existencialista.
E necessario observar que, embora encontramos um numero
muito grande de escritores ditos existencialistas, Buber, Bultmann,
Guardin:, Camus, Dostoievski, entre outros, s6 sao considerados
classicos fil6sofos existencialistas Heidegger, Jaspers, Sartre e
Marcel. E uma segunda observa<;ao e que todos estes quatro fi-
16sofos, que passaram para os anais da hist6ria da filosofia como
os fil6sofos da existencia7 , utilizaram, cada um a partir de uma
inspira<;ao pessoal, 0 metodo fenomenol6gico para concretizarem
as suas reflexoes sobre 0 homem.
A Filosofia da existencia pode ser concretizada atraves de
duas grandes caracteristicas. A primeira e que todos os fil6sofos
e escritores procuram valorizar 0 homem. A segunda e que todos
procuram descrever e explicitar 0 modo concreto do homE'm viver,
isto e, refletindo sobre a angustia, a liberdade.
Salientamos que 0 desenvolvido ate aqui visa explicitar a ne-
cessidade de um cuidado de se detectar as diversas fontes da
psicoterapia e, mais ainda, observar que os tres movimentos, que
ora analisamos, possuem as origens mais diversas e ideias for<;as
diretrizes muito diferentes.
2.2. AS IDEIAS FORCAS DE CADA MOVIMENTO
, Gostaria, agor2, de desenvolver as ideias chaves ou for<;as de
cada um dos movimentos. Visto que 0 tempo de exposi<;ao nao
permite uma analise exaustiva, escolherei uma id$ia chave de
cada uma das fontes das pSicoterapias humanistas-existenciais. A
escolha nao reflete nenhuma escala de valores, mas procura des-
7 Warl, Jean. As Filosofias da Existencia, Lisboa, Publicat,:oes Europa-America sId.
17
precisar que todos os qu.e adotam 0 metodo fenomenol6gico se
opoem ao metodo cientificc classico e a analise central dos feno-
men os psiquicos. Desta maneira, a fenomenologia e uma nova
maneira de se abordar os fenomenos psiquicos.
c) EXISTENCIALISMO
Enquanto a Fenomenologia e compreendida pelos disci pulos
como um metodo, 0 Existencialismo e entendido como uma dou-
trina filos6fica sobre 0 homem. As filosofias da Existencia surgirao
como uma oposi<;ao a toda filosofia c\assica a qual e entendida
como 0 estudo das essencias, cuja ideia principal seria a compre-
en sao das dimensoes estaveis. Os fil6sofos da existencia vao re-
direcionar as perguntas sobre 0 homem. Em vez de se perguntar:
o que e 0 homem, se perguntara: quem e 0 homem?
Evidentemente a palavra existencialismo come<;ou a ser usa-
da depois da primeira guerra mundial para designar justa mente
o movimento de alguns pensadores e de alguns Iiteratos sobre a
investiga<;ao de quem e 0 homem. Este movimento, que se estru-
turou com mais for<;a no entreguerras, isto e, entre 1918 e 1945,
teve suas raizes hist6ricas no pensamento de Kierkegaard quan-
do 0 fil6sofo dinamarques se opos ao pensamento p6s-hegeliano
dominante do seu tempo. A ideia central de luta de Kierkegaard
~era reagir contra 0 carater universal, intelectual e determinista do
t::
r: ,hegelianismo, afirmando 0 interese pelo singular e pela vontade.
f: Segundo os historiadores, 0 movimento existencialista se inicou na
f Alemanha, em 1919, quando Barth publicou urn comentario sabre
it
r a epistola aos Romanos e Jaspers publicou A Psicologia da Mun-
~
!i dividencia. De um lado, 0 movimento ex:stencialista ganha for<;as
r justamente a partir da decada de 20, uma vez que 0 entreguerras
k foi um periodo de muito sofrimento, desespero e angustias. Estes
1'·
:i temas se tornaram os temas preferidos dos existencialistas, po is
16
estes se preocupavam em falar e refletir sobre 0 que 0 homem
estava vivendo naquele instante. Por outro lado, este movimento
s6 veio a se expandir fora do contexte europeu a partir do tim da
segunda guerra mundial. A decada de 50 foi, talvez, a decada de
divulga<;ao do movimento existencialista.
E necessario observar que, embora encontramos um numero
muito grande de escritores ditos existencialistas, Buber, Bultmann,
Guardin:, Camus, Dostoievski, entre outros, s6 sao considerados
classicos fil6sofos existencialistas Heidegger, Jaspers, Sartre e
Marcel. E uma segunda observa<;ao e que todos estes quatro fi-
16sofos, que passaram para os anais da hist6ria da filosofia como
os fil6sofos da existencia7 , utilizaram, cada um a partir de uma
inspira<;ao pessoal, 0 metodo fenomenol6gico para concretizarem
as suas reflexoes sobre 0 homem.
A Filosofia da existencia pode ser concretizada atraves de
duas grandes caracteristicas. A primeira e que todos os fil6sofos
e escritores procuram valorizar 0 homem. A segunda e que todos
procuram descrever e explicitar 0 modo concreto do homE'm viver,
isto e, refletindo sobre a angustia, a liberdade.
Salientamos que 0 desenvolvido ate aqui visa explicitar a ne-
cessidade de um cuidado de se detectar as diversas fontes da
psicoterapia e, mais ainda, observar que os tres movimentos, que
ora analisamos, possuem as origens mais diversas e ideias for<;as
diretrizes muito diferentes.
2.2. AS IDEIAS FORCAS DE CADA MOVIMENTO
, Gostaria, agor2, de desenvolver as ideias chaves ou for<;as de
cada um dos movimentos. Visto que 0 tempo de exposi<;ao nao
permite uma analise exaustiva, escolherei uma id$ia chave de
cada uma das fontes das pSicoterapias humanistas-existenciais. A
escolha nao reflete nenhuma escala de valores, mas procura des-
7 Warl, Jean. As Filosofias da Existencia, Lisboa, Publicat,:oes Europa-America sId.
17
tacar as categorias mais significativas no nosso entender. Do pen··
samento humanista,escolhemos 0 conceito de auto-realiza<;80, da
fenomenologia, 0 da intencionalidade da consciencia, e da filosofia
existencial 0 conceito de Existencia.
a) Auto-realiza<;80 e Autodesenvolvimento
A psicologia humanista procura entender a vida humana na
sua totalidade e, assim, a compreens80 do homem pelos psicolo-
g05 humanistas 8 entende-Io como um ser que, em primeiro lugar,
possui uma unidade. A diferen<;a entre as diversas abordagens
esta em que cada uma, ao descrever as caracteristicas principais
do homem, sublinhara pontos diferentes. Como exernplo podemos
citar MaslowB, que coloca 0 acento sobre 0 projeto humane e na
supera<;80 de si, quando fala das experiencias culminantes.
A enfase sobre 0 cicio da vida 8 outra caracteristica da Psico-
logia Humanista. Seus representantes tem enfatizado que a vida
humana possui uma dinamica na qual, em cada fase da vida, 0 ser
humane deve alcan<;ar um certo grau de realiza<;80, a fim de que
possa, ao longo da vida, se estruturar como uma pessoa plena,
integrada. Ora, essa enfase dos humanistas nos faz perceber que
o homem 8 compreendido, em primeiro lugar, como processo·e
evoluc80. Somente a partir deste processo 8 que pod em os com-
preender a sua estrutura. Assim, Poelman, no seu livro "0 homem
a caminho de si mesmo", afirma que esse processo da evolu<;80 8
inerente a propria vida e que "essa evolu<;80 n80 ocorre ao acaso,
mas segue uma certa dire<;80, tem um certo fim em vista; n808 um
,
~. processo que ocorre somente por acertos e erros ou por tentativas
desconexas, n80 8 um veo no escuro".9
8 Maslow, Abraham. Introdu<;<ao a Psicologia do Ser, RJ, Ed. Edltorado, sId, 2a. ed.
9 Poelman, Johannes. 0 Homem a caminho de si mesmo. SP. Ed. Paulinas, 1993,
p. 13. A primeira parte do livro coloca com clareza as ideias mestras da psicologia
humanista e desenvolve as posir;:oes te6ricas de alguns dos seus principais
representantes.
18
Encontrar as categorias fundamentais que traduziriam estas
duas caracteristicas principais do pensamento humanista 8 0 de-
safio do intelectual. Penso, por8m, que, sob os conceitos de auto-
-realiza<;flO e autodesenvolvimento, poderiamos agrupar as diver-
sas contribuir;oes :lumanistas.
o conceito de auto-realiza<;80 quer acentuar que esse proces-
so de crescimento inerente a dinamica da vida deve ser entendido
na sua globalidade, isto 8, no desenvolvimento de todas as dimen-
soes humanas, sejam elas biologicas, psicologicas, espirituais e
sociais. Gostaria de citar Rogers e Maslow como os representantes
mais significativos da explicita<;80 das fases do processo de auto-
-realiza<;80 do homem. Rogers, no seu livro "Tornar-se Pessoa"
10
,
na quarta parte, quando trata da Filosofia da Pessoa, tra<;a carac-
teristicas deste processo de auto-realiza<;80. Por outro lado, Mas-
low, no seu livro "Motivation and Personality"11, na parte que trata
da Teoria da Motiva<;80 humana, desenvolve as dimensoes do ser
humano que devem ser atingidas no processo de auto-realiza<;80.
o conceito de autodesenvolvimento nos ajuda a entender a
evolu<;80 do cicio da vida do homem. Entre os humanistas citaria
BOhler e um neoculturalista que traduz bem este processo, Erikson.
Enquanto BOhler mostra que 0 ser humano deve passar por cinco
fases, Erikson enumera oito fases, destacando sempre, em cada
uma del as, uma dial8tica entre dois polos opostoS.
12
As duas
interpreta<;oes est80 baseadas no fato de que a vida 8 vivida como
urn todo por uma pessoa que atinge seu pleno desenvolvimento no
instante em que percorre as diversas fases, cada uma com uma
conquista integrativa, retratadas atrav8s de seus sucessos e de
seus fracassos.
10 Rogers, Carl. Tornar-se Pessoa. Lisboa, Moraes Editora, 1970.
11 Maslow, Abraham N. Motivation and Personality. NY. Harper and Row, 1970, 2a. ed.
12 Buhler, Charlotte. Oer menschliche Lebenslauf as psychologisches Problem (0
curso de vida humana como problema psicoI6gico). Leipzig, Hirzel, 1933. Eriks~n,
Eric.H.ldentity and the life cycle. N.Y. International Universities Press, 1959.
19
tacar as categorias mais significativas no nosso entender. Do pen··
samento humanista, escolhemos 0 conceito de auto-realiza<;80, da
fenomenologia, 0 da intencionalidade da consciencia, e da filosofia
existencial 0 conceito de Existencia.
a) Auto-realiza<;80 e Autodesenvolvimento
A psicologia humanista procura entender a vida humana na
sua totalidade e, assim, a compreens80 do homem pelos psicolo-
g05 humanistas 8 entende-Io como um ser que, em primeiro lugar,
possui uma unidade. A diferen<;a entre as diversas abordagens
esta em que cada uma, ao descrever as caracteristicas principais
do homem, sublinhara pontos diferentes. Como exernplo podemos
citar MaslowB, que coloca 0 acento sobre 0 projeto humane e na
supera<;80 de si, quando fala das experiencias culminantes.
A enfase sobre 0 cicio da vida 8 outra caracteristica da Psico-
logia Humanista. Seus representantes tem enfatizado que a vida
humana possui uma dinamica na qual, em cada fase da vida, 0 ser
humane deve alcan<;ar um certo grau de realiza<;80, a fim de que
possa, ao longo da vida, se estruturar como uma pessoa plena,
integrada. Ora, essa enfase dos humanistas nos faz perceber que
o homem 8 compreendido, em primeiro lugar, como processo·e
evoluc80. Somente a partir deste processo 8 que pod em os com-
preender a sua estrutura. Assim, Poelman, no seu livro "0 homem
a caminho de si mesmo", afirma que esse processo da evolu<;80 8
inerente a propria vida e que "essa evolu<;80 n80 ocorre ao acaso,
mas segue uma certa dire<;80, tem um certo fim em vista; n808 um
,
~. processo que ocorre somente por acertos e erros ou por tentativas
desconexas, n80 8 um veo no escuro".9
8 Maslow, Abraham. Introdu<;<ao a Psicologia do Ser, RJ, Ed. Edltorado, sId, 2a. ed.
9 Poelman, Johannes. 0 Homem a caminho de si mesmo. SP. Ed. Paulinas, 1993,
p. 13. A primeira parte do livro coloca com clareza as ideias mestras da psicologia
humanista e desenvolve as posir;:oes te6ricas de alguns dos seus principais
representantes.
18
Encontrar as categorias fundamentais que traduziriam estas
duas caracteristicas principais do pensamento humanista 8 0 de-
safio do intelectual. Penso, por8m, que, sob os conceitos de auto-
-realiza<;flO e autodesenvolvimento, poderiamos agrupar as diver-
sas contribuir;oes :lumanistas.
o conceito de auto-realiza<;80 quer acentuar que esse proces-
so de crescimento inerente a dinamica da vida deve ser entendido
na sua globalidade, isto 8, no desenvolvimento de todas as dimen-
soes humanas, sejam elas biologicas, psicologicas, espirituais e
sociais. Gostaria de citar Rogers e Maslow como os representantes
mais significativos da explicita<;80 das fases do processo de auto-
-realiza<;80 do homem. Rogers, no seu livro "Tornar-se Pessoa"
10
,
na quarta parte, quando trata da Filosofia da Pessoa, tra<;a carac-
teristicas deste processo de auto-realiza<;80. Por outro lado, Mas-
low, no seu livro "Motivation and Personality"11, na parte que trata
da Teoria da Motiva<;80 humana, desenvolve as dimensoes do ser
humano que devem ser atingidas no processo de auto-realiza<;80.
o conceito de autodesenvolvimento nos ajuda a entender a
evolu<;80 do cicio da vida do homem. Entre os humanistas citaria
BOhler e um neoculturalista que traduz bem este processo, Erikson.
Enquanto BOhler mostra que 0 ser humano deve passar por cinco
fases, Erikson enumera oito fases, destacando sempre, em cada
uma del as, uma dial8tica entre dois polos opostoS.
12
As duas
interpreta<;oes est80 baseadas no fato de que a vida 8 vivida como
urn todo por uma pessoa que atinge seu pleno desenvolvimento no
instante em que percorre as diversas fases, cada uma com uma
conquista integrativa, retratadas atrav8s de seus sucessos e de
seus fracassos.
10 Rogers, Carl. Tornar-se Pessoa. Lisboa, Moraes Editora, 1970.
11 Maslow, AbrahamN. Motivation and Personality. NY. Harper and Row, 1970, 2a. ed.
12 Buhler, Charlotte. Oer menschliche Lebenslauf as psychologisches Problem (0
curso de vida humana como problema psicoI6gico). Leipzig, Hirzel, 1933. Eriks~n,
Eric.H.ldentity and the life cycle. N.Y. International Universities Press, 1959.
19
b) Teoria da Intencionalidade
8em querer fazer urn estudo exaustivo sobre a fenomenolo-
gia, os psicologos devem se interrogar sobre quais conceitos fun-
damentais da Fenomenologia sao uteis para seu trabalho. Assim,
nao se trata de fazer Filosofia Fenomenologica, mas captar os
conceitos que nos ajudariam a entender melhor os fenomenos psi-
cologicos.
De urn modo geral, utilizamos uma compreensao do metodo
fenomenologico para nossos estudos. Este metodo tem, porem,
alguns fundamentos e procedimentos que podem sar tematizados
atraves da explicitac;ao de suas e;aracteristicas.
Para urn certo dominic da fenomenologia, sera necessaria a
compreensao do retorno "as coisas mesmas", 0 conceito de redu-
c;ao eidetica e a reduc;ao transcendental, a teo ria da intencionalida-
de, a intuic;ao das essencias, 0 mundo da vida a intersubjetividade.
Diante do tempo limitado desta conferencia, destacaremos 0 que
nos parece ser a descoberta mais significativa de Husserl, que e a
teoria da intencionalidade.
A afirmac;:ao de Husserl e que a consciencia e intencionalida-
de, isto e, que ela e sempre consciencia de alguma coisa. Hus-
serl avanc;a 0 conceito de intencionalidade dos escolasticos re-
tomado por Brentano, pois "a intencionalidade husserfiana nao e·
apenas uma propriedade do ato ou vivencia, como em Brentano
que nao (ala ainda de consciencia intencional. Segundo Husseri,
.. a intencionalidade vivifica a vivencia, tomando-a designativa do
objeto, em virlude de um processo mais radical, inerente a propria
consciencia",13 "A novidade, aqui, e que a consciencia se esgota
. em visar algo que nao e ela mesma: ela se define pelo objeto que
visa.14
13 F~aga.ta, Julio. A Fenomenologia de Husserl como fundamento da Filosofia. Braga
.. ,Llvrana Cruz, 1959, p. 131. '
14 Tav~res~ Hugo C. da Silva. A Fenomenologia de Husserl em Kriterion, vol. XXV no.
72, Jan.lJun. 1984, p. 39. '
20
Assirn, a ideia de intencionalidade que comec;:ou a ser desen-
volvida por Brentano e retomada por Husserl, vai se articular inde-
pendentemente da ideia que 0 sujeito e 0 objeto sao duas subs-
tancias separadas, justamente 0 contrario da filosofia cartesiana
onde 0 Cog ito separa radicalmente 0 mundo do pensamento e a
realidade do corpo. Podemos concluir c~m Forghieri dizendo que a
intencionalidade e, essencialmente, 0 ate de atribuir urn sentido: e
ela que unifica a consciencia e 0 objeto, 0 sujeito e 0 mundo. "Com
a intencionalidade ha 0 reconhecimento de que 0 mundo nao e
pura exterioridade e 0 sujeito nao e pura interioridade, mas a saida
desi para um mundo que tern uma significar;ao para ele".15
c) a conceito de Existencia
8e tambem percorrermos os principais existencialistas, como
citamos os principais humanistas, vamos destacar os temas mais
relevantes para a Psicologia Existencial. Antes de destacar as
principais categorias da Filosofia da Existencia, faria duas obser-
vac;oes. A primeira e que os ditos filosofos oficiais do existencialis-
mo - 8artre, Jaspers, Heidegger, Marcel - cada um, a seu modo,
utilizou 0 metodo fenomenologico para elaborar a sua filosofia da
existencia, unido assim os dois conceitos - fenomenologia e exis-
tencialismo. A segunda observac;ao e que a Psicologia Existen-
cial nao se baseia so nas filosofias "oficiais" do Existencialismo,
mas utiliza tam bern os conceitos elaborados pelos outros escrito-
res existencialistas supracitados. 8em corrermos 0 riscn de, sob 0
nome de Existencialismo, abrigarmos todo tipo de pensamento an-
ti-racionalista, e necessario procurarmos explicitar os fundamentos
teoricos, isto e, analisar e esclarecer nossas proprias pressuposi-
goes de entendermos a existencia humana.
15 Forghieri, Yolanda. C. Psicologia Fenomenologia. SP. Ed. Pioneira, 1993, p. 15.
21
b) Teoria da Intencionalidade
8em querer fazer urn estudo exaustivo sobre a fenomenolo-
gia, os psicologos devem se interrogar sobre quais conceitos fun-
damentais da Fenomenologia sao uteis para seu trabalho. Assim,
nao se trata de fazer Filosofia Fenomenologica, mas captar os
conceitos que nos ajudariam a entender melhor os fenomenos psi-
cologicos.
De urn modo geral, utilizamos uma compreensao do metodo
fenomenologico para nossos estudos. Este metodo tem, porem,
alguns fundamentos e procedimentos que podem sar tematizados
atraves da explicitac;ao de suas e;aracteristicas.
Para urn certo dominic da fenomenologia, sera necessaria a
compreensao do retorno "as coisas mesmas", 0 conceito de redu-
c;ao eidetica e a reduc;ao transcendental, a teo ria da intencionalida-
de, a intuic;ao das essencias, 0 mundo da vida a intersubjetividade.
Diante do tempo limitado desta conferencia, destacaremos 0 que
nos parece ser a descoberta mais significativa de Husserl, que e a
teoria da intencionalidade.
A afirmac;:ao de Husserl e que a consciencia e intencionalida-
de, isto e, que ela e sempre consciencia de alguma coisa. Hus-
serl avanc;a 0 conceito de intencionalidade dos escolasticos re-
tomado por Brentano, pois "a intencionalidade husserfiana nao e·
apenas uma propriedade do ato ou vivencia, como em Brentano
que nao (ala ainda de consciencia intencional. Segundo Husseri,
.. a intencionalidade vivifica a vivencia, tomando-a designativa do
objeto, em virlude de um processo mais radical, inerente a propria
consciencia",13 "A novidade, aqui, e que a consciencia se esgota
. em visar algo que nao e ela mesma: ela se define pelo objeto que
visa.14
13 F~aga.ta, Julio. A Fenomenologia de Husserl como fundamento da Filosofia. Braga
.. ,Llvrana Cruz, 1959, p. 131. '
14 Tav~res~ Hugo C. da Silva. A Fenomenologia de Husserl em Kriterion, vol. XXV no.
72, Jan.lJun. 1984, p. 39. '
20
Assirn, a ideia de intencionalidade que comec;:ou a ser desen-
volvida por Brentano e retomada por Husserl, vai se articular inde-
pendentemente da ideia que 0 sujeito e 0 objeto sao duas subs-
tancias separadas, justamente 0 contrario da filosofia cartesiana
onde 0 Cog ito separa radicalmente 0 mundo do pensamento e a
realidade do corpo. Podemos concluir c~m Forghieri dizendo que a
intencionalidade e, essencialmente, 0 ate de atribuir urn sentido: e
ela que unifica a consciencia e 0 objeto, 0 sujeito e 0 mundo. "Com
a intencionalidade ha 0 reconhecimento de que 0 mundo nao e
pura exterioridade e 0 sujeito nao e pura interioridade, mas a saida
desi para um mundo que tern uma significar;ao para ele".15
c) a conceito de Existencia
8e tambem percorrermos os principais existencialistas, como
citamos os principais humanistas, vamos destacar os temas mais
relevantes para a Psicologia Existencial. Antes de destacar as
principais categorias da Filosofia da Existencia, faria duas obser-
vac;oes. A primeira e que os ditos filosofos oficiais do existencialis-
mo - 8artre, Jaspers, Heidegger, Marcel - cada um, a seu modo,
utilizou 0 metodo fenomenologico para elaborar a sua filosofia da
existencia, unido assim os dois conceitos - fenomenologia e exis-
tencialismo. A segunda observac;ao e que a Psicologia Existen-
cial nao se baseia so nas filosofias "oficiais" do Existencialismo,
mas utiliza tam bern os conceitos elaborados pelos outros escrito-
res existencialistas supracitados. 8em corrermos 0 riscn de, sob 0
nome de Existencialismo, abrigarmos todo tipo de pensamento an-
ti-racionalista, e necessario procurarmos explicitar os fundamentos
teoricos, isto e, analisar e esclarecer nossas proprias pressuposi-
goes de entendermos a existencia humana.
15 Forghieri, Yolanda. C. Psicologia Fenomenologia. SP. Ed. Pioneira, 1993, p. 15.
21
Dentre a vasta tematica das filosofiasda Existemcia, podemos
destacar as categorias de Existencia, ser-no-mundo, liberdade, 0
outro, a Angustia, Temporalidade, 0 Amor etc. Escolhemos falar
sobre a Existencia pois 6 ela que nos explicita melhor as dimen-
soes do ser humano. A pergunta inicial seria a seguinte: 6 posslvel
definir 0 conceito de Existencia? A palavra Existencia, diz Jaspers,
"e um dos sin6nimos da palavra realidade", mas, gra<;as a maneira
de como Kierkegaard a acentua, ela tomou um aspecto novo: "ela
designa 0 que eu sou fundamentalmente por mim".16
Existencia nao deve ser entendida no sentido trivial de ser-
-no-mundo, como simplemente um ente no meio de outros entes.
Ex-sistere deve ser compreendida como ex = fora de e sistere = ter
sua postura. Existir 6, pois, ter sua postura fora. A existencia di-
fere radicalmente do comportamento de todo os outros entes. Nos
somos 0 destino de nos mesmo. Esta postura, que esta sempre
em construc;ao, nunca acabada nos permite captar algumas carac-
teristicas do existir humano. Em primeiro lugar, existir e ir sendo,
o que se tara atraves da escolha e da decisao. Em segundo lugar,
e estar em conflito consigo mesmo, e uma preocupac;ao infinita
de si proprio. Em terceiro lugar, ela nao 6 definlvel. Ela nao pode
tornar-se objeto.17
Cada filosofo, atraves de seus escritos, procura precisar as ca-
racterfsticas de Existencia. Heidegger deve ser lembrado como,
talvez, 0 que fez um esfor<;o gigantesco na sua obra Ser e Tem-
po para analisar a estrutura da Existencia, mostrando a estrutura
. Dasein, 0 estar fora de si e estar-no-mundo. Por iS30, vai falar de
existencia autentica e existencia manteutica. No aprofundamento
do pensamento de Heidegger, vamos encontrar Binswanger que,
mostrando 0 limite das analises heideggerianas, quando compre-
en de 0 Dasein como cuidado (Sorge), mostra que 0 amor (Liebe)
1/1 Citac;ao de Jaspers retirada do livro de Wahl, Jean, op. cit, p. 41.
H Wahl, Jean. Op. cit, p. 42-43.
22
e uma outra dimensao do Dasein (de Existencia) que nao fll~receu
aten<;ao dos fil6sofos .
. Depois destas breves consderac;oes, passemos a lnalise da
repercussao destas ideias na psicoterapia.
III - IMPACTO NAS PSICOTERAPIAS
o pas so agora 6 estarmos atentos a qual destas fontes anali-
sadas acima lanc;ar os alicerces para a pratica clinica denominada
psicoterapia. Sem querer esgotar 0 assunto, tentaremos mostrar,
em linhas gerais, quais as bases das mais significativas psi cote-
rapias humanista-existenciais e fenomenol6gico-existencial. A di-
visao agora nao e arbitraria, mas tern sua razao de ser e 6 0 que
tentarei mostrar.
Creio, pon§m, ser necessario destacar que tanto as terapias
humanistas, as terapias existenciais, quanto as terapias fenome-
nologico-existenciais, possuem uma concepC;ao mais ou menos
homogenea do que seja Psicoterapia. Sem medo de errar, pode-
mos dizer que, para todas as principais tendencias do mesmo solo
epistemol6gico, a psicoterapia 6 entendida como um encontro in-
terpessoal entre 0 cliente e 0 terapeuta. Encontro que s6 tem sen-
tido se 0 tipo de relac;ao estabelecida entre os dois seres humanos
fo~ vivid a como uma rela<;ao pessoal intersubjetiva, isto e, quando
os dois protagonistas tabalharem juntos a um nivel subjetivo, nivel
este que deixa aflorar as vivencias mais intensas do cliente.18
Desta maneira, descartamos, de uma vez por todas, que nao
entendemos psicoterapia como uma aplica<;ao de tecnica. Ela 6
lima rela<;ao pessoal intersubjetiva.
Para melhor entendermos 0 vasto panorama das diversas te-
rapias, dividi-Io-ei em dois grandes grupos. No inicio, estes grupos
se estruturam independentemente um do outr~, mas, com 0 pas-
sar do tempo, os contactos vaG se estreitando, e as influencias
18 Burcher, Richard. A Psicoterapia pela Fala. EPU, 1989, p. 117.
23
Dentre a vasta tematica das filosofias da Existemcia, podemos
destacar as categorias de Existencia, ser-no-mundo, liberdade, 0
outro, a Angustia, Temporalidade, 0 Amor etc. Escolhemos falar
sobre a Existencia pois 6 ela que nos explicita melhor as dimen-
soes do ser humano. A pergunta inicial seria a seguinte: 6 posslvel
definir 0 conceito de Existencia? A palavra Existencia, diz Jaspers,
"e um dos sin6nimos da palavra realidade", mas, gra<;as a maneira
de como Kierkegaard a acentua, ela tomou um aspecto novo: "ela
designa 0 que eu sou fundamentalmente por mim".16
Existencia nao deve ser entendida no sentido trivial de ser-
-no-mundo, como simplemente um ente no meio de outros entes.
Ex-sistere deve ser compreendida como ex = fora de e sistere = ter
sua postura. Existir 6, pois, ter sua postura fora. A existencia di-
fere radicalmente do comportamento de todo os outros entes. Nos
somos 0 destino de nos mesmo. Esta postura, que esta sempre
em construc;ao, nunca acabada nos permite captar algumas carac-
teristicas do existir humano. Em primeiro lugar, existir e ir sendo,
o que se tara atraves da escolha e da decisao. Em segundo lugar,
e estar em conflito consigo mesmo, e uma preocupac;ao infinita
de si proprio. Em terceiro lugar, ela nao 6 definlvel. Ela nao pode
tornar-se objeto.17
Cada filosofo, atraves de seus escritos, procura precisar as ca-
racterfsticas de Existencia. Heidegger deve ser lembrado como,
talvez, 0 que fez um esfor<;o gigantesco na sua obra Ser e Tem-
po para analisar a estrutura da Existencia, mostrando a estrutura
. Dasein, 0 estar fora de si e estar-no-mundo. Por iS30, vai falar de
existencia autentica e existencia manteutica. No aprofundamento
do pensamento de Heidegger, vamos encontrar Binswanger que,
mostrando 0 limite das analises heideggerianas, quando compre-
en de 0 Dasein como cuidado (Sorge), mostra que 0 amor (Liebe)
1/1 Citac;ao de Jaspers retirada do livro de Wahl, Jean, op. cit, p. 41.
H Wahl, Jean. Op. cit, p. 42-43.
22
e uma outra dimensao do Dasein (de Existencia) que nao fll~receu
aten<;ao dos fil6sofos .
. Depois destas breves consderac;oes, passemos a lnalise da
repercussao destas ideias na psicoterapia.
III - IMPACTO NAS PSICOTERAPIAS
o pas so agora 6 estarmos atentos a qual destas fontes anali-
sadas acima lanc;ar os alicerces para a pratica clinica denominada
psicoterapia. Sem querer esgotar 0 assunto, tentaremos mostrar,
em linhas gerais, quais as bases das mais significativas psi cote-
rapias humanista-existenciais e fenomenol6gico-existencial. A di-
visao agora nao e arbitraria, mas tern sua razao de ser e 6 0 que
tentarei mostrar.
Creio, pon§m, ser necessario destacar que tanto as terapias
humanistas, as terapias existenciais, quanto as terapias fenome-
nologico-existenciais, possuem uma concepC;ao mais ou menos
homogenea do que seja Psicoterapia. Sem medo de errar, pode-
mos dizer que, para todas as principais tendencias do mesmo solo
epistemol6gico, a psicoterapia 6 entendida como um encontro in-
terpessoal entre 0 cliente e 0 terapeuta. Encontro que s6 tem sen-
tido se 0 tipo de relac;ao estabelecida entre os dois seres humanos
fo~ vivid a como uma rela<;ao pessoal intersubjetiva, isto e, quando
os dois protagonistas tabalharem juntos a um nivel subjetivo, nivel
este que deixa aflorar as vivencias mais intensas do cliente.18
Desta maneira, descartamos, de uma vez por todas, que nao
entendemos psicoterapia como uma aplica<;ao de tecnica. Ela 6
lima rela<;ao pessoal intersubjetiva.
Para melhor entendermos 0 vasto panorama das diversas te-
rapias, dividi-Io-ei em dois grandes grupos. No inicio, estes grupos
se estruturam independentemente um do outr~, mas, com 0 pas-
sar do tempo, os contactos vaG se estreitando, e as influencias
18 Burcher, Richard. A Psicoterapia pela Fala. EPU, 1989, p. 117.
23
redprocas ajudam a enriql:lecer ambas as partes. Porem, no meu
entender, e possivel ver, com grande nitidez, duas grandes esco-
las. A primeira escola chamarei de escola americana, a segunda,
de escola europeia.
3.1. A ESCOLA AMERICANA
o Humanismoindividual e fruto da sociedade americana e foi
este momenta cultural juntamente com as peocupa96es do exis-
tencialismo de Kierkegaard os responsaveis pel a primeira fase das
terapias ditas humanista-existenciais. May diz 0 seguinte: "No pen-
samento e nas atitudes americanas tambem e muito importante a
desconfianc;a em relac;ao as categorias abstratas ou a teorizac;ao
'per se', uma desconfianc;a tao veementemente manifestada por
Kierkegaard, assim como a rejeic;ao da dicotomia sujeito-objeto".19
A primeira tendencia da escola americana e 0 que chamaremos
Psicoterapia humanista-existencial.
3.1.1. Psicoterapia H umanista-Existencial
a) Terapia centrada na Pessoa de Carl Rogers.
E impossivel, aqui, no contexto desta apresenta9ao, analisar-
mos com profundidade os desdobramentos de cada teoria. Oes-
tacaremos so os pontos mais significativos que mere9am a nossa
aten<;ao.
o pensamento terapeutico de Rogers passa por tres grandes
fases: a nao-diretiva (1940-1950), a fase reflexiva (1950-1957) e a
, fase experiencial (1957-1970). No ambito geral, a fundamenta9ao
t'
de Rogers e mais no pensamento de Kierkegaard e Buber, ten-i,
t,
~
Ii.
r'
do 0 contacto com a fenomenologia ocorrido mais tade, em dois
momentos distintos. 0 primeiro, atraves de Suygs e Combs e 0
~, '-'-----
, 19 May Rollo. Terapia Existencial e a CenaAmericana e.m Psicologia e Dilema Humano.
RJ, Zahar Editores, 1973, p. 136
24
segundo, p~r intermedio de seu discipulo Gendlin, que influenciou
napassagem da segunda para a terceira fase de sua teoria.
Como 0 proprio Rogers escreve, "a identificac;ao com a pSico-
logia humanista esta baseada na sua advocacia pela dignidade e
valor da p,essoa individual na sua busca pelo crescimento".2o Sua
teoria da Personalidade, que sustenta toda a pratica terapica, vai
apresentar uma interliga9ao entre esta e a experiencia que sera
feita pelo organismo. Esta afirma9ao retrata um dualismo que, aos
olhos da fenomenologia, trara problemas.
o fato de Rogers ter uma confian<;a nas for9as positivas do
organismo, que sao utilizadas de forma exata, ajudara 0 indivfduo
a ter uma vivencia mais plena. Ele diz que em cada organismo "ha
um fluxo subjacente de movimento em direc;ao a realizac;ao cons-
trutiva das possibilidades que Ihe sao inerentes".21 Este posicion a-
mento rogeriano 0 coloca mais proximo das ideias humanistas do
que das ideias fenomenologicas.
b) Psicoterapia existencial de Whitaker e Malone
Outra abordagem de psicoterapia, que se alinha tendo as
ideias humanistas como inspiradoras, e a psicoterapia existencial
de Whitaker e Malone. 0 livro Metas de Psicoterapias22 , escrito pe-
los dois clfnicos em 1953 e reeditado em 1981, traduz as ideias de
que 0, indivfduo esta inserido num meio cultural e deve ser enten-
dido como uma pessoa, isto e, deve, ser percebido no Jinamismo
filosofico e na sua inser9ao como ser social.
20 Meador, Betty e Rogers, Carl, Person - Centered Therapy em Corsiri (ed) Current
Psychotherapies, Elasca. Peacock Publishers, 1979, 2a. ed" p. 134,
21 Rogers Carl. Um jeito de ser. SP, EPU, 1983, p, 40.
22 Whitaker, Carl e Malone, Thomas, The Roots of Psychotherapy, NY, Brunner/Mazel,
1981, 2a. ed.
25
redprocas ajudam a enriql:lecer ambas as partes. Porem, no meu
entender, e possivel ver, com grande nitidez, duas grandes esco-
las. A primeira escola chamarei de escola americana, a segunda,
de escola europeia.
3.1. A ESCOLA AMERICANA
o Humanismo individual e fruto da sociedade americana e foi
este momenta cultural juntamente com as peocupa96es do exis-
tencialismo de Kierkegaard os responsaveis pel a primeira fase das
terapias ditas humanista-existenciais. May diz 0 seguinte: "No pen-
samento e nas atitudes americanas tambem e muito importante a
desconfianc;a em relac;ao as categorias abstratas ou a teorizac;ao
'per se', uma desconfianc;a tao veementemente manifestada por
Kierkegaard, assim como a rejeic;ao da dicotomia sujeito-objeto".19
A primeira tendencia da escola americana e 0 que chamaremos
Psicoterapia humanista-existencial.
3.1.1. Psicoterapia H umanista-Existencial
a) Terapia centrada na Pessoa de Carl Rogers.
E impossivel, aqui, no contexto desta apresenta9ao, analisar-
mos com profundidade os desdobramentos de cada teoria. Oes-
tacaremos so os pontos mais significativos que mere9am a nossa
aten<;ao.
o pensamento terapeutico de Rogers passa por tres grandes
fases: a nao-diretiva (1940-1950), a fase reflexiva (1950-1957) e a
, fase experiencial (1957-1970). No ambito geral, a fundamenta9ao
t'
de Rogers e mais no pensamento de Kierkegaard e Buber, ten-i,
t,
~
Ii.
r'
do 0 contacto com a fenomenologia ocorrido mais tade, em dois
momentos distintos. 0 primeiro, atraves de Suygs e Combs e 0
~, '-'-----
, 19 May Rollo. Terapia Existencial e a CenaAmericana e.m Psicologia e Dilema Humano.
RJ, Zahar Editores, 1973, p. 136
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segundo, p~r intermedio de seu discipulo Gendlin, que influenciou
napassagem da segunda para a terceira fase de sua teoria.
Como 0 proprio Rogers escreve, "a identificac;ao com a pSico-
logia humanista esta baseada na sua advocacia pela dignidade e
valor da p,essoa individual na sua busca pelo crescimento".2o Sua
teoria da Personalidade, que sustenta toda a pratica terapica, vai
apresentar uma interliga9ao entre esta e a experiencia que sera
feita pelo organismo. Esta afirma9ao retrata um dualismo que, aos
olhos da fenomenologia, trara problemas.
o fato de Rogers ter uma confian<;a nas for9as positivas do
organismo, que sao utilizadas de forma exata, ajudara 0 indivfduo
a ter uma vivencia mais plena. Ele diz que em cada organismo "ha
um fluxo subjacente de movimento em direc;ao a realizac;ao cons-
trutiva das possibilidades que Ihe sao inerentes".21 Este posicion a-
mento rogeriano 0 coloca mais proximo das ideias humanistas do
que das ideias fenomenologicas.
b) Psicoterapia existencial de Whitaker e Malone
Outra abordagem de psicoterapia, que se alinha tendo as
ideias humanistas como inspiradoras, e a psicoterapia existencial
de Whitaker e Malone. 0 livro Metas de Psicoterapias22 , escrito pe-
los dois clfnicos em 1953 e reeditado em 1981, traduz as ideias de
que 0, indivfduo esta inserido num meio cultural e deve ser enten-
dido como uma pessoa, isto e, deve, ser percebido no Jinamismo
filosofico e na sua inser9ao como ser social.
20 Meador, Betty e Rogers, Carl, Person - Centered Therapy em Corsiri (ed) Current
Psychotherapies, Elasca. Peacock Publishers, 1979, 2a. ed" p. 134,
21 Rogers Carl. Um jeito de ser. SP, EPU, 1983, p, 40.
22 Whitaker, Carl e Malone, Thomas, The Roots of Psychotherapy, NY, Brunner/Mazel,
1981, 2a. ed.
25
3.1.2. Psicoterapia fenomenoI6~ico-existencial
o movimento fenomenologico surgido na Europa teve tam-
bem suas ramificagoes nas Americas, porem, a nosso ver, ainda
se estruturou de uma forma academica ou escolar, tanto assim
que Spigelberg23, historiudor do impacto das ideias fenomenologi-
cas na Psicologia e Psiquiatria, divide em duas epocas distintas a
vinculagao das ideias fenomenologicas nos EUA. A publicagao de
Existencia em 1958, um livro organizado por Rollo May e outros,
tornou-se 0 marco divisorio das ideias fenomenologicas. E nesse
livro que se tem, pela primeira vez, uma divulgagao das ideias de
Binswanger, Strauss, Minkowsky e Kuhn, teoricos da fenomenolo-
gia no campo da psiquiatria
Um ana depois, na Convengao Anual da Associagao America-
na de Psicologia, Maslow, numa conferencia, diz 0 seguinte: "A
fenomen%gia tem uma certa historia no pensamento psic%gico
america no, mas, no todo, pense tem enfraquecido. Os fenome-
n%gos europe us, com suas demonstraqoes torturantemente cui-
dadosas e laboriosas, podem nos re-ensinar que 0 me/h~r modo
de compreendermos outro ser humane ou, pelo menos, um modo
necessario para algumas finalidades e penetrar em seu weltans-
chamung e ser capaz de ver seu mundoatraves de seus olhos".24
Este revigoramento vai se traduzir com 0 aparecimento de variAs
revistas de cunho fenomenologico e existencial.25
a) Psicoterapia Existencial de Rollo May
May tem se tornado 0 porta-voz, nos Estados Unidos, das
i· ideias fenomenologico-existenciais. May e mais conhecido como
,
r. 23 May, RAngel, E. e Ellenberger, H. Existence: A new Dimension in Psychiatry and
r Psychology. NY, Basic Books, 1958.
f: 24 Maslow, A. P~icologia Existencial: 0 que ha nela para n6s? em May, Rollo (org.)
i:7 ~slcologla EXlstenclal, P. A., Ed. Globo, 1976, p. 62.
R • Em 1960 • The Journal of Existencial Psychiatry, em 1961. Review of Existencial
I,: . PsycholollY and Psychiatry, etc.
l'"
existencialista, pois sua enfase na fenomenologia tem sica recen-
teo No seu artigo "Uma abordagem fenomenologica da Psicotera-
pia", ele nos diz: "Nos, psicoterapeutas, esperamos que a fenome-
nologia nos indique um caminho para a compreensao aa natureza
fundamental do homem".26
A trajetoria de May em seu contacto primeiro com 0 existen-
cialismo se deve ao fato de ter convivido com dois refugiados ale-
maes: Goldstein e Tillich, tendo, assim, acesso ao pensamento de
Kierkegaard e Heidegger.27
Roilo May nao escreveu muito explicitamente sobre a conduta
do terapeuta nesta perspectiva fenomenologica. 0 que temos e a
explicitagao de conceitos centrais no IIvro Existencia, e retomados
posteriormente, no livro A descoberta do Ser28 , como Ser e nao-
-ser, Ser-no-mundo, que servem para fundamentagao do trabalho
terapeutico na linha fenomenologico-existencial.
b) Psicoterapia Existencial de Eugene Gendlin
o Psicologo e filosofo Gendlin e 0 responsavel pela reorien-
tagao da obra de Rogers, transformando-a em fenomenologia e
existencia. E tambem 0 criador da psicoterapia experiencial, "que
constitui-se, basicamente, numa fusao das terapias centradas no
cliente e existencia/. Contudo, e uma fusao criativa que vai alem
destes dois sistemas, invertendo as regras da Terapia centrada no
cliente e ampliando a Terapia Existencial".29
Eugene, no artigo onde da uma visao geral da sua terapia,
enumera os principais pensadores que constituem as raizes de
23 May Rollo. Uma abordagem Fenomenol6gica da Psicoterapia em Psicologia e
Dilema Humano, op. cit, p. 122.
27 Spigelberg, H. op. cit., p. 159.
28 May Rollo. A descoberta do Ser. RJ., ed. Rocco, 1988.
29 Gomes, William. A Psicoterapia experiencial de Eugene Gendlin e suas rela¢es com
a fenomenologia em Psicologia: Reflexao e Critica, P. Alegre, 1988, v. 3, no. 112, p.
38-48.
27
3.1.2. Psicoterapia fenomenoI6~ico-existencial
o movimento fenomenologico surgido na Europa teve tam-
bem suas ramificagoes nas Americas, porem, a nosso ver, ainda
se estruturou de uma forma academica ou escolar, tanto assim
que Spigelberg23, historiudor do impacto das ideias fenomenologi-
cas na Psicologia e Psiquiatria, divide em duas epocas distintas a
vinculagao das ideias fenomenologicas nos EUA. A publicagao de
Existencia em 1958, um livro organizado por Rollo May e outros,
tornou-se 0 marco divisorio das ideias fenomenologicas. E nesse
livro que se tem, pela primeira vez, uma divulgagao das ideias de
Binswanger, Strauss, Minkowsky e Kuhn, teoricos da fenomenolo-
gia no campo da psiquiatria
Um ana depois, na Convengao Anual da Associagao America-
na de Psicologia, Maslow, numa conferencia, diz 0 seguinte: "A
fenomen%gia tem uma certa historia no pensamento psic%gico
america no, mas, no todo, pense tem enfraquecido. Os fenome-
n%gos europe us, com suas demonstraqoes torturantemente cui-
dadosas e laboriosas, podem nos re-ensinar que 0 me/h~r modo
de compreendermos outro ser humane ou, pelo menos, um modo
necessario para algumas finalidades e penetrar em seu weltans-
chamung e ser capaz de ver seu mundo atraves de seus olhos".24
Este revigoramento vai se traduzir com 0 aparecimento de variAs
revistas de cunho fenomenologico e existencial.25
a) Psicoterapia Existencial de Rollo May
May tem se tornado 0 porta-voz, nos Estados Unidos, das
i· ideias fenomenologico-existenciais. May e mais conhecido como
,
r. 23 May, RAngel, E. e Ellenberger, H. Existence: A new Dimension in Psychiatry and
r Psychology. NY, Basic Books, 1958.
f: 24 Maslow, A. P~icologia Existencial: 0 que ha nela para n6s? em May, Rollo (org.)
i:7 ~slcologla EXlstenclal, P. A., Ed. Globo, 1976, p. 62.
R • Em 1960 • The Journal of Existencial Psychiatry, em 1961. Review of Existencial
I,: . PsycholollY and Psychiatry, etc.
l'"
existencialista, pois sua enfase na fenomenologia tem sica recen-
teo No seu artigo "Uma abordagem fenomenologica da Psicotera-
pia", ele nos diz: "Nos, psicoterapeutas, esperamos que a fenome-
nologia nos indique um caminho para a compreensao aa natureza
fundamental do homem".26
A trajetoria de May em seu contacto primeiro com 0 existen-
cialismo se deve ao fato de ter convivido com dois refugiados ale-
maes: Goldstein e Tillich, tendo, assim, acesso ao pensamento de
Kierkegaard e Heidegger.27
Roilo May nao escreveu muito explicitamente sobre a conduta
do terapeuta nesta perspectiva fenomenologica. 0 que temos e a
explicitagao de conceitos centrais no IIvro Existencia, e retomados
posteriormente, no livro A descoberta do Ser28 , como Ser e nao-
-ser, Ser-no-mundo, que servem para fundamentagao do trabalho
terapeutico na linha fenomenologico-existencial.
b) Psicoterapia Existencial de Eugene Gendlin
o Psicologo e filosofo Gendlin e 0 responsavel pela reorien-
tagao da obra de Rogers, transformando-a em fenomenologia e
existencia. E tambem 0 criador da psicoterapia experiencial, "que
constitui-se, basicamente, numa fusao das terapias centradas no
cliente e existencia/. Contudo, e uma fusao criativa que vai alem
destes dois sistemas, invertendo as regras da Terapia centrada no
cliente e ampliando a Terapia Existencial".29
Eugene, no artigo onde da uma visao geral da sua terapia,
enumera os principais pensadores que constituem as raizes de
23 May Rollo. Uma abordagem Fenomenol6gica da Psicoterapia em Psicologia e
Dilema Humano, op. cit, p. 122.
27 Spigelberg, H. op. cit., p. 159.
28 May Rollo. A descoberta do Ser. RJ., ed. Rocco, 1988.
29 Gomes, William. A Psicoterapia experiencial de Eugene Gendlin e suas rela¢es com
a fenomenologia em Psicologia: Reflexao e Critica, P. Alegre, 1988, v. 3, no. 112, p.
38-48.
27
seu trabalho. Dos filosofo.s, ele e devedor a Kierkegaard, Husserl,
Heidegger, Buber, Sartre e Merleau-Ponty; dos psicologos, ele
destaca Whitaker e Malone, Rank, Rogers, Binswanger, Boss e
May. Seu pensamento se traduz num esfon;:o gigantesco de en-
contrar um metodo que fosse adequado para estudar 0 fenomeno
da subjetividade.
Gendlin estrutura a terapia experiencial em torno de quatro
conceitos basicos:
a) sentir experiencias (experiential felt sense)
b) diferent;as (differentiation)
c) 0 ir adiante (carrying forward)
d) interagir (interactionpo
o processo de experiencias se da atraves dos tres primeiros
conceitos. "No sentir experiencial", descreve este contato imediato
com 0 todo situacional. Esta consciencia pre-reflexiva e possivel
quando 0 individuo esta, interiormente, quieto e preparado para
interagir com 0 proprio corpo. No "diferenciar", define os elementos
emergentes da informat;ao organistica e e, portanto, uma reflexao.
o "ir adiante" indica 0 movimento resultante da ten sao dialetica ,
que ocorre quando a informat;ao organistica e diferenciada e cada
sentimento e nomeado".31 Porem, para Gendlin, este processo so
ocorr6 se 0 ser humane possui um corpo, que esta em continua
interat;ao com 0 seu meio ambiente. Nota-se aqui a grande influ-
encia do pensamento de Merleau-Ponty.
Assim, Gendlin estrutura toda a sua tecnica terapeutica numa
&. condit;ao fenomenologica da teoria e consegue atingir a subjetivi-
~ dade ao ser humano, objeto de abordagem das teorias fenomeno-
ffi logico-existenciais.r
I;
It-
1° Gendlin, Eugene. Experiential Psychotherapy,
Psychoterapies, op. cit, p. 340-373.
. 31 Gomes, William, op. cit., p. 45.
