Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
66 Unidade II Unidade II 5 A ATUAÇÃO DOS ASSISTENTES SOCIAIS NOS CONSELHOS GESTORES DE POLÍTICAS SOCIAIS Os conselhos Gestores de Políticas Sociais são aqueles organismos criados para realizar a gestão de serviços e políticas sociais. Também são instituídos com a finalidade de promover a defesa dos direitos de determinados segmentos. Antes da discussão sobre os conselhos, leia o texto a seguir: Direitos da Mulher Dia internacional contra a exploração sexual e o tráfico de mulheres e crianças Em 23 de setembro de 1999, durante a Conferência Mundial de Coligação contra o Tráfico de Mulheres a data foi escolhida para marcar como o dia internacional contra a exploração sexual e o tráfico de mulheres e crianças, inspirados pelo exemplo da Argentina, que em 23/9/1913 promulgou a Lei Palácios, criada para punir quem promovesse ou facilitasse a prostituição e a corrupção de menores de idade e inspirou outros países a protegerem sua população, sobretudo mulheres e crianças, contra a exploração sexual e o tráfico de pessoas. O tráfico de pessoas pode ser definido como “o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração. A exploração incluirá, no mínimo, a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, escravatura ou práticas similares à escravatura, a servidão ou a remoção de órgãos”. (Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional – Palermo, 2000). Fonte: Conselho Estadual dos Direitos da Mulher (2020). Nele vemos uma manifestação do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher do Paraná em relação ao tráfico de mulheres e crianças. O texto menciona a Lei Palácios, criada para responsabilizar todos aqueles que facilitarem esse tipo de conduta de maneira mais grave. Podemos considerar que a notícia é uma forma de apresentação, de manifestação do conselho, que se mostra contra toda e qualquer forma de violação dos direitos humanos, incluindo os direitos das mulheres. Isso nos faz pensar: nós podemos colaborar com essas organizações? Como nós, assistentes sociais, podemos estimular a participação popular e a democratização nesses espaços? 67 SERVIÇO SOCIAL E PROCESSO DE TRABALHO Para alicerçar a sua reflexão e construir um conhecimento que nos permita compreender e problematizar as questões feitas anteriormente e outras afins, vamos aprender sobre o desenvolvimento dos conselhos, partindo de uma perspectiva histórica e apresentando as principais características desses organismos na atualidade. Na sequência, faremos colocações sobre a ação do assistente social nesses organismos. Observação O processo de distensão política corresponde às mudanças realizadas no cenário nacional em prol da abertura política. A participação popular passa a ser requisitada como um direito, no Brasil, em meados dos anos 1970. É bom lembrar que o país ainda estava condicionado pela ditadura e, por conta disso, a participação da população não integrava a dinâmica societária. Com as manifestações contrárias à ditadura e a repressão presentes no período, vivenciamos um processo descrito por vários autores como distensão política, ou seja, de abertura política, de possibilidades de participação e de expressão popular (SILVA et al., 2009). Saiba mais Pensar sobre o contexto dos anos 1970 e 1980 é um exercício necessário para todos nós. Recomendamos os filmes a seguir, disponíveis on-line, pois abordam temas que estavam presentes na realidade brasileira desse período. AÇÃO entre amigos. Direção: Beto Brant. Brasil, 1998. 78 min. BATISMO de sangue. Direção: Helvécio Ralton. Brasil/França, 2007. 110 min. O ANO em que meus pais saíram de férias. Direção: Cao Hamburger. Brasil, 2006. 110 min. A participação popular – ou possibilidade de participação – foi incorporada ao texto constitucional, especificamente, na Constituição de 1988. A Constituição em questão permite e consolida espaços de participação da população por meio do voto e destaca a importância da gestão descentralizada. Esse tipo de gestão, como vimos, corresponde à transferência de poder, responsabilidade e recursos do Governo Federal para os estados e para os municípios. Isso configura a necessidade de envolvimento da sociedade civil em questões que eram, antes, tratadas apenas pelo Estado. 