Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
HISTÓRIA DO ENSINO RELIGIOSO E PERSPECTIVAS ATUAIS Autoria: Giseli Cristina dos Passos Indaial - 2021 UNIASSELVI-PÓS 1ª Edição CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090 Reitor: Prof. Hermínio Kloch Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD: Carlos Fabiano Fistarol Ilana Gunilda Gerber Cavichioli Cristiane Lisandra Danna Norberto Siegel Camila Roczanski Julia dos Santos Ariana Monique Dalri Bárbara Pricila Franz Marcelo Bucci Revisão de Conteúdo: Bárbara Pricila Franz Revisão Gramatical: Equipe Produção de Materiais Diagramação e Capa: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Copyright © UNIASSELVI 2021 Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. P289h Passos, Giseli Cristina dos História do Ensino Religioso e perspectivas atuais. / Giseli Cristina dos Passos. – Indaial: UNIASSELVI, 2021. 132 p.; il. ISBN 978-65-5646-319-3 ISBN Digital 978-65-5646-318-6 1. Ensino Religioso. - Brasil. II. Centro Universitário Leonardo da Vinci. CDD 200 Impresso por: Sumário APRESENTAÇÃO ............................................................................5 CAPÍTULO 1 A História do Ensino Religioso no Brasil .................................. 7 CAPÍTULO 2 Ensino Religioso: Legislação Normativa ................................. 49 CAPÍTULO 3 Ensino Religioso: Sala de Aula, Desafios e Perspectivas ..... 91 APRESENTAÇÃO Caro pós-graduando, o Ensino Religioso é a disciplina em que se confia a educação referente à religiosidade, do ponto de vista das escolas laica e pluralista. As religiões estão diretamente ligadas à história humana e refletem nos comportamentos pessoal e social da humanidade. É preciso elucidar que o Ensino Religioso existe sob o fundamento do conhecimento, sendo, atualmente, de matrícula facultativa e oferta obrigatória. Assim, buscaremos compreender como a disciplina se apresentou e se reestruturou no cenário educacional. O primeiro capítulo fará referência à historicidade da disciplina, analisará o percurso do Ensino Religioso do Brasil-Colônia, os desdobramentos no período da República, a partir de 1889, até a aprovação da Lei nº 9.475/97. Destacará a luta empreendida pela Igreja Católica para a manutenção do Ensino Religioso no ordenamento curricular, além dos constantes conflitos para a manutenção e a estruturação da disciplina no ensino fundamental das escolas públicas do país. Apresentará o FONAPER como importante associação não governamental para reestruturação da disciplina, promovendo a criação das Diretrizes Curriculares do Ensino Religioso. Bons estudos! CAPÍTULO 1 A HISTÓRIA DO ENSINO RELIGIOSO NO BRASIL A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: Situar o Ensino Religioso de cada período histórico no Brasil. Identifi car as características educacionais do Ensino Religioso no decurso da história, além da transformação ao longo do tempo. Desenvolver uma visão panorâmica da história do Ensino Religioso no Brasil. Entender as relações entre o Ensino Religioso e a sociedade no passado e no presente, e identifi car as projeções para a disciplina no futuro. 8 História do Ensino Religioso e Perspectivas Atuais 9 A HISTÓRIA DO ENSINO RELIGIOSO NO BRASIL Capítulo 1 1 CONTEXTUALIZAÇÃO Caro pós-graduando, a discussão acerca do Ensino Religioso, na educação pública do Brasil, é ponto de debate frequente. Com matrícula facultativa e oferta obrigatória, é, por vezes, identifi cada a partir de padrões históricos e culturais que a associam a uma prática pedagógica contrária à laicidade e à diversidade religiosa. Agora, buscaremos compreender como a disciplina se apresentou e se reestruturou no cenário educacional, uma vez que a presença foi motivada por contextos históricos, econômicos, sociais e políticos, que mudaram, de acordo com os interesses dos gestores políticos, religiosos e lideranças da área ao longo do processo histórico. O primeiro capítulo fará referência à historicidade da disciplina, analisará o percurso do Ensino Religioso do Brasil-Colônia, os desdobramentos no período da República, a partir de 1889, até a aprovação da Lei nº 9.475/97. Destacará a luta empreendida pela Igreja Católica para a manutenção do Ensino Religioso no ordenamento curricular, além dos constantes confl itos para a manutenção e a estruturação da disciplina no ensino fundamental das escolas públicas do país. Apresentará o FONAPER como importante associação não governamental para reestruturação da disciplina, promovendo a criação das Diretrizes Curriculares do Ensino Religioso. A partir de agora, prezado pós-graduando, você inicia a sua leitura para compreender como essa disciplina se constituiu no cenário educacional brasileiro ao longo da história. Descubra conosco como se deram a formação da identidade e o papel dessa disciplina. Bons estudos! 2 O ENSINO RELIGIOSO NOS PERÍODOS COLONIAL E IMPERIAL Entendemos, por Período Colonial, a fase que vai de 1530 a 1822, sendo caracterizada pela colonização portuguesa em terras que, posteriormente, chamar-se-iam de Brasil. Importante demarcar que o período de 1500 a 1530 é conhecido por Período Pré-Colonial, pois, apesar da chegada dos portugueses a essas terras, houve uma marginalização de Portugal em relação ao Brasil, e o interesse português, naquele momento, era o comércio, com as chamadas Índias, apenas existindo efetiva colonização posteriormente (SCHWARCZ; STARLING, 2015). 10 História do Ensino Religioso e Perspectivas Atuais Observe, a seguir, uma fi gura que remeterá ao primeiro ato ofi cial do Brasil, a primeira missa. Trata-se de uma pintura histórica do brasileiro Victor Meirelles e foi inspirada na carta escrita por Pero Vaz de Caminha ao rei de Portugal. FONTE: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Primeira_missa_no_Brasil>. Acesso em: 9 abr. 2021. FIGURA 1 – PRIMEIRA MISSA Caro pós-graduando, aprofunde o seu conhecimento a respeito da obra anterior de Victor Meirelles. Acesse o site e veja o vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=El3nhTDreyw. Nesse processo de domínio português em terras brasileiras, é importante destacar a participação da Companhia de Jesus, ordem religiosa católica, que foi fundada em 1534, mas que desembarcou por aqui apenas em 1549, com os objetivos de difundir o cristianismo nas terras americanas, converter indígenas e integrá-los à civilização ocidental (SCHWARCZ; STARLING, 2015). Com os jesuítas, o ensino da religião católica, no Brasil, tornou- se uma questão de cumprimentos de acordos entre a Igreja Católica e a Coroa Portuguesa, visando, principalmente, a uma doutrinação e a uma imposição das ideologias colonialistas, baseadas nos valores sociais cristãos. Para Borin (2018, p. 131), “o ‘Ensino Religioso’ se caracterizava como ‘doutrinação’, promovendo as ‘aulas de catequese’ aos nativos e negros ‘pagãos’. O enfoque central da proposta era Para Borin (2018, p. 131), “o ‘Ensino Religioso’ se caracterizava como ‘doutrinação’, promovendo as ‘aulas de catequese’ aos nativos e negros ‘pagãos’. O enfoque central da proposta era promover uma ‘Verdade de Fé’, tendo um conhecimento vinculado à religião cristã”. 11 A HISTÓRIA DO ENSINO RELIGIOSO NO BRASIL Capítulo 1 promover uma ‘Verdade de Fé’, tendo um conhecimento vinculado à religião cristã”. Esse momento demarcaria os primeiros passos de uma educação religiosa no nosso país. Em 1707, surgiram as Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, considerado o primeiro documento ofi cial que tratou da educação religiosa no Brasil e que previa a obrigação dos senhores proprietários decuidarem da educação religiosa dos escravizados, pois, para Torres-Londono (2006, p. 276), “ao contrário do que aconteceu com a população indígena, os membros da hierarquia da igreja, bispos, cónegos, visitadores eclesiásticos e as ordens religiosas, não se preocuparam em defender os africanos, questionar a legitimidade do cativeiro ou defi nir, para eles, formas de atendimento religioso”. Cabe destacar que não se falava, ainda, do Ensino Religioso como uma disciplina, tratava-se mais de uma formação religiosa. Já em 1759, o então Marquês de Pombal, ministro português, expulsou os jesuítas de Portugal e das colônias, o que incluía o Brasil. A educação formal, antes, a cargo da igreja, passou para as mãos de leigos, nas chamadas aulas régias (SCHWARCZ; STARLING, 2015). Para melhores compreensões histórica e legal do Ensino Religioso, o quadro a seguir servirá como uma síntese da leitura anterior. LINHA DO TEMPO ENSINO RELIGIOSO PERÍODO COLONIAL FONTE: A autora 12 História do Ensino Religioso e Perspectivas Atuais 1 - Vindos para a América do Sul com um projeto claro de catequizar grupos indígenas que encontrassem. O início das atividades jesuítas, na América Portuguesa, deu-se em 1549. São famosas as cartas dos padres jesuítas Manuel de Nóbrega e José de Anchieta, desde meados do século XVI, relatando as tentativas de conversão. A seguir, você encontrará um trecho de uma delas: “Convidamos os meninos a ler e a escrever e, conjunctamente, lhes ensinamos a doutrina christã [...], porque muitos se admiram de como sabemos ler e escrever e têm grande inveja e vontade de aprender e desejam ser christãos como nós outros, mas somente os impede o muito que custa tirar os maus costumes delles, e nisso está, hoje, toda a fadiga nossa”. (Carta de Pe. Manuel da Nóbrega ao D. Navarro, seu mestre, em Coimbra - Salvador, 10 de agosto de 1546) A partir da leitura do trecho exposto, é possível identifi car um dos principais instrumentos utilizados pelos jesuítas na catequização dos indígenas. Qual seria? Além disso, para Manuel de Nóbrega, qual seria o maior impedimento para a catequese? Após um longo período de domínio português, o Brasil proclamou a sua independência em 1822, e passou a ser governado por D. Pedro I. A história do Brasil-Império se estendeu até 1889. A primeira Constituição brasileira, e única do Império, foi outorgada em 25 de março de 1824, e defi nia o governo como monarquia constitucional hereditária, além disso, manteve a religião católica como religião ofi cial do Império, além de restringir a vivência das outras religiões aos cultos doméstico e particular. Art. 5. A Religião Cathólica Apostólica Romana continuará a ser a religião do Império. Todas as outras religiões serão permitidas com seu culto doméstico, ou particular, em casas para isso destinadas, sem forma alguma que seja exterior do templo (BRASIL, 1824). 