28
em Corsini (ed.). Curent
3.1.3. Terapias Existenciais dos anos 80-90.
o mundo contemporaneo esta passando por grandes transfor-
mat;oes, e temos assistido a um questionamento de que os para-
metros antigos nao sao suficientemente claros para se entender
determinados fenomenos. E 0 que se chama a "crise dos pata-
digmas". No bojo desta problematica, tem surgido um novo eixo
de organizat;ao da ciencia, onde, para se entender um fenomeno,
nao basta hipotese simplista, pois 0 fen6meno e extremamente
complexo. Fala-se tambemque a referencia nao e mais a objetivi-
dade pura e simples, mas ela deve ser compreendida a partir da
intersubjetividade. E 0 novo conceito de ciencia e de homem que
deve emergir neste final de milenio.
As praticas terapeuticas devem se estruturar nao mais dentro
do paradigma newtoniano-cartesiano (Determinismo, Reducionis-
mo, Fragmentat;ao e Separat;aO radical do sujeito-objeto), mas
dentro de um novo quadro referencial que seja sistemico, lingOisti-
co, fenomenol6gico, existencial e transcendental.32
Dentro desta perspectiva desafiante, e que gostaria de citar
dois estudos, em psicoterapia existencial que devem nos motivar
e buscar 0 dialogo com 0 que ha de mais novo no pens8mento
contemporaneo. A psicoterapia existencial de Irvin Yalon e a de
Salvatori Maddj33.
3.2. A ESCOLA EUROPEIA
A Europa, pela sua tradit;ao filosofica, sera 0 bert;o das princi-
pais ideias fenomenologicas e existenciais. Esta em s'.a maneira
de ser uma busca rigorosa na estruturat;aO dos conceitos, e nao
32 Para 0 desenvolvimentc, deste novo paradigma em Psicoterapia, consultar Oiniz Neto,
Orestes. Um experimento sobre os efeitos de dissonancia-consonancia cognitiva em
Psicoterapia breve de grupo. Tese de mestrado em Psicologia na UFMG, 1993, p.
50-88.
33 Yalom, Irvin. 'Existential Psychotherapy, N.Y., Basic Books, sId Maddi, Salvatore .
Psicoterapia existencial.
29
seu trabalho. Dos filosofo.s, ele e devedor a Kierkegaard, Husserl,
Heidegger, Buber, Sartre e Merleau-Ponty; dos psicologos, ele
destaca Whitaker e Malone, Rank, Rogers, Binswanger, Boss e
May. Seu pensamento se traduz num esfon;:o gigantesco de en-
contrar um metodo que fosse adequado para estudar 0 fenomeno
da subjetividade.
Gendlin estrutura a terapia experiencial em torno de quatro
conceitos basicos:
a) sentir experiencias (experiential felt sense)
b) diferent;as (differentiation)
c) 0 ir adiante (carrying forward)
d) interagir (interactionpo
o processo de experiencias se da atraves dos tres primeiros
conceitos. "No sentir experiencial", descreve este contato imediato
com 0 todo situacional. Esta consciencia pre-reflexiva e possivel
quando 0 individuo esta, interiormente, quieto e preparado para
interagir com 0 proprio corpo. No "diferenciar", define os elementos
emergentes da informat;ao organistica e e, portanto, uma reflexao.
o "ir adiante" indica 0 movimento resultante da ten sao dialetica ,
que ocorre quando a informat;ao organistica e diferenciada e cada
sentimento e nomeado".31 Porem, para Gendlin, este processo so
ocorr6 se 0 ser humane possui um corpo, que esta em continua
interat;ao com 0 seu meio ambiente. Nota-se aqui a grande influ-
encia do pensamento de Merleau-Ponty.
Assim, Gendlin estrutura toda a sua tecnica terapeutica numa
&. condit;ao fenomenologica da teoria e consegue atingir a subjetivi-
~ dade ao ser humano, objeto de abordagem das teorias fenomeno-
ffi logico-existenciais.
r
I;
It-
1° Gendlin, Eugene. Experiential Psychotherapy,
Psychoterapies, op. cit, p. 340-373.
. 31 Gomes, William, op. cit., p. 45.
28
em Corsini (ed.). Curent
3.1.3. Terapias Existenciais dos anos 80-90.
o mundo contemporaneo esta passando por grandes transfor-
mat;oes, e temos assistido a um questionamento de que os para-
metros antigos nao sao suficientemente claros para se entender
determinados fenomenos. E 0 que se chama a "crise dos pata-
digmas". No bojo desta problematica, tem surgido um novo eixo
de organizat;ao da ciencia, onde, para se entender um fenomeno,
nao basta hipotese simplista, pois 0 fen6meno e extremamente
complexo. Fala-se tambemque a referencia nao e mais a objetivi-
dade pura e simples, mas ela deve ser compreendida a partir da
intersubjetividade. E 0 novo conceito de ciencia e de homem que
deve emergir neste final de milenio.
As praticas terapeuticas devem se estruturar nao mais dentro
do paradigma newtoniano-cartesiano (Determinismo, Reducionis-
mo, Fragmentat;ao e Separat;aO radical do sujeito-objeto), mas
dentro de um novo quadro referencial que seja sistemico, lingOisti-
co, fenomenol6gico, existencial e transcendental.32
Dentro desta perspectiva desafiante, e que gostaria de citar
dois estudos, em psicoterapia existencial que devem nos motivar
e buscar 0 dialogo com 0 que ha de mais novo no pens8mento
contemporaneo. A psicoterapia existencial de Irvin Yalon e a de
Salvatori Maddj33.
3.2. A ESCOLA EUROPEIA
A Europa, pela sua tradit;ao filosofica, sera 0 bert;o das princi-
pais ideias fenomenologicas e existenciais. Esta em s'.a maneira
de ser uma busca rigorosa na estruturat;aO dos conceitos, e nao
32 Para 0 desenvolvimentc, deste novo paradigma em Psicoterapia, consultar Oiniz Neto,
Orestes. Um experimento sobre os efeitos de dissonancia-consonancia cognitiva em
Psicoterapia breve de grupo. Tese de mestrado em Psicologia na UFMG, 1993, p.
50-88.
33 Yalom, Irvin. 'Existential Psychotherapy, N.Y., Basic Books, sId Maddi, Salvatore .
Psicoterapia existencial.
29
poderia ser de outra maneira. Ass;m, as mais fecundas e 0 apare-
cimento dos primeiros disci pulos dos mestres filosofos no campo
da pratica clfnica se da com mais fon;a naAlemanha, sem,eviden-
temente, esquecermos as contribui90es do pensamento frances.
3.2.1. PSicoterapia Fenomenologico-Existencial
a) Daseinsanalyse de Ludwig Binswanger
Podemos resumir em duas as contribuir;oes de Binswanger
para a pratica clfnica. A primeira sao os estudos fenomenologicos
no campo da psicopatologia onde sua abordagem, a partir dos es-
tudos de Husserl, marca urn passe a mais nos estudos iniciados
por Jaspers. A segunda e a constru9ao da teoria terapeutica intitu-
lad a Daseinsanalyse. Porem, estas duas contribui90es devem ser
entendidas dentro de uma preocupa9ao mais ampla que pautou
todo 0 seu trabalho clinico, que foi a de encontrar uma fundamen-
ta9ao "cientifica" para a Psiquiatria do seu tempo.
Binswanger foi diretor da clfnica "Bellevue", fundada por seu
avo, em Kreuzilnig, e de promoveu muitos encontros com intele-
cutais e mestres da epoca. Estas jornadas de estudos contaram
com a presen9a de Husserl, Scheller, Heidegger, Buber e muitos
outros que marcaram 0 pensamento binswangeriano. No campo
da psicologia, Binswanger fez sua tese de doutorado sob a dire9ao
de Carl Jung e foi atraves deste que, em 1907, conheceu Freud do
qual iria se tomar amigo, permanecendo psicanalista ate 0 tim da
vida, m~smo depois do rompimento intelectual com Freud.
Foi, no ana de 1930, com 0 lan9amento de Sonho e Existen-
I :i::~:~:,,~:n::~~: :,:~::: :e:::~:: R::::,:e,:~::i:::~
I;; p. 766-799. Existe uma tradu\ilo francesa com uma introdu\ilo de Michel Foucault.
II' . Reve et Existence. Paris, Desclee de Brouwer, 1954.Recentemente, veio a publico \ l uma tradu<;:ao brasileira que foi editada pela revista Natureza Humana, vol. IV, nO 2,
:~: Sao Paulo, dez, 2002
~i,'
30
nalyse que tern seus fundamentos filosoficos e antropolol]icos ex-
plicitados em 1942 na obra Grundformen.35 Sua compreensao do
Dasein vai alem da heideggeriana no sentido que este nao deve
ser entendido so como Sorge (cuidado), mas tambem <.;omo Liebe
(Amor). Estas duas dimensoes do Dasein possibilitam que ele nao
seja s6 entendido como ser-no-mundo (in-der-welt-sein),mas,
tambem, como urn ser-que-ultrapasse-o-mundo (uber-die-welt-
-hinaus-sein).
b) Analise Existencial de Medard Boss
Boss funda, em Zurick, urn Instituto de Psicoterapia chamado
Daseinsanalyse, mesmo nome do trabano de Binswanger, e que
tem como principal inspirador Martin Heidegger. Porem, antes de
se iniciar ao pensamento de Heidegger, Boss foi muito influenciado
por Jung.
As analises do ser-no-mundo introduzidas por Heidegger vao
ajudar Boss, que nao estava contente com as analises freudia-
nas, a encontrar alternativas de uma concep9ao nao-naturalista
do homem como aberto ao ser. Assim, a fun9ao da terapia seria a
completa Iibera9ao do paciente atraves da experiencia fenomenal,
a qual 0 terapeuta tera acesso atraves das analises dos sonhos
que Boss desenvolveu em alguns dos seus mais importantes es-
critos.36
Boss pontua suas divargencias com a Psicanalise e poderfa-
mos citar duas. Em primeiro lugar, enfatiza que os conflitos indivi-
duais nao estao na mente; eles sao conflitos entre os diferentes
modos de rela9ao do nosso mundo e do mundo dos outros. Em
segundo lugar, Boss ressalta que expressoes de sentimento dos
pacientes estao diretamente ligados a situa9ao presente.
35 Binswanger, L. Grundformen und Erkenntnis menschlichen Daseins. Munchen,
Reinhart, 1973, 5a. ed.
36 Boss, Medard. Trad. port. Na Noite Passada, eu sonhei, SP, Editorial Summus, 1979.
31
poderia ser de outra maneira. Ass;m, as mais fecundas e 0 apare-
cimento dos primeiros disci pulos dos mestres filosofos no campo
da pratica clfnica se da com mais fon;a naAlemanha, sem,eviden-
temente, esquecermos as contribui90es do pensamento frances.
3.2.1. PSicoterapia Fenomenologico-Existencial
a) Daseinsanalyse de Ludwig Binswanger
Podemos resumir em duas as contribuir;oes de Binswanger
para a pratica clfnica. A primeira sao os estudos fenomenologicos
no campo da psicopatologia onde sua abordagem, a partir dos es-
tudos de Husserl, marca urn passe a mais nos estudos iniciados
por Jaspers. A segunda e a constru9ao da teoria terapeutica intitu-
lad a Daseinsanalyse. Porem, estas duas contribui90es devem ser
entendidas dentro de uma preocupa9ao mais ampla que pautou
todo 0 seu trabalho clinico, que foi a de encontrar uma fundamen-
ta9ao "cientifica" para a Psiquiatria do seu tempo.
Binswanger foi diretor da clfnica "Bellevue", fundada por seu
avo, em Kreuzilnig, e de promoveu muitos encontros com intele-
cutais e mestres da epoca. Estas jornadas de estudos contaram
com a presen9a de Husserl, Scheller, Heidegger, Buber e muitos
outros que marcaram 0 pensamento binswangeriano. No campo
da psicologia, Binswanger fez sua tese de doutorado sob a dire9ao
de Carl Jung e foi atraves deste que, em 1907, conheceu Freud do
qual iria se tomar amigo, permanecendo psicanalista ate 0 tim da
vida, m~smo depois do rompimento intelectual com Freud.
Foi, no ana de 1930, com 0 lan9amento de Sonho e Existen-
I :i::~:~:,,~:n::~~: :,:~::: :e:::~:: R::::,:e,:~::i:::~
I;; p. 766-799. Existe uma tradu\ilo francesa com uma introdu\ilo de Michel Foucault.
II' . Reve et Existence. Paris, Desclee de Brouwer, 1954.Recentemente, veio a publico \ l uma tradu<;:ao brasileira que foi editada pela revista Natureza Humana, vol. IV, nO 2,
:~: Sao Paulo, dez, 2002
~i,'
30
nalyse que tern seus fundamentos filosoficos e antropolol]icos ex-
plicitados em 1942 na obra Grundformen.35 Sua compreensao do
Dasein vai alem da heideggeriana no sentido que este nao deve
ser entendido so como Sorge (cuidado), mas tambem <.;omo Liebe
(Amor). Estas duas dimensoes do Dasein possibilitam que ele nao
seja s6 entendido como ser-no-mundo (in-der-welt-sein), mas,
tambem, como urn ser-que-ultrapasse-o-mundo (uber-die-welt-
-hinaus-sein).
b) Analise Existencial de Medard Boss
Boss funda, em Zurick, urn Instituto de Psicoterapia chamado
Daseinsanalyse, mesmo nome do trabano de Binswanger, e que
tem como principal inspirador Martin Heidegger. Porem, antes de
se iniciar ao pensamento de Heidegger, Boss foi muito influenciado
por Jung.
As analises do ser-no-mundo introduzidas por Heidegger vao
ajudar Boss, que nao estava contente com as analises freudia-
nas, a encontrar alternativas de uma concep9ao nao-naturalista
do homem como aberto ao ser. Assim, a fun9ao da terapia seria a
completa Iibera9ao do paciente atraves da experiencia fenomenal,
a qual 0 terapeuta tera acesso atraves das analises dos sonhos
que Boss desenvolveu em alguns dos seus mais importantes es-
critos.36
Boss pontua suas divargencias com a Psicanalise e poderfa-
mos citar duas. Em primeiro lugar, enfatiza que os conflitos indivi-
duais nao estao na mente; eles sao conflitos entre os diferentes
modos de rela9ao do nosso mundo e do mundo dos outros. Em
segundo lugar, Boss ressalta que expressoes de sentimento dos
pacientes estao diretamente ligados a situa9ao presente.
35 Binswanger, L. Grundformen und Erkenntnis menschlichen Daseins. Munchen,
Reinhart, 1973, 5a. ed.
36 Boss, Medard. Trad. port. Na Noite Passada, eu sonhei, SP, Editorial Summus, 1979.
31
3.2.2. Psicoterapias Antropologicas
Entendemos por psicoterapias antropol6gicas as praticas tera-
peuticas que partem de uma elabora<;:ao exp\icita do ser humane
trabalhado. Todos os procedimentos serao decorrentes da concep-
<;:130 de homem explicitada.
a) Logoterapia de Viktor Frankl
Frankl viveu situa<;:oes dramaticas existenciais como prisioneiro
no campo de concentra<;:ao de Auschwitz, as quais sao retratadas
no livro 0 homem em busca do sentido.37 Sua teoria terapeutica
estaria r.1uito influenciada pel as experienc;as limite mais terriveis
do totalitarismo, vividas durante tres anos, como prisioneiro.
Ap6s a segunda guerra, ele quis estudar filosofia e defendeu
sua tese de doutorado aos 44 anos sobre a presen<;:a inconsciente
de Deus. Assim, a s6lida base filos6fica veio apoiar suas experien-
cias existenciais e medicas.
A concep<;:ao de homem explicita de Frankl pode ser resumi-
da no sentido de que 0 homem deve ser entendido como um ser
biopsicoespiritual, isto e, como uma totalidade. Desta antropologia
tripartida, Frankl dara maior enfase a dimensao noetica, isto e, a
dimensao do espirito, onde 0 homem sera entendido como um ser
em busca do sentido. Ele diz que 0 homem "no final das contas,
o qUe procura mais e a felicidade em si, mais uma razao para ser
feliz. Com efeito, no dia-a-dia da clinica, vemos que e precisamen-
fe por nao contar com uma "razao para ser feliz" que 0 neur6tico
sexualmente perturbado, impotente ou frigido, encontra-se impos-
~. sibilitado de obter a fe/icidade".38
r n A diferenc;a fundamental entre a Logoterapia e a Analise Exis-
f: tencial e que a primeira tem como finalidade incluir 0 logos na psico-
~ .. ':: Frankl, Viktor. Man's Searsch for meanig. Boston, Beacon Press, 1959.
". Frankl, Vlktor. Fundamentos antropol6gicos da FSicoterapia, RJ. Zahar Ed. 1978.
32
terapia e a segunda e incluir a existencia na psicoterapia. Segundo
Frankl, "a ref/ex.ao regressiva psicoterapeutica sobre 0 logos signi-
fica 0 mesmo que ref/exao regressiva sobre 0 sentido e os valores.
A auto-ref/exao regressiva psicoterapeutica sobre a existencia e
igual a auto-ref/exao sobre a liberdade e a responsabilidf!ge".39
b) Psicoterapia Antropol6gico-fenonienol6gica
A escola de Heidelberg que desenvolveu a aplica<;:ao da fe-
nomenologia da psicopatologia atraves, primeiro, de Jaspers e,
posteriormente, atraves de Tellenbach, que faleceu no ultimo se-
tembro, foi tambem a responsavel pelo desenvolvimento de uma
antropologia fenomenol6gica aplicada ao campo da medicina psi-
cossomatica.
Viktor Von Weizsacker4° foi 0 responsavel pel a elaborac;ao da
antropologia, que desenvolveu uma nova compreens80 da rela<;:ao
medico-paciente, trazendo, assim, novas luzes para uma relaC;80
terapeutica mais libertadora. Weizsacker diz que a pessoa est a
determinada pel ascategorias do devir, do encontro, do sucesso,
da confiima<;:80 e da responsabilidade.
Esta antropologia teve seus disdpulos dos quais podemos
destacar Paul Christian, que faz uma analise da compreens80 da
pessoa no moderno pensamento medico, e Walter Brautigam41
que desenvolve a dimens80 antropol6gica da psicoterapia.
3.2.3. Psicoterapia Antropologica dos anos 80-90.
Temos assistido, na Europa, a uma efervescencia de novas
ideias que provaram um repensar de algumas posi<;:o:.s defendi-
das pelas terapias apresentadas anteriormente. E necessario en-
39 Frankl. Idem, p. 197.
40 Christian, Paul. Das Personenverstandnis im modernen medizinischen Durken.
Tubigen, 1952.
41 Brautigam, Walter. La psicoterapia en su aspectos antropol6gicos. Madrid. Ed.
Gredos, 1964.
33
3.2.2. Psicoterapias Antropologicas
Entendemos por psicoterapias antropol6gicas as praticas tera-
peuticas que partem de uma elabora<;:ao exp\icita do ser humane
trabalhado. Todos os procedimentos serao decorrentes da concep-
<;:130 de homem explicitada.
a) Logoterapia de Viktor Frankl
Frankl viveu situa<;:oes dramaticas existenciais como prisioneiro
no campo de concentra<;:ao de Auschwitz, as quais sao retratadas
no livro 0 homem em busca do sentido.37 Sua teoria terapeutica
estaria r.1uito influenciada pel as experienc;as limite mais terriveis
do totalitarismo, vividas durante tres anos, como prisioneiro.
Ap6s a segunda guerra, ele quis estudar filosofia e defendeu
sua tese de doutorado aos 44 anos sobre a presen<;:a inconsciente
de Deus. Assim, a s6lida base filos6fica veio apoiar suas experien-
cias existenciais e medicas.
A concep<;:ao de homem explicita de Frankl pode ser resumi-
da no sentido de que 0 homem deve ser entendido como um ser
biopsicoespiritual, isto e, como uma totalidade. Desta antropologia
tripartida, Frankl dara maior enfase a dimensao noetica, isto e, a
dimensao do espirito, onde 0 homem sera entendido como um ser
em busca do sentido. Ele diz que 0 homem "no final das contas,
o qUe procura mais e a felicidade em si, mais uma razao para ser
feliz. Com efeito, no dia-a-dia da clinica, vemos que e precisamen-
fe por nao contar com uma "razao para ser feliz" que 0 neur6tico
sexualmente perturbado, impotente ou frigido, encontra-se impos-
~. sibilitado de obter a fe/icidade".38
r n A diferenc;a fundamental entre a Logoterapia e a Analise Exis-
f: tencial e que a primeira tem como finalidade incluir 0 logos na psico-
~ .. ':: Frankl, Viktor. Man's Searsch for meanig. Boston, Beacon Press, 1959.
". Frankl, Vlktor. Fundamentos antropol6gicos da FSicoterapia, RJ. Zahar Ed. 1978.
32
terapia e a segunda e incluir a existencia na psicoterapia. Segundo
Frankl, "a ref/ex.ao regressiva psicoterapeutica sobre 0 logos signi-
fica 0 mesmo que ref/exao regressiva sobre 0 sentido e os valores.
A auto-ref/exao regressiva psicoterapeutica sobre a existencia e
igual a auto-ref/exao sobre a liberdade e a responsabilidf!ge".39
b) Psicoterapia Antropol6gico-fenonienol6gica
A escola de Heidelberg que desenvolveu a aplica<;:ao da fe-
nomenologia da psicopatologia atraves, primeiro, de Jaspers e,
posteriormente, atraves de Tellenbach, que faleceu no ultimo se-
tembro, foi tambem a responsavel pelo desenvolvimento de uma
antropologia fenomenol6gica aplicada ao campo da medicina psi-
cossomatica.
Viktor Von Weizsacker4° foi 0 responsavel pel a elaborac;ao da
antropologia, que desenvolveu uma nova compreens80 da rela<;:ao
medico-paciente, trazendo, assim, novas luzes para uma relaC;80
terapeutica mais libertadora. Weizsacker diz que a pessoa est a
determinada pel as categorias do devir, do encontro, do sucesso,
da confiima<;:80 e da responsabilidade.
Esta antropologia teve seus disdpulos dos quais podemos
destacar Paul Christian, que faz uma analise da compreens80 da
pessoa no moderno pensamento medico, e Walter Brautigam41
que desenvolve a dimens80 antropol6gica da psicoterapia.
3.2.3. Psicoterapia Antropologica dos anos 80-90.
Temos assistido, na Europa, a uma efervescencia de novas
ideias que provaram um repensar de algumas posi<;:o:.s defendi-
das pelas terapias apresentadas anteriormente. E necessario en-
39 Frankl. Idem, p. 197.
40 Christian, Paul. Das Personenverstandnis im modernen medizinischen Durken.
Tubigen, 1952.
41 Brautigam, Walter. La psicoterapia en su aspectos antropol6gicos. Madrid. Ed.
Gredos, 1964.
33
trar em dialogo com as ?iencias desta segunda parte do sec. xx,
para r,ao correr 0 risco de se perder 0 bonde da hist6ria.
Dentro deste esfon;o, quero citar a Psicoterapia Dialytica de
Luis Cencillo na Espanha. Dialysis. hologenica que, literalmente,
significa dissolu~ao gerada pela totalidade, isto e, gerada pela
compulsao da totalidade de todos os dados, elementos e regis-
tros disponiveis e verificaveis. "Dialysis conota processo, urn pro-
cesso translaborativo que vai dissolvendo fixac;oes, barreiras, blo-
queios e as vai canalizando integralmente na totalidade funcional
(hologfmesis)".42 0 autor parte, portanto, de uma explicita<;ao da
totalidade do ser humane para gerar a sua pratica clinica.
o segundo exemplo e 0 de Wyss43, que tem elaborado uma
Psicoterapia antropologica integrativa, na qual define a psicote-
rapia como um encontro intersubjetivo da comunica<;ao. 0 autor
desenvolve tambem toda uma reflexao sobre 0 que seja a comuni-
ca<;:ao e as suas implica~6es na rela~ao terapeutica.
IV - CONCLUSAO
Neste final de seculo, permeado por grandes transforma~6es,
as psicoterapias humanistas, existenciais e as psicoterapias feno-
menol6gico-existenciais se encontram diante de desafios novos e
nunca pensados. Citarei so dois.
Q primeiro grande desafio, no nosso entender, e a neessidade
de se explicitar de maneira rigorosa os fundamentos da atividade
terapeutica para tirarmos, de uma vez por todas, a ideia de que
terapia humanista e uma mera aplica<;ao ou tecnica ou conversa
livre (amigavel). A pn3tica terapeutica deve se fundamentar numa
t.: . coerente visao de homem, isto e, numa antropologia filosofica, e
E na explicita<;ao dos fundamentos filos6ficos, psicologicos, antropo-
~... 16gicos e epistemol6gicos.
It ... ,42 Cencillo Ramirez L. Transferencia y sistema de Psicoterapia, Madrid Ediciones
!F Ruamide, 1977 .
. 43 Wyss Dieter. Der Kranke als Partner. 2 vols. Gottigen, Vandenhoeck e Ruporeckt, 1982.
34
o segundo desafio e a busca de um dialogo com outro dominio
da psicologia a fim de que uma visao mais abrangente possibilite
um trabalho clinico mais consistente. Aqui, refiro-me a bucca de
integra<;ao dos conhecimentos gerados pelas teorias da comuni-
ca~ao, pela cibernetica, e tambem pelas novas pesquif'1S da psi-
cologia cognitiva entre outras.
Almejamos que 0 ressurgimento das terapias existenciais bus-
que um aprofundarnento do seu referencial teorico e nao seja rnais
urn rnodisrno dentro da psicologia.
35
trar em dialogo com as ?iencias desta segunda parte do sec. xx,
para r,ao correr 0 risco de se perder 0 bonde da hist6ria.
Dentro deste esfon;o, quero citar a Psicoterapia Dialytica de
Luis Cencillo na Espanha. Dialysis. hologenica que, literalmente,
significa dissolu~ao gerada pela totalidade, isto e, gerada pela
compulsao da totalidade de todos os dados, elementos e regis-
tros disponiveis e verificaveis. "Dialysis conota processo, urn pro-
cesso translaborativo que vai dissolvendo fixac;oes, barreiras, blo-
queios e as vai canalizando integralmente na totalidade funcional
(hologfmesis)".42 0 autor parte, portanto, de uma explicita<;ao da
totalidade do ser humane para gerar a sua pratica clinica.
o segundo exemplo e 0 de Wyss43, que tem elaborado uma
Psicoterapia antropologica integrativa, na qual define a psicote-
rapia como um encontro intersubjetivo da comunica<;ao. 0 autor
desenvolve tambem toda uma reflexao sobre 0 que seja a comuni-
ca<;:ao e as suas implica~6es na rela~ao terapeutica.
IV - CONCLUSAONeste final de seculo, permeado por grandes transforma~6es,
as psicoterapias humanistas, existenciais e as psicoterapias feno-
menol6gico-existenciais se encontram diante de desafios novos e
nunca pensados. Citarei so dois.
Q primeiro grande desafio, no nosso entender, e a neessidade
de se explicitar de maneira rigorosa os fundamentos da atividade
terapeutica para tirarmos, de uma vez por todas, a ideia de que
terapia humanista e uma mera aplica<;ao ou tecnica ou conversa
livre (amigavel). A pn3tica terapeutica deve se fundamentar numa
t.: . coerente visao de homem, isto e, numa antropologia filosofica, e
E na explicita<;ao dos fundamentos filos6ficos, psicologicos, antropo-
~... 16gicos e epistemol6gicos.
It ... ,42 Cencillo Ramirez L. Transferencia y sistema de Psicoterapia, Madrid Ediciones
!F Ruamide, 1977 .
. 43 Wyss Dieter. Der Kranke als Partner. 2 vols. Gottigen, Vandenhoeck e Ruporeckt, 1982.
34
o segundo desafio e a busca de um dialogo com outro dominio
da psicologia a fim de que uma visao mais abrangente possibilite
um trabalho clinico mais consistente. Aqui, refiro-me a bucca de
integra<;ao dos conhecimentos gerados pelas teorias da comuni-
ca~ao, pela cibernetica, e tambem pelas novas pesquif'1S da psi-
cologia cognitiva entre outras.
Almejamos que 0 ressurgimento das terapias existenciais bus-
que um aprofundarnento do seu referencial teorico e nao seja rnais
urn rnodisrno dentro da psicologia.
35
DIFERENCIAL PSICOTERAPEUTICO NA
FENOMENOLOGIA EXISTENCIAL
A Fenomenologia e urna corrente filosofica que tem fecunda-
do a Psicologia ja ha alguns anos. Essa presen<;a, usando como
ponto de partida a data que nos parece mais significativa, co-
me<;ou no dominio da Psicopatologia quando, em 1913, 0 psi-
quiatra e filosofo KARL JASPERS (1883-1969) escreveu a sua
Psicopatologia Geral. De la ate hoje, esse impacto tem crescido
e provocado uma grande fecundidade, atingindo varios dominios,
como 0 a Psicologia Experimental (ALBERT MICHOTTE 1881-
1965), 0 a Psicologia Comparada e 0 a Fisiologia Antropologica
(FJ.J. BUYTENDIJK, 1887-1974),0 a concep<;ao holistica do or-
ganismo (KURT GOLDSTEIN, 1978-1965).0 impacto maior tem
sido entre os psiquiatras como, para nos atermos apenas a dois
expoentes, LUDWIG BINSWANGWER (1881-1956) e M:=DARD
BOSS (1903- ), que fundaram seus pr6prios metodos de analise
terapeutica.
Do outro lade do Atlantico, a influencia da fenomenologia tem
sido grande, com destaque para a Universidade de Duquene de
Pittsburgh, Centro de Pesquisa em Psicologia Fenomenol6gi-
ca, sob 0 impulso de AMADEU GIORGI que publicou um livro
"Psychology as a human science", em 1970, no qual defende a
ideia de uma renova<;ao radical da psicologia, sobre bases feno-
menol6gicas.
E necessario notar que ROLLO MAY, em 1958, ao organizar
um livro intitulado "Existence: a new dimension in Psychiatry and
Psychology", desencadeou, nos Estados Unidos, uma influencia
marcante da Fenomenologia, pois apresentou ao publico ameri-
cano alguns dos principais representantes europeus da aplica-
<;ao da fenomenologia a Psicologia. Ainda nos USA, e importante
37
DIFERENCIAL PSICOTERAPEUTICO NA
FENOMENOLOGIA EXISTENCIAL
A Fenomenologia e urna corrente filosofica que tem fecunda-
do a Psicologia ja ha alguns anos. Essa presen<;a, usando como
ponto de partida a data que nos parece mais significativa, co-
me<;ou no dominio da Psicopatologia quando, em 1913, 0 psi-
quiatra e filosofo KARL JASPERS (1883-1969) escreveu a sua
Psicopatologia Geral. De la ate hoje, esse impacto tem crescido
e provocado uma grande fecundidade, atingindo varios dominios,
como 0 a Psicologia Experimental (ALBERT MICHOTTE 1881-
1965), 0 a Psicologia Comparada e 0 a Fisiologia Antropologica
(FJ.J. BUYTENDIJK, 1887-1974),0 a concep<;ao holistica do or-
ganismo (KURT GOLDSTEIN, 1978-1965).0 impacto maior tem
sido entre os psiquiatras como, para nos atermos apenas a dois
expoentes, LUDWIG BINSWANGWER (1881-1956) e M:=DARD
BOSS (1903- ), que fundaram seus pr6prios metodos de analise
terapeutica.
Do outro lade do Atlantico, a influencia da fenomenologia tem
sido grande, com destaque para a Universidade de Duquene de
Pittsburgh, Centro de Pesquisa em Psicologia Fenomenol6gi-
ca, sob 0 impulso de AMADEU GIORGI que publicou um livro
"Psychology as a human science", em 1970, no qual defende a
ideia de uma renova<;ao radical da psicologia, sobre bases feno-
menol6gicas.
E necessario notar que ROLLO MAY, em 1958, ao organizar
um livro intitulado "Existence: a new dimension in Psychiatry and
Psychology", desencadeou, nos Estados Unidos, uma influencia
marcante da Fenomenologia, pois apresentou ao publico ameri-
cano alguns dos principais representantes europeus da aplica-
<;ao da fenomenologia a Psicologia. Ainda nos USA, e importante
37
destacar, 0 surgimento d9 Journal of Phenomenological Psycho-
logy dirigido por A. GIORGI (Pittsburgh), K. GRAUMANN (Hei-
delberg) e G. THINES (Louvain), representantes dos principais
centr~s nascentes da Fenomenologia.
A partir desse inicio, que alguns pesquisadores olhavam com
uma certa desconfian<;a, a Fenomenologia tem side uma corrente
filos6fica de grande fecundidade na psicologia. Para ter-se uma
ideia da amplitude desse impacto, cito 0 livro de H. SPEIGELBERG
"Phenomenology in the Psychiatrie and Psychology".
Diante desse breve quadro, gostaria agora de destacar e
salientar nesta apresenta<;80, 0 impacto da Fenomenologia na
Psicoterapia, destacando 0 diferencial psicoterapico na Fenome-
nologia Existencial. Assim, dividirei 0 trabalho em tres partes: A
rela<;80 entre a Fenomenologia e a Psicologia; A especificidade
da psicoterapia; a atitude fenomenol6gica na Psicoterapia.
I - FENOMENOLOGIA E PSICOLOGIA
A Fenomenologia surge no inicio do seculo com HUSSERL
(1859-1938), cujo grande ideal era de encontrar uma base s61ida
para a ciencia, fazendo para isso uma critica ao psicologismo
que veio a constituir um poderoso metodo de investiga<;80. Ri-
coeur explicita que "a fenomenologia e um vasto projeto que se
fecha sobre uma obra ou um grupo de obras precisas; ela e me-
nos uma doutrina e mais um metodo, capaz de encarna<;oes mul-
~" tiplas, e, dela, HUSSERL explorou somente um pequeno numero
~'
f
de possibilidades".44 Dai a necessidade de observar, as vezes, 0
modo como certos autores aplicaram 0 metodo fenomenologico a
[ , diversos temas e problemas humanos - como fizeram os filosofos I existencialistas - para captarmos a especificidade da abordagem
t; fenomenol6gica.
t,------
I,,
:":', ' .4 RICOEUR, p, Husserl (1859-1938) em L"I~cole de la PhenomEmologie. Paris, Librairie
Urui, 1986, p.8.
38
Muitas vezes, aprendemos 0 que e a Fenomenologia, obser-
vando a maneira pala qual alguns autores e pesquisadores utili-
zam 0 seu metodo de investiga<;80.
A Fenomenologia apresenta-se como um metodo de abordar
a realidade diferente do metodo das ciencias naturais, qu~ visam
a entender 0 seu objeto por meio de explica<;oes forma is. Aqui, a
novidade esta, em que 0 fenomenologo busca compreender as ra-
zoes que suscitam determinada atitude. DARTIGUES define, com
precis80, que "compreender um comportamento e percebe-Io, por
assim dizer, do interior, do ponto de vista da inten<;80 que 0 anun-
cia, logo, naquilo que 0 torna propriamente humane e 0 distingue
deum movimento fisico".45
Ora, a Fenomenologia e um metodo compreensivo, pois busca
explicitar a inten<;80 especifica do "visada" ( a maneira de como
o homem dirige sua aten<;80 implicada na percep<;80 ) que cada
ser humano tem ao entender algo. Como exemplo, podemos dizer
que duas pessoas, um viajante e um madeireiro olham de maneira
diferente uma mesma arvore. 0 primeiro mira a arvore como algo
que Ihe servirc~ como alivio para 0 cansa<;o da caminhada fatigan-
te, enquanto 0 segundo olhara a arvore na perspectiva de que ela
possa oferecer-Ihe umamadeira de qualidade para a fabrica<;80
de um m6ve!. A inten<;80, ao abordar a arvore, e completamente
diferente e, e a capta<;80 dessa intencionalidade, desse sentido
orientador, que e a tarefa da fenomenologia.
Captar, na sua profundidade, a re!a<;80 especifica entre 0 ob-
jeto "visto" e 0 sujeito que visa ao objeto e 0 desafio primordial
de uma abordagem fenomenologica. VAN DER LEEUW explicita
que a Fenomenologia procura captar 0 fenomeno, definindo-o da
seguinte maneira: "fenomeno e, por sua vez, urn objeto que se
refere ao sujeito e um sujeito em rela<;80 ao objeto. Com isso, nao
s~ quer dizer que 0 sujeito sofreria alguma apropria<;80 por parte
45 DARTIGUES,A. 0 que e fenomenologia? Sao Paulo: Editora Morais, 1992, 33 ed., p. 51.
39
destacar, 0 surgimento d9 Journal of Phenomenological Psycho-
logy dirigido por A. GIORGI (Pittsburgh), K. GRAUMANN (Hei-
delberg) e G. THINES (Louvain), representantes dos principais
centr~s nascentes da Fenomenologia.
A partir desse inicio, que alguns pesquisadores olhavam com
uma certa desconfian<;a, a Fenomenologia tem side uma corrente
filos6fica de grande fecundidade na psicologia. Para ter-se uma
ideia da amplitude desse impacto, cito 0 livro de H. SPEIGELBERG
"Phenomenology in the Psychiatrie and Psychology".
Diante desse breve quadro, gostaria agora de destacar e
salientar nesta apresenta<;80, 0 impacto da Fenomenologia na
Psicoterapia, destacando 0 diferencial psicoterapico na Fenome-
nologia Existencial. Assim, dividirei 0 trabalho em tres partes: A
rela<;80 entre a Fenomenologia e a Psicologia; A especificidade
da psicoterapia; a atitude fenomenol6gica na Psicoterapia.
I - FENOMENOLOGIA E PSICOLOGIA
A Fenomenologia surge no inicio do seculo com HUSSERL
(1859-1938), cujo grande ideal era de encontrar uma base s61ida
para a ciencia, fazendo para isso uma critica ao psicologismo
que veio a constituir um poderoso metodo de investiga<;80. Ri-
coeur explicita que "a fenomenologia e um vasto projeto que se
fecha sobre uma obra ou um grupo de obras precisas; ela e me-
nos uma doutrina e mais um metodo, capaz de encarna<;oes mul-
~" tiplas, e, dela, HUSSERL explorou somente um pequeno numero
~'
f
de possibilidades".44 Dai a necessidade de observar, as vezes, 0
modo como certos autores aplicaram 0 metodo fenomenologico a
[ , diversos temas e problemas humanos - como fizeram os filosofos I existencialistas - para captarmos a especificidade da abordagem
t; fenomenol6gica.
t,------
I,,
:":', ' .4 RICOEUR, p, Husserl (1859-1938) em L"I~cole de la PhenomEmologie. Paris, Librairie
Urui, 1986, p.8.
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Muitas vezes, aprendemos 0 que e a Fenomenologia, obser-
vando a maneira pala qual alguns autores e pesquisadores utili-
zam 0 seu metodo de investiga<;80.
A Fenomenologia apresenta-se como um metodo de abordar
a realidade diferente do metodo das ciencias naturais, qu~ visam
a entender 0 seu objeto por meio de explica<;oes forma is. Aqui, a
novidade esta, em que 0 fenomenologo busca compreender as ra-
zoes que suscitam determinada atitude. DARTIGUES define, com
precis80, que "compreender um comportamento e percebe-Io, por
assim dizer, do interior, do ponto de vista da inten<;80 que 0 anun-
cia, logo, naquilo que 0 torna propriamente humane e 0 distingue
deum movimento fisico".45
Ora, a Fenomenologia e um metodo compreensivo, pois busca
explicitar a inten<;80 especifica do "visada" ( a maneira de como
o homem dirige sua aten<;80 implicada na percep<;80 ) que cada
ser humano tem ao entender algo. Como exemplo, podemos dizer
que duas pessoas, um viajante e um madeireiro olham de maneira
diferente uma mesma arvore. 0 primeiro mira a arvore como algo
que Ihe servirc~ como alivio para 0 cansa<;o da caminhada fatigan-
te, enquanto 0 segundo olhara a arvore na perspectiva de que ela
possa oferecer-Ihe uma madeira de qualidade para a fabrica<;80
de um m6ve!. A inten<;80, ao abordar a arvore, e completamente
diferente e, e a capta<;80 dessa intencionalidade, desse sentido
orientador, que e a tarefa da fenomenologia.
Captar, na sua profundidade, a re!a<;80 especifica entre 0 ob-
jeto "visto" e 0 sujeito que visa ao objeto e 0 desafio primordial
de uma abordagem fenomenologica. VAN DER LEEUW explicita
que a Fenomenologia procura captar 0 fenomeno, definindo-o da
seguinte maneira: "fenomeno e, por sua vez, urn objeto que se
refere ao sujeito e um sujeito em rela<;80 ao objeto. Com isso, nao
s~ quer dizer que 0 sujeito sofreria alguma apropria<;80 por parte
45 DARTIGUES,A. 0 que e fenomenologia? Sao Paulo: Editora Morais, 1992, 33 ed., p. 51.
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do objeto, ou vice-versa. 0 fenomeno nao e produzido pelo sujei-
to; muito menos corroborado ou demonstrado p~r ele. Toda a sua
essencia consiste em se mostrar, em se mostrar a "alguem". Logo
que esse alguem come9a a falar daquilo que se mostra, tem-se a
fenomenologia".46
A Fenomenologia apresenta-se, dessa maneira, como urn me-
todo de abordar 0 fenomeno, como uma metodologia da compre-
ensao, e nao da explica9ao. Nao nos interessa, aqui, descrever
quais sao os procedimentos para se atingir esse objetivo. Isso nos
levaria muito longe da nossa inten9ao. Queremos, outrossim, des-
tacar que aquilo a que se visa, 0 fenomeno que se mostra, e me-
ramente, 0 entrela9amento do sujeito com urn objeto, por meio da
intencionalidade. 0 que, em terminologia mais especffica, seria a
descri9ao direta da diversidade das estruturas noetico-noematicas.
JEANSON, no seu estudo sobre Fenomenologia, conclui, de
maneira brilhante, dizendo que 0 "metodo e, em primeiro lugar, urn
caminho que se abre dentro de uma certa dire9ao, e uma certa
maneira que se tern de pesquisar, de colocar os problemas, de in-
terrogar 0 mundo e de se interrogar" Y Assim, esse caminho, deve
ser fecundo, pois nos leva a compreender as coisas. E mais do
que isso, JEANSON completa um "metodo e, antes de tudo, uma
atitude ao olhar 0 objeto estudado".4B Assirn seguir os pass os do
metodo fenomenol6gico e incorporar uma atitude fenomenol6gica.
Resta-nos, agora, a pergunta: qual e a possibilidade de essa
postura fenomenol6gica ajudar as ciencias psicol6gicas, estabele-
t cendo um la90 de interliga9ao?
Essa colabora9ao pode vir de varias maneiras. Uma primeira
~.' colabora9ao ocorre quando 0 fenomen610go debru9a-se sobre um
~ 46 VAN DER LEEWW, G. Epilogo do livro "La religion dans son essence et ses
1(:: manifestations - phenmenologie de la religion". Paris: Payot, 1970, traduc;ao de Erika
t Louren~ (mimeo).
[ ,17 JEANSON, F. La phenomenologie. Paris: Editora Tequi, sId., p. 67.
i:', .8 Ibidem, p. 67.
~o
fenomeno, descrevendo-o em sua mais completa concretude, e 0
psic6!ogo entao verificara quais sao os componentes psicol6gicos
do fenomeno descrito. Por exemplo, na Psicologia religiosa, pode-
mos ter !.Jma descri9ao do fenomeno da fe, destacando todos os
elementos observaveis num ate de fe. Num segundo momento, 0
psic610go destacara os componentes psicol6gicos que daO intellgi-
bilidade ao fenomeno descrito.
Uma segundacolabora9ao da Fenomenologia e que ela faz
aparecer, com a sua maneira de ver 0 mundo, categorias novas
(como, por exemplo, a n09ao de que a consciencia e sempre cons-
ciencia de alguma coisa), e temas novos, por exemplo, quando
Heidegger aplicou 0 metodo fenomenol6gico no desvelamento do
DASEIN. Ele, em "Ser e Tempo", mostra 0 processo de desvela-
men~o do ser que nao pode ser estabelecido dedutivamente. Ao
analisar as caracteristicas do Dasein, 0 seus existenciais, ele vai
revelando a estrutura profunda, ontol6gica, que constitui 0 homem.
Com esse trabalho de HEIDEGGER chamado de "Analitica Exis-
tencial", surgem novos temas que podem ajudar os psicologos na
sua pratica.
, Existe uma terceira maneira de percebermos a contribui9ao
da Fenomenologia para a Psicologia, quando essa nova maneira
de compreender a realidade traz uma nova luz sobre determina-dos problemas enfocados tradicionalmente pela psicologia. Como
exemplo, podemos citar a n09ao de comportamento. nao mais
compreendido como uma simples cadeia de reflexo, mas como
algo que brota de uma intencionalidade, ou seja, "uma maneira
pela qual 0 homem realiza-se como subjetividade encarnada, um
projeto em dire9ao ao mundo a partir de uma situa9ao".49 0 autor
49 DONDEYNE, A. Psychologie et Phenomenologie em, Recherche- et Debats -
Psychologie Moderne et Reflexion chretienne - Cahiers n° 3, Janvier, 1953, Paris,
Libraire Artheme, Fayard, p. 193. Para 0 referido autor, 0 "comportamento humano
mesmo que ele se desenrola sobre 0 plano da vida irrefletida (nao consciente)
apresenta uma estrutur3 noetico-noematica, caracterizada pela imbricatyi30 da noese
e do noema".
41
do objeto, ou vice-versa. 0 fenomeno nao e produzido pelo sujei-
to; muito menos corroborado ou demonstrado p~r ele. Toda a sua
essencia consiste em se mostrar, em se mostrar a "alguem". Logo
que esse alguem come9a a falar daquilo que se mostra, tem-se a
fenomenologia".46
A Fenomenologia apresenta-se, dessa maneira, como urn me-
todo de abordar 0 fenomeno, como uma metodologia da compre-
ensao, e nao da explica9ao. Nao nos interessa, aqui, descrever
quais sao os procedimentos para se atingir esse objetivo. Isso nos
levaria muito longe da nossa inten9ao. Queremos, outrossim, des-
tacar que aquilo a que se visa, 0 fenomeno que se mostra, e me-
ramente, 0 entrela9amento do sujeito com urn objeto, por meio da
intencionalidade. 0 que, em terminologia mais especffica, seria a
descri9ao direta da diversidade das estruturas noetico-noematicas.
JEANSON, no seu estudo sobre Fenomenologia, conclui, de
maneira brilhante, dizendo que 0 "metodo e, em primeiro lugar, urn
caminho que se abre dentro de uma certa dire9ao, e uma certa
maneira que se tern de pesquisar, de colocar os problemas, de in-
terrogar 0 mundo e de se interrogar" Y Assim, esse caminho, deve
ser fecundo, pois nos leva a compreender as coisas. E mais do
que isso, JEANSON completa um "metodo e, antes de tudo, uma
atitude ao olhar 0 objeto estudado".4B Assirn seguir os pass os do
metodo fenomenol6gico e incorporar uma atitude fenomenol6gica.
Resta-nos, agora, a pergunta: qual e a possibilidade de essa
postura fenomenol6gica ajudar as ciencias psicol6gicas, estabele-
t cendo um la90 de interliga9ao?
Essa colabora9ao pode vir de varias maneiras. Uma primeira
~.' colabora9ao ocorre quando 0 fenomen610go debru9a-se sobre um
~ 46 VAN DER LEEWW, G. Epilogo do livro "La religion dans son essence et ses
1(:: manifestations - phenmenologie de la religion". Paris: Payot, 1970, traduc;ao de Erika
t Louren~ (mimeo).
[ ,17 JEANSON, F. La phenomenologie. Paris: Editora Tequi, sId., p. 67.
i:', .8 Ibidem, p. 67.
~o
fenomeno, descrevendo-o em sua mais completa concretude, e 0
psic6!ogo entao verificara quais sao os componentes psicol6gicos
do fenomeno descrito. Por exemplo, na Psicologia religiosa, pode-
mos ter !.Jma descri9ao do fenomeno da fe, destacando todos os
elementos observaveis num ate de fe. Num segundo momento, 0
psic610go destacara os componentes psicol6gicos que daO intellgi-
bilidade ao fenomeno descrito.
Uma segundacolabora9ao da Fenomenologia e que ela faz
aparecer, com a sua maneira de ver 0 mundo, categorias novas
(como, por exemplo, a n09ao de que a consciencia e sempre cons-
ciencia de alguma coisa), e temas novos, por exemplo, quando
Heidegger aplicou 0 metodo fenomenol6gico no desvelamento do
DASEIN. Ele, em "Ser e Tempo", mostra 0 processo de desvela-
men~o do ser que nao pode ser estabelecido dedutivamente. Ao
analisar as caracteristicas do Dasein, 0 seus existenciais, ele vai
revelando a estrutura profunda, ontol6gica, que constitui 0 homem.
Com esse trabalho de HEIDEGGER chamado de "Analitica Exis-
tencial", surgem novos temas que podem ajudar os psicologos na
sua pratica.
, Existe uma terceira maneira de percebermos a contribui9ao
da Fenomenologia para a Psicologia, quando essa nova maneira
de compreender a realidade traz uma nova luz sobre determina-
dos problemas enfocados tradicionalmente pela psicologia. Como
exemplo, podemos citar a n09ao de comportamento. nao mais
compreendido como uma simples cadeia de reflexo, mas como
algo que brota de uma intencionalidade, ou seja, "uma maneira
pela qual 0 homem realiza-se como subjetividade encarnada, um
projeto em dire9ao ao mundo a partir de uma situa9ao".49 0 autor
49 DONDEYNE, A. Psychologie et Phenomenologie em, Recherche- et Debats -
Psychologie Moderne et Reflexion chretienne - Cahiers n° 3, Janvier, 1953, Paris,
Libraire Artheme, Fayard, p. 193. Para 0 referido autor, 0 "comportamento humano
mesmo que ele se desenrola sobre 0 plano da vida irrefletida (nao consciente)
apresenta uma estrutur3 noetico-noematica, caracterizada pela imbricatyi30 da noese
e do noema".