68 Unidade II De fato, com a Constituição de 1988 a participação social passa a ser valorizada não apenas quanto ao controle do Estado, mas também no processo de decisão das políticas sociais e na sua implementação, em caráter complementar à ação estatal (SILVA et al., 2009, p. 374). As possibilidades de participação, a partir de então, situam-se em três sentidos: constituindo mecanismos necessários para haver transparência e discussão quando há deliberação nas políticas sociais; para estimular a apresentação das demandas sociais e para intervenção, por parte da sociedade civil, nos problemas sociais. As ações concretas da sociedade civil nos problemas sociais são executadas, sobretudo por meio das organizações da sociedade civil. Abordaremos essa questão no decorrer do nosso estudo. Os dispositivos instituídos para viabilizar uma gestão transparente e que fosse permeável às demandas sociais foram os conselhos, que são instâncias que podem ter o caráter consultivo ou deliberativo e que, nesses espaços, buscam discutir aspectos relacionados às políticas sociais ou, então, às questões sociais específicas. Vimos, no texto destacado, do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher, que há a defesa de uma demanda social. Os conselhos podem ser compostos de forma paritária, com 50% de representantes da sociedade civil e 50% de representantes do Estado. Importante é que, independentemente da disposição de membros e dos órgãos a que representam, tenhamos a representação de vários atores sociais, além do poder público. Inicialmente, os conselhos são constituídos para a gestão de políticas sociais como educação, saúde, assistência social, previdência e trabalho. Cada um desses conselhos possui especificidades no que diz respeito à sua organização e às suas normas de funcionamento. E há vários tipos de conselhos, que podem ser distribuídos a partir de suas diferentes finalidades: Deliberar: revela ações como aprovar, elaborar, atuar na formulação, estabelecer ou definir critérios, fixar diretrizes, definir prioridades ou deliberar; Fiscalizar: inclui ações como supervisionar, acompanhar, avaliar, controlar, fiscalizar, encaminhar ou examinar denúncias, promover auditorias; Normatizar ou registrar: reúne ações como autorizar, normatizar, regulamentar, credenciar, dar posse, conceder licença, cadastrar, registrar, cancelar registro; Assessorar ou prestar consultoria: contempla ações como apreciar contratos, assessorar, constituir comissões, participar da definição, do planejamento e da formulação, propor medidas, critérios ou a adoção de critérios; Informar ou comunicar: indica ações como manter cadastro de informações, manter comunicação, solicitar informações, estudos ou pareceres, promover eventos ou estudos, possibilitar conhecimento de informações, responder consultas, publicar resoluções (KLEBA et al., 2010, p. 795). 69 SERVIÇO SOCIAL E PROCESSO DE TRABALHO Podemos ter conselhos deliberativos, fiscalizadores, normativos, de assessoria ou informativos. Os conselhos deliberativos são aqueles que decidem sobre os temas de sua atuação. Os conselhos fiscalizadores têm como objeto fiscalizar ações, profissionais e outros elementos. Os conselhos normativos oferecem regulamentos e normas a serem seguidos. Os conselhos de assessoria oferecem assessoria e consultoriana área de sua atuação e, por fim, os conselhos informativos serão aqueles responsáveis pelo registro de dados de um determinado segmento. Os conselhos podem ter uma dessas características ou, então, mais de uma delas. Assim, teremos conselhos como o da Assistência Social, que é deliberativo, mas também é fiscalizador e normativo. Isso porque esse conselho delibera sobre a política social de Assistência Social, mas também fiscaliza as entidades. Os assistentes sociais são chamados para ocupar esses espaços. Isso se deve à nossa formação, que nos permite intervir em prol das demandas sociais de cada contexto. É como temos dito em todas as nossas colocações: somos classe trabalhadora. Nossa apropriação desse espaço de trabalho advém do fato de estarmos em uma relação de compra e venda da força de trabalho. Sendo assim, para estarmos inseridos nos conselhos Gestores de Políticas Sociais, precisamos demonstrar domínio técnico, ou seja, a capacidade técnica necessária para melhor desempenhar as nossas funções. É o que nos garante a inserção nesses espaços de atuação. A variada atuação do assistente social nesses espaços é resultado da abertura progressiva desses espaços e do seu reconhecimento como profissional qualificado para contribuir com o fortalecimento da cidadania através de processos democráticos. Salienta-se que não se dá de forma simples ou neutra, mas através de embates políticos (SANTOS; MACHADO; SILVA, 