13 A HISTÓRIA DO ENSINO RELIGIOSO NO BRASIL Capítulo 1 Esse período da história do Brasil demarcou uma segunda fase do Ensino Religioso no nosso país, agora, conectada ao Estado, porém, ainda voltada para um ensino da fé católica, servindo como aparelho ideológico, devido ao poder que a igreja ainda detinha. Para Junqueira (2011, p. 37), o Ensino Religioso, nessa fase, “caracterizava-se como catequese dirigida aos índios, escravos e ao povo como um todo”. Durante o Império, vimos surgir a primeira lei de educação do Brasil, a Lei Nacional de Instrução Pública, de 15 de outubro de 1827. Nela, determinava-se a criação de Escolas de Primeiras Letras, a serem implementadas em cidades-vilas e locais populosos. Verifi que o Art. 6º, que contemplava o Ensino Religioso: Art. 6. Os professores ensinarão a ler e a escrever as quatro operações de aritmética, prática de quebrados, decimais e proporções, as noções mais gerais de geometria prática, a gramática de língua nacional, e os princípios de moral cristã e da doutrina da religião católica e apostólica romana, proporcionados à compreensão dos meninos, preferindo, para as leituras, a Constituição do Império e a história do Brasil (BRASIL, 1827). Naquele momento em que a rede pública de ensino começou a existir timidamente e lentamente, ainda se verifi cava uma imposição de credo e de religião, e a fi nalidade esperada do Ensino Religioso era a catequização e a formação moral do indivíduo. Importante observar que, durante o período imperial, a instrução primária era privilégio usufruído somente para os mais favorecidos, sendo notável a distância entre a classe dominante e a grande massa analfabeta. Surgiam, nas cidades mais populosas, as escolas para meninas. 1 - Com base na leitura anterior e na do trecho a seguir, da Lei Nacional de Instrução Pública, de 1827, será possível perceber que, no período do Império, prevaleceu a presença do Ensino Religioso no currículo escolar, visando dar legitimidade à aliança estabelecida entre o Estado e a Igreja. Além da imposição de credo e de religião, qual outra fi nalidade era esperada do Ensino Religioso no período imperial? 14 História do Ensino Religioso e Perspectivas Atuais TRECHOS DA LEI NACIONAL DE INSTRUÇÃO PÚBLICA DE 1827 FONTE: <https://www12.senado.leg.br/noticias/especiais/arquivo-s/ nas-escolas-do-imperio-menino-estudava-geometria-e-menina- aprendia-corte-e-costura>. Acesso em: 9 abr. 2021. Para melhores compreensões histórica e legal do Ensino Religioso, o quadro a seguir servirá como uma síntese da leitura anterior. LINHA DO TEMPO ENSINO RELIGIOSO PERÍODO IMPERIAL FONTE: A autora 15 A HISTÓRIA DO ENSINO RELIGIOSO NO BRASIL Capítulo 1 FIGURA 2 – PINTURA PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA, DE BENEDITO CALIXTO FONTE: <https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2019/11/12/republica-completa- 130-anos-com-problemas-ainda-a-espera-de-solucao>. Acesso em: 9 abr. 2021. 3 O ENSINO RELIGIOSO NO PERÍODO REPUBLICANO Pós-graduando, Proclamação da República, no Brasil, aconteceu em 1889. Esse período da nossa história é dividido em fases, para melhor entendimento: • República Velha 1889 – 1930. • Era Vargas 1930-1945. • República Populista 1945-1964. • Ditadura Civil-Militar 1964-1985. • Nova República 1985 – hoje. Abordaremos as três primeiras fases do período republicano, sendo que as duas últimas terão partes próprias para abordagem. Assim, voltemos ao início dessa história. A Proclamação da República foi, em grande parte, resultado da aliança dos cafeicultores com o exército, visando vencer um inimigo comum: o Império. Nos primeiros dias, após 15 de novembro de 1889, houve um consenso que mencionava que os militares deveriam exercer o poder político, unidade que se romperia posteriormente. O governo provisório da recém-instalada República desejava resolver os primeiros e mais urgentes problemas criados pela proclamação, até que fosse redigida uma nova Constituição. 16 História do Ensino Religioso e Perspectivas Atuais Aprofunde o seu conhecimento acerca da Proclamação da República em https://www.youtube.com/watch?v=T2gMKpADSQU. Positivismo foi uma corrente fi losófi ca de Auguste Comte (1798- 1857), que surgiu como reação ao idealismo, cuja proposta era dar, à fi losofi a, um caráter distante da teologia e da metafísica, e considerar, como único e verdadeiro, o conhecimento humano, baseando-se apenas em fatos da experiência. FONTE: https://www.michelis.uol.com.br. Acesso em: 9 abr. 2021. O primeiro presidente da República, o marechal Deodoro da Fonseca, desde o início, cercou-se de positivistas, dentre eles, Rui Barbosa. Importante precursor para as mudanças educacionais, reivindicou, também, a Igreja e o Estado livres, e defendia a liberdade de culto religioso, mas em local próprio e desvinculado das escolas. Para Tomazini (2016, p. 38), “o Estado assume uma postura laica, isto é, passa a não professar nenhuma crença em particular e desvincula a religião de qualquer interferência na educação.Isso gera a eliminação da aula de religião nas escolas públicas”. Nesse contexto, foi ofi cializado o Decreto nº 119-A, de 07 de janeiro de 1890 (BRASIL, 1890). Nele, houve a separação entre Estado e igreja no Brasil, iniciando- se, assim, um novo momento na história do país, que repercutiria fortemente no campo educacional, e, em particular, no Ensino Religioso, pois esse projeto de laicidade do Estado brasileiro se efetivaria com a Constituição de 1891. O Art. 72, parágrafo 6°, cita que “será leigo o ensino ministrado nos estabelecimentos públicos” (BRASIL, 1891). Para Cury (2004, p. 76), a Carta Magna de 1891 17 A HISTÓRIA DO ENSINO RELIGIOSO NO BRASIL Capítulo 1 se laiciza, repondo a liberdade plena de culto e a separação da Igreja e do Estado [...], e põe o reconhecimento exclusivo, pelo Estado, do casamento civil, a secularização dos cemitérios e, fi nalmente, determina a laicidade nos estabelecimentos de ensino mantidos pelos poderes públicos (CURY, 2004, p. 76). Para Cury (2004, p. 76), a Carta Magna de 1891 se laiciza, repondo a liberdade plena de culto e a separação da Igreja e do Estado [...], e põe o reconhecimento exclusivo, pelo Estado, do casamento civil, a secularização dos cemitérios e, fi nalmente, determina a laicidade nos estabelecimentos de ensino mantidos pelos poderes públicos (CURY, 2004, p. 76). O termo laico signifi ca algo alheio ao clero ou a qualquer outra ordem religiosa; leigo. Oposto ao controle do clero sobre a sociedade. FONTE: https://www.michelis.uol.com.br. Acesso em: 9 abr. 2021. Em https://www.youtube.com/watch?v=Y77Sg6Npv0A&t=615s, você encontrará um debate a respeito do Estado laico e da intolerância religiosa, de suma importância para a prática da educação. 18 História do Ensino Religioso e Perspectivas Atuais Aprofunde o seu conhecimento acerca da intolerância religiosa no nosso país, fazendo a leitura da obra NOGUEIRA, S. Intolerância religiosa. São Paulo: Editora Jandaíra, 2020. O Estado laico pode autorizar o Ensino Religioso nas suas escolas? Em um paradigma cartesiano, dicotômico, pode-se afi rmar que cabe, ao Estado “laico”, a preocupação com os corpos, e não com os espíritos, com as ciências e as tecnologias, e não com as crenças e as religiões, com a vida terrena presente, e não com a vida depois da morte, com o natural, e não com o sobrenatural, com o imanente, e não com o transcendente. Entende-se que Ensino Religioso é coisa de espírito, de igreja, assunto confessional, dogmático, sobrenatural, próprio de grupos religiosos. Estado e igrejas não só estão separados, mas, como água e óleo, vivem em mundos e paradigmas diferentes e, não poucas vezes, também divergentes. Acontece, porém, que o cidadão crente se sente dividido, pois pertence, ao mesmo tempo, ao estado civil (matéria, corpo) e ao estado religioso (espírito, alma). A partir de uma visão globalizante do ser humano, pode-se ver as duas realidades integradas (a profana e a sagrada), e, a partir daí, também, pode-se visualizar, em uma sociedade democrática, a possibilidade de cooperação e a parceria entre os gestores dessas realidades profanas e religiosas, entre ciência e religião, entre Estado e igrejas. Consequentemente, autorizar o Ensino Religioso não confessional, o que já existe, não fere a natureza do Estado laico, pois respeita a diversidade religiosa da população. A religião não é assunto tão somente do indivíduo que crê e milita em alguma igreja, mas é um fato antropológico e social que perpassa todos os âmbitos de vida dos cidadãos que compõem o Estado plural e laico. Daí que, em uma proposta de formação integral, a dimensão religiosa não pode ser excluída. 