41
quer dizer que, para compreendermos a rela<;ao do homem e de
seu mundo, sera neces~ario abandonar as categorias base ad as
na caL.:salidade natural e ate mesmo a perspectiva do paralelismo
psicofisiol6gico. E necessario urn outro olhar sobre a realidade.
Para uma melhor compreensao do impacto da fenomenologia
na psicologia e necessario lembrar que a concep<;ao de Fenome-
nologia nao foi colocada por HUSSERL, de maneira acabada, em
sua obra Investiga<;oes L6gicas (1900-1901). 0 termo sofre uma
evolu9ao ao longo do pensamento husserliano. Os estudiosos de
HUSSERL, especial mente VAN BREDA, responsavel por haver le-
vado os escritos de HUSSERL para LOllvain, a salvo da ascensao
nazista, distingue duas grandes concep90es de Fenomenologia no
pensamento deste. A primeira concep9ao define a "Fenomenolo-
gia como uma ciencia filos6fica propedeutica, que tern como objeto
a descri9ao das essencias fundamentais para uma problematica
filos6fica dada".50 A segunda concep9ao, que se desenvolveu a
partir dos escritos de 1907 "Ideias para uma Fenomenologia" e de
1013 "Ideias diretrizes para uma fenomenologia pura e uma filo-
sofia fenomenol6gica", proclama a Fenomenologia incumbida da
seguinte tarefa: "redescobrir a genese intencional da consciencia
e os passos constitutivos que esta poe em movimento".51
HOje, quando falamos que um pensador e influenciado pel a
Fenomenologia, devemos ter 0 cuidado de detectar qual e a con-
cep9ao fenomenol6gica que tem como ponto de partida e que esta
subjacente a todo 0 seu trabalho te6rico, pois nao se pode exigir,
de urn estudo, algo que ele nao pode dar, de vez que seu ponto
de partida esta limitado a uma concep9ao ainda precaria, e nao
~. . total mente desenvolvida. Como exemplo, podemos dizer que a
~ primeira concep9ao influenciou um grande numero de psic610gos,
t~,:".'.;.' psiquiatras e criticos de artes, entre os quais podemos citar JAS-
. ,50 VAN BREDA, H.L. La phenomE!nologie, em Les Courrants Philosophiques, v. III, p.
423. Infelizmente sem data e referencia editorial.
. 51 Idem, p. 421.
42
PERS, 0 primeiro que trouxe essa concep<;ao para 0 dominic da
psicopatologia. A segunda concep<;30, mais fecunda, tern influen-
ciado muitos fil6sofos e psiquiatras, e podemos citar, no pensa-
mento frances, SARTRE, MERLEAU-PONTY e RICOEU~. Entre
os psiquiatras, talvez os mais conhecidos do publico brasileiro,
podemos citar VAN DEN BERG, com 0 seu livro "0 Paciente Psi-
quiatrico" e Binswanger, com 0 livro "As tres formas de Existencia
malograda".
II - A ESPECIFICIDADE DA PSICOTERAPIA
o segundo ponto da nossa reflexao e clarearmos a especifici-
dade de um trabalho terapeutico para no ultimo momento, mostrar
como a Fenomenologia pode Ian gar uma nova luz na tarefa sem-
pre ardua do clinico-terapeuta.
A explicita9ao do que seja psicoterapia com ega com a caracte-
rizagao de que essa atividade do psic610go e uma pratica clinica, e
que tern como objeto 0 ser humano. 0 objeto que se impoe a aten-
9ao do terapeuta eo sofrimento do ser humano.0 que sustentara
a pratica clinica serao os conflitos e os problemas que a pessoa
humana trouxer para a psicoterapia. As questoes existenciais sub-
jacentes aos conflitos e que devem alimentar a a9ao do terapeuta.
Por outr~ lado, essa a9ao terapeutica tern muitas especifici-
dades e caracteristicas que a diferenciam de outra atividade do
psicologo, constituindo-a como uma atividade profissional, isto e,
uma atividade que exige uma forma9ao, seja ela de cunho te6rico
ou pratico. A primeira especificidade dessa interven<;ao e que ela
e .curativa e nao preventiva, uma vez que quando alguem busca
terapia, e para tratar de urn determinado problema ou questao que
esta gerando urn sofrimento do qual a pessoa nao e capaz de sair
sozinha. E curativa no sentido de proporcionar ao "cliente" instru-
mentos capazes de enfrentar 0 conflito que esta vivendo. Seria
preventiva se a interven9ao ocorresse antes do conflito manifestar-
43
quer dizer que, para compreendermos a rela<;ao do homem e de
seu mundo, sera neces~ario abandonar as categorias base ad as
na caL.:salidade natural e ate mesmo a perspectiva do paralelismo
psicofisiol6gico. E necessario urn outro olhar sobre a realidade.
Para uma melhor compreensao do impacto da fenomenologia
na psicologia e necessario lembrar que a concep<;ao de Fenome-
nologia nao foi colocada por HUSSERL, de maneira acabada, em
sua obra Investiga<;oes L6gicas (1900-1901). 0 termo sofre uma
evolu9ao ao longo do pensamento husserliano. Os estudiosos de
HUSSERL, especial mente VAN BREDA, responsavel por haver le-
vado os escritos de HUSSERL para LOllvain, a salvo da ascensao
nazista, distingue duas grandes concep90es de Fenomenologia no
pensamento deste. A primeira concep9ao define a "Fenomenolo-
gia como uma ciencia filos6fica propedeutica, que tern como objeto
a descri9ao das essencias fundamentais para uma problematica
filos6fica dada".50 A segunda concep9ao, que se desenvolveu a
partir dos escritos de 1907 "Ideias para uma Fenomenologia" e de
1013 "Ideias diretrizes para uma fenomenologia pura e uma filo-
sofia fenomenol6gica", proclama a Fenomenologia incumbida da
seguinte tarefa: "redescobrir a genese intencional da consciencia
e os passos constitutivos que esta poe em movimento".51
HOje, quando falamos que um pensador e influenciado pel a
Fenomenologia, devemos ter 0 cuidado de detectar qual e a con-
cep9ao fenomenol6gica que tem como ponto de partida e que esta
subjacente a todo 0 seu trabalho te6rico, pois nao se pode exigir,
de urn estudo, algo que ele nao pode dar, de vez que seu ponto
de partida esta limitado a uma concep9ao ainda precaria, e nao
~. . total mente desenvolvida. Como exemplo, podemos dizer que a
~ primeira concep9ao influenciou um grande numero de psic610gos,
t~,:".'.;.' psiquiatras e criticos de artes, entre os quais podemos citar JAS-
. ,50 VAN BREDA, H.L. La phenomE!nologie, em Les Courrants Philosophiques, v. III, p.
423. Infelizmente sem data e referencia editorial.
. 51 Idem, p. 421.
42
PERS, 0 primeiro que trouxe essa concep<;ao para 0 dominic da
psicopatologia. A segunda concep<;30, mais fecunda, tern influen-
ciado muitos fil6sofos e psiquiatras, e podemos citar, no pensa-
mento frances, SARTRE, MERLEAU-PONTY e RICOEU~. Entre
os psiquiatras, talvez os mais conhecidos do publico brasileiro,
podemos citar VAN DEN BERG, com 0 seu livro "0 Paciente Psi-
quiatrico" e Binswanger, com 0 livro "As tres formas de Existencia
malograda".
II - A ESPECIFICIDADE DA PSICOTERAPIA
o segundo ponto da nossa reflexao e clarearmos a especifici-
dade de um trabalho terapeutico para no ultimo momento, mostrar
como a Fenomenologia pode Ian gar uma nova luz na tarefa sem-
pre ardua do clinico-terapeuta.
A explicita9ao do que seja psicoterapia com ega com a caracte-
rizagao de que essa atividade do psic610go e uma pratica clinica, e
que tern como objeto 0 ser humano. 0 objeto que se impoe a aten-
9ao do terapeuta eo sofrimento do ser humano. 0 que sustentara
a pratica clinica serao os conflitos e os problemas que a pessoa
humana trouxer para a psicoterapia. As questoes existenciais sub-
jacentes aos conflitos e que devem alimentar a a9ao do terapeuta.
Por outr~ lado, essa a9ao terapeutica tern muitas especifici-
dades e caracteristicas que a diferenciam de outra atividade do
psicologo, constituindo-a como uma atividade profissional, isto e,
uma atividade que exige uma forma9ao, seja ela de cunho te6rico
ou pratico. A primeira especificidade dessa interven<;ao e que ela
e .curativa e nao preventiva, uma vez que quando alguem busca
terapia, e para tratar de urn determinado problema ou questao que
esta gerando urn sofrimento do qual a pessoa nao e capaz de sair
sozinha. E curativa no sentido de proporcionar ao "cliente" instru-
mentos capazes de enfrentar 0 conflito que esta vivendo. Seria
preventiva se a interven9ao ocorresse antes do conflito manifestar-
43
-se, 0 que, em alguns ca~os, pode ocorrer, mas nao e habitual na
psicoterapia.
Uma segunda caracteristica que mostra a especificidade da
psicoterapia e 0 fato de que a interven9ao do profissional chamado
a atuar e uma interven9ao psicologica, e nao medi::;a. Normalmen-
te, 0 medico usa de agentes quimicos para sustentar a sua a9ao,
e sua interven9ao acaba sendo feita no organismo, com conse-
qO€mcias para a vida do paciente. A interven9ao do psicologo deve
ser uma interven9ao nao medicamentosa e no nivel psicologico. A
questao que fica e: 0 que e 0 psicologico no ser humane para po-
dermos delimitar sua area especifica de a9ao? Essa e uma ques-
tao complexa, que exigiria a explicit9ao dos dois eixos constituin-
tes do psiquismo.
A terceira caracteristica e que a interven9ao da-se numa rela-
9aO de intimidade, isto e, numa rela9ao intersubjetiva. BUCHER
diz 0 seguinte: "Na rela9ao psicoterapica, nao ha instrumentos ou
agentes: esta rela9ao nao e mediatizada p~r nenhum intermedia-
rio. Seu unico meio e 0 ambiente humane em si, numa configura-
9ao muito especial que e aquela do dialogo humano, da conversa,
onde nao intervem outras for9as alem da linguagem".52 0 dialogo
e 0 caminho p~r meio do qual se cria a intimidade entre duas pes-
soas, para que 0 trabalho terapeutico seja desenvolvido. BUCHER
completa: "so existe compreensao intersubjetiva se, nos dialogos
ou "comunica90es" que travamos, 0 sentido das palavras, n090es
e locu90es utilizadas for esclarecido, a respeito das suas implica-
90es, pressupostos e alcances".53
Finalmente, a ultima caracteristica que nos ajuda a entender
o que seja a psicoterapia, enos perguntarmos quais sao os ins-
g trumentos que 0 psicologo possui para construir a rela9ao de in-
t· timidade e ajudar 0 hornem a encontrar um alivio para os seus
R W. 52 BUCHER, R. A psicoterapia pela fala. Sao Paulo: EPU, 1989, p. 27.
53 Idem, p. 32.
44
sofrimentos. E somente a fala que 0 terapeuta tem ao seu alcance.
Assim, BUCHER diz: "Psicoterapia refere-se, portanto, a um modo
muito particular de encarar 0 ser humane e, por conseguinte, os
processos de interven9ao terapeutica, possibilitados entre duas
(ou mais) pessoas pela mera a9ao da fala".54
Aqui, quando explicitamos essas ca~acteristicas, tlnhamos em
mente um tipo de psicoterapia. E a abordagem intitulada Dasein-
sana/yse, ou Analise Existencial, desenvolvida por BINSWANGER,
um psiquiatra SUi90, que define 0 fundarT1ento ultimo da psicotera-
pia da seguinte maneira: "A possibilidade da psicoterapia nao re-
pousa sobre um segredo ou um misterio, como se poderia pensar,
nem sobre nada de novo ou inabitual, mas, ao contrario, sobre
um tra90 fundamental da estrutura do ser humane como ser-no-
-mundo (Heidegger) ser com e para 0 outre".55
Essa abordagem criada por BINSWANGER tem como base a
fenomenologia e a analitica existencial de HEIDEGGER, no seu
livre "Ser e Tempo", e a psicoterapia, dentre dessa perspectiva,
deve ajudar a compreender a estruturaexistencial. BUCHER co-
mentando BINSWANGER, diz 0 seguinte: "A "estrutura existencial"
(Daseins-Struktur) nao deve ser entendida num sentido estatico,
mas como uma realidade em permanente transforma9ao. Uma
psicoterapia de base daseinsana/itica, insiste BINSWANGER, in-
vestiga a historia de vida do paciente "como qualquer outr~ metodo
psicoterapico, porem de um modo total mente proprio", pelo fato de
nao explica-Ia nas suas altera90es patologicas, segundo a doutri-
na de uma escola psicoterapica particular: ela a entende "como a
muta9ao da estrutura global do ser-no-mundo".56
Essa nova abordagem em psicoterapia prova haver uma nova
luz nos metodos ate entao vigentes na psicologia clini--: 3. Embora
54 Idem, p. 27
55 BINSWANGER, L. De la Psychotherapie in Introduction it i'analyse existencielie.
Paris: Editions de Minuit, 1971, p. 122.
56 BUCHER, R., op. cit., p. 31.
45
-se, 0 que, em alguns ca~os, pode ocorrer, mas nao e habitual na
psicoterapia.
Uma segunda caracteristica que mostra a especificidade da
psicoterapia e 0 fato de que a interven9ao do profissional chamado
a atuar e uma interven9ao psicologica, e nao medi::;a. Normalmen-
te, 0 medico usa de agentes quimicos para sustentar a sua a9ao,
e sua interven9ao acaba sendo feita no organismo, com conse-
qO€mcias para a vida do paciente. A interven9ao do psicologo deve
ser uma interven9ao nao medicamentosa e no nivel psicologico. A
questao que fica e: 0 que e 0 psicologico no ser humane para po-
dermos delimitar sua area especifica de a9ao? Essa e uma ques-
tao complexa, que exigiria a explicit9ao dos dois eixos constituin-
tes do psiquismo.
A terceira caracteristica e que a interven9ao da-se numa rela-
9aO de intimidade, isto e, numa rela9ao intersubjetiva. BUCHER
diz 0 seguinte: "Na rela9ao psicoterapica, nao ha instrumentos ou
agentes: esta rela9ao nao e mediatizada p~r nenhum intermedia-
rio. Seu unico meio e 0 ambiente humane em si, numa configura-
9ao muito especial que e aquela do dialogo humano, da conversa,
onde nao intervem outras for9as alem da linguagem".52 0 dialogo
e 0 caminho p~r meio do qual se cria a intimidade entre duas pes-
soas, para que 0 trabalho terapeutico seja desenvolvido. BUCHER
completa: "so existe compreensao intersubjetiva se, nos dialogos
ou "comunica90es" que travamos, 0 sentido das palavras, n090es
e locu90es utilizadas for esclarecido, a respeito das suas implica-
90es, pressupostos e alcances".53
Finalmente, a ultima caracteristica que nos ajuda a entender
o que seja a psicoterapia, enos perguntarmos quais sao os ins-
g trumentos que 0 psicologo possui para construir a rela9ao de in-
t· timidade e ajudar 0 hornem a encontrar um alivio para os seus
R W. 52 BUCHER, R. A psicoterapia pela fala. Sao Paulo: EPU, 1989, p. 27.
53 Idem, p. 32.
44
sofrimentos. E somente a fala que 0 terapeuta tem ao seu alcance.
Assim, BUCHER diz: "Psicoterapia refere-se, portanto, a um modo
muito particular de encarar 0 ser humane e, por conseguinte, os
processos de interven9ao terapeutica, possibilitados entre duas
(ou mais) pessoas pela mera a9ao da fala".54
Aqui, quando explicitamos essas ca~acteristicas, tlnhamos em
mente um tipo de psicoterapia. E a abordagem intitulada Dasein-
sana/yse, ou Analise Existencial, desenvolvida por BINSWANGER,
um psiquiatra SUi90, que define 0 fundarT1ento ultimo da psicotera-
pia da seguinte maneira: "A possibilidade da psicoterapia nao re-
pousa sobre um segredo ou um misterio, como se poderia pensar,
nem sobre nada de novo ou inabitual, mas, ao contrario, sobre
um tra90 fundamental da estrutura do ser humane como ser-no-
-mundo (Heidegger) ser com e para 0 outre".55
Essa abordagem criada por BINSWANGER tem como base a
fenomenologia e a analitica existencial de HEIDEGGER, no seu
livre "Ser e Tempo", e a psicoterapia, dentre dessa perspectiva,
deve ajudar a compreender a estrutura existencial. BUCHER co-
mentando BINSWANGER, diz 0 seguinte: "A "estrutura existencial"
(Daseins-Struktur) nao deve ser entendida num sentido estatico,
mas como uma realidade em permanente transforma9ao. Uma
psicoterapia de base daseinsana/itica, insiste BINSWANGER, in-
vestiga a historia de vida do paciente "como qualquer outr~ metodo
psicoterapico, porem de um modo total mente proprio", pelo fato de
nao explica-Ia nas suas altera90es patologicas, segundo a doutri-
na de uma escola psicoterapica particular: ela a entende "como a
muta9ao da estrutura global do ser-no-mundo".56
Essa nova abordagem em psicoterapia prova haver uma nova
luz nos metodos ate entao vigentes na psicologia clini--: 3. Embora
54 Idem, p. 27
55 BINSWANGER, L. De la Psychotherapie in Introduction it i'analyse existencielie.
Paris: Editions de Minuit, 1971, p. 122.
56 BUCHER, R., op. cit., p. 31.
45
todo 0 esfon/o de BINSWANGER tenha side 0 de dar uma base
cienUfica a Psiquiatria, sua contribuic;ao extrapolou 0 mundo da
medicina e fecundou 0 campo da psicoterapia. Assim, podemos
dizer, a Daseinsanalyse busca superar a antiga separac;ao que ha-
via na medicina entre 0 medico e 0 c1iente. "A Fenomenologia, bem
como a terapia existencial, prop6e-se a superar a dicotomia que
impregna 0 racionalismo da filosofia ocidental com respeito a cisao
entre sujeito e objeto". 57
III - A atitude fenomenol6gica em psicoterapia
Nessa parte de nosso trabalho, e necessario reafirmar, como
dissemos acima, que, ao seguir 0 metodo fenomenol6gico, 0 psi-
coterapeuta esta-se imbuindo de uma atitude, pois assume os
pressupostos do metodo. Assim, nao vai explicitar todos os passos
do metodo fenomenol6gico, mas tirar algumas conseqOencias do
que significa uma adesao a abordagem fenomenol6gica.
A primeira observac;ao de que se utiliza a Fenomenologia no
seu trabalho c1inico pode ser expressa pelas palavrns de RUDIO,
quando afirma que a base do processo terapeutico e 0 fenomeno.
"A base que 0 fenomenologista realiza como terapeuta nao se en-
contra nos "fatos", mas nos "fenomenos" que Ihe sao transmitidos
pelo relato do c1iente. Conhecer e compreender 0 "mundo interior"
do c1iente e conhecer e compreender os fenomenos que povoam a
sua consciencia, tal como ele os conhece, compreende e sente".58
Isto quer dizer que a Fenomenologia estuda os fenomenos, e que
a atitude do terapeuta de inspirac;ao fenomenologista e de buscar
compreender 0 fenomeno.
Outra consequencia: 0 terapeuta fenomenol6gico deve ficar
atento aos fenomenos da consciencia, que se produzem na cons-
ciencia do c1iente, pois este esta implicado na produc;ao do feno-
meno, ele e 0 autor do fenomeno da consciencia. RUDIO define
. ,------
~1 Idem, p, 30,
~. RUDIO, F.v. Dialogo MaiI!Jutico e psicoterapia existencial. Sao Jose dos Campos,
Novos Horizontes Editora, 1998, p. 130.
46
fenomeno dizendo que "a palavra "fen6meno". de origem grega.
quer dizer etimologicamente "0 que aparece". Significa aquilo que
e percebido pelos sentidos e que se revela (aparece) a conscien-
cia quando esta entra em contato com a realidade. Consiste, e ver-
dade, na apreensao imediata, nao-reflexiva, da realidade, mas in-
clui tambem, nela, as significac;6es e avaliac;6es que sao atribuidas
naturalmente pelo individuo ao que apreende".59 Assirr" entender
os fenomenos produzidos pelo cliente e desvelar 0 sentido que ele
atribui quando entra em contato com a realidade. Se tal contato e
sofrivel e me faz sentir um certo incomodo, eu 0 experimento como
doloroso. ° sentido de doloroso e, portanto, a inten9ao segundo a
qual eu vivo 0 doloroso. Nessa perspectiva, podemos entender a
observac;ao de RUDIO, quando diz: "Um ponto fundamental para 0
fenomenologista e que 0 comportamento do individuo nao e uma
reac;ao a realidade como tal, mas sim ao significado que ele atri-
bui a ela. Quer dizer, 0 individuo se comporta como resposta ao
significado que ele da ao que existe".60 Assim, "explicitar um com-
portamento e desvelar a maneirade ser do sujeito, isto e, possibi-
litar que esse sujeito reviva 0 sentido que esta subjacente ao seu
comportamento" .61
Surge, entao, a seguinte pergunta: 0 que um terapeuta feno-
menol6gico deve fazer com 0 material que emerge na relac;ao te-
rapeutica? "Tudo 0 que ele pode e deve fazer e explorar 0 material
tao profundamente e cuidadosamente quanto possivel por meio
da abertura que 0 paciente Ihe deu".62 Para aprofundar 0 material,
entrariamos, ai, na aplicabilidade dos procedimentos terapeuticos
de inspirac;ao fenomenol6gica, 0 que nos distanciaria do objetivo
deste nosso ensaio.
59 Idem, p. 130.
60 Idem, p.131 .
61 JEANSON, F., op. cit., p. 73.
62 MARTINS, J. Contribuic;ao da Fenomenologia a Psicologia Clinica, em Forshieri, Y.C.
(Orgs.). Fenomenologia e Psicologia. Sao Paulo: Cortez e Morais, 1984, p. 141.
47
todo 0 esfon/o de BINSWANGER tenha side 0 de dar uma base
cienUfica a Psiquiatria, sua contribuic;ao extrapolou 0 mundo da
medicina e fecundou 0 campo da psicoterapia. Assim, podemos
dizer, a Daseinsanalyse busca superar a antiga separac;ao que ha-
via na medicina entre 0 medico e 0 c1iente. "A Fenomenologia, bem
como a terapia existencial, prop6e-se a superar a dicotomia que
impregna 0 racionalismo da filosofia ocidental com respeito a cisao
entre sujeito e objeto". 57
III - A atitude fenomenol6gica em psicoterapia
Nessa parte de nosso trabalho, e necessario reafirmar, como
dissemos acima, que, ao seguir 0 metodo fenomenol6gico, 0 psi-
coterapeuta esta-se imbuindo de uma atitude, pois assume os
pressupostos do metodo. Assim, nao vai explicitar todos os passos
do metodo fenomenol6gico, mas tirar algumas conseqOencias do
que significa uma adesao a abordagem fenomenol6gica.
A primeira observac;ao de que se utiliza a Fenomenologia no
seu trabalho c1inico pode ser expressa pelas palavrns de RUDIO,
quando afirma que a base do processo terapeutico e 0 fenomeno.
"A base que 0 fenomenologista realiza como terapeuta nao se en-
contra nos "fatos", mas nos "fenomenos" que Ihe sao transmitidos
pelo relato do c1iente. Conhecer e compreender 0 "mundo interior"
do c1iente e conhecer e compreender os fenomenos que povoam a
sua consciencia, tal como ele os conhece, compreende e sente".58
Isto quer dizer que a Fenomenologia estuda os fenomenos, e que
a atitude do terapeuta de inspirac;ao fenomenologista e de buscar
compreender 0 fenomeno.
Outra consequencia: 0 terapeuta fenomenol6gico deve ficar
atento aos fenomenos da consciencia, que se produzem na cons-
ciencia do c1iente, pois este esta implicado na produc;ao do feno-
meno, ele e 0 autor do fenomeno da consciencia. RUDIO define
. ,------
~1 Idem, p, 30,
~. RUDIO, F.v. Dialogo MaiI!Jutico e psicoterapia existencial. Sao Jose dos Campos,
Novos Horizontes Editora, 1998, p. 130.
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fenomeno dizendo que "a palavra "fen6meno". de origem grega.
quer dizer etimologicamente "0 que aparece". Significa aquilo que
e percebido pelos sentidos e que se revela (aparece) a conscien-
cia quando esta entra em contato com a realidade. Consiste, e ver-
dade, na apreensao imediata, nao-reflexiva, da realidade, mas in-
clui tambem, nela, as significac;6es e avaliac;6es que sao atribuidas
naturalmente pelo individuo ao que apreende".59 Assirr" entender
os fenomenos produzidos pelo cliente e desvelar 0 sentido que ele
atribui quando entra em contato com a realidade. Se tal contato e
sofrivel e me faz sentir um certo incomodo, eu 0 experimento como
doloroso. ° sentido de doloroso e, portanto, a inten9ao segundo a
qual eu vivo 0 doloroso. Nessa perspectiva, podemos entender a
observac;ao de RUDIO, quando diz: "Um ponto fundamental para 0
fenomenologista e que 0 comportamento do individuo nao e uma
reac;ao a realidade como tal, mas sim ao significado que ele atri-
bui a ela. Quer dizer, 0 individuo se comporta como resposta ao
significado que ele da ao que existe".60 Assim, "explicitar um com-
portamento e desvelar a maneira de ser do sujeito, isto e, possibi-
litar que esse sujeito reviva 0 sentido que esta subjacente ao seu
comportamento" .61
Surge, entao, a seguinte pergunta: 0 que um terapeuta feno-
menol6gico deve fazer com 0 material que emerge na relac;ao te-
rapeutica? "Tudo 0 que ele pode e deve fazer e explorar 0 material
tao profundamente e cuidadosamente quanto possivel por meio
da abertura que 0 paciente Ihe deu".62 Para aprofundar 0 material,
entrariamos, ai, na aplicabilidade dos procedimentos terapeuticos
de inspirac;ao fenomenol6gica, 0 que nos distanciaria do objetivo
deste nosso ensaio.
59 Idem, p. 130.
60 Idem, p.131 .
61 JEANSON, F., op. cit., p. 73.
62 MARTINS, J. Contribuic;ao da Fenomenologia a Psicologia Clinica, em Forshieri, Y.C.
(Orgs.). Fenomenologia e Psicologia. Sao Paulo: Cortez e Morais, 1984, p. 141.
47
Gostaria, ainda de ~izer que a psicoterapia e um lugar muito
especial onde se da um encontro entre pessoas, entre um terapeu-
ta que se abre para escutar 0 cliente, e um cliente que, sofrendo,
abre-se, verbalizando 0 que 0 incomoda. A "fenomenologia propi-
cia-nos uma compreens13o mais pertinente desses processos, a
partir da sua analise do Dasein (ou ser-no-mundo), da intersubje-
tividade, da linguagem e das significa90es especificamente huma-
nas da existemcia".63
E, para finalizar, gostaria de dizer que uma PSicoterapia Exis-
tencial de inspira9130 fenomenol6gica n130 deve ser, em nenhuma
hip6tese, uma teoria sobre 0 ser humano, mas, muito pelo contra-
rio, deve ser um estudo aprofundado sobre 0 seu existir concreto.
63 BUCHER, R., op. cit., pp. 27-28.
48
FUNDAMENTA<;AO ANTROPOLOGICA DA
pRA TICA PSICOTEAAPICA64
INTRODUC;AO
Quando pensamos em pratica cllnica, vem-nos ao pensamen-
to um tipo de interven9130 "curativa", ist6 e, na maioria das vezes,
imaginamos uma a9130 de tratamento que visa "reparar" algo no
ser humano. Esse tipo de raciocfnio e sustentado pelo fato de que,
por um lado, a pessoa busca, no psicoterapeuta, uma ajuda que
Ihe possibilite sair do impasse existencial em sua vida pessoal. A
expectativa e de que 0 psic610go, com uma interveng130 "magica",
vai apresentar uma "Iuz no tim do tunel". Por outro lado, 0 terapeu-
ta pensa que, com a aplicag130 de uma "tecnica", a demand a do
cliente sera prontamente atendida e, mais do que isso, sua ag80
tera 0 efeito de provocar um "ajustamento" na personalidade pes-
soal, ajustamento esse que provocara uma adaptag130 quase ime-
diata do cliente ao seu contexto social.
Podemos afirmar que tanto um lado como 0 outr~ partem da
suposi9130 de que uma interveng80 rapida e cirurgica seria 0 sufi-
ciente para restabelecer 0 equillbrio perdido, 0 qual se manifesta
por meio do sintoma do cliente. Convem dizer que 0 mais impor-
tante, no tratamento do problema apresentado pelo cliente, me-
diante uma psicoterapia, sera 0 estabelecimento de uma relag130
inter-humana capaz de ajuda-Io a reestruturar sua vida. 0 tipo de
intera9130 necessaria para sua terapia fenomenol6gico-existencial
sera uma rela980 interpessoal subjetiva,65 num contexte em que
~ Esse artigo foi publicado pela primeira vez em Coletaneas da ANPEPP, v. 1, n. 9, set.
1996.
65 Explicitaremos mais tarde a definic;:ao e as caracteristicas dessa relac;:ao, porem
gostariamos de indicar 0 cap. 4 do livro de BOCHER, R. Psico/erbpia pe/a Fa/a,
SP, EPU, 1989, em que, mediante uma analise fenomenol6gica, 0 autor apresenta
os diversos tipos de relac;:oes psicol6gicas e destaca a especialidade da relac;:ao
terapeutica.
49
Gostaria, ainda de ~izer que a psicoterapia e um lugar muito
especial onde se da um encontro entre pessoas, entre um terapeu-
ta que se abre para escutar 0 cliente, e um cliente que, sofrendo,
abre-se, verbalizando 0 que 0 incomoda. A "fenomenologia propi-
cia-nos uma compreens13o mais pertinente desses processos, a
partir da sua analise do Dasein (ou ser-no-mundo), da intersubje-
tividade, da linguagem e dassignifica90es especificamente huma-
nas da existemcia".63
E, para finalizar, gostaria de dizer que uma PSicoterapia Exis-
tencial de inspira9130 fenomenol6gica n130 deve ser, em nenhuma
hip6tese, uma teoria sobre 0 ser humano, mas, muito pelo contra-
rio, deve ser um estudo aprofundado sobre 0 seu existir concreto.
63 BUCHER, R., op. cit., pp. 27-28.
48
FUNDAMENTA<;AO ANTROPOLOGICA DA
pRA TICA PSICOTEAAPICA64
INTRODUC;AO
Quando pensamos em pratica cllnica, vem-nos ao pensamen-
to um tipo de interven9130 "curativa", ist6 e, na maioria das vezes,
imaginamos uma a9130 de tratamento que visa "reparar" algo no
ser humano. Esse tipo de raciocfnio e sustentado pelo fato de que,
por um lado, a pessoa busca, no psicoterapeuta, uma ajuda que
Ihe possibilite sair do impasse existencial em sua vida pessoal. A
expectativa e de que 0 psic610go, com uma interveng130 "magica",
vai apresentar uma "Iuz no tim do tunel". Por outro lado, 0 terapeu-
ta pensa que, com a aplicag130 de uma "tecnica", a demand a do
cliente sera prontamente atendida e, mais do que isso, sua ag80
tera 0 efeito de provocar um "ajustamento" na personalidade pes-
soal, ajustamento esse que provocara uma adaptag130 quase ime-
diata do cliente ao seu contexto social.
Podemos afirmar que tanto um lado como 0 outr~ partem da
suposi9130 de que uma interveng80 rapida e cirurgica seria 0 sufi-
ciente para restabelecer 0 equillbrio perdido, 0 qual se manifesta
por meio do sintoma do cliente. Convem dizer que 0 mais impor-
tante, no tratamento do problema apresentado pelo cliente, me-
diante uma psicoterapia, sera 0 estabelecimento de uma relag130
inter-humana capaz de ajuda-Io a reestruturar sua vida. 0 tipo de
intera9130 necessaria para sua terapia fenomenol6gico-existencial
sera uma rela980 interpessoal subjetiva,65 num contexte em que
~ Esse artigo foi publicado pela primeira vez em Coletaneas da ANPEPP, v. 1, n. 9, set.
1996.
65 Explicitaremos mais tarde a definic;:ao e as caracteristicas dessa relac;:ao, porem
gostariamos de indicar 0 cap. 4 do livro de BOCHER, R. Psico/erbpia pe/a Fa/a,
SP, EPU, 1989, em que, mediante uma analise fenomenol6gica, 0 autor apresenta
os diversos tipos de relac;:oes psicol6gicas e destaca a especialidade da relac;:ao
terapeutica.
49
esta se fortalecera por intermedio de um encontro profundo e exis-
tencial, e nao por meio da aplicagao de uma tecnica.
Assim, 0 presente estudo visa, num primeiro momento, expli-
citar a fundamentagao antropo:6gica desse tipo de relagao, para
num segundo momenta mostrar as especificidades pr6prias desse
encontro terapeutico.
o que e 0 Encontro Inter-Humano?
Fundamenta~ao Antropologica do Encontro
"0 ser-com e um constituinte do ser-no-mundo" (Ser e Tem-
po). Assim, HEIOEGGER chama a ater,<;ao para 0 fato de que 0
homem e, na sua estrutura mais fundamental, um ser com os ou-
tros. Ele nao se pode compreender sem estar em relag80 com os
outros homens. Para designar esses aspectos, utilizamos 0 termo
co-existencia, dizendo com iSso,
... que 0 homem nao esta total mente s6 em nenhum
nfvel da existencia. Nenhum aspecto do ser-homem eo
que e sem que nele outros homens estejam presentes.
o ser-presente de outros em minha existencia implica
que meu ser-homem e um ser-por-outros.66
Sempre nos constituimos pela via da relag80 com os outros·
homens.
A fenomenologia existencial nos ensina que 0 homem e um
ser-no-mundo, que ele 1180 pode ser compreendido sem 0 mundo.
Nao e possivel pensar 0 homem dentro do mundo, como se pensa
o giz dentro de uma caixa-de-giz. E da estrutura do eu a sua in-
serg80 no mundo. Oai podermos dizer que 0 Eu, por meio do qual
nomeamos 0 homem, nao e uma realidade em si, mas relacional.
Isso implica 0 fato de que n80 se pode falar do Eu sem falar do
66 LUIJPEN, W. /ntrodur;ao a Fenomen%gia, SP, EPU, 1973, p. 260.
50
mundo. Essa unidade e instrumental do homem e, assim, a rela-
gao e 0 elemento anterior a constitui<;ao do homem como subjetivi-
dade. tF\ relaqao entre duas pessoas esta dada em uma esfera na
qual ambas as constituiq6es atuam significativamente antes que
surjam como pessoas e individua/idades bem /imitadas".67
A consequElncia dessa posiyao na psicologia clfnica, que
se baseia em tradiyao filos6fica de Max SCHELLER, Mar-
tin BUBER, Martin HEIOEGGER e Karl LOWITH, E.. que, ao
contrario da posiyao psicanalftica segundo a qual 0 "Eu" e
entendido como surgindo dos estados de animo e das neces-
sidades impulsivas, aqui, 0 Eu e entendido como possuindo
uma vinculayao primaria, "como um testar' em uma mutua
vinculac;ao".68 Oesse modo, os sentimentos sao matizes da
vinculayao primordial.
A Psicanalise da muita importancia a afetividade no es-
tabelecimento das relayoes interpessoais, pois 0 contato do
bebe com a mae e vivenciado pela via da atualizayao da
pulsao. Na perspectiva existencial, 0 que conta, em primeiro
lugar, e 0 tipo de relay80 que se estabelece entre a mae e
o seu bebe. A afetividade, que entendemos como um dos
eixos de organizayao do psiquismo humano, manifesta-se
mediante a ressonancia interna dos contactos que 0 eu es-
tabelece com 0 mundo. Oessa maneira, podemos concordar
com BRAUTIGAM quando nos diz: "As ressonancias afeti-
vas surgem, entre outras coisas, do ex ito ou do fracasso da
vinculac;ao, da confianc;a e do sentimento de seguranc;a que
desperta, ou de seus contrarios".69 Assim, 0 fato desencade-
ador da estruturayao do ser humane nao esta na atualizayao,
em si, de nenhuma forya interna do indivfduo que busca uma
67 BRAUTIGAM, W. La psicoterapia en su aspecto antropol6gico, Madrid, Ed. Gredos,
1964,p.131.
6f Idem, op. cit., p. 132.
69 Idem, op. cit., p. 137.
51
esta se fortalecera por intermedio de um encontro profundo e exis-
tencial, e nao por meio da aplicagao de uma tecnica.
Assim, 0 presente estudo visa, num primeiro momento, expli-
citar a fundamentagao antropo:6gica desse tipo de relagao, para
num segundo momenta mostrar as especificidades pr6prias desse
encontro terapeutico.
o que e 0 Encontro Inter-Humano?
Fundamenta~ao Antropologica do Encontro
"0 ser-com e um constituinte do ser-no-mundo" (Ser e Tem-
po). Assim, HEIOEGGER chama a ater,<;ao para 0 fato de que 0
homem e, na sua estrutura mais fundamental, um ser com os ou-
tros. Ele nao se pode compreender sem estar em relag80 com os
outros homens. Para designar esses aspectos, utilizamos 0 termo
co-existencia, dizendo com iSso,
... que 0 homem nao esta total mente s6 em nenhum
nfvel da existencia. Nenhum aspecto do ser-homem eo
que e sem que nele outros homens estejam presentes.
o ser-presente de outros em minha existencia implica
que meu ser-homem e um ser-por-outros.66
Sempre nos constituimos pela via da relag80 com os outros·
homens.
A fenomenologia existencial nos ensina que 0 homem e um
ser-no-mundo, que ele 1180 pode ser compreendido sem 0 mundo.
Nao e possivel pensar 0 homem dentro do mundo, como se pensa
o giz dentro de uma caixa-de-giz. E da estrutura do eu a sua in-
serg80 no mundo. Oai podermos dizer que 0 Eu, por meio do qual
nomeamos 0 homem, nao e uma realidade em si, mas relacional.
Isso implica 0 fato de que n80 se pode falar do Eu sem falar do
66 LUIJPEN, W. /ntrodur;ao a Fenomen%gia, SP, EPU, 1973, p. 260.
50
mundo. Essa unidade e instrumental do homem e, assim, a rela-
gao e 0 elemento anterior a constitui<;ao do homem como subjetivi-
dade. tF\ relaqao entre duas pessoas esta dada em uma esfera na
qual ambas as constituiq6es atuam significativamente antes que
surjam como pessoas e individua/idades bem /imitadas".67
A consequElncia dessa posiyao na psicologia clfnica, que
se baseia em tradiyao filos6fica de Max SCHELLER, Mar-
tin BUBER, Martin HEIOEGGER e Karl LOWITH, E.. que, ao
contrario da posiyao psicanalftica segundo a qual 0 "Eu" e
entendido como surgindo dos estados de animo e das neces-
sidades impulsivas, aqui, 0 Eu e entendido como possuindo
uma vinculayaoprimaria, "como um testar' em uma mutua
vinculac;ao".68 Oesse modo, os sentimentos sao matizes da
vinculayao primordial.
A Psicanalise da muita importancia a afetividade no es-
tabelecimento das relayoes interpessoais, pois 0 contato do
bebe com a mae e vivenciado pela via da atualizayao da
pulsao. Na perspectiva existencial, 0 que conta, em primeiro
lugar, e 0 tipo de relay80 que se estabelece entre a mae e
o seu bebe. A afetividade, que entendemos como um dos
eixos de organizayao do psiquismo humano, manifesta-se
mediante a ressonancia interna dos contactos que 0 eu es-
tabelece com 0 mundo. Oessa maneira, podemos concordar
com BRAUTIGAM quando nos diz: "As ressonancias afeti-
vas surgem, entre outras coisas, do ex ito ou do fracasso da
vinculac;ao, da confianc;a e do sentimento de seguranc;a que
desperta, ou de seus contrarios".69 Assim, 0 fato desencade-
ador da estruturayao do ser humane nao esta na atualizayao,
em si, de nenhuma forya interna do indivfduo que busca uma
67 BRAUTIGAM, W. La psicoterapia en su aspecto antropol6gico, Madrid, Ed. Gredos,
1964,p.131.
6f Idem, op. cit., p. 132.
69 Idem, op. cit., p. 137.
51
'I
i' ,.
satisfa<;ao do meio, mps, como 0 homem e sempre um ser
mergulhado em um determinado meio, e a qualidade da re-
la<;ao com esse meio que marcarc~ a atualiza<;ao de qualquer
for<;a interna do individuo.
o ser humane concretiza sua dimensao relacional por in-
termedio de tn3s esferas: a rela<;ao de objetividade com a
Natureza, na qual ele se experimenta como sujeito situado;
a rela<;ao com os outros homens que podemos caracterizar
como uma rela<;ao de intersubjetividade, e, finalmente, a re-
la<;ao de transcend€mcia, que designa
"a forma de uma relay80 entre 0 sujeito situado en-
quanta pensado no movimento da sua auto-afirmay8o
e uma realidade da qual ele se distingue ou que esta
para ah~m (trans) da realidade que Ihe e imediatamente
acessivel".70
Oas tres rela<;6es acima citadas, Martin BUBER da maior enfa-
se a segunda, pois e nela que 0 carater de reciprocidade e desta-
cado e buscado para ser concretizado de maneira mais plena. itA
relac;ao de maior valor existencial e 0 encontro dial6gico, a relac;ao
inter-humana em que a invocac;ao encontra sua verdadeira e plena
resposta".71
Assim, 0 dialogico nao e 0 dialogo concreto que ocorre
entre duas pessoas, mas a condi<;ao para que haja 0 dialogo.
o Eu nao e uma realidade em si, mas relacional.
Podemos concluir, dizendo que 0 homem a) nao e um ser
como uma monada, que se encerra em si mesma, muito pelo
70 V,AZ, H.C.L. Antropologia Filos6fica, vol. II, SP, Loyola, 1942, p. 93. 0 referido
hvr~ d,esenvolve nos tn3s primeiros capitulos desse volume a explica~o sobre
o Slg~lfi.cado de cada uma dessas relac;:oes que dao ao homem 0 seu carater de
constltulr um ser por exceh§ncia relacional.
71 VON ZUBEN, NA Introduq80 a obra de Martin Buber. Eu e Tu, SP, Cortez e Moraes
1979,2. ed., p. LV. '
52
contrario; b) e urn ser que tern como trayo fundamental a co-
-Gxist€mcia; c) e urn individuo veiculado a urn semelhante.72
Dessa maneira, os estudos da Psicologia do Desenvol-
vimento, principalmente os de SPITZ, tern mostrado que a
vincula~ao primaria se apresenta como 0 ponto de parti-
da para todo 0 desenvolvimento da personalidade,'send6
que 0 Eu e 0 Tu vao-se estruturar a partir dessa vincula<;ao,
que "nao se fundamenta nas osci/ac;oes corporais, nem nas
emoc;oes, nein na transferencia de significac;oes magicas ou
simb6Iicas".73 Assim, podemos dizer que e a partir do Nos
que se estruturam 0 Eu e 0 Tu. 0 Eu do bebe come<;a a se
estruturar a partir do ~Utro, isto e do Tu, tendo, porem, como
base essa vincula<;ao primaria, que nada mais e do que 0
Nos, que se apresenta como condi<;ao de possibilidade para
a diferencia<;ao dos dois palos.
o Encontro
A concretiza<;ao da rela<;ao de intersubjetividade se da,
das mais variadas formas, na facticidade, como, por exem-
plo, pela via de uma rela<;ao de ajuda, de uma rela<;ao psi-
coterapica etc. Quando, em qualquer uma dessas rela<;oes,
acontece a vivencia da reciprocidade, havera 0 encontro in-
terpessoal. Assim, reservaremos a palavra encontro para de-
signar uma situa<;ao em que 0 outro afeta de alguma maneira
a minha existencia, principal mente na dimensao em que ele
(0 outro) me faz crescer.74 Dessa maneira, a palavra encontro
concretiza-se por meio de uma rela<;80 intersubjetiva em que
72 BRAUTIGAM, W. op. cit., p, 133.
73 Idem, op, cit., p. 129.
74 GIOVANETTI, J.P. "0 encontro na perspectiva terapeutica existencial", Cadernos
de Psicologia da PUC-MG, ana 1, nO. 1, 1993, p. 31-4, 0 artigo citado descreve,
de forma sucinta, 0 que seja um encontro psicoterapico e alguns procedimentos
clinicos para 0 estabelecimento do encontro existencial terapeuticu. 0 presente
estudo tem como objetivo explicitar os fundamentos antropol6gicos do encontro e
dos procedimentos clinicos des&nvolvidos no artigo citado.
53
'I
i' ,.
satisfa<;ao do meio, mps, como 0 homem e sempre um ser
mergulhado em um determinado meio, e a qualidade da re-
la<;ao com esse meio que marcarc~ a atualiza<;ao de qualquer
for<;a interna do individuo.
o ser humane concretiza sua dimensao relacional por in-
termedio de tn3s esferas: a rela<;ao de objetividade com a
Natureza, na qual ele se experimenta como sujeito situado;
a rela<;ao com os outros homens que podemos caracterizar
como uma rela<;ao de intersubjetividade, e, finalmente, a re-
la<;ao de transcend€mcia, que designa
"a forma de uma relay80 entre 0 sujeito situado en-
quanta pensado no movimento da sua auto-afirmay8o
e uma realidade da qual ele se distingue ou que esta
para ah~m (trans) da realidade que Ihe e imediatamente
acessivel".70
Oas tres rela<;6es acima citadas, Martin BUBER da maior enfa-
se a segunda, pois e nela que 0 carater de reciprocidade e desta-
cado e buscado para ser concretizado de maneira mais plena. itA
relac;ao de maior valor existencial e 0 encontro dial6gico, a relac;ao
inter-humana em que a invocac;ao encontra sua verdadeira e plena
resposta".71
Assim, 0 dialogico nao e 0 dialogo concreto que ocorre
entre duas pessoas, mas a condi<;ao para que haja 0 dialogo.
o Eu nao e uma realidade em si, mas relacional.
Podemos concluir, dizendo que 0 homem a) nao e um ser
como uma monada, que se encerra em si mesma, muito pelo
70 V,AZ, H.C.L. Antropologia Filos6fica, vol. II, SP, Loyola, 1942, p. 93. 0 referido
hvr~ d,esenvolve nos tn3s primeiros capitulos desse volume a explica~o sobre
o Slg~lfi.cado de cada uma dessas relac;:oes que dao ao homem 0 seu carater de
constltulr um ser por exceh§ncia relacional.
71 VON ZUBEN, NA Introduq80 a obra de Martin Buber. Eu e Tu, SP, Cortez e Moraes
1979,2. ed., p. LV. '
52
contrario; b) e urn ser que tern como trayo fundamental a co-
-Gxist€mcia; c) e urn individuo veiculado a urn semelhante.72
Dessa maneira, os estudos da Psicologia do Desenvol-
vimento, principalmente os de SPITZ, tern mostrado que a
vincula~ao primaria se apresenta como 0 ponto de parti-
da para todo 0 desenvolvimento da personalidade,'send6
que 0 Eu e 0 Tu vao-se estruturar a partir dessa vincula<;ao,
que "nao se fundamenta nas osci/ac;oes corporais, nem nas
emoc;oes, nein na transferencia de significac;oes magicas ou
simb6Iicas".73 Assim, podemos dizer que e a partir do Nos
que se estruturam 0 Eu e 0 Tu. 0 Eu do bebe come<;a a se
estruturar a partir do ~Utro, isto e do Tu, tendo, porem, como
base essa vincula<;ao primaria, que nada mais e do que 0
Nos, que se apresenta como condi<;ao de possibilidade para
a diferencia<;ao dos dois palos.
o Encontro
A concretiza<;ao da rela<;ao de intersubjetividade se da,
das mais variadas formas, na facticidade, como, por exem-
plo, pela via de uma rela<;ao de ajuda, de uma rela<;ao psi-
coterapica etc. Quando, em qualquer uma dessas rela<;oes,
acontece a vivencia da reciprocidade, havera 0 encontro in-
terpessoal. Assim, reservaremos a palavra encontropara de-
signar uma situa<;ao em que 0 outro afeta de alguma maneira
a minha existencia, principal mente na dimensao em que ele
(0 outro) me faz crescer.74 Dessa maneira, a palavra encontro
concretiza-se por meio de uma rela<;80 intersubjetiva em que
72 BRAUTIGAM, W. op. cit., p, 133.
73 Idem, op, cit., p. 129.
74 GIOVANETTI, J.P. "0 encontro na perspectiva terapeutica existencial", Cadernos
de Psicologia da PUC-MG, ana 1, nO. 1, 1993, p. 31-4, 0 artigo citado descreve,
de forma sucinta, 0 que seja um encontro psicoterapico e alguns procedimentos
clinicos para 0 estabelecimento do encontro existencial terapeuticu. 0 presente
estudo tem como objetivo explicitar os fundamentos antropol6gicos do encontro e
dos procedimentos clinicos des&nvolvidos no artigo citado.
53
a troca de experiencias, de vivencias mobiliza a existencia
do outr~.
o encontro humano, seja na Psicoterapia ou fora dela,
por um lado, fara ressurgir antigas vivencias, que serao tra-
balhadas ao longo do processo, e, por outro lado, provocara
novas vivencias, que desencadearao uma nova reorganiza-
<;ao da vida. Entendemos vivencia como tudo 0 que e "experi-
encia interna vivida", isto e, 0 que transcorre, a cada instante,
no ambito da consciencia individual. Assim, por exemplo, na
vincula<;ao primaria que se estabelece entre 0 bebe e sua
mae a dura<;ao e a regularidade de como a mae aparece
para 0 bebe provocarao nele vivencias de familiaridade e de
vincula<;ao. Esse ponto de partida na vida e fundamental,
pois a vincula<;ao da pessoa concreta com 0 "outr~" tem im-
portancia na ontogenese das rela<;oes inter-humanas, como
tambem joga um papel decisive na genese atual do estabe-
lecimento de rela<;oes entre dois seres humanos adultos.75
Tambem em uma rela<;ao amorosa, 0 encontro com 0
outro fara surgir antigas vivencias e possibilitara, mediante
novas vivencias, a constru<;ao do projeto que surge da vida
a dois. De modo semelhante, na constru<;ao do espa<;o tera-
peutico, surgira uma dinamica parecida.
o Encontro Psicoterapeutico
o encontro psicoterapico desenvolve-se mediante uma
intera<;ao, que nao tem nada de magico ou extraordinario.
o encontro e uma rela<;ao psicol6gica entre dois seres que
apresentam somente algumas caracterlsticas especiais.