2017, p. 7). Mas também há grande correspondência entre os postulados difundidos por esses espaços e os que estão presentes nos valores de nossa categoria. De maneira que, mesmo sendo classe trabalhadora e precisando vender a nossa força de trabalho para sobreviver e atender as nossas necessidades, nossa inserção laboral deve acontecer em postos de trabalho que não contrariem valores éticos. Partindo, assim, da compreensão do nosso Código Profissional de Ética e também da lei que regulamenta o nosso exercício profissional. O Código Profissional de Ética do Assistente Social nos indica, no capítulo I, o seguinte: Das relações com os/as usuários/as: Art. 5º São deveres do/a assistente social nas suas relações com os/as usuários/as: a – contribuir para a viabilização da participação efetiva da população usuária nas decisões institucionais; b – garantir a plena informação e discussão sobre as possibilidades e consequências das situações apresentadas, respeitando democraticamente 70 Unidade II as decisões dos/as usuários/as, mesmo que sejam contrárias aos valores e às crenças individuais dos/as profissionais, resguardados os princípios deste Código; c – democratizar as informações e o acesso aos programas disponíveis no espaço institucional, como um dos mecanismos indispensáveis à participação dos/as usuários/as (CFESS, 1993, p. 29). Vemos que no referido documento há indicação sobre os deveres do assistente social em suas relações com os usuários, de intervir no sentido de contribuir com a participação da população no que diz respeito à tomada das decisões institucionais. Também vemos que compete aos profissionais, assistentes sociais, fortalecer e realizar discussões junto ao público usuário, além de demonstrar respeito sobre as opiniões divergentes das que, porventura, defenda. O documento também destaca a necessidade de o assistente social realizar o processo de democratização das informações dos programas disponíveis, bem como de fortalecer, nesse espaço, a participação dos usuários. Dito de outra maneira, a democratização e a participação popular figuram como algo que o assistente social deve estimular em suas relações com os usuários. Já a lei que regulamenta a profissão do assistente social, no artigo 4º, assevera que é uma competência do assistente social: “Constituem competências do assistente social: [...] II – elaborar, coordenar, executar e avaliar planos, programas e projetos que sejam do âmbito de atuação do Serviço Social com participação da sociedade civil”. (BRASIL, 1993, p. 44). No caso, a interpretação que podemos fazer é que a atuação nos conselhos Gestores de Políticas Sociais precisa estar orientada para os planos, programas e projetos desenvolvidos pelas políticas sociais e, também, deve fazê-lo com a participação da sociedade civil. A atuação do assistente social, na fiscalização ou no controle das ações de política social, deverá ser perpassada pelo estímulo à participação da sociedade civil em realizar tal conduta. Santos, Machado e Silva (2017) apresentam uma discussão sobre a inserção do assistente social nos conselhos gestores de políticas sociais. O que esses autores fazem é problematizar essa inserção ressaltando as principais atividades desenvolvidas pelo técnico nesses espaços. Uma das indicações realizadas pelos autores refere-se ao fato que o técnico, via de regra, intervém como assessor técnico. O assessor técnico é aquele que auxilia o conselho em matéria específica. Por exemplo, o assessor técnico do Conselho Municipal de Assistência Social, assistente social, auxiliará na elaboração do Plano Municipal de Assistência Social. Isso porque, muitas vezes, os membros do conselho não possuem tanta facilidade com esse tipo de documento. Nesse caso, o profissional é contratado especificamente para esse serviço. Na verdade, a atuação burocrática, necessária para os conselhos, é, essencialmente, uma atividade de planejamento. É a necessidade de planejamento das ações, junto às políticas sociais, que demanda a ação qualificada desse profissional. Isso requer que tenhamos domínio de instrumentos específicos. Os autores citam como exemplos de ações de planejamento a elaboração de relatórios de atividades, do planejamento anual, com a emissão de pareceres 71 SERVIÇO SOCIAL E PROCESSO DE TRABALHO técnicos após as visitas. Porém, sabemos que há outros documentos que podem precisar de elaboração, a depender do conselho em que o profissional estiver inserido. Observação Os conselhos Gestores de Políticas