19 A HISTÓRIA DO ENSINO RELIGIOSO NO BRASIL Capítulo 1 Entende-se que a escola é o espaço de construção de conhecimentos e, principalmente, de socialização dos conhecimentos historicamente produzidos e acumulados. Se o conhecimento religioso faz parte do conhecimento humano, o patrimônio da humanidade deve, também, estar disponível a todos os educandos. O Ensino Religioso, na matriz curricular, deve apresentar a religião como fato antropológico e social que permeia a vida dos cidadãos, crentes e não crentes, de qualquer sociedade, de todas as culturas. Em uma educação integral e de qualidade, a dimensão religiosa não pode ser excluída. Entende-se, pois, que a única maneira de viabilizar a laicidade do Estado, com o Ensino Religioso nas escolas públicas, é através do modelo não confessional, que traz doutrinas, dimensões sociais das diferentes religiões. Tal entendimento se justifi ca em razão de que a laicidade impõe que o Estado se mantenha neutro em relação às diferentes concepções religiosas presentes na sociedade, sendo-lhe vedado tomar partido em questões de fé, além de buscar o favorecimento ou o embaraço de qualquer crença ou grupo de crenças. FONTE: CORDEIRO, D. Diversidade religiosa, direitos humanos e Ensino Religioso. In: POZZER, A. et al. Ensino religioso na educação básica: fundamentos epistemológicos e curriculares. Florianópolis: Saberes em Diálogo, 2015. p. 145-153. Disponível em: https://fonaper.com.br/biblioteca/ ensino-religioso/ensino-religioso-na-educacao-basicafundamentos- epistemologicos-e-curriculares-2015/. Acesso em: 9 abr. 2021. 1 - Faça uma pesquisa dos seguintes termos e dos respectivos exemplos de países na atualidade: Estado laico, Estado confessional, Estado teocrático e Estado ateu. Para Saviani (2008, p. 179), “a exclusão do Ensino Religioso das escolas foi algo que a Igreja jamais aceitou, o que a levou a mobilizar todas as suas forças para reverter esse estado de coisas”. A Igreja Católica lutará, a todo o momento, para garantir a inserção da disciplina no currículo e para defender a importância e a legitimidade com o Estado laico. Importante observar que, ao longo da história 20 História do Ensino Religioso e Perspectivas Atuais da Primeira República (1889 - 1930), a oportunidade de ingresso e a qualidade do ensino brasileiro permaneceram como privilégios de uma pequena classe dominante em detrimento de uma grande parcela da população, formada apenas para trabalhar. A crise de 1929 gerou um desgaste na economia cafeeira brasileira. Surgiu, assim, um movimento revolucionário que derrubou a República Velha. Encabeçado por Getúlio Vargas, o movimento aglutinou diversas forças sociais: oligarquias dissidentes, classe média, burguesia urbana e instituições, como o exército, reivindicando a participação política em um cenário dominado, até então, quase que, exclusivamente, pela oligarquia cafeeira. FIGURA 3 – GETÚLIO VARGAS FONTE: <https://www.bbc.com/portuguese/ brasil-46159747>. Acesso em: 9 abr. 2021. Getúlio Vargas, líder máximo da Revolução de 30, governou o Brasil até 1945. O governo atravessou uma fase provisória (1930- 1934), uma fase constitucional (1934-1937) e uma fase ditatorial (1937- 1945) (SCHWARCZ; STARLING, 2015). Naquele momento da nossa história, chamada de Era Vargas, aconteceram mudanças signifi cativas na relação entre a Igreja e o Estado, principalmente, no que se refere ao Ensino Religioso nas escolas públicas. Vargas criou o Ministério da Educação e Saúde, ocupado por Francisco Campos. O novo ministro, articulado com a hierarquia católica e antiliberal, colaborou para o retorno do Ensino Religioso ao currículo, por meio do Decreto nº 19.941, de 30 de abril de 1931, que promovia o Ensino Religioso, de modo facultativo, nos estabelecimentos educacionais, a níveis primário, secundário e normal. Vargas criou o Ministério da Educação e Saúde, ocupado por Francisco Campos. O novo ministro, articulado com a hierarquia católica e antiliberal, colaborou para o retorno do Ensino Religioso ao currículo, por meio do Decreto nº 19.941, de 30 de abril de 1931, que promovia o Ensino Religioso, de modo facultativo, nos estabelecimentos educacionais,a níveis primário, secundário e normal. 21 A HISTÓRIA DO ENSINO RELIGIOSO NO BRASIL Capítulo 1 Desde então, a inclusão do Ensino Religioso é profundamente questionada no cenário republicano de um país laico. Após discussões acerca da inclusão, ou não, na Carta Magna de 1934, o artigo 153 propôs: Art. 153 O Ensino Religioso será de frequência facultativa e ministrado de acordo com os princípios da confi ssão religiosa do aluno, manifestada pelos pais ou responsáveis, e constituirá matéria dos horários nas escolas públicas primárias, secundárias, profi ssionais e normais (BRASIL, 1934). Para Cury (2004, p. 189), “o Ensino Religioso aparece em todas as constituições federais desde 1934, sob a fi gura de matrícula facultativa. Contudo, tal permanência não se deu sem confl itos”, e fez “parte de um capítulo próprio da história da educação brasileira, nas mais diferentes legislações de ensino”. Interessante perceber que a lei não oferecia alternativa com o que fazer com os alunos que optassem por não assistir às aulas, fato que permanece em questão até os dias atuais. Após discussões acerca da inclusão, ou não, na Carta Magna de 1934, o artigo 153 propôs. O caráter facultativo O caráter facultativo da oferta do Ensino Religioso merece uma pequena refl exão. Ser facultativo é não ser obrigatório na medida em que não é um dever. O caráter facultativo caminha na direção de salvaguardas para não ofender o princípio da laicidade. O mesmo se pode dizer da vedação de quaisquer formas de proselitismo e do fato de deixar, a uma entidade civil multirreligiosa, a defi nição de conteúdos. Como diz o parecer CP/CNE nº 05/97: A Constituição apenas reconhece a importância do Ensino Religioso para a formação básica comum do período de maturação da criança e do adolescente que coincide com o ensino fundamental e permite uma colaboração entre as partes, desde que estabelecida em vista do interesse público e respeitando – pela matrícula facultativa – opções religiosas diferenciadas ou, mesmo, a dispensa de frequência de tal ensino na escola (p. 2). O caráter facultativo de qualquer coisa gera o livre-arbítrio da pessoa responsável por realizar ou deixar de realizar algo que é proposto. A faculdade demonstra a a possibilidade de poder fazer ou não, de agir ou não como algo inerente ao direito subjetivo da pessoa. 22 História do Ensino Religioso e Perspectivas Atuais Ora, para que o caráter facultativo seja efetivo e a possibilidade de escolha se exerça como tal, é necessário que, dentro de um espaço regrado como é o das instituições escolares, haja a oportunidade de opção entre o Ensino Religioso e outra atividade pedagógica, igualmente signifi cativa para tantos quantos que não fi zerem a escolha pelo primeiro. Não se confi gura, como opção, a inatividade, a dispensa ou as situações de apartamento em locais que gerem constrangimento. Ora, a (s) atividade (s) pedagógica (s) alternativa (s), constante (s) do projeto pedagógico do estabelecimento escolar, igualmente, do Ensino Religioso, deve (m) merecer, da parte da escola para os pais ou os alunos, a devida comunicação, a fi m de que estes possam manifestar vontade perante uma das alternativas. Esse exercício de escolha, então, é um momento importante para a família, e para os alunos exercerem, conscientemente, a dimensão da liberdade como elemento constituinte da cidadania. FONTE: CURY, C. R. J. Ensino Religioso na escola pública: o retorno de uma polêmica recorrente. Revista Brasileira de Educação, Minas Gerais, v. 1, n. 27, p. 183-213, 2004. Disponível em: https://www.scielo. br/pdf/rbedu/n27/n27a12.pdf. Acesso em: 9 abr. 2021. Com a instauração do Estado Novo, em 1937, a Constituição de 1934, logo, foi substituída por uma nova Carta Magna, que mantinha o Ensino Religioso com a seguinte ressalva, no Art. 133: “O Ensino Religioso poderá ser contemplado como matéria do curso ordinário das escolas primárias, normais e secundárias. Não poderá, porém, constituir objeto de obrigação dos mestres ou dos professores, nem de frequência compulsória por parte dos alunos” (PAULY, 2004, p. 175). Durante essa fase ditatorial varguista, é importante destacar o Decreto-Lei nº 4.244, de 9 de abril de 1942, que instituiu a lei orgânica do ensino secundário e dispunha, no Art. 21: Art. 21 O ensino de relação constitui parte integrante da educação da adolescência, sendo lícito, aos estabelecimentos de ensino secundário, incluí-lo nos estudos do primeiro e do segundo ciclos. Parágrafo único. Os programas de ensino de religião e o regime didático serão fi xados pela autoridade eclesiástica (BRASIL, 1942). Com a instauração do Estado Novo, em 1937, a Constituição de 1934, logo, foi substituída por uma nova Carta Magna, que mantinha o Ensino Religioso com a seguinte ressalva, no Art. 133: “O Ensino Religioso poderá ser contemplado como matéria do curso ordinário das escolas primárias, normais e secundárias. Não poderá, porém, constituir objeto de obrigação dos mestres ou dos professores, nem de frequência compulsória por parte dos alunos” (PAULY, 2004, p. 175). 