A especificidade do encontro terapeutico pode ser defi-
nida como uma rela<;ao interpessoal subjetiva,76 isto e, deve
75 BRAUTIGAM, W. op. cit., p.·129.
) 76 BOCHER, R. A psicoterapia pela fala. SP, EPU, 1989, p. 116 ss. 0 autor aponta a
especificidade de varios tipos de rela90es pSicol6gicas e mostra quais os tipos que
poderiam ser denominadas rela90es psicoterapicas.
54
ser uma relac;ao em que as veiculac;oes do material subjetivo
se fazem necessarias. 0 cliente deve trazer, para esse en-
contro, 0 conteudo significativ~ de suas vivencias. 0 que nao
nos interessa, agora, e discutir como fazer. surgir esse mate-
rial, ou seja, que tipo de tecnica deve ser usada. 0 terapeuta
deve penetrar na esfera vital de seq cliente, mas isso deve
ser feito dentro de certos limites, isto e, de forma a respeitar 0
outro. 0 terapeuta nao deve for<;ar 0 surgimento d(l material
nem, para tanto, desrespeitar 0 ritmo e 0 desvelamento da
vida Intima de seu cliente. 0 que ele pode fazer e analisar,
junto com 0 cliente, as for<;as que impedem 0 material de se
revelar, mas nunca "agredir" 0 cliente com pressoes psicol6-
gicas de "desmascaramentos".
Do processo terapeutico, 0 cliente espera cura, e nao
amizade; ajuda, e nao am or. 0 cliente pode ter claro isso em
termos.de racionalidade, porem, no momenta em que come-
<;a a sofrer com 0 desvelamento de suas verdades, ele busca
amizade e amor, para compensar a sua angustia e 0 seu
sofrimento. E a esse jogo sutil cheio de ambigOidades que 0
terapeuta deve estar atento, e em que algumas vezes 0 te-
rapeuta principiante se embara<;a, provocando um desfecho
catastr6fico da terapia, pois ele passa de um relacionamento
profission~1 para um relacionamento afetivo.
A ajuda que 0 terapeuta se propoe a oferecer ao seu
cliente - ou seja - buscar, junto com ele, esclarecer suas
vivencias - se dara por meio da experiencia da solidariedade
e do apoio.77 As atitudes do terapeuta que provocam essas
experie:1cias talvez desencadeiem 0 processo como tal.
Passemos, agora, a destacar algumas caracterlsticas do
encontro psicoterapico vivenciado por intermedio de uma re-
la<;ao interpessoal subjetiva como mostramos acima.
77 BRAUTIGAM, W. op. cit., p. 138.
55
a troca de experiencias, de vivencias mobiliza a existencia
do outr~.
o encontro humano, seja na Psicoterapia ou fora dela,
por um lado, fara ressurgir antigas vivencias, que serao tra-
balhadas ao longo do processo, e, por outro lado, provocara
novas vivencias, que desencadearao uma nova reorganiza-
<;ao da vida. Entendemos vivencia como tudo 0 que e "experi-
encia interna vivida", isto e, 0 que transcorre, a cada instante,
no ambito da consciencia individual. Assim, por exemplo, na
vincula<;ao primaria que se estabelece entre 0 bebe e sua
mae a dura<;ao e a regularidade de como a mae aparece
para 0 bebe provocarao nele vivencias de familiaridade e de
vincula<;ao. Esse ponto de partida na vida e fundamental,
pois a vincula<;ao da pessoa concreta com 0 "outr~" tem im-
portancia na ontogenese das rela<;oes inter-humanas, como
tambem joga um papel decisive na genese atual do estabe-
lecimento de rela<;oes entre dois seres humanos adultos.75
Tambem em uma rela<;ao amorosa, 0 encontro com 0
outro fara surgir antigas vivencias e possibilitara, mediante
novas vivencias, a constru<;ao do projeto que surge da vida
a dois. De modo semelhante, na constru<;ao do espa<;o tera-
peutico, surgira uma dinamica parecida.
o Encontro Psicoterapeutico
o encontro psicoterapico desenvolve-se mediante uma
intera<;ao, que nao tem nada de magico ou extraordinario.
o encontro e uma rela<;ao psicol6gica entre dois seres que
apresentam somente algumas caracterlsticas especiais.
A especificidade do encontro terapeutico pode ser defi-
nida como uma rela<;ao interpessoal subjetiva,76 isto e, deve
75 BRAUTIGAM, W. op. cit., p.·129.
) 76 BOCHER, R. A psicoterapia pela fala. SP, EPU, 1989, p. 116 ss. 0 autor aponta a
especificidade de varios tipos de rela90es pSicol6gicas e mostra quais os tipos que
poderiam ser denominadas rela90es psicoterapicas.
54
ser uma relac;ao em que as veiculac;oes do material subjetivo
se fazem necessarias. 0 cliente deve trazer, para esse en-
contro, 0 conteudo significativ~ de suas vivencias. 0 que nao
nos interessa, agora, e discutir como fazer. surgir esse mate-
rial, ou seja, que tipo de tecnica deve ser usada. 0 terapeuta
deve penetrar na esfera vital de seq cliente, mas isso deve
ser feito dentro de certos limites, isto e, de forma a respeitar 0
outro. 0 terapeuta nao deve for<;ar 0 surgimento d(l material
nem, para tanto, desrespeitar 0 ritmo e 0 desvelamento da
vida Intima de seu cliente. 0 que ele pode fazer e analisar,
junto com 0 cliente, as for<;as que impedem 0 material de se
revelar, mas nunca "agredir" 0 cliente com pressoes psicol6-
gicas de "desmascaramentos".
Do processo terapeutico, 0 cliente espera cura, e nao
amizade; ajuda, e nao am or. 0 cliente pode ter claro isso em
termos.de racionalidade, porem, no momenta em que come-
<;a a sofrer com 0 desvelamento de suas verdades, ele busca
amizade e amor, para compensar a sua angustia e 0 seu
sofrimento. E a esse jogo sutil cheio de ambigOidades que 0
terapeuta deve estar atento, e em que algumas vezes 0 te-
rapeuta principiante se embara<;a, provocando um desfecho
catastr6fico da terapia, pois ele passa de um relacionamento
profission~1 para um relacionamento afetivo.
A ajuda que 0 terapeuta se propoe a oferecer ao seu
cliente - ou seja - buscar, junto com ele, esclarecer suas
vivencias - se dara por meio da experiencia da solidariedade
e do apoio.77 As atitudes do terapeuta que provocam essas
experie:1cias talvez desencadeiem0 processo como tal.
Passemos, agora, a destacar algumas caracterlsticas do
encontro psicoterapico vivenciado por intermedio de uma re-
la<;ao interpessoal subjetiva como mostramos acima.
77 BRAUTIGAM, W. op. cit., p. 138.
55
De um modo geral, a relayao entre 0 terapeuta e 0
cliente passara por' varias fases, segundo 0 andamento
do processo terapeutico. E evidente que a relayao inieial
tera nuanyas distintas de quando a fase del terapia estiver
no seu termino, ou na fase de trabalho, Contudo, essa re-
layao inter-humana deve eompreender, em si, 0 euidado,
a assistencia e 0 tratamento,7B 0 euidado signifiea que 0
terapeuta deve ter uma atenyao no sentido de respeitar 0
ritmo do eliente, tendo sempre uma atitude de aguardar
as revelayoes deste. Muitas vezes, "foryar a barra" leva 0
cliente a abandonar a terapia. A assistencia signifiea que 0
terapeuta deve estar bem preparado para entender 0 que
se passa na relayao. 0 eneontro terapeutico nao e uma
eonversa entre amigos, mas 0 terapeuta, alE§m de viver a
relayao, deve, com seu areabouyo inteleetual, sua prepa-
rayao profissional, entender 0 que se passa na relayao.
o trabalho profissional de um tera(1euta fenomenol6gieo
existeneial exige uma preparayao metieulosa na funda-
mentayao de sua pratiea. 0 tratamento signifiea que 0 te-
rapeuta deve ter sempre em vista os objetivos da Psieote-
rapia, ja que esta e entendida nao como uma ayao cliniea
preventiva, mas como uma intervenyao de tratamento, ou
seja, ela e uma ayao "eurativa" que ajuda 0 cliente a se
reorganizar no seu modo de existir.
A segunda earaeterfstica brota justamente do objetivo
de querer levar 0 eliente a uma outra norma maior. A te-
rapia e vista como uma relayao que vai auxiliar 0 cliente
nessa busca de autonomia. Assim, a natureza da relayao
impliea que um dia ela tera um fim, isto e, havera um rom-
pimento.
78 BRAUTIGAM, W. op. cit., p. 123.
56
Para que consiga assim "andar com as pr6prias p~r
nas" e necessario romper, num certo momento, 0 '110-
cUlo'terapeutico, e devolver 0 paciente ~ si mesmo, a
sua pr6pria responsabilidade em assumlr-se naquelas
dimensoes que Ihe foram desabrolhadas pelo trabalho
da psicoterapia.79
Isto quer dizer que a relac;ao terapeytica e limitada no temp,o
e completamente diferente da relac;ao amorosa, em que os do IS
parceiros, mesmo que venham a se separar, no momento do en-
gajamento naovisam a essa separac;ao. A separac;ao pode acon-
tecer na relac;ao amorosa, mas nao e planejada desde 0 seu ponto
de partida. Aqui, a separac;ao e colocada como sen do 0 elemento
essencial da relac;ao terapeutica.
A terceira caracteristica manifesta-se mediante 0 posicion a-
mento dos dois personagens, 0 terapeuta e 0 cliente. 0 terapeuta
e alguem que possui uma forma<;.ao profissional para entende~ ~
que se passa na relac;ao. 0 cliente, por sua vez, tem u~a partlcl~
pac;ao ativa no sentido de trazer, para a relac;ao, 0 matenal que val
ser trabalhado. Assim, podemos dizer que 0 terapeuta se encontra
numa posic;ao de autoridade, embora nao tenha poder para exer-
cer a autoridade, como um governante. Diz BOCHER: "0.3 argu-
mentos de autoridade nao tem valor quando se trata de descobrir
as verdades secretas do sujeito, Soterrados nos reconditos de sua
alma, de tal forma que nenhuma autoridade, a nao ser ele mes-
rna, possa desvenda-/as".Bo Assim, a partir da elucid~yao dos
papeis diferentes de cada personagem de~s~ rel~y.ao, pode-
mos nomear a assimetria como outra eondlyao baslca para a
existencia de uma relayao terapeutica. E de extrema impor-
taneia que, na terapia, essa assimetria seja instalada para 0
bom desenvolvimento daquela, uma vez que nao se trata de
uma relay80 amorosa, em que ambos os pareeiros devem ter
79 BOCHER, R. op. cit., p.78.
80 BOCHER, R. op. cit., p.79.
57
De um modo geral, a relayao entre 0 terapeuta e 0
cliente passara por' varias fases, segundo 0 andamento
do processo terapeutico. E evidente que a relayao inieial
tera nuanyas distintas de quando a fase del terapia estiver
no seu termino, ou na fase de trabalho, Contudo, essa re-
layao inter-humana deve eompreender, em si, 0 euidado,
a assistencia e 0 tratamento,7B 0 euidado signifiea que 0
terapeuta deve ter uma atenyao no sentido de respeitar 0
ritmo do eliente, tendo sempre uma atitude de aguardar
as revelayoes deste. Muitas vezes, "foryar a barra" leva 0
cliente a abandonar a terapia. A assistencia signifiea que 0
terapeuta deve estar bem preparado para entender 0 que
se passa na relayao. 0 eneontro terapeutico nao e uma
eonversa entre amigos, mas 0 terapeuta, alE§m de viver a
relayao, deve, com seu areabouyo inteleetual, sua prepa-
rayao profissional, entender 0 que se passa na relayao.
o trabalho profissional de um tera(1euta fenomenol6gieo
existeneial exige uma preparayao metieulosa na funda-
mentayao de sua pratiea. 0 tratamento signifiea que 0 te-
rapeuta deve ter sempre em vista os objetivos da Psieote-
rapia, ja que esta e entendida nao como uma ayao cliniea
preventiva, mas como uma intervenyao de tratamento, ou
seja, ela e uma ayao "eurativa" que ajuda 0 cliente a se
reorganizar no seu modo de existir.
A segunda earaeterfstica brota justamente do objetivo
de querer levar 0 eliente a uma outra norma maior. A te-
rapia e vista como uma relayao que vai auxiliar 0 cliente
nessa busca de autonomia. Assim, a natureza da relayao
impliea que um dia ela tera um fim, isto e, havera um rom-
pimento.
78 BRAUTIGAM, W. op. cit., p. 123.
56
Para que consiga assim "andar com as pr6prias p~r
nas" e necessario romper, num certo momento, 0 '110-
cUlo'terapeutico, e devolver 0 paciente ~ si mesmo, a
sua pr6pria responsabilidade em assumlr-se naquelas
dimensoes que Ihe foram desabrolhadas pelo trabalho
da psicoterapia.79
Isto quer dizer que a relac;ao terapeytica e limitada no temp,o
e completamente diferente da relac;ao amorosa, em que os do IS
parceiros, mesmo que venham a se separar, no momento do en-
gajamento naovisam a essa separac;ao. A separac;ao pode acon-
tecer na relac;ao amorosa, mas nao e planejada desde 0 seu ponto
de partida. Aqui, a separac;ao e colocada como sen do 0 elemento
essencial da relac;ao terapeutica.
A terceira caracteristica manifesta-se mediante 0 posicion a-
mento dos dois personagens, 0 terapeuta e 0 cliente. 0 terapeuta
e alguem que possui uma forma<;.ao profissional para entende~ ~
que se passa na relac;ao. 0 cliente, por sua vez, tem u~a partlcl~
pac;ao ativa no sentido de trazer, para a relac;ao, 0 matenal que val
ser trabalhado. Assim, podemos dizer que 0 terapeuta se encontra
numa posic;ao de autoridade, embora nao tenha poder para exer-
cer a autoridade, como um governante. Diz BOCHER: "0.3 argu-
mentos de autoridade nao tem valor quando se trata de descobrir
as verdades secretas do sujeito, Soterrados nos reconditos de sua
alma, de tal forma que nenhuma autoridade, a nao ser ele mes-
rna, possa desvenda-/as".Bo Assim, a partir da elucid~yao dos
papeis diferentes de cada personagem de~s~ rel~y.ao, pode-
mos nomear a assimetria como outra eondlyao baslca para a
existencia de uma relayao terapeutica. E de extrema impor-
taneia que, na terapia, essa assimetria seja instalada para 0
bom desenvolvimento daquela, uma vez que nao se trata de
uma relay80 amorosa, em que ambos os pareeiros devem ter
79 BOCHER, R. op. cit., p.78.
80 BOCHER, R. op. cit., p.79.
57
( .
um posicionamento de igua\ para igua\ na constrUy80 do seu
projeto comum.
Conclusao
A exposiCf80 da necessidade de se explicitar as bases antropo-
16gicas vem mostrar que a compreensao da Psicoterapia deve fun-
dar-se numa Antropologia Filos6fica, que tem como uma de suas
metas a reflexao sobre as estruturas do ser humano. Esse obje-
tivo, fixado no primeiro momento, quando aplicado a Psicologia
Clinica, sobretudo na PSicoterapia, ajudara no esclarecimento das
possibilidades, dos fundamentos e das metas da ayao terapeutica.
Neste estudo, tambem pretendemos ressaltarque a Psicotera-
pia nao e uma mera aplicaCfaO de tecnicas, que ate poderiam, num
primeiro momento, ajudar 0 C\iente, mas exige um embasamento
te6rico suficientemente consistente para sustentar um tipo de re-
laCfao inter-humana que, com as caracteristicas apresentadas no
corpo do trabalho, receberia 0 nome de relaCfao psicoterapeutica.
58
o EXISTIR HUMANO NA OBRA DE LUDWIG
BINSWANGER81
A busca de uma base antropol6gica para 0 trabalho cli-
nico e 0 grande desafio de nossa epoca para evitar a
fragmentagao no estudo do homem. 0 artigo analisa 0
esfon;o de L. Binswanger na construyao de um metodo
de analise empirico-fenomenol6gica dos modos de es-
truturas factuais do ser humano. Na primeira parte es-
b09a os passos intelectuais de Binswanger na concreti-
zagao do referido projeto; na segunda, traga as grandes
linhas de sua antropologia fenomenol6gica, base de
sua analise da presen9a humana (Oaseinsana/yse).
The search for an anthropological base for clinical
work is the great challenge of our epoch in order to
avoid a fragmentation in the study of human being.
This paper analysis the effort of L. Binswanger in
the construction of an empirical- phenomenological
analysis method of the modes of factual structures of
the human being outlining in the first part, the intellec-
tual steps of Binswanger in the concretization of the
referred project, and, in the second part, the principle
lines of his phenomenological anthropology, which
serves as the base for his human presence analysis
(Daseinsanalyse) .
Ludwig Binswanger e um pensador um pouco - para nao di-
zer total mente - desconhecido do grande publico brasileiro, talvez
porque suas ideias sejam mais conhecidas no meio psiquiatrico.
81 Sfntese Nova Fase 50 (1990): 87-99. 0 presente texto resulta da comunica~o
apresentada no I Encontro Brasileiro de Analise Existencial Terapeutica, realizado
no Rio de Janeiro, nos dias 10 e 11 de junho de 1989, tendo sofrido pequenas
aiteray6es.
59
( .
um posicionamento de igua\ para igua\ na constrUy80 do seu
projeto comum.
Conclusao
A exposiCf80 da necessidade de se explicitar as bases antropo-
16gicas vem mostrar que a compreensao da Psicoterapia deve fun-
dar-se numa Antropologia Filos6fica, que tem como uma de suas
metas a reflexao sobre as estruturas do ser humano. Esse obje-
tivo, fixado no primeiro momento, quando aplicado a Psicologia
Clinica, sobretudo na PSicoterapia, ajudara no esclarecimento das
possibilidades, dos fundamentos e das metas da ayao terapeutica.
Neste estudo, tambem pretendemos ressaltar que a Psicotera-
pia nao e uma mera aplicaCfaO de tecnicas, que ate poderiam, num
primeiro momento, ajudar 0 C\iente, mas exige um embasamento
te6rico suficientemente consistente para sustentar um tipo de re-
laCfao inter-humana que, com as caracteristicas apresentadas no
corpo do trabalho, receberia 0 nome de relaCfao psicoterapeutica.
58
o EXISTIR HUMANO NA OBRA DE LUDWIG
BINSWANGER81
A busca de uma base antropol6gica para 0 trabalho cli-
nico e 0 grande desafio de nossa epoca para evitar a
fragmentagao no estudo do homem. 0 artigo analisa 0
esfon;o de L. Binswanger na construyao de um metodo
de analise empirico-fenomenol6gica dos modos de es-
truturas factuais do ser humano. Na primeira parte es-
b09a os passos intelectuais de Binswanger na concreti-
zagao do referido projeto; na segunda, traga as grandes
linhas de sua antropologia fenomenol6gica, base de
sua analise da presen9a humana (Oaseinsana/yse).
The search for an anthropological base for clinical
work is the great challenge of our epoch in order to
avoid a fragmentation in the study of human being.
This paper analysis the effort of L. Binswanger in
the construction of an empirical- phenomenological
analysis method of the modes of factual structures of
the human being outlining in the first part, the intellec-
tual steps of Binswanger in the concretization of the
referred project, and, in the second part, the principle
lines of his phenomenological anthropology, which
serves as the base for his human presence analysis
(Daseinsanalyse) .
Ludwig Binswanger e um pensador um pouco - para nao di-
zer total mente - desconhecido do grande publico brasileiro, talvez
porque suas ideias sejam mais conhecidas no meio psiquiatrico.
81 Sfntese Nova Fase 50 (1990): 87-99. 0 presente texto resulta da comunica~o
apresentada no I Encontro Brasileiro de Analise Existencial Terapeutica, realizado
no Rio de Janeiro, nos dias 10 e 11 de junho de 1989, tendo sofrido pequenas
aiteray6es.
59
Dentre a vasta obra filos6fica e psiquiatrica de Binswanger, te-
mos, em portugues, somente 0 seu penultimo livro, Tres form as
de existencia ma/ograda. Esse desconhecimento se deve a dois
fatores preponderantes. De um lado, a dificuldade de se penetrar
no cerne de sua filosofia, pelo fato de sua obra principal ser eY.1:re-
mamente densa. De outr~, pel a natureza mesma de seu trabalho,
ou seja, a tarefa ardua de aplicar, na pratica psicoterapica, suas
concepc;6es acerca da ciencia psiquiatrica.
Com 0 objetivo de nos familiarizar com seu pensamento, dividi-
rei esta exposic;ao em duas partes: num primeiro momento, tratarei
de esboc;ar os grandes passos de seu trajeto intelectual, para, num
segundo momento, explicitar as lin has de forc;a de sua antropolo-
gia fenomenol6gica, base de toda sua Daseinsanalyse.
I. A OBRA DE L. BINSWANGER
1. Binswanger: urn psiquiatra-fiI6sofo
Ludwig Binswanger, psiquiatra sui90 nascido em 1881, em
Kreuzlingen, desempenhou um papel preponde~ante no desenvol-
vimento da Psiquiatria. Desde a intancia teve contato com doentes
mentais, uma vez que seu tio tinha fundado a clfnica particular de
"Bellevue" em Kreuzlingen. Com a morte de seu pai, em 1910, ele
se tornou diretor da mesma com apenas 29 anos. Recusou varios
convites para tornar-se professor universitario, a fim de permane-
cer como diretor da clinica, cargo que exerceria ate 1956, dez anos
antes de sua morte. Assim, podemos dizer que Ludwig Binswan-
ger se orientou, dentro de uma tradic;ao familiar, para a Psiquiatria.
Seu interesse pela Filosofia come90u cedo, isto e, aos 18
I: . anos, quando foi introduzido a leitura de Kant por seu professor
. 1 de Humanidades82. Desde esse momento, a Filosofia 0 atraiu
82 H. Speigelberg, Phenomelogy in Psychology and Psichiatry. A Historical Introduction,
Evanston, North-western University Press, 1972, p. 200.
60
cada vez mais, e 0 contato como pensamento de Husserl
Ihe mostrou que a Fenomenologia era a via real para pensar
toda a sua pratica psiquiatrica. Foi tambem urn homem que
estabeleceu uma ponte entre os filosofos de seu tempo e os
psiquiatras, pelo simples fato de haver recebido eminentes
intelectuais - E. Husserl, M. Heidegger, M. Buber, M. Sche-
Ier, S. Freud, K. L6with - na sua cHnica, fazendo de Bellevue
LIm centro natural de encontros entre filosofos, psiquiatras,
psicologos e artistas.
Podernos reunir seu trabalho intelectual83 em torno de
quatro dire90es: os escritos que explicitam a Fenomenolo-
gia, os estudos sobre a Psicanalise, os trabalhos clinicos que
caminhavam na dire980 de uma antropologia e os estudos
sobre artistas.
Se afirmamos que Binswanger era urn filosofo-psiquiatra,
e necessario reconhecer, todavia, que a Filosofia 0 interes-
sava a medida que podia fornecer-Ihe as bases para 0 seu
trabalho cHnico. Durante toda a sua vida, Binswanger foi, an-
tes de tudo, urn psiquiatra. Toda a sua existencia pode ser
considerada como dedicada ao trabalho de cura dos doentes
mentais. Ele percebeu que, para fazer a Psiquiatria progredir
como ciencia do psiquismo, seria necessario dar-Ihe estatuto
cientffico. Seu projeto intelectual era, pois, a constitui980 da
Psiquiatria cientifica. Para ele, a Psiquiatria vivia dentro de
urn dilema do qual ela deveria sair: "Eia (a Psiquiatria) deve
decidir se quer simplesmente permanecer uma ciencia apli-
cada,urn aglomerado de Psicopatologia, de Neurologia e de
83 Falaremos mais tarde de seu caminho intelectual, cujo percurso fenomenologico ele
explicita no artigo "Dank an Edmund Husserl" in Edmund Husserl (1859-1959, ed. N .
L. Van Breda, The Hague Nighoff, 1959, pp. 64-72, e sua relar;:ao com a Psicam31ise
no artigo "Mein Weg zu Freud" in Der Mensch in der Psychiatrie, Pfullingen, Gunther
Neske, 1957.
61
Dentre a vasta obra filos6fica e psiquiatrica de Binswanger, te-
mos, em portugues, somente 0 seu penultimo livro, Tres form as
de existencia ma/ograda. Esse desconhecimento se deve a dois
fatores preponderantes. De um lado, a dificuldade de se penetrar
no cerne de sua filosofia, pelo fato de sua obra principal ser eY.1:re-
mamente densa. De outr~, pel a natureza mesma de seu trabalho,
ou seja, a tarefa ardua de aplicar, na pratica psicoterapica, suas
concepc;6es acerca da ciencia psiquiatrica.
Com 0 objetivo de nos familiarizar com seu pensamento, dividi-
rei esta exposic;ao em duas partes: num primeiro momento, tratarei
de esboc;ar os grandes passos de seu trajeto intelectual, para, num
segundo momento, explicitar as lin has de forc;a de sua antropolo-
gia fenomenol6gica, base de toda sua Daseinsanalyse.
I. A OBRA DE L. BINSWANGER
1. Binswanger: urn psiquiatra-fiI6sofo
Ludwig Binswanger, psiquiatra sui90 nascido em 1881, em
Kreuzlingen, desempenhou um papel preponde~ante no desenvol-
vimento da Psiquiatria. Desde a intancia teve contato com doentes
mentais, uma vez que seu tio tinha fundado a clfnica particular de
"Bellevue" em Kreuzlingen. Com a morte de seu pai, em 1910, ele
se tornou diretor da mesma com apenas 29 anos. Recusou varios
convites para tornar-se professor universitario, a fim de permane-
cer como diretor da clinica, cargo que exerceria ate 1956, dez anos
antes de sua morte. Assim, podemos dizer que Ludwig Binswan-
ger se orientou, dentro de uma tradic;ao familiar, para a Psiquiatria.
Seu interesse pela Filosofia come90u cedo, isto e, aos 18
I: . anos, quando foi introduzido a leitura de Kant por seu professor
. 1 de Humanidades82. Desde esse momento, a Filosofia 0 atraiu
82 H. Speigelberg, Phenomelogy in Psychology and Psichiatry. A Historical Introduction,
Evanston, North-western University Press, 1972, p. 200.
60
cada vez mais, e 0 contato como pensamento de Husserl
Ihe mostrou que a Fenomenologia era a via real para pensar
toda a sua pratica psiquiatrica. Foi tambem urn homem que
estabeleceu uma ponte entre os filosofos de seu tempo e os
psiquiatras, pelo simples fato de haver recebido eminentes
intelectuais - E. Husserl, M. Heidegger, M. Buber, M. Sche-
Ier, S. Freud, K. L6with - na sua cHnica, fazendo de Bellevue
LIm centro natural de encontros entre filosofos, psiquiatras,
psicologos e artistas.
Podernos reunir seu trabalho intelectual83 em torno de
quatro dire90es: os escritos que explicitam a Fenomenolo-
gia, os estudos sobre a Psicanalise, os trabalhos clinicos que
caminhavam na dire980 de uma antropologia e os estudos
sobre artistas.
Se afirmamos que Binswanger era urn filosofo-psiquiatra,
e necessario reconhecer, todavia, que a Filosofia 0 interes-
sava a medida que podia fornecer-Ihe as bases para 0 seu
trabalho cHnico. Durante toda a sua vida, Binswanger foi, an-
tes de tudo, urn psiquiatra. Toda a sua existencia pode ser
considerada como dedicada ao trabalho de cura dos doentes
mentais. Ele percebeu que, para fazer a Psiquiatria progredir
como ciencia do psiquismo, seria necessario dar-Ihe estatuto
cientffico. Seu projeto intelectual era, pois, a constitui980 da
Psiquiatria cientifica. Para ele, a Psiquiatria vivia dentro de
urn dilema do qual ela deveria sair: "Eia (a Psiquiatria) deve
decidir se quer simplesmente permanecer uma ciencia apli-
cada, urn aglomerado de Psicopatologia, de Neurologia e de
83 Falaremos mais tarde de seu caminho intelectual, cujo percurso fenomenologico ele
explicita no artigo "Dank an Edmund Husserl" in Edmund Husserl (1859-1959, ed. N .
L. Van Breda, The Hague Nighoff, 1959, pp. 64-72, e sua relar;:ao com a Psicam31ise
no artigo "Mein Weg zu Freud" in Der Mensch in der Psychiatrie, Pfullingen, Gunther
Neske, 1957.
61
Biologia, mantidas juntas simplesmente pel a sua tarefa pra-
tica, ou se quer tornar-se uma cielncia psiquiMrica unitaria". 84
Encontrar um caminho novo para a Psiquiatria de sua
epoca, tal era a tarefa de Binswa~ger. Foi por isso que de-
dicou uma grande parte de seu tempo ao estudo da Filoso-
fia. Ele caracterizou a Psiquiatria de sua epoca como uma
ciencia que se encontrava diante de tres vias, as quais nao
podariam dar-Ihe um estatuto cientffico. "Existem, na psiquia-
tria atual (de seu tempo e ainda hoje)85, tres caminhos pelos
quais chegaremos a unidades que merecem, a mais ou me-
nos justo tftulo, 0 nome de unidades de doenga86. 0 primeiro
caminho segue 0 metodo naturalista. A essencia da doenga e
apreendida no momento em que n6s detectamos as manifes-
tagoes anormais, de tal sorte que elas expoem um processo
biol6gico determinado, no qual conseguimos perceber 0 co-
mego, 0 desenvolvimento e 0 fim. Dentro dessa perspectiva,
as doengas mentais sao doengas do cerebro"B7.
o segundo caminho e aquele que utiliza a explicaC(ao
psicobiol6gica: "A essen cia da doenga residiria na predispo-
sigao do organismo psfquico, predisposigao que ate 0 pre-
sente nao foi anda elucidada"BB. Dessa maneira, a essen cia
da doenga e concebida como alguma coisa que esta fora da
personalidade: e a perspectiva da sind rome.
A terceira via e a tentativa de explicar a doenga a partir de
transformagoes primarias da personalidade, isto e, 0 modo
pelo qual a personalidade elabora psicologicamente certas
experiencias vivid as no seu percurso hist6rico. Aqui reina 0
modo de observagao puramente psicol6gicOB9. Esse tipo de
84 l. ~inswanger, "Psych analise et psichiatrie clinique" in Discaurs, parcours et Freud,
Pans, Ed. Galiimard, 1970, pp. 152-153.
f . 85 As palavras entre parenteses sao nossas.
. 86 l. Binswanger, "Psychanalyse et psichiatrie clinique", op. cit., p. 125.
, 87 Idem, ibidem, p. 125.
88 Idem, ibidem, pp. 125-126.
89 Idem, ibidem, p. 127.
62
abordagem constr6i uma infra-estrutura conceptual a partir
da qual se podem explicar todas as agoes da pessoa. To-
davia, para Binswanger, esse caminho e tambem um cami-
nho do exterior, como os dois outros anteriores, que buscam
compreender a dimensao psicopatol6gica do homem -como
alguma coisa que vem do exterior ao organismo, sendo 0
psiquismo normal. Para Binswanger, essa perspectiva nao
capta a essencia da doenga.
Quando escreveu sobre a situagao critica da Psiquiatria,
em 1920, Binswanger tinha diante de si 0 modelo de Psica-
nalise que trazia uma outra luz para a Psiquiatria, ext->Iicando
a doenga a partir da hist6ria pessoal de cada um. Ele 0 fez,
entao, inspirado na Psicanalise, para a qual a doenga nao e
alguma coisa estranha a pessoa, po is nao se pode perder de
vista 0 todo da personalidade, devendo-se assim, compreen-
der a doenga dentro de um fluxo continuo da vida"90.
Com 0 aparecimento do livro Sein urn Zeit de Heidegger,
em 1927, Binswanger vislumbrou um novo caminho para a
Psiquiatria. Aparecia, diante dele, a nova diregao da pesquisa
antropol6gica na Psiquiatria, que nao quer reduzir 0 homem
a categorias bioI6gico-naturalistas, nem a categorias tiradas
das ciencias do espirito, mas quer compreender 0 homem a
partir do seu ser mais intimo - 0 humane - e descrever as
diregoes fundamentais, originais, desse Ser: "A doenga men-
tal e retirada do campo simplesmente natural, ela e tambem
retirada do campo de um assunto mental, para ser compre-
end ida e descrita a partir das possibilidades originais do ser
homem"91.
Essa perspectiva antropol6gica tomaria sua fonte de ins-
piragao no pensamento de M. Heidegger e no de K. Lowith,
90 Idem, ibic1em, p. 134.
91 l. Binswanger, "Freud et la constitution de la psychiatrie"in Discours, parcours et
Freud, p. 187.
63
Biologia, mantidas juntas simplesmente pel a sua tarefa pra-
tica, ou se quer tornar-se uma cielncia psiquiMrica unitaria". 84
Encontrar um caminho novo para a Psiquiatria de sua
epoca, tal era a tarefa de Binswa~ger. Foi por isso que de-
dicou uma grande parte de seu tempo ao estudo da Filoso-
fia. Ele caracterizou a Psiquiatria de sua epoca como uma
ciencia que se encontrava diante de tres vias, as quais nao
podariam dar-Ihe um estatuto cientffico. "Existem, na psiquia-
tria atual (de seu tempo e ainda hoje)85, tres caminhos pelos
quais chegaremos a unidades que merecem, a mais ou me-
nos justo tftulo, 0 nome de unidades de doenga86. 0 primeiro
caminho segue 0 metodo naturalista. A essencia da doenga e
apreendida no momento em que n6s detectamos as manifes-
tagoes anormais, de tal sorte que elas expoem um processo
biol6gico determinado, no qual conseguimos perceber 0 co-
mego, 0 desenvolvimento e 0 fim. Dentro dessa perspectiva,
as doengas mentais sao doengas do cerebro"B7.
o segundo caminho e aquele que utiliza a explicaC(ao
psicobiol6gica: "A essen cia da doenga residiria na predispo-
sigao do organismo psfquico, predisposigao que ate 0 pre-
sente nao foi anda elucidada"BB. Dessa maneira, a essen cia
da doenga e concebida como alguma coisa que esta fora da
personalidade: e a perspectiva da sind rome.
A terceira via e a tentativa de explicar a doenga a partir de
transformagoes primarias da personalidade, isto e, 0 modo
pelo qual a personalidade elabora psicologicamente certas
experiencias vivid as no seu percurso hist6rico. Aqui reina 0
modo de observagao puramente psicol6gicOB9. Esse tipo de
84 l. ~inswanger, "Psych analise et psichiatrie clinique" in Discaurs, parcours et Freud,
Pans, Ed. Galiimard, 1970, pp. 152-153.
f . 85 As palavras entre parenteses sao nossas.
. 86 l. Binswanger, "Psychanalyse et psichiatrie clinique", op. cit., p. 125.
, 87 Idem, ibidem, p. 125.
88 Idem, ibidem, pp. 125-126.
89 Idem, ibidem, p. 127.
62
abordagem constr6i uma infra-estrutura conceptual a partir
da qual se podem explicar todas as agoes da pessoa. To-
davia, para Binswanger, esse caminho e tambem um cami-
nho do exterior, como os dois outros anteriores, que buscam
compreender a dimensao psicopatol6gica do homem -como
alguma coisa que vem do exterior ao organismo, sendo 0
psiquismo normal. Para Binswanger, essa perspectiva nao
capta a essencia da doenga.
Quando escreveu sobre a situagao critica da Psiquiatria,
em 1920, Binswanger tinha diante de si 0 modelo de Psica-
nalise que trazia uma outra luz para a Psiquiatria, ext->Iicando
a doenga a partir da hist6ria pessoal de cada um. Ele 0 fez,
entao, inspirado na Psicanalise, para a qual a doenga nao e
alguma coisa estranha a pessoa, po is nao se pode perder de
vista 0 todo da personalidade, devendo-se assim, compreen-
der a doenga dentro de um fluxo continuo da vida"90.
Com 0 aparecimento do livro Sein urn Zeit de Heidegger,
em 1927, Binswanger vislumbrou um novo caminho para a
Psiquiatria. Aparecia, diante dele, a nova diregao da pesquisa
antropol6gica na Psiquiatria, que nao quer reduzir 0 homem
a categorias bioI6gico-naturalistas, nem a categorias tiradas
das ciencias do espirito, mas quer compreender 0 homem a
partir do seu ser mais intimo - 0 humane - e descrever as
diregoes fundamentais, originais, desse Ser: "A doenga men-
tal e retirada do campo simplesmente natural, ela e tambem
retirada do campo de um assunto mental, para ser compre-
end ida e descrita a partir das possibilidades originais do ser
homem"91.
Essa perspectiva antropol6gica tomaria sua fonte de ins-
piragao no pensamento de M. Heidegger e no de K. Lowith,
90 Idem, ibic1em, p. 134.
91 l. Binswanger, "Freud et la constitution de la psychiatrie" in Discours, parcours et
Freud, p. 187.
63
como tambem no d~ M. Buber. Assim, s6 atraves de uma
base antropol6gica e que Binswanger poderia tentar restau-
rar a unidade da Psiquiatria.
2. 0 DESENVOLVIMENTO DO PENSAMENTO
BINSWANGERIANO
o pensamento de Binswanger esteve sempre em evolu-
yao: ele era um homem que se interrogava continuamente
para melhor compreender as coisas. Assim, 0 encontro com
Husserl Ihe deu uma nova direyao ao pensamento; a des-
coberta de Heidegger reorientou sua preocupayao filos6fica.
Queremos demarcar aqui duas fases no caminho intelec-
tual de Binswanger. A primeira fase e sua tentativa de trazer
para a Psiquiatria algo de novo, que poderia fazer dele uma
ciemcia mais s6lida, onde a compreensao da doenya mental
viria do interior mesmo da Presenya '(Oasein), e nao de uma
construyao te6rica que se acrescenta a pessoa. A segunda
fase e a constru9ao de um metodo que permite uma penetra-
yao no modo de vida do doente.
Durante toda a sua vida, seus contatos com os intelec-
tuais foram inumeros, como ja dissemos anteriormente, e
a esses contatos pessoais podemos acrescentar os conta-
tos indiretos, pela leitura da filosofia grega (Heraclito), de
Shakespeare, de Goethe, de Kant etc. E justamente a partir
desse dialogo que Binswanger vai desenvolver seu pr6prio
caminho, que se pode resumir como a pesquisa da constitui-
yao de uma Psiquiatria cientifica.
Binswanger I pode ser caracterizado como jovem
Binswanger que pesquisava, mas nao tinha ainda claro no
espirito 0 modo de realizar seu ambicioso projeto. Essa pes-
quisa era possivel porque (' jovem intelectual sempre mos-
trou uma abertura de espirito para acolher toda contribuiyao
64
nova e fecunda. Esse caminho filos6fico. que 0 vai conduzir
ate Husserl, sera mediatizado pelo neokantismo. 0 pr6prio
Binswanger, em um artigo escrito em homenagem a Husserl,
reconhece como ele esta presente em todo 0 seu pensamen-
t092. Essa trajet6ria pode ser seguida em pormenores atra"-
ves de seu escrito de 1922 - EinfOhrung in das Problem der
Allgemeinpsychologie -, pois e a partir desse ana que sua
adesao a Fenomenologia como metodo de investigayao sera
definitiva e marcara seu pensamento de maneira decisiva.
A segunda figura importante dessa primeira fase do seu
pensamento foi Freud, com quem teve um encontro pesso-
al em 1907, em Viena. 0 resultado desse encontro foi sua
adesao a Psicanalise e a sedimentayao de uma longa ami-
zade com seu criador, amizade que perdurara mesmo depois
de sua ruptura intelectual com Frel,ld. Se no inicio, porem,
Binswanger ficara encantado com a Psicanalise, reconhe-
ceu, mais tarde, ser impossivel fundar cientificamente a Psi-
quiatria a partir da Psicanalise. Mesmo assim, essa decep-
gao nao 0 impediu de mostrar uma grande admirayao pelo
pensamento freudiano, e a preocupayao de um dialogo com
a Psicanalise sera algo que ele nunca afastara de suas con-
vicyoes mais profundas.
o terceiro contato decisive desse periodo foi 0 encontro
com Heidegger, especialmente com suas obras Sein und Zeit
eVan Wesen des Grundes, que forneceram a base ontol6gi-
ca da antropologia fenomenol6gica de Binswanger. A analise
do Oasein, explicitada por Heidegger, revelou a Binswanger
que 0 homem e um ser-no-mundo. Essa hermeneutica do
Dasein como cuidado (Sorge) fez ver a Binswanger dimen-
92 L. Binswanger, "Dank an Edmund Husserl" ir. Edmund Husserl (1859-1959, ed. N.
L. Van Breda, The Hague Nighoff, 1959. Na p. 64, ele afirma: "Mein Weg von Kant
zu Hu~serl ging Ober den Neukantianismus, und nie zuvorderst Ober Palll Natorp
desglelchen aber auch Ober Dilthey, Stumpf, Bergson, Scheler, Pfander, u.C:".
65
como tambem no d~ M. Buber. Assim, s6 atraves de uma
base antropol6gica e que Binswanger poderia tentar restau-
rar a unidade da Psiquiatria.
2. 0 DESENVOLVIMENTO DO PENSAMENTO
BINSWANGERIANO
o pensamento de Binswanger esteve sempre em evolu-
yao: ele era um homem que se interrogava continuamente
para melhor compreender as coisas. Assim, 0 encontro com
Husserl Ihe deu uma nova direyao ao pensamento; a des-
coberta de Heidegger reorientou sua preocupayao filos6fica.
Queremos demarcar aqui duas fasesno caminho intelec-
tual de Binswanger. A primeira fase e sua tentativa de trazer
para a Psiquiatria algo de novo, que poderia fazer dele uma
ciemcia mais s6lida, onde a compreensao da doenya mental
viria do interior mesmo da Presenya '(Oasein), e nao de uma
construyao te6rica que se acrescenta a pessoa. A segunda
fase e a constru9ao de um metodo que permite uma penetra-
yao no modo de vida do doente.
Durante toda a sua vida, seus contatos com os intelec-
tuais foram inumeros, como ja dissemos anteriormente, e
a esses contatos pessoais podemos acrescentar os conta-
tos indiretos, pela leitura da filosofia grega (Heraclito), de
Shakespeare, de Goethe, de Kant etc. E justamente a partir
desse dialogo que Binswanger vai desenvolver seu pr6prio
caminho, que se pode resumir como a pesquisa da constitui-
yao de uma Psiquiatria cientifica.
Binswanger I pode ser caracterizado como jovem
Binswanger que pesquisava, mas nao tinha ainda claro no
espirito 0 modo de realizar seu ambicioso projeto. Essa pes-
quisa era possivel porque (' jovem intelectual sempre mos-
trou uma abertura de espirito para acolher toda contribuiyao
64
nova e fecunda. Esse caminho filos6fico. que 0 vai conduzir
ate Husserl, sera mediatizado pelo neokantismo. 0 pr6prio
Binswanger, em um artigo escrito em homenagem a Husserl,
reconhece como ele esta presente em todo 0 seu pensamen-
t092. Essa trajet6ria pode ser seguida em pormenores atra"-
ves de seu escrito de 1922 - EinfOhrung in das Problem der
Allgemeinpsychologie -, pois e a partir desse ana que sua
adesao a Fenomenologia como metodo de investigayao sera
definitiva e marcara seu pensamento de maneira decisiva.
A segunda figura importante dessa primeira fase do seu
pensamento foi Freud, com quem teve um encontro pesso-
al em 1907, em Viena. 0 resultado desse encontro foi sua
adesao a Psicanalise e a sedimentayao de uma longa ami-
zade com seu criador, amizade que perdurara mesmo depois
de sua ruptura intelectual com Frel,ld. Se no inicio, porem,
Binswanger ficara encantado com a Psicanalise, reconhe-
ceu, mais tarde, ser impossivel fundar cientificamente a Psi-
quiatria a partir da Psicanalise. Mesmo assim, essa decep-
gao nao 0 impediu de mostrar uma grande admirayao pelo
pensamento freudiano, e a preocupayao de um dialogo com
a Psicanalise sera algo que ele nunca afastara de suas con-
vicyoes mais profundas.
o terceiro contato decisive desse periodo foi 0 encontro
com Heidegger, especialmente com suas obras Sein und Zeit
eVan Wesen des Grundes, que forneceram a base ontol6gi-
ca da antropologia fenomenol6gica de Binswanger. A analise
do Oasein, explicitada por Heidegger, revelou a Binswanger
que 0 homem e um ser-no-mundo. Essa hermeneutica do
Dasein como cuidado (Sorge) fez ver a Binswanger dimen-
92 L. Binswanger, "Dank an Edmund Husserl" ir. Edmund Husserl (1859-1959, ed. N.
L. Van Breda, The Hague Nighoff, 1959. Na p. 64, ele afirma: "Mein Weg von Kant
zu Hu~serl ging Ober den Neukantianismus, und nie zuvorderst Ober Palll Natorp
desglelchen aber auch Ober Dilthey, Stumpf, Bergson, Scheler, Pfander, u.C:".
65
soes constitucionais do homem que nenhum outro pensa-
mento explicitara com tamanha sutileza. Essa admira9ao
antropol6gica, no sentido filos6fico, permitiu a grande revolu-
9ao no pensamento binswangeriano, e e justa mente a partir
dessa inspira9ao que ele come90u a construir seu modelo de
analise na Psiquiatria.
2.2. BINSWANGER II (1930-1966): A CONSTRUCAO DA
DASEINSANALYSE
A explicita9ao da Oaseinsanalyse, que se constitui como
metodo de investiga9ao, permite 0 conhecimento da hist6ria
existencial de uma pessoa. Podemos dizer que, a partir de
1930, com a publica9ao de Traum und Existenz, assistimos
a constru9ao de algo revolucionario em Psiquiatria. A partir
desse escrito, que mostra que 0 sonho deve ser compreendi-
do a partir da existencia, Binswanger reorienta sua pesquisa,
explicitando que 0 fundamento da Psiquiatria nao pode ser
fornecido pela reflexao metodol6gica sobre os instrumentos,
mas deve oscilar em dire9ao ao problema do que e 0 ho-
mem, isto e, uma reflexao sobre 0 homem como existente.
Urn segundo trabalho vern confirmar a nova via aberta por
Binswanger: Ideenflucht e uma analise do mundo maniaco.
A estrutura essencial e explicitada pel a analisl3 da fuga das
ideias atraves das categorias de espa90, tempo, consistencia
etc.
Todavia, s6 em 1942 Binswanger publica sua obra filos6-
fica mais importante: Grundformen und Erkenntnis menschli-
chen Oasein, que sera a sua antropologia fenomenol6gica,
base da Oaseinsanalyse. Essa antropologia e uma interroga-
! . 9aO sobre os modos segundo os quais se revela a Presen9a
. , humana. Ele quer completar a analise feita por Heidegger,
pois 0 Oasein nao deve ser s6 compreendido como cuidado
66
(Sorge), mas tambem como amor (Liebe). A obra to~na-se
uma fenomenologia do amor, na qual 0 modo dual na sua
manifesta9ao amorosa aparece como 0 modo de se~ mais
fundaml3ntal do ser humano. A antropologia desenvolvlda na
primeira parte do livro e completada por uma seg.unda par-
te epistemol6gica sobre 0 conhecimento do Oas:tn. R~la~d
Kuhn, discfpulo direto de Binswanger, destaca a Importancla
dessa obra: "A partir de 1942, as pesquisas de Binswanger
nao podem mais simplesmente se inscrever sob 0 titulo d.e
uma antropologia, mesmo fenomenol6gica. Cad a vez mals
definido com liberdade, autentica ou desfalecida, 0 ser ho-
mem e fundamentalmente presen9a, em que 0 ser em causa
e sua pr6pria possibilidade de ser"93.
A aplica9aO de sua teoria vai-se concretizar com os traba-
Ihos clinicos reunidos, em 1957, no livro Schizophrenie94 , que
contem cinco casos analisados logo ap6s a publica9aO de
Grundformen. Sao eles: 0 caso de Ellen West (1944-1945),0
caso lise (1945), 0 caso JOrg Zund (1946-1947), 0 caso Lola
Voss (1949), 0 caso Suzan Urban (1952-1953). Quase no
mesmo periodo da reedi9ao desses casos clinicos, surgem
outros tres estudos no livro Orei Formen missgliickten Oa-
seins: Vertiegenheit, Versschrobenheit, Manieriertheif95.
Nesse periodo aparecem diversos artigos sobre a Oa-
seinsanalyse e a Psicoterapia, em que se pode detectar a im-
portancia de Heidegger na constitui9ao do referid? ~etodo ..
Nao poderiamos deixar passar em branco os ultlmos dOls
livros de sua vida: Melancholie und Manie: Phanomenologis-
che Studien, em que a melancolia e a mania nao sao abor-
dadas atraves do estudo clinico, mas estudadas segundo 0
93 R. Kuhn; H. Maldiney, Prefacio a edi~o frances.a de. um conj~nto de a~~gos de
Binswanger intitulado Introduction a /'analyse eXlstentlelle, Pans, Les Editions de
Minuit, 1971, p. 16 .