23 A HISTÓRIA DO ENSINO RELIGIOSO NO BRASIL Capítulo 1 A participação do Brasil, na Segunda Guerra Mundial (1939-1945), ao lado dos aliados, criou uma situação complicada: combatia-se a ditadura nazifascista na Europa, enquanto aqui se mantinha um regime ditatorial, já desgastado. Em 1943, começou a articulação para a redemocratização do país. Getúlio, percebendo que tal processo era inevitável, sinalizou em direção ao abrandamento da ditadura, antecipando o processo de redemocratização. Marcaram-se as eleições, porém, o exército, em 1945, desencadeou um golpe, derrubando Vargas e garantindo as eleições democráticas sem a participação dele. FIGURA 4 – JORNAL O GLOBO EDIÇÃO DE 30 DE OUTUBRO DE 1945 FONTE: <https://acervo.oglobo.globo.com/fatos-historicos>. Acesso em: 9 abr. 2021. Por fi m, pouco restava do pacto de 1934, e o futuro regime restabeleceria a tradição republicana de afastamento entre o Estado e a igreja, porém, mesmo assim, o Ensino Religioso fi cou garantido na Constituição Federal de 1946, devido à articulação de grupos religiosos vinculados à Igreja Católica. Art. 168 A legislação do ensino adotará os seguintes princípios: [...] V - o Ensino Religioso constitui disciplina dos horários das escolas ofi ciais, é de matrícula facultativa e será ministrado, de acordo com a confi ssão religiosa do aluno, manifestada por ele, se for capaz, ou pelo seu representante legal ou responsável (BRASIL, 1946). Para Tomazini (2016, p. 44), “neste período de redemocratização do país, o Ensino Religioso foi visto como uma disciplina que propiciou um constrangimento no cotidiano escolar pelos defensores da escola laica, visto que legitimaria, mais uma vez, o modelo confessional”. Art. 168 A legislação do ensino adotará os seguintes princípios: [...] V - o Ensino Religioso constitui disciplina dos horários das escolas ofi ciais, é de matrícula facultativa e será ministrado, de acordo com a confi ssão religiosa do aluno, manifestada por ele, se for capaz, ou pelo seu representante legal ou responsável (BRASIL, 1946). 24 História do Ensino Religioso e Perspectivas Atuais Em 1961, foi promulgada a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que defi nia e regularizava a organização da educação brasileira com base nos princípios presentes na Constituição. Um ponto importante de disputa foi a questão do Ensino Religioso nas escolas públicas, que se formaram, no período da elaboração, dois grupos opostos: um a favor da inclusão do Ensino Religioso na LDB, esse grupo, liderado pela Igreja Católica; e, o outro, contra, como a Associação Brasileira de Educação. Como resultado dessa disputa, o Ensino Religioso continuou a difundir os ensinamentos em sala de aula. Veja o quea Lei n° 4024/61 propôs no Art. 97: Art. 97 O Ensino Religioso constitui disciplina dos horários das escolas ofi ciais, é de matrícula facultativa, e será ministrado, sem ônus, para os poderes públicos, de acordo com a confi ssão religiosa do aluno, manifestada por ele, se for capaz, ou pelo seu representante legal ou responsável. § 1° A formação de classe, para o Ensino Religioso, independe de número mínimo de alunos. § 2° O registro dos professores de Ensino Religioso será realizado perante a autoridade religiosa respectiva (BRASIL, 1961). Nesse período, a disciplina de Ensino Religioso continuava a ser de matrícula facultativa, com professores escolhidos por autoridades religiosas, de forma voluntária ou fi nanciada por tradições religiosas e com o desafi o de lecionar, conforme crença de cada estudante. Art. 97 O Ensino Religioso constitui disciplina dos horários das escolas ofi ciais, é de matrícula facultativa, e será ministrado, sem ônus, para os poderes públicos, de acordo com a confi ssão religiosa do aluno, manifestada por ele, se for capaz, ou pelo seu representante legal ou responsável. § 1° A formação de classe, para o Ensino Religioso, independe de número mínimo de alunos. § 2° O registro dos professores de Ensino Religioso será realizado perante a autoridade religiosa respectiva (BRASIL, 1961). Para melhores compreensões histórica e legal do Ensino Religioso, o quadro a seguir servirá como uma síntese da leitura anterior. 25 A HISTÓRIA DO ENSINO RELIGIOSO NO BRASIL Capítulo 1 LINHA DO TEMPO ENSINO RELIGIOSO REPÚBLICA VELHA, ERA VARGAS E REPÚBLICA POPULISTA FONTE: A autora 4 O ENSINO RELIGIOSO NA DITADURA CIVIL-MILITAR A Ditadura Civil-Militar, instaurada em 1964, estendeu-se por 21 anos, nos quais a presidência da República foi ocupada, sucessivamente, por generais do exército. Foi um período marcado por extremo autoritarismo e ausência de democracia no nosso país. Vimos fl orescer, na história do Brasil, violência, censura e repressão, “gerando profundas mudanças em diversos setores, inclusive, na educação” (TOMAZINI, 2016, p. 45). 26 História do Ensino Religioso e Perspectivas Atuais FIGURA 5 – PASSEATA DOS CEM MIL, DE 1968 FONTE: <https://www.memorialdademocracia.com.br>. Acesso em: 9 abr. 2021. Aprofunde o seu conhecimento acerca da Ditadura Civil-Militar do Brasil: https://www.youtube.com/watch?v=EoJDRsV_TiU. Abordamos, ao longo deste capítulo, alguns termos que defi niremos a seguir. A Constituição é a lei maior de um país, superior a todas as outras leis. A respeito da maneira como ela foi feita, encontraremos dois tipos: A Constituição Federal, de 24 de janeiro de 1967, assim se referia ao Ensino Religioso nas escolas públicas, no Art. 176, Inciso V: “O Ensino Religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas de graus primário e médio” (BRASIL, 1967). Para Tomazini (2016, p. 45), nesse período, o ponto mais relevante foi a “questão da remuneração dos professores, que proveu alguns debates”, e que, pela “primeira vez na história brasileira, a Constituição Federal apresentou um artigo que não explicitava o caráter confessional ao Ensino Religioso”. 27 A HISTÓRIA DO ENSINO RELIGIOSO NO BRASIL Capítulo 1 a) Constituição outorgada: imposta ao povo pelo governante. Foram Constituições outorgadas, no Brasil: 1824, 1937 e 1967. b) Constituição promulgada: democrática, ou seja, feita pelos representantes do povo. Foram Constituições promulgadas, no Brasil: 1891, 1934, 1946 e 1988 (atual). Além da Constituição, outras leis e decretos foram criados com a fi nalidade de ensinar valores e noções considerados necessários à formação do cidadão ideal que se pretendia para o Brasil. Em 1971, foi outorgada a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), a Lei n° 5.692/71, que fazia referência ao Ensino Religioso nas escolas públicas, no Art. 7°, § único: “O Ensino Religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais dos estabelecimentos ofi ciais de 1° e 2° graus”. A LDB, de 1971, excluiu a expressão sem ônus para os cofres públicos. O Estado passou a assumir os custos da realização, e não estabeleceu que o Ensino Religioso devia ser lecionado, de acordo com a crença religiosa do aluno. Nesse momento, uma nova disciplina, no currículo escolar de 1° e 2° graus, tornou-se de matrícula obrigatória, a Educação Moral e Cívica. Os objetivos dessa disciplina, na escola, eram promover e fortalecer o civismo no Brasil, tendo, como meios, o ‘culto’ aos símbolos nacionais e as tradições. Além dessa ‘formação cultural’, outro propósito era estimular os educandos a obedecerem às leis, desenvolvendo um senso moral baseado em pressupostos religiosos (BORIN, 2018, p. 22). Houve, outra vez, uma reaproximação entre Estado e igreja, sendo, a Educação Moral e Cívica, um meio para difundir as ideias das duas instituições aos alunos. “Cabia, à igreja, a função de ensinar os preceitos morais, tão importan- tes para a consolidação das forças militares. As responsabilidades eclesiais eram esti mular e desenvolver, nos estudantes, o caráter” (BORIN, 2018, p. 23). A LDB, de 1971, excluiu a expressão sem ônus para os cofres públicos. O Estado passou a assumir os custos da realização, e não estabeleceu que o Ensino Religioso devia ser lecionado, de acordo com a crença religiosa do aluno. 28 História do Ensino Religioso e Perspectivas Atuais 1 - Durante a Ditadura Civil-Militar, também foi criado o Guia de Civismo, selecionado após um concurso, em 1968, e publicado em 1971. O guia possuía quatro tomos e era destinado ao Ensino Médio. A publicação precisava ser utilizada pelos professores de Educação Moral e Cívica em consultas permanentes, servindo como um norteador da disciplina. Leia um trecho desse guia a seguir: “O estado existe para o homem, para protegê-lo e incentivá-lo. Se o homem não atingir os seus ideais, não completar, não for feliz, se não se realizar, o Estado não cumpre a sua missão: falha, e nenhuma doutrina de força subsistirá. A integração total do homem compreende a harmonia integral entre espírito e carne, proclamada pelos sagrados preceitos do Cristianismo. Não basta, ao homem, ser atleta perfeito, um artista consumado, um fi lósofo profundo: é preciso que a sua alma se volte para Deus”. A partir da sua leitura anterior e do trecho do Guia de Civismo, identifi que a função principal dada à religião cristã católica durante a Ditadura Civil-Militar brasileira. Nesse contexto, a Igreja Católica passava por profundas modifi cações, advindas do Concílio Vaticano II. Buscava-se uma igreja mais próxima da realidade que se abria para o mundo, revendo o seu lugar nele e disposta a lutar por justiça e por fraternidade. O que foi o Concílio Vaticano II? Conferência realizada entre 1962 e 1965 gerou transformações profundas na igreja Foi uma série de conferências realizadas entre 1962 e 1965, consideradas o grande evento da Igreja Católica do século 20. Com os objetivos de modernizar a igreja e de atrair os cristãos afastados da religião, o papa João XXIII convidou bispos de todo o mundo para 29 A HISTÓRIA DO ENSINO RELIGIOSO NO BRASIL Capítulo 1 diversos encontros, debates e votações no Vaticano. Da pauta dessas discussões, constavam temas, como os rituais da missa, os deveres de cada padre, a liberdade