94 L. Blnswanger, Schizophrenie, Pfullingen, Gunther Neske, 1957.
95 L. Binswanger, Drei Formen ... , TObigen, Niemeyer, 1956.
67
soes constitucionais do homem que nenhum outro pensa-
mento explicitara com tamanha sutileza. Essa admira9ao
antropol6gica, no sentido filos6fico, permitiu a grande revolu-
9ao no pensamento binswangeriano, e e justa mente a partir
dessa inspira9ao que ele come90u a construir seu modelo de
analise na Psiquiatria.
2.2. BINSWANGER II (1930-1966): A CONSTRUCAO DA
DASEINSANALYSE
A explicita9ao da Oaseinsanalyse, que se constitui como
metodo de investiga9ao, permite 0 conhecimento da hist6ria
existencial de uma pessoa. Podemos dizer que, a partir de
1930, com a publica9ao de Traum und Existenz, assistimos
a constru9ao de algo revolucionario em Psiquiatria. A partir
desse escrito, que mostra que 0 sonho deve ser compreendi-
do a partir da existencia, Binswanger reorienta sua pesquisa,
explicitando que 0 fundamento da Psiquiatria nao pode ser
fornecido pela reflexao metodol6gica sobre os instrumentos,
mas deve oscilar em dire9ao ao problema do que e 0 ho-
mem, isto e, uma reflexao sobre 0 homem como existente.
Urn segundo trabalho vern confirmar a nova via aberta por
Binswanger: Ideenflucht e uma analise do mundo maniaco.
A estrutura essencial e explicitada pel a analisl3 dafuga das
ideias atraves das categorias de espa90, tempo, consistencia
etc.
Todavia, s6 em 1942 Binswanger publica sua obra filos6-
fica mais importante: Grundformen und Erkenntnis menschli-
chen Oasein, que sera a sua antropologia fenomenol6gica,
base da Oaseinsanalyse. Essa antropologia e uma interroga-
! . 9aO sobre os modos segundo os quais se revela a Presen9a
. , humana. Ele quer completar a analise feita por Heidegger,
pois 0 Oasein nao deve ser s6 compreendido como cuidado
66
(Sorge), mas tambem como amor (Liebe). A obra to~na-se
uma fenomenologia do amor, na qual 0 modo dual na sua
manifesta9ao amorosa aparece como 0 modo de se~ mais
fundaml3ntal do ser humano. A antropologia desenvolvlda na
primeira parte do livro e completada por uma seg.unda par-
te epistemol6gica sobre 0 conhecimento do Oas:tn. R~la~d
Kuhn, discfpulo direto de Binswanger, destaca a Importancla
dessa obra: "A partir de 1942, as pesquisas de Binswanger
nao podem mais simplesmente se inscrever sob 0 titulo d.e
uma antropologia, mesmo fenomenol6gica. Cad a vez mals
definido com liberdade, autentica ou desfalecida, 0 ser ho-
mem e fundamentalmente presen9a, em que 0 ser em causa
e sua pr6pria possibilidade de ser"93.
A aplica9aO de sua teoria vai-se concretizar com os traba-
Ihos clinicos reunidos, em 1957, no livro Schizophrenie94 , que
contem cinco casos analisados logo ap6s a publica9aO de
Grundformen. Sao eles: 0 caso de Ellen West (1944-1945),0
caso lise (1945), 0 caso JOrg Zund (1946-1947), 0 caso Lola
Voss (1949), 0 caso Suzan Urban (1952-1953). Quase no
mesmo periodo da reedi9ao desses casos clinicos, surgem
outros tres estudos no livro Orei Formen missgliickten Oa-
seins: Vertiegenheit, Versschrobenheit, Manieriertheif95.
Nesse periodo aparecem diversos artigos sobre a Oa-
seinsanalyse e a Psicoterapia, em que se pode detectar a im-
portancia de Heidegger na constitui9ao do referid? ~etodo ..
Nao poderiamos deixar passar em branco os ultlmos dOls
livros de sua vida: Melancholie und Manie: Phanomenologis-
che Studien, em que a melancolia e a mania nao sao abor-
dadas atraves do estudo clinico, mas estudadas segundo 0
93 R. Kuhn; H. Maldiney, Prefacio a edi~o frances.a de. um conj~nto de a~~gos de
Binswanger intitulado Introduction a /'analyse eXlstentlelle, Pans, Les Editions de
Minuit, 1971, p. 16 .
94 L. Blnswanger, Schizophrenie, Pfullingen, Gunther Neske, 1957.
95 L. Binswanger, Drei Formen ... , TObigen, Niemeyer, 1956.
67
1·
i I . 1
\,
1:
r
metodo da fenomenologia pura e transcendental husserliana,
destacando-se mais a dimensao epistemol6gica do que a cli-
nica. 0 ultimo livro, sobre 0 dellrio - Wahn -, contem uma
analise fenomenol6gica e uma analise deseinsanalitica des-
sa maneira de ser do homem no mundo.
II. A ANTROPOLOGIA FENOMENOLOGICA DE L.
BINSWANGER
Tendo side um dos responsaveis pela introdu9ao da pesquisa
fen::>menologica da Psicopatologia atraves da cria9ao da Dasein-
sanalyse, um metodo de analise da maneira pela qual 0 ser hu-
mano esta no mundo, Binswanger estruturou toda uma antropo-
logia fenomenologica que permitiu a analise de diversos tipos de
psicopatologia,: A esquizofrenia recebeu maior aten9ao nas suas
analises.
Sobre essa pesquisa antropologica e sua rela9ao com 0 pen-
samento de Heidegger, Binswanger afirma: "A analitica existen-
cial (Daseinsanalytik) de Martin Heidegger representa uma ampla
significa9ao para Psiquiatria: de um lado, apontando os limites
atuais, ela da a pesquisa empfrica psicopatologica uma nova base
objetiva e metodologica e, de outr~ lado, explicitando 0 conceito
existencial da ciencia, da a Psiquiatria condi90es de avaliar a
realidade, a possibilidade e os limites de seu projeto cientffico do
mundo ou de seu hori?:onte de compreensao transcendental"96.
Em face da crise da Psiquiatria que nao encontra sua uni-
dade, Binswanger espera, do pensamento heideggeriano, um
meio de ultrapassagem de suas divisoes: "A analftica existencial
fenomenologico-filosofica de Heidegger foi um elemento muito
importante para a Psiquiatria, porque ela nao se inquieta com
96 l. Binswanger. "Importance et signification de I'analytique existentielle de Martin
Heidegger pour I'accessicn de la psychiatrie a la comprehension d'elle-m€!me", in
Introduction a /'analyse existentielle, Paris, Les Editions de Minuit, 1971, p. 247.
68
I ,
certos territorios dos fenomenos ou objetos que 'no homem' de-
vem ser delimitados ou explicitados, mas com 0 ser do homem
na sua totalidade"97.
Podemos perceber que 0 caminho para 0 estudo psicopato-
logico, para Binswanger, deve passar, ou melhor, estruturar-sea
partir de uma analise global da existencia humana.
A Daseinsanalyse busca compreender a doen9a como um
modo de expressao do ser-no-mundo. Assim, Binswanger vai
afirmar que aquilo a que se deve visar com a Daseinsanalyse
nao e compreender a estrutura do delirio, mas a do homem que
delira, isto e, a estrutura de seu novo ser-no-mundo98 •
Nessa perspectiva, 0 metodo desenvolvido por Binswanger
tem como ponto de partida 0 Sein und Zeit. A analise existencial
se edifica sobre a analftica existencial, que e, de alguma manei-
ra, 0 seu fundamento, pois "como explora9ao empfrico-fenome-
nologica dos mod os e das estruturas determinadas do Dasein ,
a analise existencial toma emprestados da analftica existencial
filosofica seus fios condutores"99.
A Daseinsanalyse se apresenta como um esfor90 para me-
Ihor compreender 0 comportamento e a experiencia humanos. 0
proprio Binswanger nos diz: "A analise existencial satisfaz tam-
bem exigencia psiquiatrica de uma inteligencia mais profunda da
essencia e da origem dos sintomas psicopatologicos"100 a medida
que, com esse novo metodo, 0 psiquiatra consegue "se comuni-
car de maneira inesperada com seus doentes, penetrar na sua
97 Idem, ibidem, pp. 252-253.
98 l. Binswanger, "La Daseinsanalyse en Psychiatrie" in L'encephale no. 1, 1951, p.
112.
99 l. Binswanger, "Analytique Existentielle et Psychiatrie" in Discours, parcours et
Freud, Paris, Ed. Gallimard, 1970, p. 106.
.DOL. Binswanger, "Sur la direction de recherche analitico-existentielle en Psyquiatrie" in
Discours, parcours et Freud, p. 83.
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metodo da fenomenologia pura e transcendental husserliana,
destacando-se mais a dimensao epistemol6gica do que a cli-
nica. 0 ultimo livro, sobre 0 dellrio - Wahn -, contem uma
analise fenomenol6gica e uma analise deseinsanalitica des-
sa maneira de ser do homem no mundo.
II. A ANTROPOLOGIA FENOMENOLOGICA DE L.
BINSWANGER
Tendo side um dos responsaveis pela introdu9ao da pesquisa
fen::>menologica da Psicopatologia atraves da cria9ao da Dasein-
sanalyse, um metodo de analise da maneira pela qual 0 ser hu-
mano esta no mundo, Binswanger estruturou toda uma antropo-
logia fenomenologica que permitiu a analise de diversos tipos de
psicopatologia,: A esquizofrenia recebeu maior aten9ao nas suas
analises.
Sobre essa pesquisa antropologica e sua rela9ao com 0 pen-
samento de Heidegger, Binswanger afirma: "A analitica existen-
cial (Daseinsanalytik) de Martin Heidegger representa uma ampla
significa9ao para Psiquiatria: de um lado, apontando os limites
atuais, ela da a pesquisa empfrica psicopatologica uma nova base
objetiva e metodologica e, de outr~ lado, explicitando 0 conceito
existencial da ciencia, da a Psiquiatria condi90es de avaliar a
realidade, a possibilidade e os limites de seu projeto cientffico do
mundo ou de seu hori?:onte de compreensao transcendental"96.
Em face da crise da Psiquiatria que nao encontra sua uni-
dade, Binswanger espera, do pensamento heideggeriano, um
meio de ultrapassagem de suas divisoes: "A analftica existencial
fenomenologico-filosofica de Heidegger foi um elemento muito
importante para a Psiquiatria, porque ela nao se inquieta com
96 l. Binswanger. "Importance et signification de I'analytique existentielle de Martin
Heideggerpour I'accessicn de la psychiatrie a la comprehension d'elle-m€!me", in
Introduction a /'analyse existentielle, Paris, Les Editions de Minuit, 1971, p. 247.
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I ,
certos territorios dos fenomenos ou objetos que 'no homem' de-
vem ser delimitados ou explicitados, mas com 0 ser do homem
na sua totalidade"97.
Podemos perceber que 0 caminho para 0 estudo psicopato-
logico, para Binswanger, deve passar, ou melhor, estruturar-sea
partir de uma analise global da existencia humana.
A Daseinsanalyse busca compreender a doen9a como um
modo de expressao do ser-no-mundo. Assim, Binswanger vai
afirmar que aquilo a que se deve visar com a Daseinsanalyse
nao e compreender a estrutura do delirio, mas a do homem que
delira, isto e, a estrutura de seu novo ser-no-mundo98 •
Nessa perspectiva, 0 metodo desenvolvido por Binswanger
tem como ponto de partida 0 Sein und Zeit. A analise existencial
se edifica sobre a analftica existencial, que e, de alguma manei-
ra, 0 seu fundamento, pois "como explora9ao empfrico-fenome-
nologica dos mod os e das estruturas determinadas do Dasein ,
a analise existencial toma emprestados da analftica existencial
filosofica seus fios condutores"99.
A Daseinsanalyse se apresenta como um esfor90 para me-
Ihor compreender 0 comportamento e a experiencia humanos. 0
proprio Binswanger nos diz: "A analise existencial satisfaz tam-
bem exigencia psiquiatrica de uma inteligencia mais profunda da
essencia e da origem dos sintomas psicopatologicos"100 a medida
que, com esse novo metodo, 0 psiquiatra consegue "se comuni-
car de maneira inesperada com seus doentes, penetrar na sua
97 Idem, ibidem, pp. 252-253.
98 l. Binswanger, "La Daseinsanalyse en Psychiatrie" in L'encephale no. 1, 1951, p.
112.
99 l. Binswanger, "Analytique Existentielle et Psychiatrie" in Discours, parcours et
Freud, Paris, Ed. Gallimard, 1970, p. 106.
.DOL. Binswanger, "Sur la direction de recherche analitico-existentielle en Psyquiatrie" in
Discours, parcours et Freud, p. 83.
69
historia de vida, descrever e compreender seus projetos-de-mun-
do, ali onde isso pareceria, ate 0 presente, impossivel"101.
1. A perspectiva antropologica da Daseinsanalyse
Os primeiros problemas com respeito a compreensao da pers-
pectiva antropologica do pensamento de L. Binswanger surgem
quando se procura uma tradu9aO para a palavra Dasein. Em fran-
ces, por exemplo, a palavra existencia foi proposta para traduzir 0
Dasein no pensamento de Binswanger, porem 0 proprio Binswan-
ger102 questiona essa tradu9aO, dizendo que, na Fran9a, 0 termo
existencia e ligado ao existencialismo, no qual a ideia de consci-
encia tem lugar privilegiado com rela9aO ao ~onceito de Dasein,
que tem uma conota9aO ontologica proveniente do pensamento
de Heidegger. Binswanger diz que Dasein compreende a alma e
o corpo, 0 voluntario e 0 involuntario, 0 pensamento e a a9aO, a
emotividade, a afetividade e 0 instinto, e que a ideia mais adequa-
da para englobar tudo isso e aquela do Ser, porem Ser nao como
substantiv~, mas como verbo, tal como etre, to be, esse103 •
N6s pensamos que a COnCep9aO de Binswanger de Dasein
como ser tomado a maneira verbal traz a luz 0 movimento como
caracteristica essencial do homem. Assim, nas suas analises
psicopatol6gicas, Binswanger vai procurar mostrar que e neces-
sario compreender nao as atitudes isoladas do paciente, mas 0
101 Idem, ibidem, p. 84.
lOll. Binswanger, "La 08seins8n8/yse in Psychi8trie" in L'Encepha/o no. 1, 1951, pp.
108-113.
'03Idem, ibidem, p. 109. Apesar dessa contesta~o de Binswanger, a palavra exist€mcia
prevaleceu na traduc;ao francesa. Walter Biemel precisa melhor esse problema,
quando diz que "0 Oa e 0 espac;o aberto pela irrupc;ao do homem. 0 homem
compreendido como Oasein nao e um simples objeto presente no espac;o, como
uma presa ou pedra, mas 0 ser que revel a (abre) 0 espac;o, e que e, ele mesmo,
espacial, no sentido de que ele se espacializa. 0 Oa nao e, portanto, na tenminologia
heideggeriana, um simples ai, nem um lugar determinado no seio do espac;o,
mas, como Heidegger diz, uma zona desvelada (devoilee), a atividade desvelante
(devoi/ante) do homem". W. Biemel, Le concept de monde chez Heidegger, Louvain,
Ed. Nauwelaerts, 1950, pp. 81-82.
70 I
movimento de sua vida. atraves da capta<;:ao da vivencia espacial
e temporal. Para guardar a significa980 plena do significado de
Binswanger, a tradU9aO mais conveniente seria Presenya, como
termo que captaria 0 movimento pr6prio da constitui9aO do homem.
Aqui, a conCeP9ao de Binswanger se aproxima de uma. maneira
mais estreita do pensamento de M. Heidegger. A preOCUpa9ao de
ambos sera a de fazer uma analise do Dasein, mas a sua maneira
de trazer a luz 0 proprio Dasein se concretiza de maneira diferente.
A analise heideggeriana e ontologica, e a analise binswangeriana
e antropologica. Escutemos 0 pr6prio Binswanger: "P~r ana/itiea
do Dasein eu entendo a classifica9aO filosofico-fenomenol6gica
da estrutura a priori ou transcendental do Dasein, a analise em pi-
rico-fenomenoI6gica, cientffica, dos modos de estruturas factuais
do Dasein. Porem esta segunda so e possivel sobre a base da
primeira"104
2. Os principais eixos da Analise da Presenc;a Humana
A Daseinsana/yse, que e uma analise empirico-fenomenol6gica
dos modos do Dasein, faz-se a partir de sua antropologia fenome-
nol6gica, explicitada no Grundformen. 0 que interessa ao analista
antrop610go-fenomen610go sao os modos de ser a partir dos quais
se revela a Presenya Humana, e que se exprimem, para Binswan-
ger, atraves dos temas fundamentais, denominados: dualidade,
pluralidade e singularidade. 0 conjunto dessas formas constitui as
maneiras atraves das quais se articulam 0 ser-no-mundo (In-der-
-We/t-Sein) e 0 ser-alem-do-mundo (Ober-die-We/t-hinau3-Sein),
compreendidos antropologicamente, e nao como formas que im-
plicam uma escolha preferencial de uma sobre a outra, ou que
uma deva ser explicitada antes da outra. A analise dessas formas
constitui a antropologia fenomenologica de Binswanger.
104L. Binswanger, "Analytique Existentielle et Psychiatrie" in Oiscours, parcours et
Freud, Paris, Ed. Gallimard, 1970, p. 86.
71
historia de vida, descrever e compreender seus projetos-de-mun-
do, ali onde isso pareceria, ate 0 presente, impossivel"101.
1. A perspectiva antropologica da Daseinsanalyse
Os primeiros problemas com respeito a compreensao da pers-
pectiva antropologica do pensamento de L. Binswanger surgem
quando se procura uma tradu9aO para a palavra Dasein. Em fran-
ces, por exemplo, a palavra existencia foi proposta para traduzir 0
Dasein no pensamento de Binswanger, porem 0 proprio Binswan-
ger102 questiona essa tradu9aO, dizendo que, na Fran9a, 0 termo
existencia e ligado ao existencialismo, no qual a ideia de consci-
encia tem lugar privilegiado com rela9aO ao ~onceito de Dasein,
que tem uma conota9aO ontologica proveniente do pensamento
de Heidegger. Binswanger diz que Dasein compreende a alma e
o corpo, 0 voluntario e 0 involuntario, 0 pensamento e a a9aO, a
emotividade, a afetividade e 0 instinto, e que a ideia mais adequa-
da para englobar tudo isso e aquela do Ser, porem Ser nao como
substantiv~, mas como verbo, tal como etre, to be, esse103 •
N6s pensamos que a COnCep9aO de Binswanger de Dasein
como ser tomado a maneira verbal traz a luz 0 movimento como
caracteristica essencial do homem. Assim, nas suas analises
psicopatol6gicas, Binswanger vai procurar mostrar que e neces-
sario compreender nao as atitudes isoladas do paciente, mas 0
101 Idem, ibidem, p. 84.
lOll. Binswanger, "La 08seins8n8/yse in Psychi8trie" in L'Encepha/o no. 1, 1951, pp.
108-113.
'03Idem, ibidem, p. 109. Apesar dessa contesta~o de Binswanger, a palavra exist€mcia
prevaleceu na traduc;ao francesa. Walter Biemel precisa melhor esse problema,
quando diz que "0 Oa e 0 espac;o aberto pela irrupc;ao do homem. 0 homem
compreendido como Oasein nao e umsimples objeto presente no espac;o, como
uma presa ou pedra, mas 0 ser que revel a (abre) 0 espac;o, e que e, ele mesmo,
espacial, no sentido de que ele se espacializa. 0 Oa nao e, portanto, na tenminologia
heideggeriana, um simples ai, nem um lugar determinado no seio do espac;o,
mas, como Heidegger diz, uma zona desvelada (devoilee), a atividade desvelante
(devoi/ante) do homem". W. Biemel, Le concept de monde chez Heidegger, Louvain,
Ed. Nauwelaerts, 1950, pp. 81-82.
70 I
movimento de sua vida. atraves da capta<;:ao da vivencia espacial
e temporal. Para guardar a significa980 plena do significado de
Binswanger, a tradU9aO mais conveniente seria Presenya, como
termo que captaria 0 movimento pr6prio da constitui9aO do homem.
Aqui, a conCeP9ao de Binswanger se aproxima de uma. maneira
mais estreita do pensamento de M. Heidegger. A preOCUpa9ao de
ambos sera a de fazer uma analise do Dasein, mas a sua maneira
de trazer a luz 0 proprio Dasein se concretiza de maneira diferente.
A analise heideggeriana e ontologica, e a analise binswangeriana
e antropologica. Escutemos 0 pr6prio Binswanger: "P~r ana/itiea
do Dasein eu entendo a classifica9aO filosofico-fenomenol6gica
da estrutura a priori ou transcendental do Dasein, a analise em pi-
rico-fenomenoI6gica, cientffica, dos modos de estruturas factuais
do Dasein. Porem esta segunda so e possivel sobre a base da
primeira"104
2. Os principais eixos da Analise da Presenc;a Humana
A Daseinsana/yse, que e uma analise empirico-fenomenol6gica
dos modos do Dasein, faz-se a partir de sua antropologia fenome-
nol6gica, explicitada no Grundformen. 0 que interessa ao analista
antrop610go-fenomen610go sao os modos de ser a partir dos quais
se revela a Presenya Humana, e que se exprimem, para Binswan-
ger, atraves dos temas fundamentais, denominados: dualidade,
pluralidade e singularidade. 0 conjunto dessas formas constitui as
maneiras atraves das quais se articulam 0 ser-no-mundo (In-der-
-We/t-Sein) e 0 ser-alem-do-mundo (Ober-die-We/t-hinau3-Sein),
compreendidos antropologicamente, e nao como formas que im-
plicam uma escolha preferencial de uma sobre a outra, ou que
uma deva ser explicitada antes da outra. A analise dessas formas
constitui a antropologia fenomenologica de Binswanger.
104L. Binswanger, "Analytique Existentielle et Psychiatrie" in Oiscours, parcours et
Freud, Paris, Ed. Gallimard, 1970, p. 86.
71
2.1. A modalidade dual
A primeira modalidade que sera examinada por Binswanger e
a forma dual, que possui duas expressoes: 0 amor e a amizade. A
questao que deve ser posta e: como se manifestara 0 existir huma-
no nessa forma de ser?
A maneira de ser a dois no mundo dual deve ser compreendida
a partir do fato de que um nao esta simplesmente ao lado do outro,
como, por exemplo, numa torcida num campo de futebol, mas que
deve existir uma relagao entre eles. Essa relagao deve ser de reci-
procida de , tanto de um com relagao ao outro, como do outro com
relagao ao primeiro. E por isso que Binswanger usa a expressao
Miteinandersein para caracterizar essa relagao, cujo significado
mais proprio seria "ser-em relaqao-de-reciprocidade". Essa manei-
ra de ser pode ser caracterizada como uma unidade na dualidade.
Assim, "0 sentido da dualidade, 0 fato de ser dois a maneira do n6s
do amor, e totalmente diferente do sentido de ser dois no qual um
esta em oposigao ao outro, aos quais se pod em juntar, dos dois
lados, um terceiro, um quarto, um quinto, ate urn numero x, sem
que ai exista uma mudan9a de estrutura do ser-com"105.
Existe no ser-em-relaqao-de-reciprccidade, tanto no amor
como na amizade, uma penetragao de um no outro, e nao somente
L;ma postura de urn ao lado do outro.
Essa unidade na dualidade e possivel porque 0 princlpio or-
ganizador que rege a relagao entre um e outro e 0 encontro (8e-
gegnung). A perspectiva de uma compreensao antropologica
desse principio organizador e que nos possibilita afirmar que a
compreensao do ser-em-relaq80-de-reciprocidade, tanto na forma
de amizade como na forma do amor, nao pode ser "mostrada" e
discutida numa concepgao categorial, mas somente numa "ex-
10SL. Binswanger, Grundformen und Erkenntnis menschlichen Daseins Munique-
Basileia, Ernest Reinhardt Verlag, 5. ed., 1973, p. 382. •
72
pressao antropologica"106. 0 ser-em-relaqao-de-reciprocidade nas
formas do amor de da amizade sao duas manifesta90es diferentes
do encontro. "0 amor e a amizade mostram a mesma estrutura
fundamental antropologica"107, cada urn com suas caracterfsticas
proprias.
Assim, 0 amor e a amizade nao podem ser concebidos como
"objeto de julgamento psicologico", dos quais se poderiam citar as
caracterlsticas comuns e as que os distinguem. Nos so chegare-
mos ao "fundamento" a medida que guardarmos, em nossa pers-
pectiva, a estrutura antropologica comum do amor e da amizade, e
a medida que procurarmos as particularidades de sua maneira de
ser que nos impulsionam a falar da manelra de ser amorosa e da
"maneira de ser amical do encontro"10B.
Justamente para marcar essa perspectiva antropologica e que
Binswanger, num artigo publicado em 1941, um ana antes da pu-
blicagao do Grundformen, Flfirmava: "0 amor e a amizade sao uma
relagao originaria primaria, isto e, uma relagao originaria primaria
antropologica que nao pode ser derivada mais longe"109. 0 proble-
ma seria, agora, desenvolver as nuangas de cada uma das formas
da dualidade, tarefa imposslvel neste breve artigo.
2.2. A modalidade plural
As manifestagoes da modalidade dual - 0 amor e a amizade
- sao os mod os da Presenga em que se exprime 0 autentico en-
contro interumano, ou seja, em que, de uma forma total ou parcial,
a relagao entre 0 Eu e 0 Tu atingem sua plenitude.
106ldem, ibidem, p. 227.
107ldem, ibidem, p. 222.
108ldem, ibidem, p. 222.
109l. Binswanger, "Sprache, Liebe und Bildung" in Confinia Psychiatrica, vol. II, (1959)
no. 3-4, pp. 139-140. Essa conferencia foi pronunciada pela primeira vez em lucerna,
em 1941.
73
2.1. A modalidade dual
A primeira modalidade que sera examinada por Binswanger e
a forma dual, que possui duas expressoes: 0 amor e a amizade. A
questao que deve ser posta e: como se manifestara 0 existir huma-
no nessa forma de ser?
A maneira de ser a dois no mundo dual deve ser compreendida
a partir do fato de que um nao esta simplesmente ao lado do outro,
como, por exemplo, numa torcida num campo de futebol, mas que
deve existir uma relagao entre eles. Essa relagao deve ser de reci-
procida de , tanto de um com relagao ao outro, como do outro com
relagao ao primeiro. E por isso que Binswanger usa a expressao
Miteinandersein para caracterizar essa relagao, cujo significado
mais proprio seria "ser-em relaqao-de-reciprocidade". Essa manei-
ra de ser pode ser caracterizada como uma unidade na dualidade.
Assim, "0 sentido da dualidade, 0 fato de ser dois a maneira do n6s
do amor, e totalmente diferente do sentido de ser dois no qual um
esta em oposigao ao outro, aos quais se pod em juntar, dos dois
lados, um terceiro, um quarto, um quinto, ate urn numero x, sem
que ai exista uma mudan9a de estrutura do ser-com"105.
Existe no ser-em-relaqao-de-reciprccidade, tanto no amor
como na amizade, uma penetragao de um no outro, e nao somente
L;ma postura de urn ao lado do outro.
Essa unidade na dualidade e possivel porque 0 princlpio or-
ganizador que rege a relagao entre um e outro e 0 encontro (8e-
gegnung). A perspectiva de uma compreensao antropologica
desse principio organizador e que nos possibilita afirmar que a
compreensao do ser-em-relaq80-de-reciprocidade, tanto na forma
de amizade como na forma do amor, nao pode ser "mostrada" e
discutida numa concepgao categorial, mas somente numa "ex-
10SL. Binswanger, Grundformen und Erkenntnis menschlichen Daseins Munique-
Basileia, Ernest Reinhardt Verlag, 5. ed., 1973, p. 382. •
72
pressao antropologica"106. 0 ser-em-relaqao-de-reciprocidadenas
formas do amor de da amizade sao duas manifesta90es diferentes
do encontro. "0 amor e a amizade mostram a mesma estrutura
fundamental antropologica"107, cada urn com suas caracterfsticas
proprias.
Assim, 0 amor e a amizade nao podem ser concebidos como
"objeto de julgamento psicologico", dos quais se poderiam citar as
caracterlsticas comuns e as que os distinguem. Nos so chegare-
mos ao "fundamento" a medida que guardarmos, em nossa pers-
pectiva, a estrutura antropologica comum do amor e da amizade, e
a medida que procurarmos as particularidades de sua maneira de
ser que nos impulsionam a falar da manelra de ser amorosa e da
"maneira de ser amical do encontro"10B.
Justamente para marcar essa perspectiva antropologica e que
Binswanger, num artigo publicado em 1941, um ana antes da pu-
blicagao do Grundformen, Flfirmava: "0 amor e a amizade sao uma
relagao originaria primaria, isto e, uma relagao originaria primaria
antropologica que nao pode ser derivada mais longe"109. 0 proble-
ma seria, agora, desenvolver as nuangas de cada uma das formas
da dualidade, tarefa imposslvel neste breve artigo.
2.2. A modalidade plural
As manifestagoes da modalidade dual - 0 amor e a amizade
- sao os mod os da Presenga em que se exprime 0 autentico en-
contro interumano, ou seja, em que, de uma forma total ou parcial,
a relagao entre 0 Eu e 0 Tu atingem sua plenitude.
106ldem, ibidem, p. 227.
107ldem, ibidem, p. 222.
108ldem, ibidem, p. 222.
109l. Binswanger, "Sprache, Liebe und Bildung" in Confinia Psychiatrica, vol. II, (1959)
no. 3-4, pp. 139-140. Essa conferencia foi pronunciada pela primeira vez em lucerna,
em 1941.
73
A segunda modalidade segundo a qual se articula a Pre-
senya humana, e que constitui 0 segundo eixo da antropologia
binswangeriana, e a modalidade plural. A pluralidade e a forma
fundamental ou 0 modo do ser humano em que duas ou mais
pessoas estao em oposiyao a dualidade do Eu e TU110. Em todas
as formas da pluralidade, 0 Tu nao se manifestara com toda a sua
autenticidade. Aqui, 0 Dasein cai nas manifestayoes limitativas,
de quantidade. Ele vai deixar-se somar (ser captado) nas rela-
yoes em que 0 Tu sera absorvido pelas relayoes de utilidade e de
instrumentalidade111 , no sentido heideggeriano do termo.
Se namodalidade dual e 0 encontro que rege todas as ma-
nifestayoes dessa modalidade, aqui, e a partir do principio de
Discursividade que se articulam todas as formas da modalidade
plural. A Discursividade e entendida por Binswanger como "fun-
damento do ser-no-mundo, tomado principal mente como um ser
determinado pel a situayao final"112. A discursividade eo principio
organizador que se estende sobre 0 ser humano limitado a fini-
tude.
A modalidade plural sera percebida a partir dos diferentes
modos do ser-com um outr~ ou muitos outros, isto e, as re/agoes
que no cotidiano visam a desintegrar a verdadeira relayao entre 0
Eu e 0 Tu. As formas de modalidade plural podem articular-se em
duas direyoes: primeiro, a relayao do ser hUr.1ano com qualquer
coisa, ou seja, com fenomenos que constituem 0 mundo circun-
dante (Umwelt); segundo, a relayao do ser humano com os ou-
tros seres humanos, ou seja, com fenomenos que constituem 0
mundo social (Mitwelt). Resumindo, podemos dizer que 0 Mitsein
se manifesta no Umwelt e no Mitwelt.
110L. Binswanger. Grundformen .... p. 382.
111 A utilidade (Zuhandenheit) e a instrumentalidade (Zeughaftigkeit) sao compreendidas
como modos de apreensao de um ser.
III L. Binswanger. Grundformen .... p. 347.
74
1
j
~
l
lj ,
. ~
1
'1
1
Cada modo de ser-com e uma maneira antropologica espe-
cifica de a Presenya se manifestar e revela a especificidade do
ser-no-mundo cotidiano, isto e, a experiemcia da estrutura do ser
e, com isso, da sua diferenciayao do ser, da multiplicidade do ser
ou da determinayao do ser. Segundo Binswanger, 0 modo plural
apresentara formas de manifestayoes, tanto no Umwelt como no
Mitwe/t, impossiveis de serem aqui analisadas.
2.3. A modalidade singular
A singularidade e 0 terceiro eixo da antropologia binswangeria-
na. Ela revela 0 modo segundo 0 qual 0 Dasein (Presenya) esta
em rela9ao consigo mesmo, ela e 0 ser-em-si-mesmo. Como os
modos precedentes, a singularidade deve ser compreendida como
uma dimensao do Dasein que esta sempre em relayao com as ou-
tras duas modalidades. Assim, a singularidade nao e um elemento
numerico da pluralidade, porque a singularidade significa postura
propria no mundo, qualquer coisa de excepcional113.
Podemos encontrar duas manifestayoes da singularidade, ou
melhor, duas maneiras diferentes de ela se explicitar. A primeira
forma e 0 ser-em-diregao-de-si-mesmo (Das Zu-Sich-Selbst-Sein),
isto e, ele se refere a suas manifestayoes concretas finitas, e por
isso esta em estreita relayao com 0 modo da pluralidade. A segun-
da forma e 0 ser como tendencia a seu pr6prio fundamento (Sein-
-zum-Grunde). Cada uma dessas duas formas vai ter implicayoes
diferentes.
Aqui, tambern, como aconteceu no modo dual e no modo plu-
ral, existe um principio organizador antropologico que possibilita a
explicitay80 das diferentes maneiras concretas do ser-no-mundo.
1I3ldem. ibidem. p. 382.
75
A segunda modalidade segundo a qual se articula a Pre-
senya humana, e que constitui 0 segundo eixo da antropologia
binswangeriana, e a modalidade plural. A pluralidade e a forma
fundamental ou 0 modo do ser humano em que duas ou mais
pessoas estao em oposiyao a dualidade do Eu e TU110. Em todas
as formas da pluralidade, 0 Tu nao se manifestara com toda a sua
autenticidade. Aqui, 0 Dasein cai nas manifestayoes limitativas,
de quantidade. Ele vai deixar-se somar (ser captado) nas rela-
yoes em que 0 Tu sera absorvido pelas relayoes de utilidade e de
instrumentalidade111 , no sentido heideggeriano do termo.
Se namodalidade dual e 0 encontro que rege todas as ma-
nifestayoes dessa modalidade, aqui, e a partir do principio de
Discursividade que se articulam todas as formas da modalidade
plural. A Discursividade e entendida por Binswanger como "fun-
damento do ser-no-mundo, tomado principal mente como um ser
determinado pel a situayao final"112. A discursividade eo principio
organizador que se estende sobre 0 ser humano limitado a fini-
tude.
A modalidade plural sera percebida a partir dos diferentes
modos do ser-com um outr~ ou muitos outros, isto e, as re/agoes
que no cotidiano visam a desintegrar a verdadeira relayao entre 0
Eu e 0 Tu. As formas de modalidade plural podem articular-se em
duas direyoes: primeiro, a relayao do ser hUr.1ano com qualquer
coisa, ou seja, com fenomenos que constituem 0 mundo circun-
dante (Umwelt); segundo, a relayao do ser humano com os ou-
tros seres humanos, ou seja, com fenomenos que constituem 0
mundo social (Mitwelt). Resumindo, podemos dizer que 0 Mitsein
se manifesta no Umwelt e no Mitwelt.
110L. Binswanger. Grundformen .... p. 382.
111 A utilidade (Zuhandenheit) e a instrumentalidade (Zeughaftigkeit) sao compreendidas
como modos de apreensao de um ser.
III L. Binswanger. Grundformen .... p. 347.
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j
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l
lj ,
. ~
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1
Cada modo de ser-com e uma maneira antropologica espe-
cifica de a Presenya se manifestar e revela a especificidade do
ser-no-mundo cotidiano, isto e, a experiemcia da estrutura do ser
e, com isso, da sua diferenciayao do ser, da multiplicidade do ser
ou da determinayao do ser. Segundo Binswanger, 0 modo plural
apresentara formas de manifestayoes, tanto no Umwelt como no
Mitwe/t, impossiveis de serem aqui analisadas.
2.3. A modalidade singular
A singularidade e 0 terceiro eixo da antropologia binswangeria-
na. Ela revela 0 modo segundo 0 qual 0 Dasein (Presenya) esta
em rela9ao consigo mesmo, ela e 0 ser-em-si-mesmo. Como os
modos precedentes, a singularidade deve ser compreendida como
uma dimensao do Dasein que esta sempre em relayaocom as ou-
tras duas modalidades. Assim, a singularidade nao e um elemento
numerico da pluralidade, porque a singularidade significa postura
propria no mundo, qualquer coisa de excepcional113.
Podemos encontrar duas manifestayoes da singularidade, ou
melhor, duas maneiras diferentes de ela se explicitar. A primeira
forma e 0 ser-em-diregao-de-si-mesmo (Das Zu-Sich-Selbst-Sein),
isto e, ele se refere a suas manifestayoes concretas finitas, e por
isso esta em estreita relayao com 0 modo da pluralidade. A segun-
da forma e 0 ser como tendencia a seu pr6prio fundamento (Sein-
-zum-Grunde). Cada uma dessas duas formas vai ter implicayoes
diferentes.
Aqui, tambern, como aconteceu no modo dual e no modo plu-
ral, existe um principio organizador antropologico que possibilita a
explicitay80 das diferentes maneiras concretas do ser-no-mundo.
1I3ldem. ibidem. p. 382.
75
, .
. ,
Na singularidade, esse principio organizador e 2 Existencia114• As-
sim, 0 Dasein se refere, aqui, a uma outra parte de si, isto e, a
um outr~ papel que ele pode explicitar no mundo. A singularidade
corresponde a revelag80 do mundo pr6prio (Eigenwelt) do ser hu-
mano. Segundo Binswanger, a Psicanalise e 0 metodo cientifico-
-empirico que nos ajuda a analisar 0 mundo pr6prio da Presenga.
Conclusao
o psiquiatra-fil6sofo deixa perceber, ao longo de toda a sua
trajet6ria de vida, 0 esforgo que empregou para dar a Psiquiatria
uma unidade e um status cientifico. Assim, 0 esforgo sobre-huma-
no travado com a ajuda do dialogo com as correntes do pensa-
mento filos6fico, psiquiatrico e psicol6gico de sua epoca 0 levou a
se inspirar na Fenomenologia para realizar sua ambiciosa tarefa.
Dessa maneira, Binswanger esta convencido de que s6 na
reflex80 antropol6gica de inspirag80 fenomenol6gica existencial
sera possivel repenSar a doenga mental. A pergunta sobre 0 modo
de existir do homem sera capaz de fornecer a base s61ida para
compreender 0 homem na sua cotidianidade.
Assim, a elaborag80 da Daseinsanalyse, que nada mais e do
que um metodo puramente antropol6gico de investigag80 que se
traduz pelo exame e pela elucidag80 fenomenol6gica da essencia
da Presenga humana, possibilita perceber 0 homem para alem da
disting80 entre 0 S80 e 0 doente.
A elaborag80 de sua antropologia fenomenol6gica existencial
abre as portas para as analises psicopatol6gicas, e a doenga pode
'14 Idem, ibidem, p, 383, Aqui, 0 sentido de existemcia e totalmente diferente daquele
d~ Heidegger, porque, para Heidegger, a existencia e um principio ontol6gico. Em
~In~~anger, 0 sentido d~ existencia deve ser compreendido na perspectiva antropol6gica:
EXlstlren helsst dass sich Dasein als endliches, als je meines, stetig erstreckt, in der
Existenz we~de ich der, der ich - als in das Sein Geworfener - je schon bin, namlich Ich-
Selbst, 1m relfendem, entschlossenen, fragenden Bodenfassem im Grunde",
76
ser compreendida como um modo-de-ser do homem, como uma
postura que engaja toda a sua Presenga, superando uma concep-
g80 biol6gico-mecanicista da doenga mental. Esta aberto um novo
caminho para 0 trabalho dos psiquiatras e psic610gos do nosso
tempo.
77
, .
. ,
Na singularidade, esse principio organizador e 2 Existencia114• As-
sim, 0 Dasein se refere, aqui, a uma outra parte de si, isto e, a
um outr~ papel que ele pode explicitar no mundo. A singularidade
corresponde a revelag80 do mundo pr6prio (Eigenwelt) do ser hu-
mano. Segundo Binswanger, a Psicanalise e 0 metodo cientifico-
-empirico que nos ajuda a analisar 0 mundo pr6prio da Presenga.
Conclusao
o psiquiatra-fil6sofo deixa perceber, ao longo de toda a sua
trajet6ria de vida, 0 esforgo que empregou para dar a Psiquiatria
uma unidade e um status cientifico. Assim, 0 esforgo sobre-huma-
no travado com a ajuda do dialogo com as correntes do pensa-
mento filos6fico, psiquiatrico e psicol6gico de sua epoca 0 levou a
se inspirar na Fenomenologia para realizar sua ambiciosa tarefa.
Dessa maneira, Binswanger esta convencido de que s6 na
reflex80 antropol6gica de inspirag80 fenomenol6gica existencial
sera possivel repenSar a doenga mental. A pergunta sobre 0 modo
de existir do homem sera capaz de fornecer a base s61ida para
compreender 0 homem na sua cotidianidade.
Assim, a elaborag80 da Daseinsanalyse, que nada mais e do
que um metodo puramente antropol6gico de investigag80 que se
traduz pelo exame e pela elucidag80 fenomenol6gica da essencia
da Presenga humana, possibilita perceber 0 homem para alem da
disting80 entre 0 S80 e 0 doente.
A elaborag80 de sua antropologia fenomenol6gica existencial
abre as portas para as analises psicopatol6gicas, e a doenga pode
'14 Idem, ibidem, p, 383, Aqui, 0 sentido de existemcia e totalmente diferente daquele
d~ Heidegger, porque, para Heidegger, a existencia e um principio ontol6gico. Em
~In~~anger, 0 sentido d~ existencia deve ser compreendido na perspectiva antropol6gica:
EXlstlren helsst dass sich Dasein als endliches, als je meines, stetig erstreckt, in der
Existenz we~de ich der, der ich - als in das Sein Geworfener - je schon bin, namlich Ich-
Selbst, 1m relfendem, entschlossenen, fragenden Bodenfassem im Grunde",
76
ser compreendida como um modo-de-ser do homem, como uma
postura que engaja toda a sua Presenga, superando uma concep-
g80 biol6gico-mecanicista da doenga mental. Esta aberto um novo
caminho para 0 trabalho dos psiquiatras e psic610gos do nosso
tempo.
77
2a PARTE
QUESTOES DE PSICOTERAPIA
EXISTENCIAL
2a PARTE
QUESTOES DE PSICOTERAPIA
EXISTENCIAL
I ,
A RELA<;AO TERAPEUTICA NA PERSPECTIVA
FENOMENOLOGICO-EXISTENCIAL
A relayao entre 0 doente e 0 medico e uma questao que sem-
pre foi problematica, uma vez que sua dificuldade e seus impas-
ses transcorrem por todo 0 percurso,desse relacionamento ao
longo da hist6ria da humanidade e que se estendeu na ciencia
psicol6gica para a diade terapeuta-cliente. Na Psicologia clinica,
a relay80 entre 0 cliante e 0 terapeuta e um dos pontos mais
cruciais do tratamento psicol6gico, Esse esta no centro das pre-
ocupayoes dos te6ricos da PSicologia clinica, embora cada abor-
dagem psicol6gica 0 trate de forma diferenciada. As vezes uma
perspectiva te6rica da Psicologia enfatiza mais a questao da re-
layao em detrimento do processo. Outras abordagens nao privi-
legiam a relayao terapeutica (RT), deixando-a em segundo plano,
ate mesmo em ultimo lugar, na organizayao te6rica do sistema
terapeutico. No caso da abordagem fenomenoI6gico-existencial,
a qualidade da relayao e essencial para 0 sucesso ou nao do
tratamento psicol6gico. E 0 ponto nodal com base no qual se
constr6i todo 0 trabalho clfnico.
Assim, 0 nosso objetivo aqui e refletir sobre a especificida-
de dessa relayao humana, visto que toda relayao terapeutica
e humana, construida por meio da dialetizayao do profissional
de Psicologia e da pessoa que sofre e vem buscar ajuda desse
profissional. Temos que admitir, porem, que essa relayao e um
pouco especial, ja que ocorrera dentro de determinadas circuns-
tfmcias e com algumas caracteristicas especificas.
Oesse modo, uma definiyao preliminar seria a de que a rela-
yao terapeutica e um encontro entre duas pessoas, no qual um
profissional qualificado ajuda outro ser humane a se conhecer, a
se desvencilhar de suas dificuldades e a encontrar um caminho
melhor para a sua vida.
81
I ,
A RELA<;AO TERAPEUTICA NA PERSPECTIVA
FENOMENOLOGICO-EXISTENCIAL
A relayao entre 0 doente e 0 medico e uma questao que sem-
pre foi problematica, uma vez que sua dificuldade e seus impas-
ses transcorrem por todo 0 percurso,desse relacionamento ao
longo da hist6ria da humanidade e que se estendeu na ciencia
psicol6gica para a diade terapeuta-cliente. Na Psicologia clinica,
a relay80 entre 0 cliante e 0 terapeuta e um dos pontos mais
cruciais do tratamento psicol6gico, Esse esta no centro das pre-
ocupayoes dos te6ricos da PSicologiaclinica, embora cada abor-
dagem psicol6gica 0 trate de forma diferenciada. As vezes uma
perspectiva te6rica da Psicologia enfatiza mais a questao da re-
layao em detrimento do processo. Outras abordagens nao privi-
legiam a relayao terapeutica (RT), deixando-a em segundo plano,
ate mesmo em ultimo lugar, na organizayao te6rica do sistema
terapeutico. No caso da abordagem fenomenoI6gico-existencial,
a qualidade da relayao e essencial para 0 sucesso ou nao do
tratamento psicol6gico. E 0 ponto nodal com base no qual se
constr6i todo 0 trabalho clfnico.
Assim, 0 nosso objetivo aqui e refletir sobre a especificida-
de dessa relayao humana, visto que toda relayao terapeutica
e humana, construida por meio da dialetizayao do profissional
de Psicologia e da pessoa que sofre e vem buscar ajuda desse
profissional. Temos que admitir, porem, que essa relayao e um
pouco especial, ja que ocorrera dentro de determinadas circuns-
tfmcias e com algumas caracteristicas especificas.
Oesse modo, uma definiyao preliminar seria a de que a rela-
yao terapeutica e um encontro entre duas pessoas, no qual um
profissional qualificado ajuda outro ser humane a se conhecer, a
se desvencilhar de suas dificuldades e a encontrar um caminho
melhor para a sua vida.
81
Para abordar a especificidadf: da rela<;ao human a na pers-
pectiva fenomenologico-existencial, dividiremos nossa exposi-
<;130 em tres partes. Em primeiro lugar, vamos procurar refletir
sobre 0 que e uma rela<;13o humana e quais os elementos que
compoem uma rela<;13o tipicamente humana. Oai, surgira a dis-
cuss130 da intersubjetividade, vivenciada por meio do encontro
interpessoal, que e a caracteristica central da relaC;13o terapeuti-
ca na perspectiva existencial. Assim, 0 segundo momenta cons-
tituir-se-a na explicita<;13o das caracteristicas do que seja um
encontro interpessoal. Finalmente, abordaremos a especificida-
de da RT, mostrando quais as caracteristicas principais dessa
relaC;13o.
1 0 QUE E UMA RELACAO HUMANA?
A primeira questao que surge e a seguinte: 0 que caracteriza
uma rela<;13o humana? E possivel definirmos 0 que vema ser
uma relaC;ao humana? A reposta pode parecer simples, mas e
mais complexa do que podemos imaginar. 0 obvio nem sempre
e simples. De modo geral, uma rela<;13o humana, estabelecida
entre dois seres livres que buscam explicitar 0 especifico do ser
humano, pode ser definida como uma Iiga<;13o em que ocorra
uma troca de conteudos humanos e na qual a comunica<;ao en-
tre essas duas pessoas possibilita 0 desvelamento de significa-
dos colocados por ambas as partes.
Assim, para caracterizar, de forma bem explicita, 0 que vem
a ser uma rela<;13o humana, temos que responder a duas ques-
toes. A primeira e sobre as condi<;oes previas para que se possa
falar de uma rela<;13o humana. A segunda seria elencar e refletir
sobre os elementos estruturais da rela<;13o.
Como condi<;oes previas para que uma rela<;13o entre duas
pessoas possa ser compreendida como humana, podemos des-
tacar tres pontos.
82
o conhecimento do outro como sujeito. Cada um de nos e
dono de sua pr6pria vida, isto e, funda a pr6pria existencia e e res-
ponsavel pelos seus atos. Em palavras corriqueiras, dizemos que
e "dono do seu nariz". Ora, isso implica que devemos dar rumo a
nossa vida, e nao eo outro que devera ditar essa dire<;13o~Re
conhecer 0 outro como sujeito dos proprios atos significa que nao
somos n6s que devemos dizer ao outro 0 que ele deve fazer; pelo
contrario, toda a busca e a concretiza<;ao da dire<;ao de vida passa
pela capacidade de decisao de cada um de n6s.
Assim, uma mae deve ajudar 0 filho para que ele possa, ao
longo a vida, ir se desapegando e ser responsavel pel os seus
proprios atos .. Os pais n130 devem assumir a vida de seus filhos,
mas, sim, ajuda-Ios a que, pouco a pouco, encontrem 0 significado
e 0 sentido de seus atos e, dessa forma, construam a propria exis-
tencia. Muitas vezes, queremos palpitar na vida de nossos filhos,
esquecendo-nos de que 0 melhor e que eles por si s6s encontrem
a dire<;13o de sua vida. Reconhecer 0 outr~ como sujeito e reco-
nhecer que cada ser humano e capaz de encontrar e definir 0 seu
proprio rumo. 0 sentido da vida nao pode ser imposto ou colocado
pelo outr~. Cada urn deve construi-Io, valendo-se de suas mais
simples op<;oes do dia-a-dia.