religiosa e a relação da igreja com os fi éis e os costumes da época. “O Concílio tocou em temas delicados, que mudaram a compreensão da igreja acerca da sua presença no mundo moderno. Foram repensadas, por exemplo, as relações com as outras igrejas cristãs, o judaísmo e crenças não cristãs”, diz o teólogo Pedro Vasconcelos, da Pontifícia Universidade Católica (PUC), de São Paulo. Após três anos de encontros, as autoridades católicas promulgaram 16 documentoscomo resultado do Concílio. Muitas novidades apareceram nas questões teológicas e na hierarquia da igreja. O papa, por exemplo, aceitou dividir parte do seu poder com outros cardeais, e as missas passaram a ser rezadas na língua de cada país – antes, eram celebradas sempre em latim. Na questão dos costumes, porém, o encontro foi pouco liberal. A igreja continuou condenando o sexo antes do casamento e defendendo o celibato (proibição de se casar e de transar) para os padres. FONTE: https://super.abril.com.br/tudo-sobre/concilio/. Acesso em: 9 abr. 2021. Por fi m, o Ensino Religioso, nas escolas públicas brasileiras, passou por um processo de mudança e, em vários Estados, formaram-se grupos ecumênicos com a fi nalidade de criar um programa interconfessional cristão. Junqueira (2015, p. 13) destaca a criação da Revista de Catequese, em 1977, que publicava “artigos, notícias e experiências desse componente curricular que, com a Lei nº 5.692, de 1971, deu início a um novo percurso e a uma nova orientação para a disciplina”. A partir de 1979, a Ditadura Civil-Militar dava sinais de enfraquecimento. Iniciou-se o processo de redemocratização com a sociedade civil, como a greve dos metalúrgicos do ABC paulista. Inicialmente, os operários exigiam reajustes de salário, porém, passaram a exigir, também, liberdades democráticas. Somou-se, ainda, o fato de os exilados políticos voltarem ao Brasil com a aprovação da Lei da Anistia, o fi m do bipartidarismo e a criação de novos partidos. 30 História do Ensino Religioso e Perspectivas Atuais Para melhores compreensões histórica e legal do Ensino Religioso, o quadro a seguir servirá como uma síntese da leitura anterior. LINHA DO TEMPO ENSINO RELIGIOSO NA DITADURA CIVIL-MILITAR FONTE: A autora 5 O ENSINO RELIGIOSO E O PERÍODO DA REDEMOCRATIZAÇAO DO BRASIL Em 1983, o Brasil via nascer a campanha das “Diretas Já”, que pedia por eleições diretas para presidente da República, e em 1985, as eleições presidenciais ocorreriam de forma indireta, porém, marcando o fi m da Ditadura Civil-Militar no Brasil. Iniciava-se um período, na história do nosso país, conhecido como Nova República. Faltava a lei fundamental, do Estado, ser mudada, e, após um ano e oito meses de trabalho, deputados e senadores aprovaram a nova Constituição, promulgada em 5 de outubro de 1988, também conhecida como “Constituição Cidadã”, que incorporava exigências de diferentes grupos e movimentos sociais (SCHWARCZ; STARLING, 2015). 31 A HISTÓRIA DO ENSINO RELIGIOSO NO BRASIL Capítulo 1 FIGURA 6 – ULYSSES GUIMARÃES ERGUE A CONSTITUIÇÃO DE 1988 FONTE: <https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/10/05/senadores- comemoram-os-32-anos-da-constituicao>. Acesso em: 9 abr. 2021. No vídeo a seguir, poderemos acompanhar um momento histórico do nosso país, a evolução dos debates mais importantes durante a elaboração da Constituição de 1988, além da promulgação: https:// www.youtube.com/watch?v=XywPfKnZL4E. A Constituição de 1988 traz, no Art. 5: Art. 5 Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se, aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país, a inviolabilidade dos direitos à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: VI - são invioláveis as liberdades de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e às liturgias (BRASIL, 1988). A Constituição de 1988, válida até hoje, contempla a autonomia religiosa, assegurando a liberdade de crenças e, inclusive, o direito de não crer, além de reforçar o caráter laico do Estado. O Art. 19 assegura: 32 História do Ensino Religioso e Perspectivas Atuais Art. 19. É vedado, à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter, com eles ou seus representantes, relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público; II - recusar fé aos documentos públicos; III - criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si. Art. 5 Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se, aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país, a inviolabilidade dos direitos à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: VI - são invioláveis as liberdades de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e às liturgias (BRASIL, 1988). 1 - Leia o texto a seguir, pesquise a defi nição de intolerância e escreva a sua refl exão a respeito do que signifi ca ser intolerante. “Invadir terreiros de umbanda e candomblé, que, além de locais sagrados de culto, são, também, guardiães da memória de povos arrancados da África e escravizados no Brasil; desrespeitar a espiritualidade dos povos indígenas, ou tentar impor, a eles, a visão de que a sua religião é falsa; agredir os ciganos, devido à etnia ou crença, mesmo motivo que os levou ao quase extermínio na Europa, durante a Segunda Guerra Mundial: tudo isso é intolerância, é discriminação contra religiões [...]. O Código Penal Brasileiro, por sua vez, considera crime (punível com multa e até detenção) zombar, 33 A HISTÓRIA DO ENSINO RELIGIOSO NO BRASIL Capítulo 1 publicamente, de alguém por motivo de crença religiosa, impedir ou perturbar cerimônia ou culto, além de ofender, publicamente, imagens e outros objetos de culto religioso”. FONTE: JUNIOR, J. R. Diversidade religiosa e direitos humanos. 2021. Disponível em: http://www.mestreirineu.org/diversidade.htm. Acesso em: 9 abr. 2021. Para Tomazini (2016, p. 49), o Art. 19, da Constituição de 1988, trata “de desdobramento do princípio da igualdade”, e de um “imperativo de imediata aplicação, inclusive, em relação ao ensino público”, porém, a Constituição dispõe sobre o Ensino Religioso no Art. 210, parágrafo 1º: Art. 210. Serão fi xados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais. § 1° - O Ensino Religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental” (BRASIL, 1988). Tomazini (2016, p. 49) ressalta que, naquele momento, “a disciplina não possuía uma nomenclatura defi nida, era chamada de ‘aulas de religião’, ‘formação religiosa’, ‘educação religiosa’, mesmo com a legislação a referindo como Ensino Religioso”. Ainda, grupos religiosos começaram a construir uma identidade para a disciplina, em um momento em que o país assumia o direito à diversidade e a sociedade se percebia heterogênea. Como lidar com essas questões em sala de aula? Em 1995, em Florianópolis, foi criado o Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso, o FONAPER, com o objetivo de promover um grupo que representasse os interesses do Ensino Religioso. Dentre os objetivos iniciais, estavam garantir a presença do Ensino Religioso na LDB de 1996, produzir e publicar um Parâmetro Curricular Nacional para a disciplina (JUNQUEIRA, 2002). Art. 210. Serão fi xados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais. § 1° - O Ensino Religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental” (BRASIL, 1988). 34 História do Ensino Religioso e Perspectivas Atuais Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso O Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso – FONAPER é uma associação civil de direito privado, de âmbito nacional, sem vínculo político-partidário,confessional, sindical, sem fi ns econômicos, que congrega, conforme o estatuto, pessoas jurídicas e pessoas naturais identifi cadas com o Ensino Religioso, sem discriminação de qualquer natureza. Fundado em 26 de setembro de 1995, em Florianópolis/SC, vem atuando nas perspectivas de acompanhar, organizar e subsidiar o esforço de professores, pesquisadores, sistemas de ensino e associações na efetivação do Ensino Religioso como componente curricular. O FONAPER é um espaço de discussão e ponto aglutinador de ideias, propostas e ideais na construção de propostas concretas para a operacionalização do Ensino Religioso na escola. FONTE: https://fonaper.com.br/institucional/. Acesso em: 9 abr. 2021. Conforme Wagner e Junqueira (2011, p. 86-87), já na primeira sessão do FONAPER, que aconteceu em março de 1996, houve o início da elaboração de um texto para compor os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Religioso – PCNER. Em junho do mesmo ano, foram fi xados os eixos temáticos; em julho, contatados professores para serem colaboradores dos textos que dariam sustentação às diretrizes; e, por fi m, após outra sessão e reuniões, em outubro, foi feita a redação fi nal do texto dos PCNER, além da entrega ao MEC, em Brasília. Os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Religioso serviram como referencial curricular para a constituição da identidade da disciplina escolar, tornando-se modelo para a disciplina de Ensino Religioso nas escolas públicas. Foram compostos por: apresentação; elementos históricos do Ensino Religioso; concepção de área de ensino e objetivos da disciplina; critérios para a organização e a seleção de conteúdos e de pressupostos didáticos; além de fornecerem orientação didática, sugerindo formas de avaliação. Os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Religioso – PCNER apresentam cinco eixos organizadores, que indicam os conteúdos de cada ciclo ou série do Ensino Fundamental, para a efetivação da área do conhecimento: Culturas e Tradições Religiosas, Escrituras Sagradas e/ou Tradições Orais, 35 A HISTÓRIA DO ENSINO RELIGIOSO NO BRASIL Capítulo 1 Teologias, Ritos e Ethos. Os eixos do Ensino Religioso foram elaborados, com a fi nalidade de contemplar as diferentes facetas do fenômeno religioso, além de apresentá-lo nas diferentes concepções, trazendo, para a sala de aula, a pluralidade religiosa. • Culturas e Tradições Religiosas: o eixo Culturas e Tradições Religiosas estabelece o estudo do fenômeno religioso à luz da razão humana, analisando questões, como função e valores das tradições religiosa e ética, teodiceia, tradição religiosa natural e revelada, existência e destino do ser humano nas diferentes culturas. Esse eixo temático organiza os conteúdos de forma interdisciplinar. Os conteúdos estabelecidos dialogam com a fi losofi a, a história, a sociologia, a psicologia e as tradições religiosas. A fi losofi a permite que o educando conheça a ideia de transcendente de todas as tradições religiosas sem inferir verdade absoluta, transmitindo valores e verdades. A história, diferente da fi losofi a, estuda a organização das tradições religiosas dos contextos históricos, tendo, como ponto de partida, a seguinte pergunta norteadora: como as religiões se organizaram em tempos e em espaços diferentes? Deve ser explicada, ao educando, a origem da história das religiões e das transformações no tempo. A sociologia nos permite trazer o posicionamento político e as ideologias das tradições religiosas, refl etindo cada função política. A psicologia tem a função de explicar os caráteres subjetivo e psíquico dos acontecimentos a partir da experiência religiosa de cada sujeito. • Escrituras Sagradas e/ou Tradições Orais: o eixo Escrituras Sagradas e/ou Tradições Orais explica cada forma de organização religiosa que tem tradição escrita e/ou oral. Os textos sagrados transmitem, conforme a fé dos seguidores, uma mensagem do transcendente. Os conteúdos para esse eixo temático foram programados da seguinte maneira: • Primeiro: revelação, a autoridade do discurso religioso fundamentada na experiência mística do emissor que a transmite como verdade do transcendente para o povo. • Segundo: história das narrativas sagradas: o conhecimento dos acontecimentos religiosos dos mitos, segredos sagrados e formação dos textos. • Terceiro: contexto cultural: a descrição dos contextos social, político e ideológico determinantes na redação fi nal dos textos sagrados. 36 História do Ensino Religioso e Perspectivas Atuais • Quarto: exegese: a análise e a hermenêutica atualizadas dos textos sagrados. Desse modo, observa-se que a revelação é transmitida com a ajuda do discurso religioso, proferido com valores. As histórias das narrativas compõem valores, os quais transmitem novos signifi cados ao longo dos tempos. Com relação ao contexto cultural, o texto sagrado é escrito com infl uência dos contextos históricos, ou seja, valores, concepções de vida e muitos outros. Por fi m, na tradição escrita, a exegese contém um método a partir do qual se realiza a interpretação de textos sagrados. Dentre as análises, os PCNER destaca a hermenêutica. • Teologias: o eixo Teologias signifi ca o conjunto de afi rmações e de conhecimentos elaborados pela religião e repassados para os fi éis sobre o transcendente, de um modo organizado ou sistematizado. Os conteúdos do eixo temático estão organizados da seguinte maneira: • Primeiro: divindades: a descrição das representações do transcendente nas tradições religiosas. • Segundo: verdades de fé: o conjunto de mitos, crenças e doutrinas de orientação à vida do fi el em cada tradição religiosa. • Terceiro: vida além da morte: as possíveis respostas norteadoras do sentido de vida: a ressurreição, a reencarnação, a ancestralidade e o nada. Podemos identifi car, nesse mesmo eixo temático, divindades dentro das histórias das tradições religiosas, mas cada religião possui a sua divindade e um sistema de crença com valores religiosos e muitos outros. No que diz respeito à morte, as religiões explicam esse fenômeno de modo diferente, como a doutrina espírita, que estabelece essas questões através do fenômeno da reencarnação. • Ritos: o eixo Ritos reúne conteúdos com práticas celebrativas das tradições religiosas, formando um conjunto de rituais agrupados de várias maneiras. O estudo dos ritos se inicia com uma proposta de movimento que busca articular, positivamente, as nossas experiências rituais com aquelas que outras pessoas ou grupos vivenciaram ou vivenciam. A maioria das nossas experiências, religiosas ou não, tem relação com algum tipo de ritual. No cotidiano, vivenciamos alguns ritos não religiosos que se repetem, muitas vezes, ao longo do dia, e não nos damos conta da sua presença, até porque o rito está relacionado ao movimento e é ressignifi cado em tempos e em espaços opostos. 37 A HISTÓRIA DO ENSINO RELIGIOSO NO BRASIL Capítulo 1 Importante destacar que conteúdos relacionados a ritos não devam apresentar somente práticas celebrativas do catolicismo. A defi nição dos conteúdos deve contemplar práticas religiosas signifi cantes elaboradas pelos diferentes grupos religiosos, símbolos religiosos, comparando o signifi cado e o relacionamento das tradições religiosas com o transcendente e com os outros. • Ethos: o eixo temático Ethos está intimamente ligado aos valores, sendo que a moral humana e o próprio sentido de vida” e concepção de mundo defi nem o signifi cado. A adoção de conteúdos para esse eixo é alteridade, valores e limites. A alteridade impulsiona o educando a se relacionar com o outro. Os valores ampliam a visão de mundo do educando, “apresentando, a ele, um conjunto de normas das tradições religiosas”. Já o conteúdo de limites está na “fundamentação religiosa ética de várias tradições religiosas”. Os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Religioso apresentam alguns termos quesão muito importantes. Assim, segue uma pequena defi nição de alguns apresentados neste capítulo, mas se sinta à vontade para pesquisar mais, se quiser. Bons estudos! Teodiceia: o termo teodiceia vem do grego, theós, que signifi ca Deus, e diceia, que signifi ca justiça, ou seja, literalmente, quer dizer “justiça de Deus”. Parte da metafísica, que trata do problema do mal, procura justifi car a bondade de Deus contra as objeções levantadas a propósito daquele problema. É um termo derivado da obra Ensaio de Teodiceia, do fi lósofo alemão Leibniz, que justifi ca a existência de Deus a partir da discussão do problema do mal e da sua relação com a bondade de Deus. Metafísica: metafísica é uma palavra de origem grega. Meta signifi ca depois de, além de tudo, ou seja, literalmente, quer dizer “o que está para além da física/natureza”. Transcendente: que excede ou vai além da natureza física. Hermenêutica: arte ou técnica de interpretar ou de explicar um texto ou um discurso. Ver indicações de sites. Exegese: análise, explicação ou interpretação de uma obra feita de maneira cuidadosa. 38 História do Ensino Religioso e Perspectivas Atuais Ethos: característica comum a um grupo de indivíduos pertencentes a uma mesma sociedade. 1 - Para Borin (2018, p. 27), uma aula de Ensino Religioso, voltada ao conhecimento de diversas religiões, pode, facilmente, ser substituída por uma aula de “história das religiões”. Ao falar da história das religiões, corre-se o risco de que as aulas possam ser apenas uma parte do conteúdo da disciplina “História”, e não da disciplina “Ensino Religioso”. Em outras palavras, a aula pode se caracterizar somente por conhecimentos his tóricos, e não pela característica própria do Ensino Religioso. FONTE: BORIN, L. C. História do Ensino Religioso no Brasil. 1. ed. Santa Maria: UFMS, 2018. Conforme os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Religioso, quais conhecimentos devem ser abordados, a fi m de caracterizar, efetivamente, a disciplina de Ensino Religioso, e não de História das Religiões? Ensino Religioso e abordagens a partir das Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 39 A HISTÓRIA DO ENSINO RELIGIOSO NO BRASIL Capítulo 1 FONTE: Adaptado de Souza (2006) A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei nº 9.394/96, sancionada em 20 de dezembro de 1996, defi niu, no Art. 33: Art.33 O Ensino Religioso, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, sendo oferecido sem ônus para os cofres públicos, de acordo com as preferências manifestadas pelos alunos ou por seus responsáveis, em caráter: I - confessional, de acordo com a opção religiosa do aluno ou do seu responsável, ministrado por professores ou orientadores religiosos preparados e credenciados pelas respectivas igrejas ou entidades religiosas; ou II - interconfessional, resultante de acordo entre as diversas entidades religiosas, que se responsabilizarão pela elaboração do respectivo programa (BRASIL, 1996). A LDB, de 1996, trazia à tona, novamente, o Ensino Religioso, não sendo custeado pelos cofres públicos, oferecido nas modalidades confessional e interconfessional. Assim, o Ensino Religioso poderia ser oferecido ora na modalidade confessional, de acordo com a opção religiosa manifestada pelos 40 História do Ensino Religioso e Perspectivas Atuais alunos ou pelos responsáveis, ora na modalidade interconfessional, com um acordo entre as diversas entidades religiosas responsáveis pelo programa. Importante demarcar um breve histórico que se iniciou durante a Assembleia Nacional Constituinte, que acompanhou a fundação da FONAPER, com a formação de um forte lobby das igrejas cristãs, em especial, da liderança aberta, ou não, da Igreja Católica