A aceita<;13o do outr~ como ele se apresenta e a segunda con-
di<;13o previa para podermos construir uma rela<;80 humana. Reco-
nhecer 0 outr~ e aceitar 0 diferente na nossa vida. Isso s6 acon-
tece se somos capazes de abrir-nos ao novo, as novidades do
cotidiano. Se temos sempre a postura de impor a alguem 0 que
pensamos, muitas vezes determinando sua maneira de ser, nao
possuimos a abertura para acolher 0 diferente de n6s, a novidade
que esse outro possa trazer em uma rela<;80.
No dia-a-dia, na educa<;13o familiar, com as melhores inten-
<;oes, os pais muitas vezes querem obrigar que 0 filho, principal-
mente 0 adolescente, pense e aja de acordo com os seus valores.
83
Para abordar a especificidadf: da rela<;ao human a na pers-
pectiva fenomenologico-existencial, dividiremos nossa exposi-
<;130 em tres partes. Em primeiro lugar, vamos procurar refletir
sobre 0 que e uma rela<;13o humana e quais os elementos que
compoem uma rela<;13o tipicamente humana. Oai, surgira a dis-
cuss130 da intersubjetividade, vivenciada por meio do encontro
interpessoal, que e a caracteristica central da relaC;13o terapeuti-
ca na perspectiva existencial. Assim, 0 segundo momenta cons-
tituir-se-a na explicita<;13o das caracteristicas do que seja um
encontro interpessoal. Finalmente, abordaremos a especificida-
de da RT, mostrando quais as caracteristicas principais dessa
relaC;13o.
1 0 QUE E UMA RELACAO HUMANA?
A primeira questao que surge e a seguinte: 0 que caracteriza
uma rela<;13o humana? E possivel definirmos 0 que vema ser
uma relaC;ao humana? A reposta pode parecer simples, mas e
mais complexa do que podemos imaginar. 0 obvio nem sempre
e simples. De modo geral, uma rela<;13o humana, estabelecida
entre dois seres livres que buscam explicitar 0 especifico do ser
humano, pode ser definida como uma Iiga<;13o em que ocorra
uma troca de conteudos humanos e na qual a comunica<;ao en-
tre essas duas pessoas possibilita 0 desvelamento de significa-
dos colocados por ambas as partes.
Assim, para caracterizar, de forma bem explicita, 0 que vem
a ser uma rela<;13o humana, temos que responder a duas ques-
toes. A primeira e sobre as condi<;oes previas para que se possa
falar de uma rela<;13o humana. A segunda seria elencar e refletir
sobre os elementos estruturais da rela<;13o.
Como condi<;oes previas para que uma rela<;13o entre duas
pessoas possa ser compreendida como humana, podemos des-
tacar tres pontos.
82
o conhecimento do outro como sujeito. Cada um de nos e
dono de sua pr6pria vida, isto e, funda a pr6pria existencia e e res-
ponsavel pelos seus atos. Em palavras corriqueiras, dizemos que
e "dono do seu nariz". Ora, isso implica que devemos dar rumo a
nossa vida, e nao eo outro que devera ditar essa dire<;13o~Re
conhecer 0 outro como sujeito dos proprios atos significa que nao
somos n6s que devemos dizer ao outro 0 que ele deve fazer; pelo
contrario, toda a busca e a concretiza<;ao da dire<;ao de vida passa
pela capacidade de decisao de cada um de n6s.
Assim, uma mae deve ajudar 0 filho para que ele possa, ao
longo a vida, ir se desapegando e ser responsavel pel os seus
proprios atos .. Os pais n130 devem assumir a vida de seus filhos,
mas, sim, ajuda-Ios a que, pouco a pouco, encontrem 0 significado
e 0 sentido de seus atos e, dessa forma, construam a propria exis-
tencia. Muitas vezes, queremos palpitar na vida de nossos filhos,
esquecendo-nos de que 0 melhor e que eles por si s6s encontrem
a dire<;13o de sua vida. Reconhecer 0 outr~ como sujeito e reco-
nhecer que cada ser humanoe capaz de encontrar e definir 0 seu
proprio rumo. 0 sentido da vida nao pode ser imposto ou colocado
pelo outr~. Cada urn deve construi-Io, valendo-se de suas mais
simples op<;oes do dia-a-dia.
A aceita<;13o do outr~ como ele se apresenta e a segunda con-
di<;13o previa para podermos construir uma rela<;80 humana. Reco-
nhecer 0 outr~ e aceitar 0 diferente na nossa vida. Isso s6 acon-
tece se somos capazes de abrir-nos ao novo, as novidades do
cotidiano. Se temos sempre a postura de impor a alguem 0 que
pensamos, muitas vezes determinando sua maneira de ser, nao
possuimos a abertura para acolher 0 diferente de n6s, a novidade
que esse outro possa trazer em uma rela<;80.
No dia-a-dia, na educa<;13o familiar, com as melhores inten-
<;oes, os pais muitas vezes querem obrigar que 0 filho, principal-
mente 0 adolescente, pense e aja de acordo com os seus valores.
83
.. ,
Esquecem que 0 mundo esta em continuas transforma<;:oes, e que
algumas posturas diante da vida se modificam, porem nao aceitam
as transforma<;:oes. Um exemplo tipico sao as posi<;:oes dos jovens
com respeito a sexualidade. 0 fenomeno do "ficar" e tfpico da
epoca atual. Muitos pais criticam com preconceito esse fenomeno
contemporaneo, desprezando-o, sem ver como que 0 jovem vive
esse momento, isto e, a viv€mcia de sua sexualidade. Em outras
palavras, isso significa que os pais querem impor ao jovem a sua
maneira de viver a sexualidade, pr6pria de seu tempo. Assim, acei-
tar 0 outro como ele e implica profundo respeito por ele. A pessoa
pode n80 concordar com a pOSi<;:80 do outro, mas deve respeita-Ia
como diferente da sua. Como dissemos, aceitar 0 outro e respeitar
o diferente, mesmo que com isso nao consinta.
A terceira condi<;:80 previa para que possamos caracterizar uma
rela<;:80 humana e a percepg30 de que na rela<;:ao esteja presente
certa mobilizag80 dos afetos. A dimens80 afetiva e a responsavel
pela criag80 do vinculo entre duas pessoas, aspectos que vamos
analisar mais adiante. Toda representa<;:80 da realidade deve vir
acompanhada de um registro afetivo, isto e, de uma ressonancia
afetiva. Assim, a captag80 do outro envolve sempre um registro
de como o· outro esta sendo acolhido dentro de n6s, de como 0
estamos sentindo no nosso corag80. A esse movimento de sentir
o outro e que chamamos mobiliza<;8o dos afetos.
Quando somos criangas, expressamcs com mais naturalidade
essa "afetag80", visto sermos mais espontaneos. Com 0 passar
dos anos, vamos aprendendo que nem sempre podemos ex pres-
sar 0 que sentimos, e comegamos a esconder nossas emogoes e
nossos sentimentos. Numa relagao humana aut€mtica, e neces-
sario que percebamos quais os afetos que est80 circulando. Uma
relag80 humana sem registro afetivo nao e uma relagao humana,
e uma relag80 entre do is computadores, na qual a ressonancia do
outro nao faz parte da relag80. Mobilizag80 dos afetos e deixar que
84
o outro repercuta dentro de n6s, procurando compreender 0 que
esse movimento esta significando.
A segunda questao que nos ajudara a entender 0 que seja uma
relagao humana e explicitarmos os elementos estruturais da rela-
gao, que sao quatro, a saber: 0 encontro, 0 dialogo, a reciprocida-
de e 0 vinculo.
Nem toda relagao humana se da na forma do encontro. Este s6
sera possivel se urn dos sujeitos da rel~gao perceber, de maneira
clara e inequivoca, que esta diante de outro sujeito. 0 encontro
caracterizar-se-a como uma dialetica entre as pessoas que com-
poem a relag80, isto e, que pelo men os um dos participantes se
abra a experiencia do outro. Somente com base na disponibilidade
de aceitag80 e de respeito, aspectos aqui ja analisados, e que os
participantes podem vivenciar 0 encontro inter-humano.
o encontro e a experiencia em que, valendo-nos da relagao
com outro humano, aprendemos algo e crese;emos existencial-
mente. Ao Ion go da vida, podemos distinguir varios tip03 de en-
c~ntro, nos quais 0 elemento da percepgao do outro e do tipo de
resposta determinam a qualidade e a especificidade d::. encontro.
Entralgo (1988) desenvolve, de forma brilhante, no seu livro Teo-
ria y realidad del outro, essas caracteristicas que especificam 0
encontro.
o segundo elemento estrutural de uma relag80 humana e 0
dialogo. Este especifica 0 tipo de comunicag80 que se vincula en-
tre as pessoas que estabelecem 0 encontro, mas nem sempre um
encontro ou uma relag80 humana se fundamenta nele. 0 dialogo,
para acontecer, exige que um dos sujeitos esteja aberto ao que
o outro possa trazer para essa relag80. Podemos acolher 0 ou-
tro, mas, em vez de estarmos atentos ao que ele vai nos dizer,
acabamos impondo 0 nosso ponto de vista. Fundamentalmente
o dialogo tem como fruto uma posigao nova a partir do encontro.
Dialogar com alguem e estar aberto ao que esse tem a contribuir
na situag80 que se apresenta.
85
.. ,
Esquecem que 0 mundo esta em continuas transforma<;:oes, e que
algumas posturas diante da vida se modificam, porem nao aceitam
as transforma<;:oes. Um exemplo tipico sao as posi<;:oes dos jovens
com respeito a sexualidade. 0 fenomeno do "ficar" e tfpico da
epoca atual. Muitos pais criticam com preconceito esse fenomeno
contemporaneo, desprezando-o, sem ver como que 0 jovem vive
esse momento, isto e, a viv€mcia de sua sexualidade. Em outras
palavras, isso significa que os pais querem impor ao jovem a sua
maneira de viver a sexualidade, pr6pria de seu tempo. Assim, acei-
tar 0 outro como ele e implica profundo respeito por ele. A pessoa
pode n80 concordar com a pOSi<;:80 do outro, mas deve respeita-Ia
como diferente da sua. Como dissemos, aceitar 0 outro e respeitar
o diferente, mesmo que com isso nao consinta.
A terceira condi<;:80 previa para que possamos caracterizar uma
rela<;:80 humana e a percepg30 de que na rela<;:ao esteja presente
certa mobilizag80 dos afetos. A dimens80 afetiva e a responsavel
pela criag80 do vinculo entre duas pessoas, aspectos que vamos
analisar mais adiante. Toda representa<;:80 da realidade deve vir
acompanhada de um registro afetivo, isto e, de uma ressonancia
afetiva. Assim, a captag80 do outro envolve sempre um registro
de como o· outro esta sendo acolhido dentro de n6s, de como 0
estamos sentindo no nosso corag80. A esse movimento de sentir
o outro e que chamamos mobiliza<;8o dos afetos.
Quando somos criangas, expressamcs com mais naturalidade
essa "afetag80", visto sermos mais espontaneos. Com 0 passar
dos anos, vamos aprendendo que nem sempre podemos ex pres-
sar 0 que sentimos, e comegamos a esconder nossas emogoes e
nossos sentimentos. Numa relagao humana aut€mtica, e neces-
sario que percebamos quais os afetos que est80 circulando. Uma
relag80 humana sem registro afetivo nao e uma relagao humana,
e uma relag80 entre do is computadores, na qual a ressonancia do
outro nao faz parte da relag80. Mobilizag80 dos afetos e deixar que
84
o outro repercuta dentro de n6s, procurando compreender 0 que
esse movimento esta significando.
A segunda questao que nos ajudara a entender 0 que seja uma
relagao humana e explicitarmos os elementos estruturais da rela-
gao, que sao quatro, a saber: 0 encontro, 0 dialogo, a reciprocida-
de e 0 vinculo.
Nem toda relagao humana se da na forma do encontro. Este s6
sera possivel se urn dos sujeitos da rel~gao perceber, de maneira
clara e inequivoca, que esta diante de outro sujeito. 0 encontro
caracterizar-se-a como uma dialetica entre as pessoas que com-
poem a relag80, isto e, que pelo men os um dos participantes se
abra a experiencia do outro. Somente com base na disponibilidade
de aceitag80 e de respeito, aspectos aqui ja analisados, e que os
participantes podem vivenciar 0 encontro inter-humano.
o encontro e a experiencia em que, valendo-nos da relagao
com outro humano, aprendemos algo e crese;emos existencial-
mente. Ao Ion go da vida, podemos distinguir varios tip03 de en-
c~ntro, nos quais0 elemento da percepgao do outro e do tipo de
resposta determinam a qualidade e a especificidade d::. encontro.
Entralgo (1988) desenvolve, de forma brilhante, no seu livro Teo-
ria y realidad del outro, essas caracteristicas que especificam 0
encontro.
o segundo elemento estrutural de uma relag80 humana e 0
dialogo. Este especifica 0 tipo de comunicag80 que se vincula en-
tre as pessoas que estabelecem 0 encontro, mas nem sempre um
encontro ou uma relag80 humana se fundamenta nele. 0 dialogo,
para acontecer, exige que um dos sujeitos esteja aberto ao que
o outro possa trazer para essa relag80. Podemos acolher 0 ou-
tro, mas, em vez de estarmos atentos ao que ele vai nos dizer,
acabamos impondo 0 nosso ponto de vista. Fundamentalmente
o dialogo tem como fruto uma posigao nova a partir do encontro.
Dialogar com alguem e estar aberto ao que esse tem a contribuir
na situag80 que se apresenta.
85
· ,
Numa rela«ao familiar, dialogar com 0 filho e buscar um con-
senso entre a pr6pria posi«ao e a posi«ao as vezes conflitante do
outro. Um pai que entra em acordo com 0 filho sobre 0 que deve
ser feito no fim de semana, por exemplo, permite que se decida se
todos vaG viajar juntos, ou separados, para atender aos desejos de
cada um, 0 que deve ser fruto da conversa entre ambos e do acer-
to entre si. Nem 0 pai imp6e que todos devam viajar juntos, como
tambem 0 horario da viagem, nem 0 filho radicaliza que nao vai
viajar em momento algum. Pode ser que todos iraQ viajar, porem
cada um 0 fara em dias e horarios diferentes. Essa flexibilidade de
ambas as partes e que exemplifica 0 que seja 0 dialogo.
o terceiro elemento e a reciprocidade. Talvez possamos dizer
que ela seja a base para 0 dialogo, mas entendemos que recipro-
cidade em rela«ao com 0 outro nao e estarmos somente ao lado
desse ~Utro, mas sermos envolvidos por ele. Podemos estar junto
com 0 ~Utro, ao seu lado, como em um campo de futebol, sem
estarmos vivenciando a reciprocidade. Esta se expressa no mo-
mento que envolvemos e somos envolvidos.
Binswanger, querendo mostrar que a reciprocidade e algo es-
sencial na rela«80 e partindo das analises de Heidegger sobre 0
MITSEIN, isto e, 0 ser com 0 outro, cunhou uma expressao mais
significativa, ou seja, 0 termo MITEINANDERSEIN, que, numa tra-
du«ao ao pe da letra, significaria estar com 0 outro lado a lado. Ele
queria, porem, que isso significasse mais, isto e, mostrar que nao
basta estar ao lado do outro, mas e necessario entrar na intimi-
dade desse outro, participar da sua vida . A tradu«ao deveria ser
desta forma: ser-em-relac;8o-de-reciprocidade.
Assim, reciprocidade e participar da existencia do outro. N6s
nao s6 tomamos conhecimento da vida do outro, mas nos pre-
ocupamos com ele. Se isso for feito pelos dois componentes da
rela«80, temos a explicita«ao no mais alto grau do que seja entrar
em rela«ao com 0 outro. Viver em reciprocidade e estar sempre
86
!
1
:;
participando da vida do outro. Participar. porem, nao e dirigir a vida
desse outro. Um pai que participa da vida do filho e alguem que
sa be 0 que 0 filho esta fazendo e as vezes pondera com ele qual
o melhor caminho a seguir, mas nao dirige ou determina 0 que 0
ele deva ou nao fazer.
Se a reciprocidade for vivenciada na sua pura autenticidade,
ela gerara 0 vinculo, nosso quarto elemento estrutural da rela«ao
humana. 0 vinculo afetivo serve para sedimentar a rela«ao. E ele
que dara a qualidade dessa rela«ao, uma vez que a afetividade e
responsavel pela intensidade e pela qualidade do relacionamento.
Podemos dizer que a afetividade na vida psiquica e como 0 sal na
comida e "comida sem sal e comida sem gosto". Rela«ao humana
sem vinculo afetivo e como uma rela«8o entre duas maquinas, ob-
viamente sem sentimentos.
o filme frances "Rela«ao Pornografica" expressa, de forma
bem clara e nitida, 0 que e 0 surgimento do afeto dentro de uma
rela«ao e 0 vinculo que vai se estabelecendo entre os parceiros.
No inicio do filme, os dois protagonistas se encontram s6 para vi-
venciar suas fantasias sexuais. Com 0 tempo, e com a continui-
dade dos encontros, vai surgindo um sentimento que sedimenta a
liga«ao. Embora eles nao quisessem revelar os nomes nem saber
onde cada um morava, etc., 0 surgimento do sentimento vai crian-
do 0 vinculo que eles nao estavam querendo gerar, e lidar com
esse vinculo passa a ser profundamente problematico.
Por exemplo, na rela«ao com uma prostituta, nao se coloca a
questao do vinculo, porque 0 afeto geraria essa condi«ao, e isso
trair!a a natureza da rela«ao. E uma rela«ao que se prima por nao
se fundamentar em sentimentos, na afetividade. 0 que queremos
dizer e que 0 que caracterizaria uma rela«ao humana e 0 estabele-
cimento do vinculo como 0 elemento de liga«ao entre dois sujeitos.
A afetividade e a aspecto da vida humana que possibilita a vincu-
la«ao e a sedimenta«ao dessa entre os parceiros.
87
· ,
Numa rela«ao familiar, dialogar com 0 filho e buscar um con-
senso entre a pr6pria posi«ao e a posi«ao as vezes conflitante do
outro. Um pai que entra em acordo com 0 filho sobre 0 que deve
ser feito no fim de semana, por exemplo, permite que se decida se
todos vaG viajar juntos, ou separados, para atender aos desejos de
cada um, 0 que deve ser fruto da conversa entre ambos e do acer-
to entre si. Nem 0 pai imp6e que todos devam viajar juntos, como
tambem 0 horario da viagem, nem 0 filho radicaliza que nao vai
viajar em momento algum. Pode ser que todos iraQ viajar, porem
cada um 0 fara em dias e horarios diferentes. Essa flexibilidade de
ambas as partes e que exemplifica 0 que seja 0 dialogo.
o terceiro elemento e a reciprocidade. Talvez possamos dizer
que ela seja a base para 0 dialogo, mas entendemos que recipro-
cidade em rela«ao com 0 outro nao e estarmos somente ao lado
desse ~Utro, mas sermos envolvidos por ele. Podemos estar junto
com 0 ~Utro, ao seu lado, como em um campo de futebol, sem
estarmos vivenciando a reciprocidade. Esta se expressa no mo-
mento que envolvemos e somos envolvidos.
Binswanger, querendo mostrar que a reciprocidade e algo es-
sencial na rela«80 e partindo das analises de Heidegger sobre 0
MITSEIN, isto e, 0 ser com 0 outro, cunhou uma expressao mais
significativa, ou seja, 0 termo MITEINANDERSEIN, que, numa tra-
du«ao ao pe da letra, significaria estar com 0 outro lado a lado. Ele
queria, porem, que isso significasse mais, isto e, mostrar que nao
basta estar ao lado do outro, mas e necessario entrar na intimi-
dade desse outro, participar da sua vida . A tradu«ao deveria ser
desta forma: ser-em-relac;8o-de-reciprocidade.
Assim, reciprocidade e participar da existencia do outro. N6s
nao s6 tomamos conhecimento da vida do outro, mas nos pre-
ocupamos com ele. Se isso for feito pelos dois componentes da
rela«80, temos a explicita«ao no mais alto grau do que seja entrar
em rela«ao com 0 outro. Viver em reciprocidade e estar sempre
86
!
1
:;
participando da vida do outro. Participar. porem, nao e dirigir a vida
desse outro. Um pai que participa da vida do filho e alguem que
sa be 0 que 0 filho esta fazendo e as vezes pondera com ele qual
o melhor caminho a seguir, mas nao dirige ou determina 0 que 0
ele deva ou nao fazer.
Se a reciprocidade for vivenciada na sua pura autenticidade,
ela gerara 0 vinculo, nosso quarto elemento estrutural da rela«ao
humana. 0 vinculo afetivo serve para sedimentar a rela«ao. E ele
que dara a qualidade dessa rela«ao, uma vez que a afetividade e
responsavel pela intensidade e pela qualidade do relacionamento.
Podemos dizer que a afetividade na vida psiquica e como 0 sal na
comida e "comida sem sal e comida sem gosto". Rela«ao humana
sem vinculo afetivo e como uma rela«8o entre duas maquinas, ob-
viamente sem sentimentos.
o filme frances "Rela«ao Pornografica" expressa, de forma
bem clara e nitida, 0 que e 0 surgimento do afeto dentro de umarela«ao e 0 vinculo que vai se estabelecendo entre os parceiros.
No inicio do filme, os dois protagonistas se encontram s6 para vi-
venciar suas fantasias sexuais. Com 0 tempo, e com a continui-
dade dos encontros, vai surgindo um sentimento que sedimenta a
liga«ao. Embora eles nao quisessem revelar os nomes nem saber
onde cada um morava, etc., 0 surgimento do sentimento vai crian-
do 0 vinculo que eles nao estavam querendo gerar, e lidar com
esse vinculo passa a ser profundamente problematico.
Por exemplo, na rela«ao com uma prostituta, nao se coloca a
questao do vinculo, porque 0 afeto geraria essa condi«ao, e isso
trair!a a natureza da rela«ao. E uma rela«ao que se prima por nao
se fundamentar em sentimentos, na afetividade. 0 que queremos
dizer e que 0 que caracterizaria uma rela«ao humana e 0 estabele-
cimento do vinculo como 0 elemento de liga«ao entre dois sujeitos.
A afetividade e a aspecto da vida humana que possibilita a vincu-
la«ao e a sedimenta«ao dessa entre os parceiros.
87
2 A RELACAo INTERPESSOAL
Se num primeiro momenta analisamos 0 que constitui uma re-
la<;ao humana, temos que destacar que existem varias possibilida-
des existenciais e formas diferentes de se concretizar uma rela<;ao
humana. A questao que nos interessa, aqui, e saber se algumas
dessas formas de expressividade do encontro humano podem ser
compreendidas como uma rela<;ao terapeutica. Pois, 0 que nos
move agora e verificarmos se existe um tipo especial, uma forma
especifica que poderia ser pr6pria de uma RT.
Bucher (1989), em um dos capitulos de seu livro A psicoterapia
pe/a fa/a, analisa nove tipos de rela<;ao psicol6gica, destacando
que somente a rela<;ao de apoio e a rela<;ao interpessoal subjetiva
poderiam ser consideradas como rela<;6es terapeuticas. Sua ana-
lise pode ser entendida como uma fenomenologia das rela<;6es
psicol6gicas e terapeuticas, ja que origina (OU principia) da rela-
<;ao na qual a formalidade esta mais presente, indo ate 0 tipo de
rela<;ao em que 0 engajamento subjetivo e 0 elemento essencial.
Na perspectiva fenomenoI6gico-existencial, quanto maior for 0 en-
volvimento subjetivo de urn dos parceiros, isto e, do cliente, mais a
rela<;ao sera considerada terapeutica. Por outr~ lado, quanto maior
for 0 grau de formalidade, mais longe estaremos de uma rela<;ao
terapeutica. A rela<;ao medica, que nao entra em conteudos subje-
tivos e que s6 fique na analise da doen<;a com a respectiva prescri-
<;ao dos medicamentos, deve ser considerada uma rela<;ao formal
ou "cientffica".
Segundo 0 mesmo autor, uma rela<;ao pedag6gica construida
em cima de mera transmissao do conhecimento deve ser com-
preendida, tambem, como uma rela<;ao nao-subjetiva, visto que
ai nao se entra nas quest6es existenciais de qualquer membro
da diade, fixando-se somente na transmissao do saber. A rela<;ao
terapeutica devera por excelencia apoiar-se em conteudos subje-
tivos. Essa, sim, segundo Bucher (1989, p. 117), sera uma rela<;ao
88
psicoterapeutica propriamente dita, uma vez que "esquadrinha 0
material subjetivo do paciente" para ajuda-Io a tomar consciencia e
posse desse material e, logo, redirecionar a sua existencia.
Embora 0 conteudo subjetivo, aqui presente, seja s6 de um
dos membros da rela<;ao, caso haja troca em um mesmo'nivel'dos
conteudos subjetivos, teremos nao mais uma rela<;ao propriamen-
te psicoterapeutica, mas, em muitos casos, uma rela<;ao amorosa,
que pode ser terapeutica, mas nao em rela<;ao psicoterapica, com
as caracterfsticas que iremos desenvolver mais adiante. Falar dos
elementos tecnicos envolvidos numa rela<;ao pSicoterapica e tra-
tar de aspectos estrategicos e das tecnicas de interven<;ao, 0 que
foge um pouco de nossa reflexao, que e 56 a de explicitar a origi-
nalidade da rela<;ao terapeutica na perspectiva fenomenol6gico-
-existencial.
A pergunta que surge agora e: sera possivel encontrar na exis-
tencia alguma rela<;ao humana que possLla caracteristicas pr6prias
de uma rela<;ao psicoterapica? A nosso ver, a rela<;ao interpessoal
estrutu~ada entre a mae e 0 bebe pode nos ajudar a entender al-
gumas- das dimens6es necessarias, quando falarmos da rela<;ao
psicoterapica. A rela<;ao da mae com 0 seu bebe aponta para pos-
turas e vivencias muito pr6prias, porem muito semelhantes com 0
que se passa em uma rela<;ao psicoterapica.
Em primeiro lugar, na rela<;ao mae-bebe, a mae se caracte-
riza como 0 ambiente facilitador, pois e por meio da adapta<;ao
das necessidades do bebe que ela aparece como a facilitadora do
processo de amadurecimento que pertence a ele. "Ela e suficiente
boa porque atende, ao bebe, na medida exata das necessidades
deste, e nao de suas pr6prias necessidades, como, por exemplo,
a de ser boa ou muito boa" (DIAS, 2003, p. 133). Veja que a pers-
pectiva de Winnicott, ao falar do relacionamento dessa diade, e a
de que se "trata de "adapta<;ao a necessidade" e nao de satisfa<;ao
de desejos" (DIAS, 2003, p. 133). E toda uma perspectiva de aju-
89
2 A RELACAo INTERPESSOAL
Se num primeiro momenta analisamos 0 que constitui uma re-
la<;ao humana, temos que destacar que existem varias possibilida-
des existenciais e formas diferentes de se concretizar uma rela<;ao
humana. A questao que nos interessa, aqui, e saber se algumas
dessas formas de expressividade do encontro humano podem ser
compreendidas como uma rela<;ao terapeutica. Pois, 0 que nos
move agora e verificarmos se existe um tipo especial, uma forma
especifica que poderia ser pr6pria de uma RT.
Bucher (1989), em um dos capitulos de seu livro A psicoterapia
pe/a fa/a, analisa nove tipos de rela<;ao psicol6gica, destacando
que somente a rela<;ao de apoio e a rela<;ao interpessoal subjetiva
poderiam ser consideradas como rela<;6es terapeuticas. Sua ana-
lise pode ser entendida como uma fenomenologia das rela<;6es
psicol6gicas e terapeuticas, ja que origina (OU principia) da rela-
<;ao na qual a formalidade esta mais presente, indo ate 0 tipo de
rela<;ao em que 0 engajamento subjetivo e 0 elemento essencial.
Na perspectiva fenomenoI6gico-existencial, quanto maior for 0 en-
volvimento subjetivo de urn dos parceiros, isto e, do cliente, mais a
rela<;ao sera considerada terapeutica. Por outr~ lado, quanto maior
for 0 grau de formalidade, mais longe estaremos de uma rela<;ao
terapeutica. A rela<;ao medica, que nao entra em conteudos subje-
tivos e que s6 fique na analise da doen<;a com a respectiva prescri-
<;ao dos medicamentos, deve ser considerada uma rela<;ao formal
ou "cientffica".
Segundo 0 mesmo autor, uma rela<;ao pedag6gica construida
em cima de mera transmissao do conhecimento deve ser com-
preendida, tambem, como uma rela<;ao nao-subjetiva, visto que
ai nao se entra nas quest6es existenciais de qualquer membro
da diade, fixando-se somente na transmissao do saber. A rela<;ao
terapeutica devera por excelencia apoiar-se em conteudos subje-
tivos. Essa, sim, segundo Bucher (1989, p. 117), sera uma rela<;ao
88
psicoterapeutica propriamente dita, uma vez que "esquadrinha 0
material subjetivo do paciente" para ajuda-Io a tomar consciencia e
posse desse material e, logo, redirecionar a sua existencia.
Embora 0 conteudo subjetivo, aqui presente, seja s6 de um
dos membros da rela<;ao, caso haja troca em um mesmo'nivel'dos
conteudos subjetivos, teremos nao mais uma rela<;ao propriamen-
te psicoterapeutica, mas, em muitos casos, uma rela<;ao amorosa,
que pode ser terapeutica, mas nao em rela<;ao psicoterapica, com
as caracterfsticas que iremos desenvolver mais adiante. Falar dos
elementos tecnicos envolvidos numa rela<;ao pSicoterapica e tra-
tar de aspectos estrategicos e das tecnicas de interven<;ao, 0 que
foge um pouco de nossa reflexao, que e 56 a de explicitar a origi-
nalidade da rela<;ao terapeutica na perspectiva fenomenol6gico-
-existencial.
A pergunta que surge agora e: sera possivel encontrar na exis-
tencia algumarela<;ao humana que possLla caracteristicas pr6prias
de uma rela<;ao psicoterapica? A nosso ver, a rela<;ao interpessoal
estrutu~ada entre a mae e 0 bebe pode nos ajudar a entender al-
gumas- das dimens6es necessarias, quando falarmos da rela<;ao
psicoterapica. A rela<;ao da mae com 0 seu bebe aponta para pos-
turas e vivencias muito pr6prias, porem muito semelhantes com 0
que se passa em uma rela<;ao psicoterapica.
Em primeiro lugar, na rela<;ao mae-bebe, a mae se caracte-
riza como 0 ambiente facilitador, pois e por meio da adapta<;ao
das necessidades do bebe que ela aparece como a facilitadora do
processo de amadurecimento que pertence a ele. "Ela e suficiente
boa porque atende, ao bebe, na medida exata das necessidades
deste, e nao de suas pr6prias necessidades, como, por exemplo,
a de ser boa ou muito boa" (DIAS, 2003, p. 133). Veja que a pers-
pectiva de Winnicott, ao falar do relacionamento dessa diade, e a
de que se "trata de "adapta<;ao a necessidade" e nao de satisfa<;ao
de desejos" (DIAS, 2003, p. 133). E toda uma perspectiva de aju-
89
dar 0 outro a encontrar 0 seu rumo, e nao a perspectiva de que 0
outr~ e objeto de satisfac;ao do nosso desejo. Diriamos que a mae
coloca a servic;o do desenvolvimento do bebe sua pessoalidade e
sua existencia.
De modo semelhante, podemos dizer que 0 terapeuta tambem
se posta para servir 0 c1iente, no sentido de que vai dispor de toda
a sua inteligencia e de toda a sua preparac;ao profissional para
ajuda-Io a se encontrar no seu modo de ser. A rr.ae, que simboli-
za 0 ambiente, adapta-se as necessidades do bebe. 0 terapeuta
tambem se adapta as demandas do cliente, ja que e ele, terapeu-
ta, 0 ambiente facilitador.
Winnicott expressa que a "mae suficiente boa torna a adapta-
c;ao cada vez menos absoluta e, desse modo, permite que ele, gra-
dualmente, caminhe na direc;ao da dependencia relativa ... " (DIAS,
2003, p. 137). Ora, podemos dizer que 0 papel do terapeuta e
muito semelhante, visto que, no processo de ajuda psicol6gica, ele
vai, pouco a pouco, permitindo que 0 cliente, no seu processo de
crescimento e amadurecimento, cada vez menos dependa dele e
seja capaz de "caminhar com as pr6prias pernas".
Evidentemente que, para 0 desenvolvimento do processo de
crescimento, temos de ter um ponto de partida seguro. Esse e
semelhante tanto para 0 bebe como para 0 cliente em processo
terapeutico. Tal porto segura para ambos e a experiencia da con-
fianc;a. Fica, portanto, a pergunta de como se constr6i esse ponto
de partida.
No inicio, a atitude necessaria para que a mae instaure a sua
postura de adaptac;ao e desenvolvendo a atitude de acolhimen-
to. Acolher e aceitar 0 outr~ do jeito que ele e, mas aqui e mais
radical, ja que acolher as necessidades do bebe e inclinar-se as
suas demandas. No caso de psicoterapias, a situayao e muito se-
melhante, uma vez que 0 terapeuta, no primeiro momento, acolhe
as necessidades do c1iente. Isso e muito significativo no sentido
90
de que, se 0 bebe sera afetado pelo tipo de cuidado que recebe,
o c1iente tambem sera afetado pela forma com que sera recebido
pelo psicoterapeuta. Quanto mais espontaneo for 0 acolhimento,
maior impacto tera no processo de transformayao.
Assim, acolher nao e somente, nesse inicio de terapia; aceitar
o outr~ como ele e, mas, mais do que isso, e adaptar-se as ne-
cessidades apresentadas pelo ser humano que sofre, e nao sabe
como lidar com esse sofrimento. Em termos simples, acolher a
queixa do c1iente e saber explorar ao maximo 0 motive da con-
sulta. Ao mesmo tempo, porem, e deixar 0 c1iente dizer 0 que ele
quer dizer, e nao 0 que desejamos que ele diga. Isso se faz por
meio de perguntas abertas, e nao pelo desenvolvimento de uma
anamnesia.
o segundo movimento para a instaurac;ao de uma relayao in-
terpessoal e possibilitar 0 surgimento do vinculo. No caso do bebe,
e fundamental que a mae seja extremamente sensivel as necessi-
dades dale De modo semelhante, 0 terapeuta e alguem que gosta
de atender ao cliente, escutando a sua queixa, e alguem que tem
grande sensibilidade para 0 humano. Estara, pois, ligado nas de-
mandas desse cliente.
Esse vinculo e 0 elemento que podera desencadear 0 pro-
cesso de harmonia na relayao. Queremos dizer que, tanto para
o desenvolvimento emocional do bebe como para 0 crescimento
existencial do cliente, a qualidade do vinculo e fundamental. Quan-
to mais 0 vinculo for estruturado, mais seguranya sentira 0 bebe
no seu caminhar rumo a autonomia, e 0 cliente, na busca de sua
liberdade. A qualidade do vinculo e responsavel pela qualidade da
relayao, na medida em que ele fortalece a Iigayao entre os dois p6-
los. Quanto mais s61ido e 0 vinculo afetivo, mais a relayao tende a
perdurar, permitindo ao lade mais fragil fortalecer-se. Por exemplo,
numa relayao amorosa, quanto mais forte for 0 vinculo gerado pela
afetividade, 0 sentimento de amor, mais chances tem a relayao de
91
dar 0 outro a encontrar 0 seu rumo, e nao a perspectiva de que 0
outr~ e objeto de satisfac;ao do nosso desejo. Diriamos que a mae
coloca a servic;o do desenvolvimento do bebe sua pessoalidade e
sua existencia.
De modo semelhante, podemos dizer que 0 terapeuta tambem
se posta para servir 0 c1iente, no sentido de que vai dispor de toda
a sua inteligencia e de toda a sua preparac;ao profissional para
ajuda-Io a se encontrar no seu modo de ser. A rr.ae, que simboli-
za 0 ambiente, adapta-se as necessidades do bebe. 0 terapeuta
tambem se adapta as demandas do cliente, ja que e ele, terapeu-
ta, 0 ambiente facilitador.
Winnicott expressa que a "mae suficiente boa torna a adapta-
c;ao cada vez menos absoluta e, desse modo, permite que ele, gra-
dualmente, caminhe na direc;ao da dependencia relativa ... " (DIAS,
2003, p. 137). Ora, podemos dizer que 0 papel do terapeuta e
muito semelhante, visto que, no processo de ajuda psicol6gica, ele
vai, pouco a pouco, permitindo que 0 cliente, no seu processo de
crescimento e amadurecimento, cada vez menos dependa dele e
seja capaz de "caminhar com as pr6prias pernas".
Evidentemente que, para 0 desenvolvimento do processo de
crescimento, temos de ter um ponto de partida seguro. Esse e
semelhante tanto para 0 bebe como para 0 cliente em processo
terapeutico. Tal porto segura para ambos e a experiencia da con-
fianc;a. Fica, portanto, a pergunta de como se constr6i esse ponto
de partida.
No inicio, a atitude necessaria para que a mae instaure a sua
postura de adaptac;ao e desenvolvendo a atitude de acolhimen-
to. Acolher e aceitar 0 outr~ do jeito que ele e, mas aqui e mais
radical, ja que acolher as necessidades do bebe e inclinar-se as
suas demandas. No caso de psicoterapias, a situayao e muito se-
melhante, uma vez que 0 terapeuta, no primeiro momento, acolhe
as necessidades do c1iente. Isso e muito significativo no sentido
90
de que, se 0 bebe sera afetado pelo tipo de cuidado que recebe,
o c1iente tambem sera afetado pela forma com que sera recebido
pelo psicoterapeuta. Quanto mais espontaneo for 0 acolhimento,
maior impacto tera no processo de transformayao.
Assim, acolher nao e somente, nesse inicio de terapia; aceitar
o outr~ como ele e, mas, mais do que isso, e adaptar-se as ne-
cessidades apresentadas pelo ser humano que sofre, e nao sabe
como lidar com esse sofrimento. Em termos simples, acolher a
queixa do c1iente e saber explorar ao maximo 0 motive da con-
sulta. Ao mesmo tempo, porem, e deixar 0 c1iente dizer 0 que ele
quer dizer, e nao 0 que desejamos que ele diga. Isso se faz por
meio de perguntas abertas, e nao pelo desenvolvimento de uma
anamnesia.
o segundo movimento para a instaurac;ao de uma relayao in-
terpessoal e possibilitar 0 surgimento do vinculo. No caso do bebe,
e fundamental que a mae seja extremamente sensivel as necessi-
dades dale De modo semelhante, 0 terapeuta e alguem que gosta
de atender ao cliente, escutandoa sua queixa, e alguem que tem
grande sensibilidade para 0 humano. Estara, pois, ligado nas de-
mandas desse cliente.
Esse vinculo e 0 elemento que podera desencadear 0 pro-
cesso de harmonia na relayao. Queremos dizer que, tanto para
o desenvolvimento emocional do bebe como para 0 crescimento
existencial do cliente, a qualidade do vinculo e fundamental. Quan-
to mais 0 vinculo for estruturado, mais seguranya sentira 0 bebe
no seu caminhar rumo a autonomia, e 0 cliente, na busca de sua
liberdade. A qualidade do vinculo e responsavel pela qualidade da
relayao, na medida em que ele fortalece a Iigayao entre os dois p6-
los. Quanto mais s61ido e 0 vinculo afetivo, mais a relayao tende a
perdurar, permitindo ao lade mais fragil fortalecer-se. Por exemplo,
numa relayao amorosa, quanto mais forte for 0 vinculo gerado pela
afetividade, 0 sentimento de amor, mais chances tem a relayao de
91
I
I
I -
sobreviver as dificuldades da vida e aos obstaculos do cotidiano.
o sentimento amoroso e a pedra angular para a sedimentac;ao de
uma relaC;ao, seja ela de mae e filho, seja de marido e mulher, seja
do terapeuta e de seu cliente.
Esses dois elementos, 0 acolhimento e 0 estabelecimento do
vinculo afetivo, ajudam 0 aparecimento do terceiro elemento que
surge na interaC;ao interpessoal e que sera a base para todas as
outras formas de relac;ao: a experiencia da confianc;a.
Essa experiencia que acontece no inicio da vida da crianc;a
e a base para toda as outras relac;oes, uma vez que, justamente
quando 0 bebe vivencia a confianc;a, ele esta tendo 0 ponto de
apoio para 0 desenvolvimento de sua vida emocional. Isso e tao
significativ~ para 0 be be que, quando ele passa por essa experi-
encia, ele se sente relaxado diante da mae. A experiencia de que
podemos confiar em alguem, de que esse quer 0 nosso bem e faz
tudo para que isso acontec;a, coloca-nos num estado de descon-
trac;ao e de despreocupac;ao com a vida. Essa e a vivencia de um
bebe diante de sua mae extre~amente dedicada.
Na psicoterapia, talvez a grande conquista do terapeuta seja
proporcionar ao seu cliente uma experiencia de confianc;a, ja que,
com base nessa experiencia, 0 processo terapeutico pode se colo-
car em marcha. Evidentemente que, muitas vezes, alguns clientes
ja chegam para a terapia com esse sentimento. Podemos revelar
os nossos segredos a pessoa que esta diante de n6s, como muitas
vezes os pacientes fazem com os seus medicos, mas a experien-
cia de confianc;a sera construida na r8la~ao que se inicia. Se ela
foi bem vivid a na infancia, possibilitara que a relac;ao do terapeuta
com 0 cliente seja construida mais rapidamente e ajude 0 proces-
so terapeutico a ser instaurado. Aqueles que nao vivenciaram isso
na infancia terao mais dificuldades de se soltar, e a primeira con-
quista da terapia sera a construc;ao da confianc;a. Um sinal de que
ela esta na base do processo e quando 0 paciente, por meio de
92
I
/
I
sua postura corporal, da mostras de que esta relaxado, tratando
de seus problemas, ou quando, com 0 passar do tempo, 0 cliente
fala sem resistencia.
o que dizemos ate agora foi que esses elementos analisados
nos permitem constatar que a relac;ao construida entre 0 tera-
peuta e 0 seu cliente possibilitara uma experiencia intersubjetiva,
com trocas de conteudos subjetivos. Agora, a questao e saber em
que tipo de espac;o essa relac;ao se efetiva. Sera no espac;o inter-
-humano, que e m,uito mais amplo que a dimensao psicol6gica ge-
radora do espac;o intrapsiquico? Da mesma maneira que para 0
bebe 0 "ambito onde se da 0 amadurecimento nao e um espac;o
intrapsiquico, mas inter-humano, um entre a mae e 0 bebe" (DIAS,
2003, p. 131), reforc;amos que 0 espac;o da relac;ao terapeuta-
-cliente sera tambem 0 inter-humano, um espac;o construido para a
troca de conteudos subjetivos. A dimensao psicol6gica faz parte da
interac;ao, visto que e 0 espac;:o inter-humano que abarca 0 psico-
16gico. Assim, pod em os dizer que e esse espac;o que possibilita a
experiencia de estar-no-mundo-com-os-outros. Nao se pode isolar
o individual do contexte intersubjetivo. A psicoterapia fenomeno-
16gico-existencial privilegia a constru<;:ao do espac;o inter-humano
em detrimento do espac;o intrapsiquico, as vezes valorizado por
outras abordagens. Essa oosic;ao, porem, nao significa que haja
uma negaC;ao do espac;o intrapsiquico, s6 que nao e ele 0 priorita-
rio para que 0 cliente encontre seu processo de desenvolvimento.
3 A ESPECIFICIDADE DA RELACAO TERAPEUTICA
Depois de apresentarmos uma reflexao sobre 0 que vem a ser
uma relac;ao e os principais elementos de uma relac;ao interpesso-
ai, destacando que uma relac;ao psicoterapeutica tem de possuir
essas caracteristicas, nessa terceira parte, explicitaremos as ca-
racteristicas da relac;ao psicoterapeutica. Para isso, abordaremos
dois aspetos: as dimensoes psicol6gicas da relac;ao terapeutica e
93
I
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I -
sobreviver as dificuldades da vida e aos obstaculos do cotidiano.
o sentimento amoroso e a pedra angular para a sedimentac;ao de
uma relaC;ao, seja ela de mae e filho, seja de marido e mulher, seja
do terapeuta e de seu cliente.
Esses dois elementos, 0 acolhimento e 0 estabelecimento do
vinculo afetivo, ajudam 0 aparecimento do terceiro elemento que
surge na interaC;ao interpessoal e que sera a base para todas as
outras formas de relac;ao: a experiencia da confianc;a.
Essa experiencia que acontece no inicio da vida da crianc;a
e a base para toda as outras relac;oes, uma vez que, justamente
quando 0 bebe vivencia a confianc;a, ele esta tendo 0 ponto de
apoio para 0 desenvolvimento de sua vida emocional. Isso e tao
significativ~ para 0 be be que, quando ele passa por essa experi-
encia, ele se sente relaxado diante da mae. A experiencia de que
podemos confiar em alguem, de que esse quer 0 nosso bem e faz
tudo para que isso acontec;a, coloca-nos num estado de descon-
trac;ao e de despreocupac;ao com a vida. Essa e a vivencia de um
bebe diante de sua mae extre~amente dedicada.
Na psicoterapia, talvez a grande conquista do terapeuta seja
proporcionar ao seu cliente uma experiencia de confianc;a, ja que,
com base nessa experiencia, 0 processo terapeutico pode se colo-
car em marcha. Evidentemente que, muitas vezes, alguns clientes
ja chegam para a terapia com esse sentimento. Podemos revelar
os nossos segredos a pessoa que esta diante de n6s, como muitas
vezes os pacientes fazem com os seus medicos, mas a experien-
cia de confianc;a sera construida na r8la~ao que se inicia. Se ela
foi bem vivid a na infancia, possibilitara que a relac;ao do terapeuta
com 0 cliente seja construida mais rapidamente e ajude 0 proces-
so terapeutico a ser instaurado. Aqueles que nao vivenciaram isso
na infancia terao mais dificuldades de se soltar, e a primeira con-
quista da terapia sera a construc;ao da confianc;a. Um sinal de que
ela esta na base do processo e quando 0 paciente, por meio de
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sua postura corporal, da mostras de que esta relaxado, tratando
de seus problemas, ou quando, com 0 passar do tempo, 0 cliente
fala sem resistencia.
o que dizemos ate agora foi que esses elementos analisados
nos permitem constatar que a relac;ao construida entre 0 tera-
peuta e 0 seu cliente possibilitara uma experiencia intersubjetiva,
com trocas de conteudos subjetivos. Agora, a questao e saber em
que tipo de espac;o essa relac;ao se efetiva. Sera no espac;o inter-
-humano, que e m,uito mais amplo que a dimensao psicol6gica ge-
radora do espac;o intrapsiquico? Da mesma maneira que para 0
bebe 0 "ambito onde se da 0 amadurecimento nao e um espac;o
intrapsiquico, mas inter-humano, um entre a mae e 0 bebe" (DIAS,
2003, p. 131), reforc;amos que 0 espac;o da relac;ao terapeuta-
-cliente sera tambem 0 inter-humano, um espac;o construido para a
troca de conteudos subjetivos. A dimensao psicol6gica faz parte da
interac;ao,visto que e 0 espac;:o inter-humano que abarca 0 psico-
16gico. Assim, pod em os dizer que e esse espac;o que possibilita a
experiencia de estar-no-mundo-com-os-outros. Nao se pode isolar
o individual do contexte intersubjetivo. A psicoterapia fenomeno-
16gico-existencial privilegia a constru<;:ao do espac;o inter-humano
em detrimento do espac;o intrapsiquico, as vezes valorizado por
outras abordagens. Essa oosic;ao, porem, nao significa que haja
uma negaC;ao do espac;o intrapsiquico, s6 que nao e ele 0 priorita-
rio para que 0 cliente encontre seu processo de desenvolvimento.
3 A ESPECIFICIDADE DA RELACAO TERAPEUTICA
Depois de apresentarmos uma reflexao sobre 0 que vem a ser
uma relac;ao e os principais elementos de uma relac;ao interpesso-
ai, destacando que uma relac;ao psicoterapeutica tem de possuir
essas caracteristicas, nessa terceira parte, explicitaremos as ca-
racteristicas da relac;ao psicoterapeutica. Para isso, abordaremos
dois aspetos: as dimensoes psicol6gicas da relac;ao terapeutica e
93
os pressupostos para 0 desenvolvimento de uma relac;:ao psicote-
rapeutica.
3.1 DIMENSOES PSICOLOG!CAS DA RELACAO
TERAPEUTICA
Poderiamos enumerar varios aspectos psicol6gicos em jogo
na relac;:ao terapeutica, contudo nos interessa abordar so os mais
significativos. 0 primeiro deles e 0 que Bucher (1989) chama de
dimensao da temporalidade. Com isso, ele quer dizer que a pers-
pectiva do rompimento esta presente desde 0 inicio da terapia. 0
cliente, ao se engajar em uma relac;:ao terapeutica, sabe que um
dia essa acabara, diferentemente de uma relac;:ao amorosa. Em-
bora uma relac;:ao amorosa possa acabar, ninguem a comec;:a ima-
ginando quando isso ocorrera. Na relac;:ao terapeutica, as vezes na
psicoterapia breve, ja sabemos de antemao quando a relac;:ao fin-
dara. Esse aspecto de transitoriedade apontado por Bucher (~989,
p. 128) influencia toda a dinamica da terapia: Pode as vezes ser
positiv~ na perspectiva que leva 0 cliente a um engajamento maior,
ja que ele percebe que tem pouco tempo para tratar suas questoes
existenciais, ou pode tambem gerar um momenta de nao-compro-
misso mais radical. Do lado do terapeuta, essa perspectiva pode
gerar certo acomodamento. Assim, os do is deverao ter presentes,
e nao querer minimizar a perspectiva do rompimento, porque essa
"pode incomodar a perda de investimentos afetivos carregados e
gratificantes" (BUCHER, 1989, p. 128).
o rompimento e algo essencial na perspectiva terapeutica, uma
vez que se espera do cliente que um dia ele nao fac;:a mais usa do
auxilio do terapeuta. Dizemos que a terapia e uma muleta que um
dia 0 cliente jogara fora, isto e, quando conseguir "andar com as
proprias pernas"e vamos ajudar 0 cliente a caminhar na direc;:ao da
independencia, 0 rompimento sera essencial para 0 levantar vao.
94
Outra origin<=llidac!e da relac;ao psicoterapeutica P. que 0 envol-
vimento da esfera da subjetividade e diferente. 0 cliente tem por
meta revelar tudo 0 que se passa na sua subjetividade, todas as
questoes que 0 fazem sofrer. Nao deve ter receio de explicitar todo
o seu conteudo subjetivo para 0 terapeuta. Alias, quanto maior ·for
o envolvimento de sua subjetividade, mais chance ele tem de en-
trar num processo de crescimento. Por outr~ lado, 0 terapeuta nao
deve falar para 0 cliente de suas questoes ou interrogac;:oes pesso-
ais. 0 cliente nao pode fiear a par dos problemas e dos conflitos de
seu terapeL!ta. Assim, a abertura da subjetividade do cliente deve
ser total, ao passe que a do terapeuta e extrema mente limitada;
ele nao deve revelar ao seu paciente nada da sua vida privada.
Isso implica que a relac;:ao terapeutica e assimetriea. Ja 0 nivel de
comprometimento de eonteudos pessoais e radical mente oposto.
Dessa forma, na medida em que a assimetria diminui, a carac-
teristica da relac;:ao terapeutica desapareee. 0 easo e diferente em
uma relac;:ao amorosa, em que a simetria deve ser buscada, uma
vez que, quanta mais envolvimento subjetivo houver de ambas as
partes, mais transparente e mais saud~vel sera essa relac;:ao. Na
relac;:ao amorosa, quanto mais existir assimetria, mais a relac;:ao
pode ser dita "capenga". Aqui, nao. A assimetria e condic;:ao para 0
bom desenvolvimento da terapia.
A terceira dimensao psicologica da relac;:ao terapeutiea e 0 que
Bucher denornina a dimensao do conteudo psico/6gico (BUCHER,
1989, p. 130,). E extremamente importante para 0 bom funciona-
mento de uma terapia que 0 eonteudo psicologico aparec;:a com
abundancia. Numa relac;:ao formal e as vezes dita estritamente
profissional, as pessoas nao revelam conteudos psicologicos (os
medos, os sentimentos de amor ou odio, etc.), ja que nao cabe no
trabalho falar de suas angustias, antes, pelo contrario, deve ser 0
mais objetivo e eficiente possivel. Esse talvez seja um grande pro-
blema do mundo atual, que reduz cada vez mais os espac;:os para
95
os pressupostos para 0 desenvolvimento de uma relac;:ao psicote-
rapeutica.
3.1 DIMENSOES PSICOLOG!CAS DA RELACAO
TERAPEUTICA
Poderiamos enumerar varios aspectos psicol6gicos em jogo
na relac;:ao terapeutica, contudo nos interessa abordar so os mais
significativos. 0 primeiro deles e 0 que Bucher (1989) chama de
dimensao da temporalidade. Com isso, ele quer dizer que a pers-
pectiva do rompimento esta presente desde 0 inicio da terapia. 0
cliente, ao se engajar em uma relac;:ao terapeutica, sabe que um
dia essa acabara, diferentemente de uma relac;:ao amorosa. Em-
bora uma relac;:ao amorosa possa acabar, ninguem a comec;:a ima-
ginando quando isso ocorrera. Na relac;:ao terapeutica, as vezes na
psicoterapia breve, ja sabemos de antemao quando a relac;:ao fin-
dara. Esse aspecto de transitoriedade apontado por Bucher (~989,
p. 128) influencia toda a dinamica da terapia: Pode as vezes ser
positiv~ na perspectiva que leva 0 cliente a um engajamento maior,
ja que ele percebe que tem pouco tempo para tratar suas questoes
existenciais, ou pode tambem gerar um momenta de nao-compro-
misso mais radical. Do lado do terapeuta, essa perspectiva pode
gerar certo acomodamento. Assim, os do is deverao ter presentes,
e nao querer minimizar a perspectiva do rompimento, porque essa
"pode incomodar a perda de investimentos afetivos carregados e
gratificantes" (BUCHER, 1989, p. 128).
o rompimento e algo essencial na perspectiva terapeutica, uma
vez que se espera do cliente que um dia ele nao fac;:a mais usa do
auxilio do terapeuta. Dizemos que a terapia e uma muleta que um
dia 0 cliente jogara fora, isto e, quando conseguir "andar com as
proprias pernas"e vamos ajudar 0 cliente a caminhar na direc;:ao da
independencia, 0 rompimento sera essencial para 0 levantar vao.
94
Outra origin<=llidac!e da relac;ao psicoterapeutica P. que 0 envol-
vimento da esfera da subjetividade e diferente. 0 cliente tem por
meta revelar tudo 0 que se passa na sua subjetividade, todas as
questoes que 0 fazem sofrer. Nao deve ter receio de explicitar todo
o seu conteudo subjetivo para 0 terapeuta. Alias, quanto maior ·for
o envolvimento de sua subjetividade, mais chance ele tem de en-
trar num processo de crescimento. Por outr~ lado, 0 terapeuta nao
deve falar para 0 cliente de suas questoes ou interrogac;:oes pesso-
ais. 0 cliente nao pode fiear a par dos problemas e dos conflitos de
seu terapeL!ta. Assim, a abertura da subjetividade do cliente deve
ser total, ao passe que a do terapeuta e extrema mente limitada;
ele nao deve revelar ao seu paciente nada da sua vida privada.
Isso implica que a relac;:ao terapeutica e assimetriea. Ja 0 nivel de
comprometimento de eonteudos pessoais e radical mente oposto.
Dessa forma, na medida em que a assimetria diminui, a carac-
teristica da relac;:ao terapeutica desapareee. 0 easo e diferente em
uma relac;:ao amorosa, em que a simetria deve ser buscada, uma
vez que, quanta mais envolvimento subjetivo houver deambas as
partes, mais transparente e mais saud~vel sera essa relac;:ao. Na
relac;:ao amorosa, quanto mais existir assimetria, mais a relac;:ao
pode ser dita "capenga". Aqui, nao. A assimetria e condic;:ao para 0
bom desenvolvimento da terapia.
A terceira dimensao psicologica da relac;:ao terapeutiea e 0 que
Bucher denornina a dimensao do conteudo psico/6gico (BUCHER,
1989, p. 130,). E extremamente importante para 0 bom funciona-
mento de uma terapia que 0 eonteudo psicologico aparec;:a com
abundancia. Numa relac;:ao formal e as vezes dita estritamente
profissional, as pessoas nao revelam conteudos psicologicos (os
medos, os sentimentos de amor ou odio, etc.), ja que nao cabe no
trabalho falar de suas angustias, antes, pelo contrario, deve ser 0
mais objetivo e eficiente possivel. Esse talvez seja um grande pro-
blema do mundo atual, que reduz cada vez mais os espac;:os para
95
. >
as pessoas f~larem 0 que sentem. Isso nos leva ao isolamento e
a busca de espa<;os onde podemos expressar nossos dilemas e
conflitos. A rela<;ao terapeutica e 0 lugar por excelencia para essas
quest6es. Assim, quanta menos envolvimento em ambito psicolo-
gico, mais formal sera a rela<;ao.
o que difere, as vezes, nas diversas abordagens terapeuticas
e que algumas buscam trabalhar os conteudos psicologicos atuais,
ao passo que outras dao mais valor ou enfase aos conteudos do
passado. Nao importa; 0 que tem de estar presente sao os confli-
tos e dilemas do cliente, para que, ao longo do processo, ele possa
ter uma nova luz sobre suas quest6es existef1ciais. Trabalhar os
conteudos psicologicos e a tarefa primordial de um psicoterapeuta.
Com isso, queremos dizer que esse profissional, com toda a sua
forma((ao, ajuda 0 cliente a elaborar suas quest6es, isto e, a traba-
Ihar a sua problematica.
3.2 PRESSUPOSTOS PARA 0 DESENVOLVIMENTO DA
RELACAo PSICOLOGICA
Alem das dimens6es psicol6gicas que caracterizam uma rela-
((ao terapeutica, algumas posturas serao necessarias para 0 de-
senvolvimento da rela((ao. Isso quer dizer que tanto 0 terapeuta
como 0 cliente devem "trabalhar" algumas posturas para que esse
tipo de rela((ao se estruture.
Um primeiro pressuposto e a humildade para 0 novo que vai
surgir no espa<;o inter-humano. Esse pressuposto deve ser busca-
do pelos dois participantes da rela((ao, isto e, pelo terapeuta, que
vai adentrar a problematica singular do paciente, e pelo cliente,
que, ao falar sobre suas angustias, estara entrando em contato
com algo novo. Tudo 0 que aflora da rela((ao e algo produzido nes-
se espa((o espedfico, fruto do encontro das pessoas.
o terapeuta, embora esteja escutando algo, como, por exem-
plo, a angustia de morte narrada pelo seu cliente, deve demonstrar,
96
I
I
!
nesse momento, ser novidade a narrativa, mesmo que ja tenha
ouvido isso de outro paciente, porque a mem6ria singular de viver
a angustia de morte e propria daquele cliente e de mais ninguem. A
postura de humildade para com 0 novo e, por parte do terapeuta, a
sua abertura a experiencia pessoal daquele cliente que·esta asua
frente. Buscar a compreensao especftica daquele problema e es-
tar atento para algo deferente, ja que as variaveis da narrativa sao
unicas e intransferfveis. Abrir-se para 0 novo e tentar compreender
a especificidade daquela problematica.
Para 0 cliente, a humildade para 0 novo e deixar rt~percutir
para si mesmo 0 que acaba de verbalizar, ja que, cada vez que fala
de algo, vivencia a questao naquele momento. Estarmos atentos
ao que esta se passando conosco, no momenta que estamos nar-
rando a situa((ao, e mostrarmos abertura para a novidade.
Outro pressuposto que deve ser mais desenvolvido pelo tera-
peuta e a postura de respeito para com a questao que 0 paciente
esta trazendo. Muitas vezes, uma coloca<;ao de um problema pode
parecer simples e banal, so que, para 0 cliente em questao, aquele
problema e 0 tormento de sua vida. Por exemplo, voce, t~rapeuta,
ja trabalhou ao longo de sua vida a capacidade de dizer nao dian-
te de uma situa<;ao que nao Ihe agrada, mas 0 cliente nao sabe
dizer nao, mesmo quando ele nao esta a fim de fazer aquilo que
Ihe pedem. Portanto, respeito implica acolher com toda a aten((ao
a narrativa que 0 cliente esta colocando naquele momento.
Respeito tambem pode se manifestar numa situa<;ao terapeu-
tica, como a atitude de nao interromper a narrativa do cliente, uma
vez que e necessario dispensar aten((ao a todo 0 desenrolar da ex-
posi<;ao do paciente. E primordial que tenhamos a maxima consi-
dera((ao ao fluxo pulsante da narrativa da pessoa. Estarmos aten-
tos ao ritmo e estarmos sintonizados com a realidade apresentada
pelo paciente. E a melhor maneira de compreender a problematlca
do outro e respeitar a cadencia de narra((ao, ja que e por meio dela
97
. >
as pessoas f~larem 0 que sentem. Isso nos leva ao isolamento e
a busca de espa<;os onde podemos expressar nossos dilemas e
conflitos. A rela<;ao terapeutica e 0 lugar por excelencia para essas
quest6es. Assim, quanta menos envolvimento em ambito psicolo-
gico, mais formal sera a rela<;ao.
o que difere, as vezes, nas diversas abordagens terapeuticas
e que algumas buscam trabalhar os conteudos psicologicos atuais,
ao passo que outras dao mais valor ou enfase aos conteudos do
passado. Nao importa; 0 que tem de estar presente sao os confli-
tos e dilemas do cliente, para que, ao longo do processo, ele possa
ter uma nova luz sobre suas quest6es existef1ciais. Trabalhar os
conteudos psicologicos e a tarefa primordial de um psicoterapeuta.
Com isso, queremos dizer que esse profissional, com toda a sua
forma((ao, ajuda 0 cliente a elaborar suas quest6es, isto e, a traba-
Ihar a sua problematica.
3.2 PRESSUPOSTOS PARA 0 DESENVOLVIMENTO DA
RELACAo PSICOLOGICA
Alem das dimens6es psicol6gicas que caracterizam uma rela-
((ao terapeutica, algumas posturas serao necessarias para 0 de-
senvolvimento da rela((ao. Isso quer dizer que tanto 0 terapeuta
como 0 cliente devem "trabalhar" algumas posturas para que esse
tipo de rela((ao se estruture.
Um primeiro pressuposto e a humildade para 0 novo que vai
surgir no espa<;o inter-humano. Esse pressuposto deve ser busca-
do pelos dois participantes da rela((ao, isto e, pelo terapeuta, que
vai adentrar a problematica singular do paciente, e pelo cliente,
que, ao falar sobre suas angustias, estara entrando em contato
com algo novo. Tudo 0 que aflora da rela((ao e algo produzido nes-
se espa((o espedfico, fruto do encontro das pessoas.
o terapeuta, embora esteja escutando algo, como, por exem-
plo, a angustia de morte narrada pelo seu cliente, deve demonstrar,
96
I
I
!
nesse momento, ser novidade a narrativa, mesmo que ja tenha
ouvido isso de outro paciente, porque a mem6ria singular de viver
a angustia de morte e propria daquele cliente e de mais ninguem. A
postura de humildade para com 0 novo e, por parte do terapeuta, a
sua abertura a experiencia pessoal daquele cliente que·esta asua
frente. Buscar a compreensao especftica daquele problema e es-
tar atento para algo deferente, ja que as variaveis da narrativa sao
unicas e intransferfveis. Abrir-se para 0 novo e tentar compreender
a especificidade daquela problematica.
Para 0 cliente, a humildade para 0 novo e deixar rt~percutir
para si mesmo 0 que acaba de verbalizar, ja que, cada vez que fala
de algo, vivencia a questao naquele momento. Estarmos atentos
ao que esta se passando conosco, no momenta que estamos nar-
rando a situa((ao, e mostrarmos abertura para a novidade.
Outro pressuposto que deve ser mais desenvolvido pelo tera-
peuta e a postura de respeito para com a questao que 0 paciente
esta trazendo. Muitas vezes, uma coloca<;ao de um problema pode
parecer simples e banal, so que, para 0 cliente em questao, aquele
problema e 0 tormento de sua vida. Por exemplo, voce, t~rapeuta,
ja trabalhou ao longo de sua vidaa capacidade de dizer nao dian-
te de uma situa<;ao que nao Ihe agrada, mas 0 cliente nao sabe
dizer nao, mesmo quando ele nao esta a fim de fazer aquilo que
Ihe pedem. Portanto, respeito implica acolher com toda a aten((ao
a narrativa que 0 cliente esta colocando naquele momento.
Respeito tambem pode se manifestar numa situa<;ao terapeu-
tica, como a atitude de nao interromper a narrativa do cliente, uma
vez que e necessario dispensar aten((ao a todo 0 desenrolar da ex-
posi<;ao do paciente. E primordial que tenhamos a maxima consi-
dera((ao ao fluxo pulsante da narrativa da pessoa. Estarmos aten-
tos ao ritmo e estarmos sintonizados com a realidade apresentada
pelo paciente. E a melhor maneira de compreender a problematlca
do outro e respeitar a cadencia de narra((ao, ja que e por meio dela
97
-------- .
que se capta 0 ritmo de como se encara a vida e os obstaculos. Ai
percebemos como que os obstaculos se tornam ou nao urn proble-
ma para 0 outro.
o terceiro pressuposto deve ser cultivado mais pelo pacien-
te, visto que se caracteriza como a abertura para a mudan9a.
Muitas vezes, 0 paciente diz que quer agir de outra maneira,
mas, quando come9a a explicitar sua problematica e ve que
a (mica safda seria uma inova9ao, ele come9a, de forma in-
consciente, a boicotar as posi90es que, uma vez tomadas, 0
levariam a essa mudan9a. Portanto, a atitude existencial da mu-
dan9a nao e algo tao simples, mas provoca uma abertura para
se perder os privilE~gios ja alcan9ados com a atitude atual. Por
exemplo, alguem que na terapia passa a vislumbrar a possibili-
dade de terminar uma rela9ao conjugal, em razao das multiplas
insatisfa90es vivenciadas ao longo da vida, come9a a criar difi-
culdades para com as posi90es a ser tomadas, ja que perderia
os privih§gios de viver a custa do outro. E rna is diffcil assumir
a propria vida do que viver, mesmo frustrado, dependendo do
outr~. A mudan9a e algo que nos tira do lugar enos lan9a no
desconhecido; para isso, temos de abrir mao da estabilidade.
Assim, a rela9ao terapeutica e uma rela9ao humana que
deve ser construida no espa90 especifico do encontro entre
duas pessoas, no qual uma, 0 terapeuta, preparado profissio-'
nalmente, acolhe com todo 0 respeito a problematica do outro,
e a outra, 0 cliente, entrega-se na rela9ao, para que, por meio
dela, possa deparar-se com sua problematica e ressignifica-Ia,
e, assim, encontrar urn caminho mais desoprimido para sua
vida.
BIBLIOGRAFIA:
BUCHER, Richard., (1989) A Psicoterapia pela fala. Funda-
mentos, principios, questionamentos. Sao Paulo, E.P.U.
98
DIAS, Elsa Oliveira, (2003) A teoria do amadurecimento de D.
W. Winnicott. , Rio de Janeiro, Imago
ENTRALGO, Laim, (1988), Teoria y realidad del otro. Madrid,
Alianza Editorial
GIOVANETTI, Jose Paulo, (1996), Fundamenta9ao antropol6-
gica da pratica psicoterapica. In Repensando a forma9ao do
pSicologo: Da informa9aO a descoberta'., Cadernos Coletanea
da ANPEPP, N 9 , setembro/1996, pp.127-134
99
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que se capta 0 ritmo de como se encara a vida e os obstaculos. Ai
percebemos como que os obstaculos se tornam ou nao urn proble-
ma para 0 outro.
o terceiro pressuposto deve ser cultivado mais pelo pacien-
te, visto que se caracteriza como a abertura para a mudan9a.
Muitas vezes, 0 paciente diz que quer agir de outra maneira,
mas, quando come9a a explicitar sua problematica e ve que
a (mica safda seria uma inova9ao, ele come9a, de forma in-
consciente, a boicotar as posi90es que, uma vez tomadas, 0
levariam a essa mudan9a. Portanto, a atitude existencial da mu-
dan9a nao e algo tao simples, mas provoca uma abertura para
se perder os privilE~gios ja alcan9ados com a atitude atual. Por
exemplo, alguem que na terapia passa a vislumbrar a possibili-
dade de terminar uma rela9ao conjugal, em razao das multiplas
insatisfa90es vivenciadas ao longo da vida, come9a a criar difi-
culdades para com as posi90es a ser tomadas, ja que perderia
os privih§gios de viver a custa do outro. E rna is diffcil assumir
a propria vida do que viver, mesmo frustrado, dependendo do
outr~. A mudan9a e algo que nos tira do lugar enos lan9a no
desconhecido; para isso, temos de abrir mao da estabilidade.
Assim, a rela9ao terapeutica e uma rela9ao humana que
deve ser construida no espa90 especifico do encontro entre
duas pessoas, no qual uma, 0 terapeuta, preparado profissio-'
nalmente, acolhe com todo 0 respeito a problematica do outro,
e a outra, 0 cliente, entrega-se na rela9ao, para que, por meio
dela, possa deparar-se com sua problematica e ressignifica-Ia,
e, assim, encontrar urn caminho mais desoprimido para sua
vida.
BIBLIOGRAFIA:
BUCHER, Richard., (1989) A Psicoterapia pela fala. Funda-
mentos, principios, questionamentos. Sao Paulo, E.P.U.
98
DIAS, Elsa Oliveira, (2003) A teoria do amadurecimento de D.
W. Winnicott. , Rio de Janeiro, Imago
ENTRALGO, Laim, (1988), Teoria y realidad del otro. Madrid,
Alianza Editorial
GIOVANETTI, Jose Paulo, (1996), Fundamenta9ao antropol6-
gica da pratica psicoterapica. In Repensando a forma9ao do
pSicologo: Da informa9aO a descoberta'., Cadernos Coletanea
da ANPEPP, N 9 , setembro/1996, pp.127-134
99
o ENCONTRO NA PERSPECTIVA TERAPEUTICA
EXISTENCIAL 115
Resumo
A exposi<;ao se divide em dois momentos distintos. A primeira p'ar-
te visa explicitar algumas reflex6es de nfvel filos6fico sobre 0 que e
um encontro inter-humano, destacando sua dimens80 ontol6gica.
Na segunda parte, apresentam-se algumas posturas do terapeuta
no encontro psicoterapico que e por excelencia um encontro com
caracterfsticas muito pr6prias.
Escrever sobre 0 Encontro interpessoal na perspectiva feno-
menol6gico-existencial pode parecer facH, e ate num certo sentido
dizer coisas que todo mundo ja sabe, mas explicitar a especificida-
de da relag80 terapeutica e um grande desafio. Assim, tentaremos
colocar algumas ideias sobre a dimensao antropol6gica do encon-
tro inter-humano, para em seguida destacarmos algumas -- e n80
todas, pois seria uma tarefa imensa e que extrapolaria nossa con-
tribuig80 - das atitudes, ou melhor, da atengao que um terapeuta
deve ter para com seu "cliente".
I REFLEXAO FILOSa FICA SOBRE 0 ENCONTRO
Se examinarmos com ateng80 aquilo que mais salta aos olhos
na realidade do encontro entre duas pessoas, verificaremos que
a categoria ontol6gica da relagao 0 constitui. Entre todos os seres
vivos, 0 homem talvez seja aquele que busca e se encontra na re-
lag80 com 0 outr~ ser116. Ele se constitui atraves dessa rela980.
115Cadernos de Psicologia, PUC Minas, v. 1, n. 1, jun. 1993, p. 31-34. Texto elaborado
a partir de participac;ao em mesa-redonda: "Elementos para uma Teoria da Tecnica
Psicoterapica Fenomenol6gica e Existencial", no II Encontro Brasileiro de Analise
Existencial Terapeutica, realizado em Belo Horizonte, nos dias 3 a 5 de julho de
1992.
116ENTRALGO, Pedro Lain. Teoria y Realidad del Otro. Revista de Occidente, Madrid,
v. 2, p. 70, 1968.
101
o ENCONTRO NA PERSPECTIVA TERAPEUTICA
EXISTENCIAL 115
Resumo
A exposi<;ao se divide em dois momentos distintos. A primeira p'ar-
te visa explicitar algumas reflex6es de nfvel filos6fico sobre 0 que e
um encontro inter-humano, destacando sua dimens80 ontol6gica.
Na segunda parte, apresentam-se algumas posturas do terapeuta
no encontro psicoterapico que e por excelencia um encontro com
caracterfsticas muito pr6prias.
Escrever sobre 0 Encontro interpessoal na perspectiva feno-
menol6gico-existencial pode parecer facH, e ate num certo sentido
dizer coisas que todo mundo ja sabe, mas explicitar a especificida-
de da relag80 terapeutica e um grande desafio. Assim, tentaremos
colocar algumas ideias sobre a dimensao antropol6gica do encon-
tro inter-humano, para em seguida destacarmos algumas -- e n80
todas, pois seria uma tarefa imensa e que extrapolaria nossa con-
tribuig80 - das atitudes, ou melhor, da atengaoque um terapeuta
deve ter para com seu "cliente".
I REFLEXAO FILOSa FICA SOBRE 0 ENCONTRO
Se examinarmos com ateng80 aquilo que mais salta aos olhos
na realidade do encontro entre duas pessoas, verificaremos que
a categoria ontol6gica da relagao 0 constitui. Entre todos os seres
vivos, 0 homem talvez seja aquele que busca e se encontra na re-
lag80 com 0 outr~ ser116. Ele se constitui atraves dessa rela980.
115Cadernos de Psicologia, PUC Minas, v. 1, n. 1, jun. 1993, p. 31-34. Texto elaborado
a partir de participac;ao em mesa-redonda: "Elementos para uma Teoria da Tecnica
Psicoterapica Fenomenol6gica e Existencial", no II Encontro Brasileiro de Analise
Existencial Terapeutica, realizado em Belo Horizonte, nos dias 3 a 5 de julho de
1992.
116ENTRALGO, Pedro Lain. Teoria y Realidad del Otro. Revista de Occidente, Madrid,
v. 2, p. 70, 1968.
101
... )
Porem, no desenrolar de nossa vida cotidiana, vamos viven-
ciar os mais diferentes tipos de rela<;ao, que podem ser nomeados
como rela<;ao pedagogica, rela<;ao de ajuda, etc., mas reservare-
mos a palavra Encontro para uma situa<;ao onde 0 OUTRO (aquele
com 0 qual entro em rela<;ao) afeta de alguma maneira 0 curso de
minha existencia, principalmente na dimensao em que ele (0 outro)
me faz crescer. E assim que, na perspectiva existencial, a rela<;ao
entre 0 terapeuta e 0 "cliente" deve ser vista como um encontro,
pois ela traz no seu bojo, com todas as suas especificidades, 0
questionamento do status quo do meu dia-a-dia, e desenvolveria
um numero imenso de comunica<;6es que provavelmente vao mu-
dar 0 rumo da minha vida.
o Encontro e, assim, entendido como uma rela<;ao intersubjeti-
va onde a troca entre as pessoas - embora assimetrica na rela<;ao
psicoterapeutica - provoca uma coloca<;ao em movimento de sua
existencia.
De uma maneira geral, podemos observar que existem no en-
contro dois elementos que se auto-implicam. Uma dimensao ffsica
e uma dimensao pessoal. 0 momenta ffsico do encontro, que me
da a real existencia do outro, pode ser entendido como a Percep-
980 da existencia do outro. Por outro lado, a dimensao pessoal,
que e a Resposta a existencia do outro, e 0 aspecto que junto com
o primeiro polo constituira a essen cia do encontro. A maneira como
se dialetizam estes dois polos sera a maneira como vou vivenciar
o encontro.
Dos dois elementos acima mencionados, 0 segundo polo e 0
mais importante, uma vez que as formas de dialetiza<.;:ao dos dois
elementos dependem de como e vivenciada por mim a dimensao
pessoal, que e a minha res posta pessoal.
102
A partir do tipo de res posta pessoal, posso ter duas maneiras
de vivenciar um encontro:
1. Se, com minha res posta , 0 outro vai ser para mim um simples
objeto de meu desejo, a rela<;ao sera objetal.
2. Se, por outro lado, com a minha res posta 0 outro vai ser para
mim - e eu vou ser para 0 outro - uma pessoa, 0 tipo de rela-
<;130 sera 0 que chamamos rela<;ao pessoal117•
Na primeira forma de encontro, reduzo 0 outro a um objeto
compreendido como urn conjunto de caracteres e propriedades
perfeitamente abarcaveis, como por exemplo pessoa de tal cor,
com nivel de inteligencia x ou com uma memoria boa ou mao Neste
caso, sempre rotulo as qualidades ou problemas de uma pessoal.
Trata-se de um tipo de rela<;ao muito comum em uma abordagem
biologica, onde 0 outro e visto nao na sua estrutura existencial,
mas como alguem cheio de rotulos, de caracteristicas que eu ana-
liso e Ihe imponho. Este e 0 perigo da rela<;ao profissional que ve
o outro como objeto de uma interven<;ao transformadora, seja ela
cirurgica, educativa ou terapeutica.
Na segunda forma de encontro, minha res posta de ver 0 ou-
tro como uma pessoa dialetiza dos dois polos em uma dina mica
diferente, em que se percebe 0 outro como alguem que at raves
de uma rela<;ao nova podera tambem ter uma percep<;ao de mim
como um ser humane igual e nao como alguem que se situa alem
da rela((ao. Neste segundo tipo de encontro, estabelece-se uma
rela<;ao interpessoal onde 0 outro e uma pessoa inacabada, sem-
pre criadora e originalmente projetada para 0 futuro, justamente 0
contrario da primeira postura, onde outro e visto como acabado e
finito.
A questao que nos abre para a segunda parte da exposi<;ao e
a seguinte: qual a vi sao que um terapeuta deve ter do outro quan-
117ENTRALGO, op. cit., nota 2, p. 132.
103
... )
Porem, no desenrolar de nossa vida cotidiana, vamos viven-
ciar os mais diferentes tipos de rela<;ao, que podem ser nomeados
como rela<;ao pedagogica, rela<;ao de ajuda, etc., mas reservare-
mos a palavra Encontro para uma situa<;ao onde 0 OUTRO (aquele
com 0 qual entro em rela<;ao) afeta de alguma maneira 0 curso de
minha existencia, principalmente na dimensao em que ele (0 outro)
me faz crescer. E assim que, na perspectiva existencial, a rela<;ao
entre 0 terapeuta e 0 "cliente" deve ser vista como um encontro,
pois ela traz no seu bojo, com todas as suas especificidades, 0
questionamento do status quo do meu dia-a-dia, e desenvolveria
um numero imenso de comunica<;6es que provavelmente vao mu-
dar 0 rumo da minha vida.
o Encontro e, assim, entendido como uma rela<;ao intersubjeti-
va onde a troca entre as pessoas - embora assimetrica na rela<;ao
psicoterapeutica - provoca uma coloca<;ao em movimento de sua
existencia.
De uma maneira geral, podemos observar que existem no en-
contro dois elementos que se auto-implicam. Uma dimensao ffsica
e uma dimensao pessoal. 0 momenta ffsico do encontro, que me
da a real existencia do outro, pode ser entendido como a Percep-
980 da existencia do outro. Por outro lado, a dimensao pessoal,
que e a Resposta a existencia do outro, e 0 aspecto que junto com
o primeiro polo constituira a essen cia do encontro. A maneira como
se dialetizam estes dois polos sera a maneira como vou vivenciar
o encontro.
Dos dois elementos acima mencionados, 0 segundo polo e 0
mais importante, uma vez que as formas de dialetiza<.;:ao dos dois
elementos dependem de como e vivenciada por mim a dimensao
pessoal, que e a minha res posta pessoal.
102
A partir do tipo de res posta pessoal, posso ter duas maneiras
de vivenciar um encontro:
1. Se, com minha res posta , 0 outro vai ser para mim um simples
objeto de meu desejo, a rela<;ao sera objetal.
2. Se, por outro lado, com a minha res posta 0 outro vai ser para
mim - e eu vou ser para 0 outro - uma pessoa, 0 tipo de rela-
<;130 sera 0 que chamamos rela<;ao pessoal117•
Na primeira forma de encontro, reduzo 0 outro a um objeto
compreendido como urn conjunto de caracteres e propriedades
perfeitamente abarcaveis, como por exemplo pessoa de tal cor,
com nivel de inteligencia x ou com uma memoria boa ou mao Neste
caso, sempre rotulo as qualidades ou problemas de uma pessoal.
Trata-se de um tipo de rela<;ao muito comum em uma abordagem
biologica, onde 0 outro e visto nao na sua estrutura existencial,
mas como alguem cheio de rotulos, de caracteristicas que eu ana-
liso e Ihe imponho. Este e 0 perigo da rela<;ao profissional que ve
o outro como objeto de uma interven<;ao transformadora, seja ela
cirurgica, educativa ou terapeutica.
Na segunda forma de encontro, minha res posta de ver 0 ou-
tro como uma pessoa dialetiza dos dois polos em uma dina mica
diferente, em que se percebe 0 outro como alguem que at raves
de uma rela<;ao nova podera tambem ter uma percep<;ao de mim
como um ser humane igual e nao como alguem que se situa alem
da rela((ao. Neste segundo tipo de encontro, estabelece-se uma
rela<;ao interpessoal onde 0 outro e uma pessoa inacabada, sem-
pre criadora e originalmente projetada para 0 futuro, justamente 0
contrario da primeira postura, onde outro e visto como acabado e
finito.
A questao que nos abre para a segunda parte da exposi<;ao e
a seguinte: qual a vi sao que um terapeuta deve ter do outro quan-
117ENTRALGO, op. cit., nota2, p. 132.
103
do este 0 procura no consultorio? A res posta parece obvia, mas
dependendo da minha atitude de onipresenga ou de autoritarismo
fica caracterizada a primeira formula em vez da segunda.
II 0 ENCONTRO PSICOTERAplCO
A relagao terapeutica e, em primeiro lugar, um contacto huma-
no onde ambos os personagens aprendem algo sobre a vida hu-
mana. Alias, D. Winnicott dedicou 0 livro "Playing and Reality" aos
seus pacientes com belas palavras que traduziam uma sabedoria:
"To my patients who have paid to teach me" -"Aos meus pacientes
que pagaram para me instruir". Sao palavras que mostram como
um terapeuta aprende no contacto com urn cliente, que nao e 0
unico a colocar-se em movimento na vida; 0 terapeuta tambem
entra em um processo de desenvolvimento pessoal.
o encontro psicoterapico se desenrolara atraves de uma inte-
ragao, isto e, at raves de algo que circula entre 0 psicoterapeuta e
o seu paciente e, por isto, nao e fundado em algo fora do comum,
mas na existencia cotidiana.
L. Binswanger, em um artigo sobre a Psicoterapia118 , diz 0 se-
guinte: "A possibilidade da pSicoterapia nao repousa sobre urn
grande segredo ou um misterio, como se pode pensar num pri-
meiro momento, e muito menos sobre nada de novo e de natural,
maR, ao contrario, sobre um trago fundamental da estrutura do ser
humane enquanto ser dentro do mundo, ser com e para 0 outro".
o fundamento da relagao terapeutica esta na propria dinamica da
existencia humana. Mais tarde, numa obra filosofica, Binswanger
afirma que a relagao por excelencia sera explicitada atraves da
experiencia da amizade e do amor. Aqui a relagao terapeutica e
diferente destas duas vivencias humanas e possui caracteristicas
proprias. Ela implica uma reciprocidade, mas de maneira assime-
118BINSWANGER, L. Ausgewahlte Vortrage und Aufsatze. Bern: Francke Verlag,
1961, v. 1, p. 136: Ober Psychotherapie.
104
trica e nao como seria de se desejar no caso da experiencia amo-
rosa e da amizade.
o passo seguinte enos perguntarmos qual deve ser a atitude
do terapeuta para que esta relagao possa ser interpessoal e guar-
dar as caracteristicas terapeuticas?
1. Sedimentar a confianc;a
Podemos dizer que 0 que se descortina no horizonte do en con-
tro terapeutico e a confianga, condigao humana fundamental para
o bom desenvolvimento da terapia. Alias, e dentro de um espirito
de confianga que um cliente procura um medico ou um terapeuta,
pois acredita que este possui 0 saber e.os meios para "curar" sua
doenga ou tira-Io da crise em que se encontra na relagao consigo
mesmo e com 0 seu ambiente. L. Binswanger acena par2 a im-
portancia deste "pan~ de fundo" do processo interpessoal que se
instala entre 0 cliente e 0 terapeuta quando diz: "A confianl(a e 0
presente que 0 doente faz ao medico como condil(ao sine qua non
de todo 0 ate psicoterapeutico"119.
Como 0 encontro sera uma relal(ao intersubjetiva de signifi-
car;oes e nao uma relal(ao objetiva ou causal, a terapeuta deve
poder responder a canfianl(a do cliente, trazenda-Ihe par sua vez 0
presente de uma confianl(a que se expressa na atitude terapeutica
de acreditar que a outro tem possibilidades de se organizar na sua
existencia humana. 0 terapeuta se coloca numa atitude df! dispo-
nibilidade para ~ escuta.
2. A Escuta
Talvez esta seja a atitude basica do terapeuta e por ista mesmo
a mais dificil de ser vivenciada.
A lingua francesa faz uma distint;ao entre entendre e econ-
ter, que nos em portugues podemas traduzir por ouvir e escutar,
119BINSWANGER, op. cit., nota 4, p. 138.
105
do este 0 procura no consultorio? A res posta parece obvia, mas
dependendo da minha atitude de onipresenga ou de autoritarismo
fica caracterizada a primeira formula em vez da segunda.
II 0 ENCONTRO PSICOTERAplCO
A relagao terapeutica e, em primeiro lugar, um contacto huma-
no onde ambos os personagens aprendem algo sobre a vida hu-
mana. Alias, D. Winnicott dedicou 0 livro "Playing and Reality" aos
seus pacientes com belas palavras que traduziam uma sabedoria:
"To my patients who have paid to teach me" -"Aos meus pacientes
que pagaram para me instruir". Sao palavras que mostram como
um terapeuta aprende no contacto com urn cliente, que nao e 0
unico a colocar-se em movimento na vida; 0 terapeuta tambem
entra em um processo de desenvolvimento pessoal.
o encontro psicoterapico se desenrolara atraves de uma inte-
ragao, isto e, at raves de algo que circula entre 0 psicoterapeuta e
o seu paciente e, por isto, nao e fundado em algo fora do comum,
mas na existencia cotidiana.
L. Binswanger, em um artigo sobre a Psicoterapia118 , diz 0 se-
guinte: "A possibilidade da pSicoterapia nao repousa sobre urn
grande segredo ou um misterio, como se pode pensar num pri-
meiro momento, e muito menos sobre nada de novo e de natural,
maR, ao contrario, sobre um trago fundamental da estrutura do ser
humane enquanto ser dentro do mundo, ser com e para 0 outro".
o fundamento da relagao terapeutica esta na propria dinamica da
existencia humana. Mais tarde, numa obra filosofica, Binswanger
afirma que a relagao por excelencia sera explicitada atraves da
experiencia da amizade e do amor. Aqui a relagao terapeutica e
diferente destas duas vivencias humanas e possui caracteristicas
proprias. Ela implica uma reciprocidade, mas de maneira assime-
118BINSWANGER, L. Ausgewahlte Vortrage und Aufsatze. Bern: Francke Verlag,
1961, v. 1, p. 136: Ober Psychotherapie.
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trica e nao como seria de se desejar no caso da experiencia amo-
rosa e da amizade.
o passo seguinte enos perguntarmos qual deve ser a atitude
do terapeuta para que esta relagao possa ser interpessoal e guar-
dar as caracteristicas terapeuticas?
1. Sedimentar a confianc;a
Podemos dizer que 0 que se descortina no horizonte do en con-
tro terapeutico e a confianga, condigao humana fundamental para
o bom desenvolvimento da terapia. Alias, e dentro de um espirito
de confianga que um cliente procura um medico ou um terapeuta,
pois acredita que este possui 0 saber e.os meios para "curar" sua
doenga ou tira-Io da crise em que se encontra na relagao consigo
mesmo e com 0 seu ambiente. L. Binswanger acena par2 a im-
portancia deste "pan~ de fundo" do processo interpessoal que se
instala entre 0 cliente e 0 terapeuta quando diz: "A confianl(a e 0
presente que 0 doente faz ao medico como condil(ao sine qua non
de todo 0 ate psicoterapeutico"119.
Como 0 encontro sera uma relal(ao intersubjetiva de signifi-
car;oes e nao uma relal(ao objetiva ou causal, a terapeuta deve
poder responder a canfianl(a do cliente, trazenda-Ihe par sua vez 0
presente de uma confianl(a que se expressa na atitude terapeutica
de acreditar que a outro tem possibilidades de se organizar na sua
existencia humana. 0 terapeuta se coloca numa atitude df! dispo-
nibilidade para ~ escuta.
2. A Escuta
Talvez esta seja a atitude basica do terapeuta e por ista mesmo
a mais dificil de ser vivenciada.
A lingua francesa faz uma distint;ao entre entendre e econ-
ter, que nos em portugues podemas traduzir por ouvir e escutar,
119BINSWANGER, op. cit., nota 4, p. 138.
105
· .
termos que revelam atitudes bem diferentes diante da vida. Por
exemplo, posso dizer que ou<;o 0 barulho dos carros que passam
na rua e, por outro lado, escuto 0 barulho de um carro que me e
familiar chegando. Entre todos os barulhos distingo 0 barulho do
carro de um amigo, ou de urn parente. A mesma coisa posso dizer
a respeito da musica. As vezes estou estudando com fundo mu-
sical, ouvindo uma musica classica ou popular, e em determinado
momenta identifico dentre as que estao sendo tocadas no radio
uma musica de Bach ou uma canc;ao de Chico Buarque. Escuto
com atenc;ao 0 que esta sendo tocado no radio.
Os exemplos apresentados nos possibilitam refletir sobre as
atitudes de ouvir e escutar. Ouvir e relativo a uma rotina, a urn au-
tomatismo e nao constitui uma relac;ao. 0 som passa distante na
minha vida e sem significac;aoprofunda para mim. 0 ate de ouvir
revela uma passividade pela qual aquilo que e OUvidO nao e enten-
dido. Por outro lado, a atitude de escutar revela uma postura mais
dinamica que exige uma atenc;ao para aquilo que se passa, uma
interrogac;ao sobre 0 significado rna is profundo do que e dito e, ao
mesmo tempo, uma certa humildade, pois estarei tentando com-
preender 0 que esta sendo veiculado. Nao e uma atitude passiva
mas, pelo contrario, uma atitude de saida de si mesmo para captar
o que se pass a ao redor. Escutar, na relac;ao terapeutica, exige
que eu seja sensivel as diferenc;as de todas as ordens que se es-
tabelecem entre 0 outro e eu como terapeuta. Assim, gostaria de
colocar aqui as palavras de Claire Kebers sobre 0 que vern a ser
uma escuta: "escutar de maneira terapeutica e convidar 0 outro a
se livrar de tudo 0 que 0 habita, portanto, e ser voce mesmo capaz
de tudo ouvir deste outro, ser capaz de indagar seus sentimentos
criticos sem se deixar voce mesmo se misturar".120
12°KEBERS, Claire. De I'urn a I'outre ... la parole. Louvain-Ia-Neuve: Ciaco, 1985,
p.45.
106
o proximo passo que nos levara a aprofundar 0 que seja a es-
cuta consiste em saber que atitude devemos ter para escutar bem,
po is nao basta querer passar de uma atitude de ouvir para uma de
escutar; e necessario escutar bem. Destacarei a seguir ':!Igumas
caracteristicas de uma boa escuta:
a) Tomar distancia de si mesmo
A questao que se coloca agora se refere ao que e tomar dis-
tancia de si mesmo para poder entrar no mundo do outr~. Entrar
no lugar do outro, investigar 0 que 0 outro esta vivendo exige que
eu tome distancia das minhas vivencias. Porem, isto nao significa
uma total indiferenc;a de mim mesmo para entrar na vida do ou-
tro. Pelo contrario, entrar no mundo do outro nao e negar a mim
mesmo. A atitude de penetrar na vivencia do outro so e possivel
se tenho um conhecimento dos meus pontos fracos e uma com-
preensao dos meus desejos mais profundos121 . E necessario que
eu me conhec;a bem, meus limites, minha capacidade, para que eu
possa escutar 0 outro. So desta maneira posso me abrir ao outr~
para escuta-Io.
A distancia de si mesmo e pois, em primeiro lugar, a escuta de
si mesmo que se faz atraves de um longo caminhar reflexivo sobre
a propria historia.
b) A humildade de nao-saber
o perigo maior de uma atitude de nao humildade e que nos
escutamos no outro aquilo que queremos escutar; por isto, 0 que 0
outro diz nos escapa, ou melhor, nada compreendemos do que 0
outro esta nos dizendo. Portanto, escutar e em primeiro lugar "re-
nunciar nas palavras do outro aquilo que nos pensamos entender
ou que nos queremos entender"122.
121 KEBERS, op. Cit., nota 6, p. 28.
122KEBERS, op. Cit., nota 6, p. 28.
107
· .
termos que revelam atitudes bem diferentes diante da vida. Por
exemplo, posso dizer que ou<;o 0 barulho dos carros que passam
na rua e, por outro lado, escuto 0 barulho de um carro que me e
familiar chegando. Entre todos os barulhos distingo 0 barulho do
carro de um amigo, ou de urn parente. A mesma coisa posso dizer
a respeito da musica. As vezes estou estudando com fundo mu-
sical, ouvindo uma musica classica ou popular, e em determinado
momenta identifico dentre as que estao sendo tocadas no radio
uma musica de Bach ou uma canc;ao de Chico Buarque. Escuto
com atenc;ao 0 que esta sendo tocado no radio.
Os exemplos apresentados nos possibilitam refletir sobre as
atitudes de ouvir e escutar. Ouvir e relativo a uma rotina, a urn au-
tomatismo e nao constitui uma relac;ao. 0 som passa distante na
minha vida e sem significac;ao profunda para mim. 0 ate de ouvir
revela uma passividade pela qual aquilo que e OUvidO nao e enten-
dido. Por outro lado, a atitude de escutar revela uma postura mais
dinamica que exige uma atenc;ao para aquilo que se passa, uma
interrogac;ao sobre 0 significado rna is profundo do que e dito e, ao
mesmo tempo, uma certa humildade, pois estarei tentando com-
preender 0 que esta sendo veiculado. Nao e uma atitude passiva
mas, pelo contrario, uma atitude de saida de si mesmo para captar
o que se pass a ao redor. Escutar, na relac;ao terapeutica, exige
que eu seja sensivel as diferenc;as de todas as ordens que se es-
tabelecem entre 0 outro e eu como terapeuta. Assim, gostaria de
colocar aqui as palavras de Claire Kebers sobre 0 que vern a ser
uma escuta: "escutar de maneira terapeutica e convidar 0 outro a
se livrar de tudo 0 que 0 habita, portanto, e ser voce mesmo capaz
de tudo ouvir deste outro, ser capaz de indagar seus sentimentos
criticos sem se deixar voce mesmo se misturar".120
12°KEBERS, Claire. De I'urn a I'outre ... la parole. Louvain-Ia-Neuve: Ciaco, 1985,
p.45.
106
o proximo passo que nos levara a aprofundar 0 que seja a es-
cuta consiste em saber que atitude devemos ter para escutar bem,
po is nao basta querer passar de uma atitude de ouvir para uma de
escutar; e necessario escutar bem. Destacarei a seguir ':!Igumas
caracteristicas de uma boa escuta:
a) Tomar distancia de si mesmo
A questao que se coloca agora se refere ao que e tomar dis-
tancia de si mesmo para poder entrar no mundo do outr~. Entrar
no lugar do outro, investigar 0 que 0 outro esta vivendo exige que
eu tome distancia das minhas vivencias. Porem, isto nao significa
uma total indiferenc;a de mim mesmo para entrar na vida do ou-
tro. Pelo contrario, entrar no mundo do outro nao e negar a mim
mesmo. A atitude de penetrar na vivencia do outro so e possivel
se tenho um conhecimento dos meus pontos fracos e uma com-
preensao dos meus desejos mais profundos121 . E necessario que
eu me conhec;a bem, meus limites, minha capacidade, para que eu
possa escutar 0 outro. So desta maneira posso me abrir ao outr~
para escuta-Io.
A distancia de si mesmo e pois, em primeiro lugar, a escuta de
si mesmo que se faz atraves de um longo caminhar reflexivo sobre
a propria historia.
b) A humildade de nao-saber
o perigo maior de uma atitude de nao humildade e que nos
escutamos no outro aquilo que queremos escutar; por isto, 0 que 0
outro diz nos escapa, ou melhor, nada compreendemos do que 0
outro esta nos dizendo. Portanto, escutar e em primeiro lugar "re-
nunciar nas palavras do outro aquilo que nos pensamos entender
ou que nos queremos entender"122.
121 KEBERS, op. Cit., nota 6, p. 28.
122KEBERS, op. Cit., nota 6, p. 28.
107
· ,
Assim, aquele que se apresenta como 0 "salvador" do clien-
te, que e capaz ou tem 0 poder de encontrar a soluc;ao para 0
outr~, ou ate mesmo ser seu conselheiro, no fundo possui a
atitude da onipresenc;a completamente oposta a da humildade,
que e capaz de dizer que foi incapaz de compreender tudo 0
que 0 outr~ disse. A humildade do nao saber passa pelo simples
fato de que, como terapeuta, nao tenho 0 monopolio do saber,
do poder e da mudanc;a.
c) Renuncia de seus projetos
Talvez esta seja uma atitude muito falada, porem muito diff-
cil de ser vivida. Na maioria das vezes, quando entr~ em relac;ao
com um parente ou amigo, amito jufzos e apresento possfveis
soluc;oes para um problema familiar. A escuta e interpretac;ao
que se da no ambiente familiar sao as vezes transferidas para
o ambito da psicoterapia; e tenho a ideia de que a minha inter-
venc;ao e a melhor considerac;ao possfvel sobre 0 que 0 cliente
esta apresentando, esquecendo de permitir que 0 outr~ mesmo
considere a minha interpretac;ao. Devo fazer uma renuncia de
meus proprios desejos quanta a um projeto de solw;ao ou de
"cura" do outr~.
o nao querer jogar sobre 0 outr~ 0 meu conhecimento e
que abrira a via de libertac;ao do outr~. No momenta em que eu
renuncio aos meus afeitos e desejos, 0 outr~ pode tornar-se 0
que ele e nele mesmo123. 0 outro desabrocha quando deixo de
projetar nele a minha sabedoria.
Como conclusao, diria que a relac;ao terapeutica, sendo inter-
subjetiva e com caracterfsticas muito peculiares, exigeuma aten-
c;ao sempre vigilante do terapeuta para criar e desenvolver um
clima de confianc;a onde 0 cliente se sinta aceito. Por outr~ lado,
123KEBERS, op. cit., nota 6, p. 29.
108
para que a sua escuta seja cad a vez mais autentica. e necessario
livrar-se de preconceitos e, principal mente, de pre-julgamentos. 0
ser humane e por natureza aberto ao outr~, a relac;ao e a desco-
berta das proprias potencialidades. Para 0 seu cresci mento, con-
vem que eu nao coloque minhas ideias sobre ele.
Referencias Bibliogrilficas
ENTRALGO, Pedro Lain. Teorfa y Realidad del Otro. Revista
de Occidente, Madrid, v. 2, p. 70,1968.
BINSWANGER, L. Ausgewahlte Vortrage und Aufsatze.
Bern: Francke Verlag, 1961, v. 1, p. 136: Ober Psychotherapie.
KEBERS, Claire. De I'urn a !'outre ... la parole. Louvain-Ia-
-Neuve: Ciaco, 1985, p. 45.