Apostólica Romana. Como apresentam Dickie e Lui (2007, p. 239), “entidades, como a Associação Interconfessional de Educação de Curitiba (Assintec), do Paraná, o Conselho de Igrejas para Educação Religiosa (Cier), de Santa Catarina, o Instituto de Pastoral de Campo Grande, Mato Grosso (Irpamat), e o Setor de Educação da CNBB”. Esse lobby assumiu negociações e garantiu a presença do Ensino Religioso na Constituição de 1988, além de intensos debates a respeito da responsabilidade fi nanceira do Estado no pagamento dos professores de Ensino Religioso após a LDB nº 9.394, de 1996. Lobby é uma atividade em que empresas, entidades, pessoas físicas e segmentos da sociedade lutam para viabilizar interesses perante o governo, no Congresso ou no Executivo. FONTE: https://www.politize.com.br. Acesso em: 9 abr. 2021. Para Junqueira (2002), após fortes pressões, lideradas pela Igreja Católica e pelo FONAPER, foram apresentados, ao Congresso Nacional, três projetos de lei que alteraram o Art. 33, da LDB de 1996. O primeiro projeto foi apresentado pelo deputado federal Nelson Marquezan, retirando a expressão sem ônus para os cofres públicos. O segundo projeto foi apresentado pelo deputado federal Maurício Requião, mudando, de forma substancial, o artigo da LDB. Estabelecia que o Ensino Religioso deveria colaborar com a formação básica do cidadão e vetava qualquer forma de proselitismo e doutrinação, respeitando a diversidade religiosa brasileira. Por fi m, o projeto de lei de autoria do Poder Executivo, n° 3.043/97, que defendia a manutenção do texto da LDB, mas acrescentava que a defi nição de conteúdos, de formação e de remuneração dos professores seria de responsabilidade do sistema de ensino, sendo admitida parceria total ou parcial com entidade civil que congregasse diversas denominações religiosas. Alterou-se o conteúdo no qual resultou a Lei 9.475/97: 41 A HISTÓRIA DO ENSINO RELIGIOSO NO BRASIL Capítulo 1 Art. 33. O Ensino Religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina de horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo (Redação dada pela Lei n° 9.475, de 22.7.1997). § 1°. Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a defi nição dos conteúdos do Ensino Religioso e estabelecerão as normas para a habilitação e a admissão dos professores (Redação incluída pela Lei n° 9.475, de 22.7.1997). § 2°. Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas diferentes denominações religiosas, para a defi nição dos conteúdos dos ensinos religiosos (Redação incluída pela Lei n° 9.475, de 22.7.1997). A nova redação assegurou a matrícula facultativa, o respeito às diversidades cultural e religiosa, e vetou o proselitismo, ou seja, o esforço contínuo para a conversão de alguém a uma determinada religião, seita ou doutrina. A nova redação especifi cava que as unidades da federação fi cariam responsáveis pela oferta da disciplina, pela defi nição dos conteúdos e pela formação docente. Para tanto, fi cou mantido que os sistemas de ensino precisavam consultar agências consultivas, a fi m de elaborar propostas. Para Tomazini (2016, p. 52), a Lei nº 9.475/97 era ampla e ambígua, pois deixava várias lacunas a serem preenchidas pelos Conselhos Estaduais de Ensino, conforme realidade e vivências regionais, fi cando, a cargo das Secretarias Estaduais de Educação e dos Conselhos de Educação, a regulamentação. “Além disso, existe a possibilidade de o Projeto Político Pedagógico de cada unidade escolar adaptar tal legislação à realidade. Essa expressão facultativa permanece até os dias atuais” (TOMAZINI, 2016, p. 52). Borin (2018, p. 26) aponta para a contradição da Lei nº 9.475/97: “podemos dizer que é um tanto paradoxal uma disciplina se constituir como uma forma integrante para a formação básica do cidadão e, ao mesmo tempo, ser de matrícula facultativa”. A relação estabelecida pela Lei nº 9.475/97, entre a responsabilidade do Estado, o nãoproselitismo, e a existência de uma entidade civil, que atue como consultora dos conteúdos, estimulou a FONAPER a criar, nos diferentes Estados, Conselhos para o Ensino Religioso (CONER), que assumiram ser, a entidade civil considerada pela lei, como assessora das Secretarias de Educação para os conteúdos de Ensino Religioso. 42 História do Ensino Religioso e Perspectivas Atuais Por fi m, em 1998, o Conselho Nacional de Educação (CNE) instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental (Resolução CEB/ CNE nº 2), conferindo, ao Ensino Religioso, o status de área do conhecimento. O Ensino Religioso, de maneira facultativa, legitimou-se como disciplina comum das escolas públicas do Ensino Fundamental, assumindo a identidade pedagógica. Para melhores compreensões histórica e legal do Ensino Religioso, o quadro a seguir servirá como uma síntese da leitura anterior. FONTE: A autora LINHA DO TEMPO ENSINO RELIGIOSO - REDEMOCRATIZAÇÃO DO BRASIL 43 A HISTÓRIA DO ENSINO RELIGIOSO NO BRASIL Capítulo 1 1 - Com a intenção de melhorar a organização das ideais estudadas, preencha o quadro comparativo a seguir, com a abordagem que cada LDB faz da disciplina de Ensino Religioso: LDB TEMA Lei nº 4.024, de 1961 Lei nº 5.692, de 1971 Lei nº 9.394, de 1996 ENSINO RELIGIOSO 2 - A Lei nº 9.475/97 deu nova redação ao Art. 33, da LDB nº 9394/96, e constituiu o Ensino Religioso como disciplina escolar, desse modo, considera-se como uma área de conhecimento. Acerca da Lei nº 9.475/97, analise as afi rmativas a seguir: O Ensino Religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão, e constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo. Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a defi nição dos conteúdos de Ensino Religioso e estabelecerão as normas para a habilitação e a admissão dos professores. Os sistemas de ensino ouvirão entidades clericais, para a defi nição dos conteúdos do Ensino Religioso. 44 História do Ensino Religioso e Perspectivas Atuais Está (estão) CORRETA (s): a) I, apenas. b) II, apenas. c) III, apenas. d) I e II, apenas. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES Podemos perceber que, nesses longos séculos de história do nosso país, a prática do Ensino Religioso sempre esteve presente. Em um primeiro momento, efetivava-se como ensino da religião cristã católica, sendo responsável por catequizar diferentes nações indígenas e por converter diversos povos oriundos da África. Ainda hoje, muitos professores de Ensino Religioso, por não terem embasamento nas práticas pedagógicas, ainda elaboram aulas a partir de valores cristãos, desvinculadas dos novos paradigmas educa cionais. Em 1889, com a Proclamação da República, o país se declarou laico. Buscou- se uma separação entre o Estado e a religião cristã católica. Nesse contexto, o Ensino Religioso se tornou motivo de intensos confl itos e disputas. Durante todo o século XX, acompanhamos a disciplina, buscando reconhecimento no currículo básico da educação pública do Brasil. Para tanto, a disciplina se desvinculou do confessionalismo e do proselitismo, reconhecendo e respeitando as diferenças culturais presentes no nosso país. Apesar de o Brasil ser um país de múltiplas religiões e de crenças, que tem o Ensi no Religioso atuante nas instituições de ensinos público e privado em todo o territó rio nacional, percebemos, ainda, muitos preconceitos na aceitação do diferente, da alteridade e da diversidade. Assim, esperamos que o fato de você conhecer os caminhos traçados pelo Ensino Religioso na história do Brasil possa contribuir para novos caminhos, sabendo quais foram os erros e os acertos, e ressignifi cando o papel desse componente curricular. 45 A HISTÓRIA DO ENSINO RELIGIOSO NO BRASIL Capítulo 1 REFERÊNCIAS BORIN, L. C. História do Ensino Religioso no Brasil. 1. ed. Santa Maria: UFMS, 2018. BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Conselho Nacional de Educação. Câmara da Educação Básica. Resolução nº 2, de 7 abril de 1998. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental. Brasília, 1998. BRASIL. Lei nº 9.475, de 22 de julho de 1997. Dá nova redação ao Art. 33, da Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/ l9475.htm. Acesso em: 6 abr. 2021. BRASIL. Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/ leis/L9394.htm. Acesso em: 9 abr. 2021. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/cciv il03/Constituicao/Constituicao88.htm. Acesso em: 6 abr. 2021. BRASIL. Lei nº 5.692, de 11 de agosto de 1971. Fixa diretrizes e bases para o ensino de 1° e 2º graus, e dá outras providências. Disponível em: http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5692.htm. Acesso em: 6 abr. 2021. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 1967. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ Constituicao67.htm. Acesso em: 6 abr. 2021. BRASIL. Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961. Fixa as diretrizes e bases da educação nacional. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/ lei/1960-1969/lei-4024-20-dezembro-1961-353722-normaatualizada-pl.html. Acesso em: 6 abr. 2021. BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. 1946. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ Constituicao/Constituicao46. htm. Acesso em: 6 abr. 2021. BRASIL. Decreto-Lei nº 4.244, de 9 de abril de 1942. Disponível em: http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1937-1946/Del4244.htm. Acesso em: 6 abr. 2021. 46 História do Ensino Religioso e Perspectivas Atuais BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. 1937. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ cciv i l 03 / Constituicao/ Constituicao37.htm. Acesso em: 6 abr. 2021. BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. 