109
· ,
Assim, aquele que se apresenta como 0 "salvador" do clien-
te, que e capaz ou tem 0 poder de encontrar a soluc;ao para 0
outr~, ou ate mesmo ser seu conselheiro, no fundo possui a
atitude da onipresenc;a completamente oposta a da humildade,
que e capaz de dizer que foi incapaz de compreender tudo 0
que 0 outr~ disse. A humildade do nao saber passa pelo simples
fato de que, como terapeuta, nao tenho 0 monopolio do saber,
do poder e da mudanc;a.
c) Renuncia de seus projetos
Talvez esta seja uma atitude muito falada, porem muito diff-
cil de ser vivida. Na maioria das vezes, quando entr~ em relac;ao
com um parente ou amigo, amito jufzos e apresento possfveis
soluc;oes para um problema familiar. A escuta e interpretac;ao
que se da no ambiente familiar sao as vezes transferidas para
o ambito da psicoterapia; e tenho a ideia de que a minha inter-
venc;ao e a melhor considerac;ao possfvel sobre 0 que 0 cliente
esta apresentando, esquecendo de permitir que 0 outr~ mesmo
considere a minha interpretac;ao. Devo fazer uma renuncia de
meus proprios desejos quanta a um projeto de solw;ao ou de
"cura" do outr~.
o nao querer jogar sobre 0 outr~ 0 meu conhecimento e
que abrira a via de libertac;ao do outr~. No momenta em que eu
renuncio aos meus afeitos e desejos, 0 outr~ pode tornar-se 0
que ele e nele mesmo123. 0 outro desabrocha quando deixo de
projetar nele a minha sabedoria.
Como conclusao, diria que a relac;ao terapeutica, sendo inter-
subjetiva e com caracterfsticas muito peculiares, exige uma aten-
c;ao sempre vigilante do terapeuta para criar e desenvolver um
clima de confianc;a onde 0 cliente se sinta aceito. Por outr~ lado,
123KEBERS, op. cit., nota 6, p. 29.
108
para que a sua escuta seja cad a vez mais autentica. e necessario
livrar-se de preconceitos e, principal mente, de pre-julgamentos. 0
ser humane e por natureza aberto ao outr~, a relac;ao e a desco-
berta das proprias potencialidades. Para 0 seu cresci mento, con-
vem que eu nao coloque minhas ideias sobre ele.
Referencias Bibliogrilficas
ENTRALGO, Pedro Lain. Teorfa y Realidad del Otro. Revista
de Occidente, Madrid, v. 2, p. 70,1968.
BINSWANGER, L. Ausgewahlte Vortrage und Aufsatze.
Bern: Francke Verlag, 1961, v. 1, p. 136: Ober Psychotherapie.
KEBERS, Claire. De I'urn a !'outre ... la parole. Louvain-Ia-
-Neuve: Ciaco, 1985, p. 45.
109
POS-MODERNIDADE E 0 VAliD
EXISTENCIAL 124
o fim do seculo XX e 0 inicio de um novo milenio revelam-nos
uma serie de transforma<;oes jamais vistas na historia da Humani-
dade. A Civiliza<;80 Ocidental neste fim de milenio, afirma-ve como
o modelo da primeira ciyiliza<;ao universal, impondo ao resto do
mundo sua maneira de organizar a sociedade, seu estilo de vida
e seus valores. Esse modelo de viver expressa-se no chamado
projeto da modernidade que, tendo-se iniciado no final do seculo
XVIII, enfrenta, hoje, sua mais profunda crise. 0 modo de ser que
surge da crise instalada a partir dos anos 60, vem sendo denomi-
nado de vida "Pos-Moderna".
Ora, os problemas que os homens (;ontemportmeos est80 vi-
venda, sao diferentes dos que vivia ate entao, isto e, a profundi-
dade da crise gerou um tipo de questao que 0 homem ja se havia
colocado no passado, mas que nao havia enfrentado com tanta di-
ficuldade. Assim, para entender os problemas que enfrenta no seu
consultorio, 0 psicologo precisa entender melhor 0 tempo atual,
po is as interroga<;oes de seus clientes refletem muito as interroga-
<;oes do seu tempo, de sua sociedade. As questoes contempora-
neas sao a expressao da maneira como 0 homem se engaja na
vida deste final de seculo.
Nestas ultimas decadas assistimos a passagem de uma cons-
ciencia politica, propria dos anos 60, para uma consciencia nar-
cfsica, reflexo dos anos 80-90, na qual a preocupa<;80 pelo outro
cede lugar a anticonsciemda, a substituindo-se a esfera publica
pela esfera privada. Assim, as desordens neuroticas que foram
tratadas pelos terapeutas do inicio ate os meados deste seculo,
foram substitufdas pel as desordens narcfsicas que se caracteri-
124Texto editado no Livro Existencia e Saude, organizado por Dagmar Silva e outros,
Sao Bernardo do Campo, UMESP - Sobraphe, 202, paginas 92-100.
111
POS-MODERNIDADE E 0 VAliD
EXISTENCIAL 124
o fim do seculo XX e 0 inicio de um novo milenio revelam-nos
uma serie de transforma<;oes jamais vistas na historia da Humani-
dade. A Civiliza<;80 Ocidental neste fim de milenio, afirma-ve como
o modelo da primeira ciyiliza<;ao universal, impondo ao resto do
mundo sua maneira de organizar a sociedade, seu estilo de vida
e seus valores. Esse modelo de viver expressa-se no chamado
projeto da modernidade que, tendo-se iniciado no final do seculo
XVIII, enfrenta, hoje, sua mais profunda crise. 0 modo de ser que
surge da crise instalada a partir dos anos 60, vem sendo denomi-
nado de vida "Pos-Moderna".
Ora, os problemas que os homens (;ontemportmeos est80 vi-
venda, sao diferentes dos que vivia ate entao, isto e, a profundi-
dade da crise gerou um tipo de questao que 0 homem ja se havia
colocado no passado, mas que nao havia enfrentado com tanta di-
ficuldade. Assim, para entender os problemas que enfrenta no seu
consultorio, 0 psicologo precisa entender melhor 0 tempo atual,
po is as interroga<;oes de seus clientes refletem muito as interroga-
<;oes do seu tempo, de sua sociedade. As questoes contempora-
neas sao a expressao da maneira como 0 homem se engaja na
vida deste final de seculo.
Nestas ultimas decadas assistimos a passagem de uma cons-
ciencia politica, propria dos anos 60, para uma consciencia nar-
cfsica, reflexo dos anos 80-90, na qual a preocupa<;80 pelo outro
cede lugar a anticonsciemda, a substituindo-se a esfera publica
pela esfera privada. Assim, as desordens neuroticas que foram
tratadas pelos terapeutas do inicio ate os meados deste seculo,
foram substitufdas pel as desordens narcfsicas que se caracteri-
124Texto editado no Livro Existencia e Saude, organizado por Dagmar Silva e outros,
Sao Bernardo do Campo, UMESP - Sobraphe, 202, paginas 92-100.
111
zam por um mal-estar difuso e indefinido, ou seja, um "sentimento
de vazio interior e de absurdidade da vida, uma incapacidade de
sentir as coisas e os seres. Os pacientes nao sofrem mais de sin-
tomas fix~s, mas de desordens vagas e difusas; a patologia men-
tal obedece a lei do tempo, na qual a tendencia e a redugao da
rigidez, como a IiqOefagao das referencias estaveis".125 Para U-
POVETSKY, a era contemporanea apresenta como sintoma mais
significativ~ dos problemas existenciais do homem pas-moderno
o vazio emotiv~, que se manifesta na impossibilidade de sentir a
vida, e na desubstancializagao dos valores, isto 6, no esvaziamen-
to dos significados das coisas.
Nossa reflexao procurara, em um primeiro momento, explici-
tar as caracteristicas dessa nossa epoca denominada por alguns
de pas-modernidade, para, num segundo momento, destacar al-
guns dos problemas existenciais desse homem contemporaneo.
No nosso entender, merecem a atengao do psicalogo 0 problemado vazio, 0 do tedio e 0 da apatia, que sao os mais freqOentes no
consultario.
I - POS-MODERNIDADE
A maneira como a sociedade contemporanea organiza-se e to-
talmente diferente daquela de alguns seculos atras. Antes, nao ha-
via um modelo padrao para todos os individuos. Hoje, 0 pluralismo
de nossa epoca substituiu a monotonia e 0 dogmatismo da epoca
passada. Encontrar um conceito que expresse de maneira univo-
ca essa situagao nao e facil, e, por isso mesmo, os estudiosos de
nosso tempo nao estao de acordo quanto ao termo que melhor
possa retratar a fragmenta9ao contemporanea. Uns denominam 0
periodo atual de modernidade tardia, outros de neomodernidade
e, outros ainda, de pas-modernidade. Embora a expressao pas-
125L1POVETSKY, G. L'ere du vide. Essais sur I' individualisme contemporain. Paris:
Gallimard, - folio essais - 1983, pp. 108-109.
112
-modernidade n80 seja a mais adequada, pois que pas sugere um
ultrapassamento da modernidade, e ele 0 que se tem se fixado
como 0 que representa melhor a situagao contemporanea.126
A sociedade atual e fruto de um processo denominado mo-
dernidade, que comegou a se estruturar no final do seculo_XVIJI e
no inicio do seculo XIX, quando a Revolugao Francesa apareceu
como um momenta histarico de instauragao da racionalidade ilus-
trada. 0 paradigma triunfante da razao, capaz de apreender tudo
dentro de sua racionalidade, isto e, s6 tem existencia aquilo que
pode ser explicado pela razao. 0 projeto de sociedade baseado
nesse modo de pensar e de organizar a vida humana chegou a
alguns impasses no seculo XX; como a deflagrag80 da Primeira
Guerra Mundial e a explosao da bomba at6mica, como exemplo.
D;ante de tao grandes incoerencias observadas na sociedade
dita racional, surgiu uma corrente de pensadores que, inspirados
no pensamento romantico, e tendo NIETSZSCHE e HEIDEGGER
como inspiradores, instauraram a oposig80 aos modernos, recha-
9ando a razao ilustrada como a organizadora da vida humana.
Assim, "no debate da pas-modernidade, discute-se nao so mente
um paradigma de racionalidade e humanismo, mas tambem uma
concepgao sociopolitica e econ6mica da sociedade de hoje e de
amanha".127
Um dos setores em que essa problematica aparece com mais
fOl9a e 0 cultural e nele a crise dos valores tem um destaque fun-
damental. A perda da religiao como principio unificador da vida
humana vai gerar 0 aparecimento de varios focos inspiradores da
atividade cotidiana do homem contemporaneo, tendo, como carac-
teristica principal, a marca da desilusao. Ha um desencantamento
126Vamos utilizar no nosso trabalho 0 termo P6s-Modernidade para ":escrever 0
conjunto das caracterfsticas da sociedade atual, embora, estejamos convictos de
que 0 conceito de Modernidade Tardia fosse 0 mais apropriado, discussao que nao
cabe neste momento.
127MARDONES, J.M. Mode:nidad y Posmodernidad (I), em Razon y Fe 1056 (1986),
pp. 204-217, aquip. 206.
113
zam por um mal-estar difuso e indefinido, ou seja, um "sentimento
de vazio interior e de absurdidade da vida, uma incapacidade de
sentir as coisas e os seres. Os pacientes nao sofrem mais de sin-
tomas fix~s, mas de desordens vagas e difusas; a patologia men-
tal obedece a lei do tempo, na qual a tendencia e a redugao da
rigidez, como a IiqOefagao das referencias estaveis".125 Para U-
POVETSKY, a era contemporanea apresenta como sintoma mais
significativ~ dos problemas existenciais do homem pas-moderno
o vazio emotiv~, que se manifesta na impossibilidade de sentir a
vida, e na desubstancializagao dos valores, isto 6, no esvaziamen-
to dos significados das coisas.
Nossa reflexao procurara, em um primeiro momento, explici-
tar as caracteristicas dessa nossa epoca denominada por alguns
de pas-modernidade, para, num segundo momento, destacar al-
guns dos problemas existenciais desse homem contemporaneo.
No nosso entender, merecem a atengao do psicalogo 0 problema
do vazio, 0 do tedio e 0 da apatia, que sao os mais freqOentes no
consultario.
I - POS-MODERNIDADE
A maneira como a sociedade contemporanea organiza-se e to-
talmente diferente daquela de alguns seculos atras. Antes, nao ha-
via um modelo padrao para todos os individuos. Hoje, 0 pluralismo
de nossa epoca substituiu a monotonia e 0 dogmatismo da epoca
passada. Encontrar um conceito que expresse de maneira univo-
ca essa situagao nao e facil, e, por isso mesmo, os estudiosos de
nosso tempo nao estao de acordo quanto ao termo que melhor
possa retratar a fragmenta9ao contemporanea. Uns denominam 0
periodo atual de modernidade tardia, outros de neomodernidade
e, outros ainda, de pas-modernidade. Embora a expressao pas-
125L1POVETSKY, G. L'ere du vide. Essais sur I' individualisme contemporain. Paris:
Gallimard, - folio essais - 1983, pp. 108-109.
112
-modernidade n80 seja a mais adequada, pois que pas sugere um
ultrapassamento da modernidade, e ele 0 que se tem se fixado
como 0 que representa melhor a situagao contemporanea.126
A sociedade atual e fruto de um processo denominado mo-
dernidade, que comegou a se estruturar no final do seculo_XVIJI e
no inicio do seculo XIX, quando a Revolugao Francesa apareceu
como um momenta histarico de instauragao da racionalidade ilus-
trada. 0 paradigma triunfante da razao, capaz de apreender tudo
dentro de sua racionalidade, isto e, s6 tem existencia aquilo que
pode ser explicado pela razao. 0 projeto de sociedade baseado
nesse modo de pensar e de organizar a vida humana chegou a
alguns impasses no seculo XX; como a deflagrag80 da Primeira
Guerra Mundial e a explosao da bomba at6mica, como exemplo.
D;ante de tao grandes incoerencias observadas na sociedade
dita racional, surgiu uma corrente de pensadores que, inspirados
no pensamento romantico, e tendo NIETSZSCHE e HEIDEGGER
como inspiradores, instauraram a oposig80 aos modernos, recha-
9ando a razao ilustrada como a organizadora da vida humana.
Assim, "no debate da pas-modernidade, discute-se nao so mente
um paradigma de racionalidade e humanismo, mas tambem uma
concepgao sociopolitica e econ6mica da sociedade de hoje e de
amanha".127
Um dos setores em que essa problematica aparece com mais
fOl9a e 0 cultural e nele a crise dos valores tem um destaque fun-
damental. A perda da religiao como principio unificador da vida
humana vai gerar 0 aparecimento de varios focos inspiradores da
atividade cotidiana do homem contemporaneo, tendo, como carac-
teristica principal, a marca da desilusao. Ha um desencantamento
126Vamos utilizar no nosso trabalho 0 termo P6s-Modernidade para ":escrever 0
conjunto das caracterfsticas da sociedade atual, embora, estejamos convictos de
que 0 conceito de Modernidade Tardia fosse 0 mais apropriado, discussao que nao
cabe neste momento.
127MARDONES, J.M. Mode:nidad y Posmodernidad (I), em Razon y Fe 1056 (1986),
pp. 204-217, aquip. 206.
113
com a maneira de viver que vinha sendo proposta, uma fragmen-
ta9ao das coisas que tinham como ponto de incisao na vida, 0 hu-
mano, e uma ruptura da unidade psiquica. Surge, dessa maneira,
uma visao de imensa riqueza e heterogeneidade da vida, na qual
cada indivfduo deve pautar-se e ter como (mica referencia, a sua
propria existencia. Como exemplo pod em os citar a etica, tida como
o conjunto dos principios universais que regiam a vida de todos,
e que foi substitufda por uma etica pessoal e individualista, na
qual a consciencia sir.gular e a referencia ultima da organiza9ao
da dinamica pessoal. 0 centro da vida passa a nao ser mais a
racionalidade, mas os sentimentos, isto e, aquilo que se sente e se
experimenta internamente. Assim, 0 desejo sera 0 grande motor
da vida.
Essa nova maneira de encarar a existencia provocara uma
trai1sforma<;ao radical, em que 0 "ideal moderno de subordina<;ao
do individual as regras coletivas foi pulverizado, e 0 processo de
personaliza<;ao atual tem um valor fundamental, aquele da realiza-
<;ao cabal,pessoal, aquele do respeito a singularidade subjetiva".128
o estilo de vida, defendido pela pos-modernidade, passa a ser
o do questionamento de qualquer controle ou homogeneiza<;ao,
dando lugar a maxima de que, 0 importante e ser absolutamente
voce-mesmo, e a vida deve ser vivida com a maxima intensidade e
emo<;ao, deixando de lade a razao, simbolo do controle.
Essa nova maneira de estruturar a vida, originaria do projeto
da modernidade, gera por sua vez uma mentalidade que se propa-
ga com for<;a e envolve a maioria dos seus membros. 0 individua-
lismo passa a ser 0 motor da sociedade moderna, porem, ao longo
de quatro seculos, ele toma formas diferentes, e, hoje, vivemos um
individualismo extremamente exacerbado, adjetivado como narci-
sista. Assim, 0 "novo estagio do individualismo coloca-se de pe: 0
j . narcisismo designa 0 suryimento de um perfil inedito do indivfduo
. ,
128L1POVETSKY, G. op. cit., p. 13.
114
~'----- - - - - -
nas suas rela<;oes consigo mesmo e seu corpo, com 0 outro, 0
mundo e 0 tempo, justamente no momenta em que 0 capitalismo
autoritario cede lugar a um capitalismo hedonista e narcisista".129
Ora, 0 centramento sobre 0 eu passa a ditar a 0~ienta9ao de todas
as a<;oes do homem modemo, 0 fechamento sobre si me~mo, ao
ponto de excluir 0 outr~ de sua vida, passa a ser a maxima de vida
da maio ria das pessoas.
Esse individualismo narcisico, expressado na ideia de que
tudo deve passar pelo crivo do eu, vai derrubar os ultimos valores
sociais e morais que marcaram as gera90es anteriores, quando
a uniao familiar era mais importante do que a vida privada. Hoje,
pelo contrario, busca-se primeiro tudo 0 que satisfa9a aos proprios
desejos e expresse as propias emo<;oes, so depois pensa-se na
comunidade. E necessario curtir 0 instante para depois pensar no
futuro. Viver 0 presente pass a a ser a lei maxima dos tempos atu-
ais. Essa tirania do individualismo inaugura a pos-modemidade.
A propaga<;ao dessa mentalidade vai caracterizar a cultura
contemporanea como a cultura do narcisismo, que faz "do desa-
brochamento de si 0 principal valor da vida e que parece reco-
nhecer pouco as exigencias morais exteriores ou os engajamentos
profundos em face dos outros".130 Esse egocentrismo orienta nao
so os atos de nosso dia-a-dia, como os grandes objetivos de nos-
sa existencia. Existir em fun<;ao de si, nao mais em fun<;ao da
rela<;ao com 0 outro e 0 que passa a orientar todas as atitudes do
ser humano. A logica da emancipa<;ao individual reina por detras
de todes os nossos atos. Se em decadas passadas falava-se de
aliena<;ao - anos 60 e 70 - hoje, fala-se de emancipa<;ao; isto quer
dizer que nosses atos s6 tern sentido se sao entendidos como atos
que nos Iibertam enos fazem sentir-nos mais sujeitos da pr6pria
existencia.
129L1POVETSKY, G. op. cit., p. 71 .
130TAYLOR, C. Le malaise de la modernite. Paris, Cef. 1994, p. 63.
115
com a maneira de viver que vinha sendo proposta, uma fragmen-
ta9ao das coisas que tinham como ponto de incisao na vida, 0 hu-
mano, e uma ruptura da unidade psiquica. Surge, dessa maneira,
uma visao de imensa riqueza e heterogeneidade da vida, na qual
cada indivfduo deve pautar-se e ter como (mica referencia, a sua
propria existencia. Como exemplo pod em os citar a etica, tida como
o conjunto dos principios universais que regiam a vida de todos,
e que foi substitufda por uma etica pessoal e individualista, na
qual a consciencia sir.gular e a referencia ultima da organiza9ao
da dinamica pessoal. 0 centro da vida passa a nao ser mais a
racionalidade, mas os sentimentos, isto e, aquilo que se sente e se
experimenta internamente. Assim, 0 desejo sera 0 grande motor
da vida.
Essa nova maneira de encarar a existencia provocara uma
trai1sforma<;ao radical, em que 0 "ideal moderno de subordina<;ao
do individual as regras coletivas foi pulverizado, e 0 processo de
personaliza<;ao atual tem um valor fundamental, aquele da realiza-
<;ao cabal, pessoal, aquele do respeito a singularidade subjetiva".128
o estilo de vida, defendido pela pos-modernidade, passa a ser
o do questionamento de qualquer controle ou homogeneiza<;ao,
dando lugar a maxima de que, 0 importante e ser absolutamente
voce-mesmo, e a vida deve ser vivida com a maxima intensidade e
emo<;ao, deixando de lade a razao, simbolo do controle.
Essa nova maneira de estruturar a vida, originaria do projeto
da modernidade, gera por sua vez uma mentalidade que se propa-
ga com for<;a e envolve a maioria dos seus membros. 0 individua-
lismo passa a ser 0 motor da sociedade moderna, porem, ao longo
de quatro seculos, ele toma formas diferentes, e, hoje, vivemos um
individualismo extremamente exacerbado, adjetivado como narci-
sista. Assim, 0 "novo estagio do individualismo coloca-se de pe: 0
j . narcisismo designa 0 suryimento de um perfil inedito do indivfduo
. ,
128L1POVETSKY, G. op. cit., p. 13.
114
~'----- - - - - -
nas suas rela<;oes consigo mesmo e seu corpo, com 0 outro, 0
mundo e 0 tempo, justamente no momenta em que 0 capitalismo
autoritario cede lugar a um capitalismo hedonista e narcisista".129
Ora, 0 centramento sobre 0 eu passa a ditar a 0~ienta9ao de todas
as a<;oes do homem modemo, 0 fechamento sobre si me~mo, ao
ponto de excluir 0 outr~ de sua vida, passa a ser a maxima de vida
da maio ria das pessoas.
Esse individualismo narcisico, expressado na ideia de que
tudo deve passar pelo crivo do eu, vai derrubar os ultimos valores
sociais e morais que marcaram as gera90es anteriores, quando
a uniao familiar era mais importante do que a vida privada. Hoje,
pelo contrario, busca-se primeiro tudo 0 que satisfa9a aos proprios
desejos e expresse as propias emo<;oes, so depois pensa-se na
comunidade. E necessario curtir 0 instante para depois pensar no
futuro. Viver 0 presente pass a a ser a lei maxima dos tempos atu-
ais. Essa tirania do individualismo inaugura a pos-modemidade.
A propaga<;ao dessa mentalidade vai caracterizar a cultura
contemporanea como a cultura do narcisismo, que faz "do desa-
brochamento de si 0 principal valor da vida e que parece reco-
nhecer pouco as exigencias morais exteriores ou os engajamentos
profundos em face dos outros".130 Esse egocentrismo orienta nao
so os atos de nosso dia-a-dia, como os grandes objetivos de nos-
sa existencia. Existir em fun<;ao de si, nao mais em fun<;ao da
rela<;ao com 0 outro e 0 que passa a orientar todas as atitudes do
ser humano. A logica da emancipa<;ao individual reina por detras
de todes os nossos atos. Se em decadas passadas falava-se de
aliena<;ao - anos 60 e 70 - hoje, fala-se de emancipa<;ao; isto quer
dizer que nosses atos s6 tern sentido se sao entendidos como atos
que nos Iibertam enos fazem sentir-nos mais sujeitos da pr6pria
existencia.
129L1POVETSKY, G. op. cit., p. 71 .
130TAYLOR, C. Le malaise de la modernite. Paris, Cef. 1994, p. 63.
115
.. )
Como diz RENAUT: "De fato, a logica do individualismo e, segu-
ramente, ada independencia, da "libertagao dos entraves", tendo
como horizonte a maneira como 0 individuo tende a preocupar-se
apenas consigo mesmo".131 Essa tendencia, no cotidiano, coloca
os "indivfduos de acordo com um social pulverizado, glorificando 0
reino do desabrochamento do ego puro".132
Tragamos de uma forma geral 0 principio que rege nosso com-
portamento. 0 que nos intriga, agora, e tentar delinear algumas
caracterfsticas desse-rndividualismo narcisico, isto e, explicitar sua
fisionomia na nossa cultura.
o primeiro trago dessa cultura do narcisismo e que 0 homem
contemporaneo da mais valor ao presente do que ao futuro, isto
e, viver 0 presente, 0 momento, sem preocupar-se com 0 ama-
nha. "Hoje, vivemos para nos mesmos, sem nos preocupar com
nossas tradigoes e nossa posteridade".133 Centrar-se no presente,
ignorando 0 passado e nao se preocupando com 0 futuro, este e
o fenomeno que LASCH chama perda dosentido da continuidade
historica. Or~, 0 investimento no presente faz-nos perder de vista·
os valores da tradigao e as finalidades propostas pela dimensao
do futuro. E como dizer que a vida deve ser desfrutada e construi-
da so em cima do momento, do instantaneo, do fugaz.
o segundo trago pode ser detectado no momento em que a
sensibilidade polftica dos anos 60 - que mobilizou varios questio- .
namentos socia is em diversos regimes politicos, como, por exem-
plo, a explosao da luta armada em varios pafses da America Latina
- perde seu espago no meio dos jovens, e e, hoje, substitufda
pela sensibilidade terapeutica. A liberagao do eu governa as nos-
sas agoes, e e dentro dessa perspectiva que podemos entender
a proliferagao dos livros de auto-ajuda. Ha alguns anos atras, as
131 RENAUT, A. 0 Individuo. Reflexoes acerca da filosofia do sujeito. Rio de Janeiro:
Difel, 1998, p. 60.
132L1POVETSKY, G. op. cit., p. 79 .
133L1POVETSKY, G. opo cit., p. 730
116
livrarias nao possufam um espago tao grande para esse tipo de Ii-
teratura. Hoje, nao so e um tema obrigatorio, mas tem um lugar de
destaque na organizagao da loja. 0 homo psychologicus substitui
o homo politicus. Pratica-se com muita intensidade, principalmente
nos Estados Unidos, "a gestalt-terapia, a bioenergeticar as mas-
sagens, 0 jogging, fai chi, a danga moderna, a meditagao, etc".134
Tudo isso como sfmbolo dessa nova era que se descortina no hori-
zonte de uma sociedade hedonista e extremamente individualista.
Outro trago tfpico de uma sociedade centrada no eu e 0 culto
do corpo, levado ao extremo com 0 fenomeno denominado corpo-
latria, uma valorizagao sem precedentes do corpo. E bem verdade
que 0 corpo representa nossa identidade, isto e, ele e 0 nosso
cartao de visita, ele expressa 0 que somos. E por meio dele que
marcamos nossa presenga no mundo, mas 0 que fica patente e 0
investimento macigo no corpo mediante varias atitudes e praticas
cotidianas: "angustia da idade e das rugas, obsessoes de saude,
de "Iinha", de higiene, rituais de controle (check-up) e de manu-
tengoes (massagens, sauna, esportes, regimes), cultos solares e
terapeuticos, etc.".135 Nunca em outro tempo da historia humana 0
corpo foi tao valorizado, sendo que ja se fala que 0 grande mito
do seculo XXI sera 0 mito da saude perfeita, ocupando 0 corpo
um lugar de destaque. Atualmente, as grandes figuras femininas
da mfdia estao procurando apresentar sempre a imagem de que
possuem um corpo perfeito e, por isto, a era do silicone instalou-se
com tamanho sucesso.
Ainda podemos destacar, como expressao da presenga dessa
ideologia individualista no nosso quotidiano, 0 desaparecimento
da consciencia de classe e, conseqOentemente, 0 do s~ntimen
to de solidariedade, dando lugar a tirania da intimidade. 0 que
tem importancia, agora, e 0 eu intimo em detrimento dos papeis
134L1POVETSKY, G. opo cit., p. 77.
135L1POVETSKY, G. op. cit., pp. 86-87.
117
.. )
Como diz RENAUT: "De fato, a logica do individualismo e, segu-
ramente, ada independencia, da "libertagao dos entraves", tendo
como horizonte a maneira como 0 individuo tende a preocupar-se
apenas consigo mesmo".131 Essa tendencia, no cotidiano, coloca
os "indivfduos de acordo com um social pulverizado, glorificando 0
reino do desabrochamento do ego puro".132
Tragamos de uma forma geral 0 principio que rege nosso com-
portamento. 0 que nos intriga, agora, e tentar delinear algumas
caracterfsticas desse-rndividualismo narcisico, isto e, explicitar sua
fisionomia na nossa cultura.
o primeiro trago dessa cultura do narcisismo e que 0 homem
contemporaneo da mais valor ao presente do que ao futuro, isto
e, viver 0 presente, 0 momento, sem preocupar-se com 0 ama-
nha. "Hoje, vivemos para nos mesmos, sem nos preocupar com
nossas tradigoes e nossa posteridade".133 Centrar-se no presente,
ignorando 0 passado e nao se preocupando com 0 futuro, este e
o fenomeno que LASCH chama perda do sentido da continuidade
historica. Or~, 0 investimento no presente faz-nos perder de vista·
os valores da tradigao e as finalidades propostas pela dimensao
do futuro. E como dizer que a vida deve ser desfrutada e construi-
da so em cima do momento, do instantaneo, do fugaz.
o segundo trago pode ser detectado no momento em que a
sensibilidade polftica dos anos 60 - que mobilizou varios questio- .
namentos socia is em diversos regimes politicos, como, por exem-
plo, a explosao da luta armada em varios pafses da America Latina
- perde seu espago no meio dos jovens, e e, hoje, substitufda
pela sensibilidade terapeutica. A liberagao do eu governa as nos-
sas agoes, e e dentro dessa perspectiva que podemos entender
a proliferagao dos livros de auto-ajuda. Ha alguns anos atras, as
131 RENAUT, A. 0 Individuo. Reflexoes acerca da filosofia do sujeito. Rio de Janeiro:
Difel, 1998, p. 60.
132L1POVETSKY, G. op. cit., p. 79 .
133L1POVETSKY, G. opo cit., p. 730
116
livrarias nao possufam um espago tao grande para esse tipo de Ii-
teratura. Hoje, nao so e um tema obrigatorio, mas tem um lugar de
destaque na organizagao da loja. 0 homo psychologicus substitui
o homo politicus. Pratica-se com muita intensidade, principalmente
nos Estados Unidos, "a gestalt-terapia, a bioenergeticar as mas-
sagens, 0 jogging, fai chi, a danga moderna, a meditagao, etc".134
Tudo isso como sfmbolo dessa nova era que se descortina no hori-
zonte de uma sociedade hedonista e extremamente individualista.
Outro trago tfpico de uma sociedade centrada no eu e 0 culto
do corpo, levado ao extremo com 0 fenomeno denominado corpo-
latria, uma valorizagao sem precedentes do corpo. E bem verdade
que 0 corpo representa nossa identidade, isto e, ele e 0 nosso
cartao de visita, ele expressa 0 que somos. E por meio dele que
marcamos nossa presenga no mundo, mas 0 que fica patente e 0
investimento macigo no corpo mediante varias atitudes e praticas
cotidianas: "angustia da idade e das rugas, obsessoes de saude,
de "Iinha", de higiene, rituais de controle (check-up) e de manu-
tengoes (massagens, sauna, esportes, regimes), cultos solares e
terapeuticos, etc.".135 Nunca em outro tempo da historia humana 0
corpo foi tao valorizado, sendo que ja se fala que 0 grande mito
do seculo XXI sera 0 mito da saude perfeita, ocupando 0 corpo
um lugar de destaque. Atualmente, as grandes figuras femininas
da mfdia estao procurando apresentar sempre a imagem de que
possuem um corpo perfeito e, por isto, a era do silicone instalou-se
com tamanho sucesso.
Ainda podemos destacar, como expressao da presenga dessa
ideologia individualista no nosso quotidiano, 0 desaparecimento
da consciencia de classe e, conseqOentemente, 0 do s~ntimen
to de solidariedade, dando lugar a tirania da intimidade. 0 que
tem importancia, agora, e 0 eu intimo em detrimento dos papeis
134L1POVETSKY, G. opo cit., p. 77.
135L1POVETSKY, G. op. cit., pp. 86-87.
117
·.' I
socia is. Dessa maneira, 0 narcisismo "nao designa somente a pai-
xao pelo conhecimento de si, mas tambem a paixao da revelagao
intima do eu que e testemunhado pel a inflagao atual de biografias
e autobiografias ou pela psicologizagao da linguagem poHtica".136
o homem nao se identifica com as marcas da vida social mas ao ,
contrario, com a sua verdade psicologica.
Finalmente, nao no senti do de que esgotamos todas as carac-
teristicas dessa nova maneira de ser, mas, para resumir esse novo
estilo de vida, diremos que 0 homem moderno busca uma vida
"light". ROJAS parte de uma definigao do terma, dizendo que a
palavra "light, carrega impHcita uma mensagem forte: tudo e leve,
suave, descafeinado, ligeiro, aereo, fraco, e tudo tern baixo conte-
udo calorico; poderiamos dizer que estamos diante de um retrato
de novo tipo humano, cujo lema e comer e beber tudo sem nenhu-
ma caloria" .137 0 autor quer mostrar que, embora 0 termo na sua
origem tivesse um significado positiv~, agoraele "constitui um sinal
dOG tempos que correm, refletindo claramente um modelo de vida . '
muito pobre. A vida light caracteriza-se pelo fato de que tudo esta
sem calorias, sem gosto ou sem interesse; a essencia das coisas
nao importa, s6 e quente 0 superficial".138
Viver na superficialidade - sem buscar construir relagoes inter-
pessoais profundas, que exijam para a sua construgao uma saida
de si e a renuncia a algumas coisas - passou a ser a marca regis-
trada da maioria das pessoas. Em nenhum momento, pensa-e em
abrir mao de alguma coisa pessoal em beneficio do outro. S6 vale
o comodismo de cad a um. Nao se faz esforgo para participar de
algum debate mais significativo para a vida humana. Vamos fazer
de conta que os problemas estao longe de n6s, e, 0 que e mais
facil e comodo, nao vamos encara-Ios.
,36L1POVETSKY. G. op. cit., pp. 91-92.
'37 ROJAS. E. 0 homem moderno. A luta contra 0 vazio. Sao Paulo: Ed. Mandarim,
1996, p. 69.
'38ROJAS, E. op. cit., p. 70.
118
Ora, 0 tipo de conc/usao que se impoe, para caracterizar 0
tipo de vida atual, pode ser bem expresso no titulo do livro de L/-
POVETSKY, chamado a Era do Vazio. Talvez 0 grande sintoma
do momenta atual possa ser bem simbolizado com a questao do
vazio. Nao se encontra rumo para uma sociedade que .vivecada
vez mais no individualismo e que tem como princfpio a exc/usao
sistematica do outro.
11- PROBLEMAS EXISTENCIAS
CONTEMPORANEOS
o quadro desenhado acima explicita uma gama de transforma-
goes na estrutura existencial do homem. 0 que captamos, em pri-
meiro lugar, sao os sintomas do impacto desse tipo de organizagao
da sociedade sobre a vida psicologica do sujeito. Podemos enu-
merar uma infinidade de sintomas como depressao, stress, angus-
tia, desespero, etc., que refletem uma desorganizac;ao na estrutu-
ra da Existencia. Interessa-nos refletir sobre a questao que esta
subjacente a esses sintomas, pois permanecer neles, ou trata-Ios
de forma "objetiva", seria passar longe do problema existencial do
homem contemporaneo.
A pergunta que salta aos olhos e: existe um problema maior,
subjacente, se nao a todos os sintomas, mas a maioria deles, ou
isto e uma pseudoquestao? Essa ordenag80 da sociedade, base-
ada no efemero e no superficial, atinge algo mais profundo na vida
humana, ou nos, como seres human os, seremos capazes de viver
esse tipo de realidade sem sofrer nenhuma consequencia, isto e,
somos chamados a viver na banalidade?
A nosso ver, a vida humana tem uma significa980 tao profunda
que, quando impedimos sua manifestagao, aparecem varios tipos
de incomodos. 0 homem, diferentemente do animal, tem necessi-
dade de dar um sentido a sua vida. Essa capacidade e que nos faz
diferentes dos outros seres. Ninguem vive sem sentido. Acontece
119
·.' I
socia is. Dessa maneira, 0 narcisismo "nao designa somente a pai-
xao pelo conhecimento de si, mas tambem a paixao da revelagao
intima do eu que e testemunhado pel a inflagao atual de biografias
e autobiografias ou pela psicologizagao da linguagem poHtica".136
o homem nao se identifica com as marcas da vida social mas ao ,
contrario, com a sua verdade psicologica.
Finalmente, nao no senti do de que esgotamos todas as carac-
teristicas dessa nova maneira de ser, mas, para resumir esse novo
estilo de vida, diremos que 0 homem moderno busca uma vida
"light". ROJAS parte de uma definigao do terma, dizendo que a
palavra "light, carrega impHcita uma mensagem forte: tudo e leve,
suave, descafeinado, ligeiro, aereo, fraco, e tudo tern baixo conte-
udo calorico; poderiamos dizer que estamos diante de um retrato
de novo tipo humano, cujo lema e comer e beber tudo sem nenhu-
ma caloria" .137 0 autor quer mostrar que, embora 0 termo na sua
origem tivesse um significado positiv~, agora ele "constitui um sinal
dOG tempos que correm, refletindo claramente um modelo de vida . '
muito pobre. A vida light caracteriza-se pelo fato de que tudo esta
sem calorias, sem gosto ou sem interesse; a essencia das coisas
nao importa, s6 e quente 0 superficial".138
Viver na superficialidade - sem buscar construir relagoes inter-
pessoais profundas, que exijam para a sua construgao uma saida
de si e a renuncia a algumas coisas - passou a ser a marca regis-
trada da maioria das pessoas. Em nenhum momento, pensa-e em
abrir mao de alguma coisa pessoal em beneficio do outro. S6 vale
o comodismo de cad a um. Nao se faz esforgo para participar de
algum debate mais significativo para a vida humana. Vamos fazer
de conta que os problemas estao longe de n6s, e, 0 que e mais
facil e comodo, nao vamos encara-Ios.
,36L1POVETSKY. G. op. cit., pp. 91-92.
'37 ROJAS. E. 0 homem moderno. A luta contra 0 vazio. Sao Paulo: Ed. Mandarim,
1996, p. 69.
'38ROJAS, E. op. cit., p. 70.
118
Ora, 0 tipo de conc/usao que se impoe, para caracterizar 0
tipo de vida atual, pode ser bem expresso no titulo do livro de L/-
POVETSKY, chamado a Era do Vazio. Talvez 0 grande sintoma
do momenta atual possa ser bem simbolizado com a questao do
vazio. Nao se encontra rumo para uma sociedade que .vivecada
vez mais no individualismo e que tem como princfpio a exc/usao
sistematica do outro.
11- PROBLEMAS EXISTENCIAS
CONTEMPORANEOS
o quadro desenhado acima explicita uma gama de transforma-
goes na estrutura existencial do homem. 0 que captamos, em pri-
meiro lugar, sao os sintomas do impacto desse tipo de organizagao
da sociedade sobre a vida psicologica do sujeito. Podemos enu-
merar uma infinidade de sintomas como depressao, stress, angus-
tia, desespero, etc., que refletem uma desorganizac;ao na estrutu-
ra da Existencia. Interessa-nos refletir sobre a questao que esta
subjacente a esses sintomas, pois permanecer neles, ou trata-Ios
de forma "objetiva", seria passar longe do problema existencial do
homem contemporaneo.
A pergunta que salta aos olhos e: existe um problema maior,
subjacente, se nao a todos os sintomas, mas a maioria deles, ou
isto e uma pseudoquestao? Essa ordenag80 da sociedade, base-
ada no efemero e no superficial, atinge algo mais profundo na vida
humana, ou nos, como seres human os, seremos capazes de viver
esse tipo de realidade sem sofrer nenhuma consequencia, isto e,
somos chamados a viver na banalidade?
A nosso ver, a vida humana tem uma significa980 tao profunda
que, quando impedimos sua manifestagao, aparecem varios tipos
de incomodos. 0 homem, diferentemente do animal, tem necessi-
dade de dar um sentido a sua vida. Essa capacidade e que nos faz
diferentes dos outros seres. Ninguem vive sem sentido. Acontece
119
que, se nos nao damos um sentido a nossa vida, os outro, a socie-
dade, ou alguem imprimira para nos esse sentido. Assim, 0 sentido
da vida passa a ser 0 problema central do homem moderno, pois
essa efemeridade da vida impede que olhemos, com clareza, 0
sentido mais profundo de nossa exist€mcia.
A perda do sentido aparece no momenta em que comeyamos
a perder contato com a vida, no momento em que 0 contato com
os outros seres humanos deixa de ser primordial, e passa a ocu-
par um lugar secundario na nossa existemcia.1~9 YALOM, ao ana-
lisar os quatro elementos que compoem a dinamica existencial
do homem, mostra que a carencia de um sentido vital e uma das
vivencias fundamentais do ser humane e e constitutiva da psicodi-
namica existencial. A crise da falta de sentido vital configura varios
quadros neur6ticos e, quando ainda nao cristalizados, provoca as
mais diversas manifestayoes.
Outro psic610go que da uma importancia muito grande a essa
questao e FRANKL, chegando a dizer que a falta de sentido vital e
a tensao existencial fundamental. 140 Isto quer dizer que a questao
do sentido e algo constitutivo da natureza humana, e, uma vez que
nao seja levada em conta, acarretara grandes prejuizos no desen-
volvimento e no processo de individuayao da pessoa humana.
o sentido pode expressar-se por meio do significado que seda c uma ayao, ou por meio da direyao, do rumo que se da a vida.
As metas, os valores ou os ideais expressam a direyao dada a
vida. Toda vida deve ter um rumo, 0 que sustenta os significados
dos atos que pratico no dia-a-dia. As vezes, 0 desespero huma.no
pode ser a expressao da falta dessa direyao, e podelevar ao sui-
cidio como uma ultima tentativa de dar um sentido a existencia. A ,
falta de rumo e como viver dentro de um barco sem direyao, que e
139Tratei desse problema da perda do contato com a vida no meu artigo: "Desafios do
terapeuta hoje", em A pratica da pSicoterapia, org. por eamon, Editora Pioneira, Sao
Paulo, 1999, pp. 169-172.
140 Essa e a analise que YALOM faz da obra de FRANKL, em Psicoterapia existencial.
Barcelona, Herder, 1983, p. 503.
120
levado pelo movimento das ondas, e que nao se sabe se poderc~
chegar a algum lugar. Assim, 0 ser humane tem necessidade de
dar um significado a vida, 0 que FRANKL chamou de vontade de
sentido.
o mundo contemporaneo, porem, esta cheio de situayoes em
que a meta, a orientayao e neg ada. REALE diz que a raiz de todos
os problemas e 0 niilismo, que e a perda das grandes metas e dos
grandes valores. 0 questionamento dos valores que davam refe-
rencia ao homem e que foram jogados por terra, 0 viver sem rumo,
e a posiyao do homem ao momento presente, fugaz e superficial,
passaram a ser a tonica desse final de milenio.
Passemos, agora a analisar urn dos tres grandes problemas
que atingem 0 homem moderno e que, no nosso entender, tern sua
raiz comum na perda do sentido de vida. Esse dilema existencial
contemporaneo e 0 vazio.
III - VAZIO EXISTENCIAL
As pessoas apresentam uma variedade de sintomas que, no
fundo, sao 0 resultado de uma confrontayao do sujeito com 0 real
e consigo mesmo, e deparam-se com a falta de perspectiva de
vida. Quase todas as palavras usadas, como, por exemplo, fim,
fracasso, derrota, cansayo, mal-estar, sao conceitos para exprimir,
de uma forma ou de outra, 0 vazio diante da existencia. 0 proble-
ma que esta por baixo dessas questoes e 0 vazio, a vida perde 0
seu encanto, 0 seu significado.
Para entendermos 0 vazio e necessario verificar 0 seu compo-
nente antropol6gico e 0 seu componente social. 0 primeiro, surge
de um mal-estar pessoal, que decorre rnuitas vezes da situayao
que se esta vivendo, 0 segundo, surge do contexte mc:cro, isto
e, do tipo de sociedade e dos valores que essa sociedade impoe
a vida e que, juntamente com a questao antropol6gica, provoca 0
surgimento do vazio.
121
que, se nos nao damos um sentido a nossa vida, os outro, a socie-
dade, ou alguem imprimira para nos esse sentido. Assim, 0 sentido
da vida passa a ser 0 problema central do homem moderno, pois
essa efemeridade da vida impede que olhemos, com clareza, 0
sentido mais profundo de nossa exist€mcia.
A perda do sentido aparece no momenta em que comeyamos
a perder contato com a vida, no momento em que 0 contato com
os outros seres humanos deixa de ser primordial, e passa a ocu-
par um lugar secundario na nossa existemcia.1~9 YALOM, ao ana-
lisar os quatro elementos que compoem a dinamica existencial
do homem, mostra que a carencia de um sentido vital e uma das
vivencias fundamentais do ser humane e e constitutiva da psicodi-
namica existencial. A crise da falta de sentido vital configura varios
quadros neur6ticos e, quando ainda nao cristalizados, provoca as
mais diversas manifestayoes.
Outro psic610go que da uma importancia muito grande a essa
questao e FRANKL, chegando a dizer que a falta de sentido vital e
a tensao existencial fundamental. 140 Isto quer dizer que a questao
do sentido e algo constitutivo da natureza humana, e, uma vez que
nao seja levada em conta, acarretara grandes prejuizos no desen-
volvimento e no processo de individuayao da pessoa humana.
o sentido pode expressar-se por meio do significado que se
da c uma ayao, ou por meio da direyao, do rumo que se da a vida.
As metas, os valores ou os ideais expressam a direyao dada a
vida. Toda vida deve ter um rumo, 0 que sustenta os significados
dos atos que pratico no dia-a-dia. As vezes, 0 desespero huma.no
pode ser a expressao da falta dessa direyao, e podelevar ao sui-
cidio como uma ultima tentativa de dar um sentido a existencia. A ,
falta de rumo e como viver dentro de um barco sem direyao, que e
139Tratei desse problema da perda do contato com a vida no meu artigo: "Desafios do
terapeuta hoje", em A pratica da pSicoterapia, org. por eamon, Editora Pioneira, Sao
Paulo, 1999, pp. 169-172.
140 Essa e a analise que YALOM faz da obra de FRANKL, em Psicoterapia existencial.
Barcelona, Herder, 1983, p. 503.
120
levado pelo movimento das ondas, e que nao se sabe se poderc~
chegar a algum lugar. Assim, 0 ser humane tem necessidade de
dar um significado a vida, 0 que FRANKL chamou de vontade de
sentido.
o mundo contemporaneo, porem, esta cheio de situayoes em
que a meta, a orientayao e neg ada. REALE diz que a raiz de todos
os problemas e 0 niilismo, que e a perda das grandes metas e dos
grandes valores. 0 questionamento dos valores que davam refe-
rencia ao homem e que foram jogados por terra, 0 viver sem rumo,
e a posiyao do homem ao momento presente, fugaz e superficial,
passaram a ser a tonica desse final de milenio.
Passemos, agora a analisar urn dos tres grandes problemas
que atingem 0 homem moderno e que, no nosso entender, tern sua
raiz comum na perda do sentido de vida. Esse dilema existencial
contemporaneo e 0 vazio.
III - VAZIO EXISTENCIAL
As pessoas apresentam uma variedade de sintomas que, no
fundo, sao 0 resultado de uma confrontayao do sujeito com 0 real
e consigo mesmo, e deparam-se com a falta de perspectiva de
vida. Quase todas as palavras usadas, como, por exemplo, fim,
fracasso, derrota, cansayo, mal-estar, sao conceitos para exprimir,
de uma forma ou de outra, 0 vazio diante da existencia. 0 proble-
ma que esta por baixo dessas questoes e 0 vazio, a vida perde 0
seu encanto, 0 seu significado.
Para entendermos 0 vazio e necessario verificar 0 seu compo-
nente antropol6gico e 0 seu componente social. 0 primeiro, surge
de um mal-estar pessoal, que decorre rnuitas vezes da situayao
que se esta vivendo, 0 segundo, surge do contexte mc:cro, isto
e, do tipo de sociedade e dos valores que essa sociedade impoe
a vida e que, juntamente com a questao antropol6gica, provoca 0
surgimento do vazio.
121
Assim, 0 componente antropologico e a perda de sentido de
vida, analisada acima. A pessoa, na maioria das vezes de forma
inconsciente, deixa de ter um projeto de vida. As coisas que preen-
chiam 0 seu cotidiano VaG se esfacelando ou esfumagando-se, e a
vida comega a desmoronar. Isto deve-se ao fato de que 0 sentido foi
colocado nos objetos e nao na finalidade da vida, na maneira com
que as coisas eram experienciadas. Como 0 sentido expressa-se
na diregao que se imprime ao viver algo, assim, colocar sentido nas
coisas e falsear 0 problema. E necessario desvelar a orientagao que
sustem os atos concretos. A perda de sentido manifesta a deficien-
cia entre a ideia de diregao, que sustenta 0 ato, e a realizagao do
proprio ato. A ausencia de rumo que de significado ao ate e a perda
do sentido.
A esse componente antropologico, a pos-modernidade acres-
centa um tipo de fenomeno que nos chamaremos de componente
sociologico do problema do vazio da vida humana. Essa sociedade
individualista, centrada no eu, provoca a exclusao do outro do ce-
nario de nossa existencia. Isso vem esvaziar as relagoes interpes-
soais, provocando um desaparecimento de lagos pessoais entre os
homens. Estamos vivendo uma revolugao silenciosa, com respeito
as relagoes interpessoais: "0 que importa no presente e a pessoa
ser absolutamente ela mesmo, e desabrochar independentemen-.
te do outro".141 Essa quase aniquilagao das relagoes interpesso-
ais, restringe 0 contato com 0 outro apenas ao aspecto funcional.