1934. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/constituicao/ constituicao34. htm. Acesso em: 6 abr. 2021. BRASIL. Decreto nº 19.941, de 30 de abril de 1931. Disponível em: https:// www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1930-1939/decreto-19941-30-abril-1931- 518529-publicacaooriginal-1-pe.html. Acesso em: 6 abr. 2021. BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. 1891. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03 / Constituicao/ Constituicao91.htm. Acesso em: 6 abr. 2021. BRASIL. Decreto n° 119-A, de 7 de janeiro de 1890. Prohibe a intervenção da autoridade federal e dos Estados federados em matéria religiosa, consagra a plena liberdade de cultos, extingue o padroado e estabelece outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/decreto/1851-1899/d119-a. htm. Acesso em: 6 abr. 2021. BRASIL. Lei de 15 de outubro de 1827. Manda crear escolas de primeiras letras em todas as cidades, vilas e lugares mais populosos do Império. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LIM/LIM-15-10-1827.htm. Acesso em: 6 abr. 2021. BRASIL. Constituição Política do Império do Brazil. 1824. Disponível em: http:// www.planalto.gov.br/ ccivil_03/Constituicao/ Constituicao24.htm. Acesso em: 6 abr. 2021. CURY, C. R. J. Ensino Religioso na escola pública: o retorno de uma polêmica recorrente. Revista Brasileira de Educação, Distrito Federal, v. 1, n. 27, p. 183- 212, 2004. DICKIE, M. A. S.; LUI, J. de A. O Ensino Religioso e a interpretação da lei. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, v. 13, n. 27, p. 237-252, 2007. FÓRUM NACIONAL PERMANENTE DO ENSINO RELIGIOSO. Parâmetros Curriculares Nacionais– Ensino Religioso. São Paulo: Ave Maria, 1997. 47 A HISTÓRIA DO ENSINO RELIGIOSO NO BRASIL Capítulo 1 JUNQUEIRA, S. R. A. Educação e história do Ensino Religioso. Pensar a Educação em Revista, Curitiba/Belo Horizonte, v. 1, n. 2, p. 5-24, 2015. JUNQUEIRA, S. R. A. A presença do Ensino Religioso no contexto da educação. In: WAGNER, R.; JUNQUEIRA, S. O Ensino Religioso no Brasil – 2. Ed. Rev. e Ampl. Curitiba: Champagnat, 2011. JUNQUEIRA, S. R. A. O processo de escolarização do Ensino Religioso no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2002. PAULY, E. L. O dilema epistemológico do Ensino Religioso. Revista Brasileira de Educação, Distrito Federal, v. 1, n. 27, p. 172-2139, 2004. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-24782004000300012&script=sci_ arttext. Acesso em: 11 maio 2020. SAVIANI, D. História das ideias pedagógicas no Brasil. 2. ed. Campinas: Autores Associados, 2008. SCHWARCZ, L. M.; STARLING, H. M. Brasil: uma biografi a. 1. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. TOMAZINI, D. A. O Ensino Religioso na educação pública e o trabalho docente: um estudo no município de Uberlândia/MG a partir da Lei de Diretrizes e Bases 1996/97. Uberlândia: Universidade Federal de Uberlândia, 2016. TORRES-LONDONO, F. As Constituições do Arcebispado da Bahia de 1707 e a presença da escravidão. Curitiba: Aos quatro ventos, 2006. WAGNER, R.; JUNQUEIRA, S. Uma breve história do Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso – FONAPER (1995 a 2010). In: WAGNER, R.; JUNQUEIRA, S. O Ensino Religioso no Brasil – 2. Ed. Rev. e Ampl. Curitiba: Champagnat, 2011. 48 História do Ensino Religioso e Perspectivas Atuais CAPÍTULO 2 ENSINO RELIGIOSO: LEGISLAÇÃO NORMATIVA A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: Promover o conhecimento da legislação que embasa o Ensino Religioso. Apresentar o conhecimento religioso a partir de pressupostos éticos e científi cos. Interpretar a legislação normativa para o Ensino Religioso. Problematizar representações sociais preconceituosas acerca do outro, com o intuito de combater a intolerância, a discriminação e a exclusão. 50 História do Ensino Religioso e Perspectivas Atuais 51 ENSINO RELIGIOSO: LEGISLAÇÃO NORMATIVA Capítulo 2 1 CONTEXTUALIZAÇÃO Caro pós-graduando, neste capítulo, compreenderemos a legislação que embasa o Ensino Religioso, mais propriamente, as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) e a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Para isso, inicialmente, abordaremos algumas diferenças essenciais. As DCNs foram instituídas, em 1998, pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), porém, têm origem na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), de 1996. As DCNs são normas para a Educação Básica e orientam o planejamento curricular das escolas e dos sistemas de ensino. As DCNs se diferem dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), pois enquanto as DCNs são leis, dando as metas e os objetivos a serem buscados em cada curso, os PCNs são apenas referências curriculares, não leis. Pós-graduando, no capítulo anterior, abordamos as três versões da LDB e os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Religioso, você se lembra? A BNCC é um documento que determina os conhecimentos essenciais que todos os alunos da Educação Básica devem aprender, ano a ano, independentemente do lugar onde moram ou estudam. Todos os currículos de todas as redes públicas e particulares do país devem conter esses conteúdos. Em suma, a BNCC foi elaborada à luz do que mencionam os PCNs e as DCNs. No entanto, a BNCC é mais específi ca, determinando, com mais clareza, os objetivos de aprendizagem de cada ano escolar. Ela é obrigatória em todos os currículos, de todas as redes do país, públicas e particulares, ao contrário dos documentos anteriores, que devem continuar existindo, mas apenas como documentos orientadores não obrigatórios. 2 AS DIRETRIZES CURRICULARES E O ENSINO RELIGIOSO Como abordamos ao fi m do Capítulo 1, as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) foram instituídas, em 1998, pelo Conselho Nacional de Educação (CNE). Os DCNs são normas para a Educação Básica Os DCNs são normas para a Educação Básica e orientam o planejamento curricular das escolas e dos sistemas de ensino. As DNCs conferem, ao Ensino Religioso, o status de área do conhecimento, mesmo que, de maneira facultativa, como disciplina comum das escolas públicas de Ensino Fundamental, passando a ser designada como “Educação Religiosa”. 52 História do Ensino Religioso e Perspectivas Atuais e orientam o planejamento curricular das escolas e dos sistemas de ensino. As DNCs conferem, ao Ensino Religioso, o status de área do conhecimento, mesmo que, de maneira facultativa, como disciplina comum das escolas públicas de Ensino Fundamental, passando a ser designada como “Educação Religiosa”. Aprofunde o seu conhecimento acerca das DCNs. Acesse: https://www.youtube.com/watch?v=CBIMqXbeg8U Se preferir, leia os seguintes documentos na íntegra: h t t p : / / p o r t a l . m e c . g o v . b r / i n d e x . p h p ? o p t i o n = c o m _ docman&view=download&alias=6704-rceb004-10-1&category_ slug=setembro-2010-pdf&Itemid=30192 (Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica - Resolução CNE n° 04/2010) e http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_ docman&view=download&alias=7246-rceb007-10&category_ slug=dezembro-2010-pdf&Itemid=30192 (Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental dos Nove Anos - Resolução CNE n° 07/2010). O Ensino Religioso é tratado, conforme previsto nas Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica (Resolução CNE n° 04/2010) e nas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental dos Nove Anos (Resolução CNE n° 07/2010). Segundo a Resolução CNE nº 04/2010: Art. 14. A Base Nacional Comum, na Educação Básica, constitui-se de conhecimentos, saberes e valores produzidos culturalmente, expressos nas políticas públicas e gerados nas instituições produtoras dos conhecimentos científi co e tecnológico, no mundo do trabalho, no desenvolvimento das linguagens, nas atividades desportivas e corporais, na produção artística, nas formas diversas de exercício da cidadania e nos movimentos sociais. § 1º Integram, a Base Nacional Comum Nacional: a) a Língua Portuguesa; b) a Matemática; c) o conhecimento dos mundos físico, natural, das realidades social e política, especialmente, do Brasil, incluindo-se o estudo da História e das Culturas Afro-Brasileira e Indígena, d) a Arte, nas diferentes formas de expressão, incluindo-se a Música; e) a Educação Física; f) o Ensino Religioso. § 1º Integram, a Base Nacional Comum Nacional: a) a Língua Portuguesa; b) a Matemática; c) o conhecimento dos mundos físico, natural, das realidades social e política, especialmente, do Brasil, incluindo-se o estudo da História e das Culturas Afro-Brasileira e Indígena, d) a Arte, nas diferentes formas de expressão, incluindo-se a Música; e) a Educação Física; f) o Ensino Religioso. 53 ENSINO RELIGIOSO: LEGISLAÇÃO NORMATIVA Capítulo 2 § 2º Tais componentes curriculares são organizados pelos sistemas educativos, em forma de áreas de conhecimento, disciplinas, eixos temáticos, preservando-se a especifi cidade dos diferentes campos do conhecimento, por meio dos quais se desenvolvem as habilidades indispensáveis ao exercício da cidadania, em ritmo compatível com as etapas do desenvolvimento integral do cidadão. § 3º A Base Nacional Comum e a parte diversifi cada não podem se constituir em dois blocos distintos, com disciplinas específi cas para cada uma dessas partes, mas devem ser organicamente planejadas e geridas de tal modo que as tecnologias de informação e de comunicação perpassem, transversalmente, a proposta curricular, desde a Educação
Compartilhar