Sociais são espaços de planejamento, gestão e também de democratização. Além de se constituir como um serviço de gestão, o conselho é um espaço de democratização, de participação popular e de estímulo ao controle social. Esses autores destacam que são nesses espaços que precisamos desenvolver um trabalho social de base. Esse trabalho social de base seria a construção de meios para incentivar a participação da população. Explica-se pelo fato de o assistente social ter uma intervenção qualificada no aprimoramento das ações do conselho, porque possibilita um debate político e metodológico junto ao colegiado, que muitas vezes não consegue, devido às demandas imediatas, se apropriar das discussões de maneira profunda e crítica (SANTOS; MACHADO; SILVA, 2017, p. 7). Isso porque somos profissionais capazes de estabelecer a mediação entre a sociedade civil e o Estado, uma vez que o conselho deve representar os interesses da coletividade para o poder público. A vinculação dos profissionais nos conselhos é uma posição política, pelo fato de exigir uma ação dos profissionais e de tal ação ter como finalidade alcançar a efetivação dos direitos sociais. O caráter político está também vinculado à adoção de uma posição que, no nosso caso, sempre será a posição de defesa das minorias. Os assistentes sociais podem ter uma dupla inserção nos espaços dos conselhos: uma essencialmente política, quando participam enquanto conselheiros, e outra que caracteriza um novo espaço sócio-ocupacional, quando desenvolvem ações de assessoria aos conselhos ou alguns de seus segmentos (usuários, trabalhadores e poder público) (SANTOS; MACHADO; SILVA, 2017, p. 4). Trata-se de ação política que vem ao encontro aos compromissos ético-políticos assumidos por nossa categoria. Sintetizando: a atuação dos assistentes sociais nos conselhos Gestores de Políticas Sociais é uma intervenção de planejamento, de gestão, é uma prática que demanda o estímulo à participação e o controle da sociedade civil, alémde ser uma ação política. Caminhando para o fim do nosso estudo, apresentamos um exemplo de intervenção dessa natureza. Atentamos que, dada a quantidade de conselhos que há e nos quais os assistentes sociais podem atuar, não há como apresentarmos experiências de todas as práticas. Podemos estar inseridos em conselhos da Assistência Social, da Saúde, da Educação, do Trabalho, do Idoso, da Criança e do Adolescente, da Mulher, da Comunidade LGBTQ e outros mais. Optamos, aqui, 72 Unidade II por apresentar um exemplo da atuação do assistente social no Conselho Municipal de Saúde de Maceió, Alagoas. Saiba mais No texto a seguir, temos a apresentação de uma experiência de intervenção do assistente social no Conselho Municipal de Assistência Social do município de João Pessoa. Essa leitura ajudará a compreender a importância do papel do assistente social para o estímulo do controle e da participação da sociedade civil. SANTOS, A. C. de L.; MACHADO, A. M. B.; SILVA, R. T. F. da. Atuação do assistente social no Conselho Municipal de Assistência Social: um relato de experiência. In: ANAIS DO CONGRESSO INTERNACIONAL DE POLÍTICA SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL: DESÁFIOS CONTEMPORÂNEOS, 2., 2017, Londrina. Anais [...]. Londrina: Universidade Estadual de Londrina, 2017. Disponível em: https://cutt.ly/8xHkyba. Acesso em: 8 out. 2020. Trindade e Silva (2007) acentuam que o Conselho Municipal de Saúde de Maceió contava, na época da pesquisa, com duas assistentes sociais, que ocupavam os cargos de secretária executiva e assessora técnica. No entanto, os dois cargos são estatutários, ou seja, não se trata de um assessor externo. Geralmente, o termo assessor nos remete a um consultor externo, mas, nesse caso, vemos que o cargo em questão recebe esse nome. As autoras destacam que ambas atuam em prol da efetivação da participação da sociedade civil e que desempenham grande parte das ações e também grande parte das abordagens voltadas para o aspecto burocrático. Entendem que conseguem traduzir, em documentos, os interesses expressos por parte da comunidade. Assim, o fato de precisarem se ater, em grande medida, à documentação, é interpretado como uma forma indireta de estimular a participação popular, uma vez que grande parte desses documentos retrata a necessidade da população em questão. Para dar conta das atividades, as técnicas distribuem as intervenções, partindo da disposição: A função da secretária executiva vincula-se à elaboração da ata, organização de documentação, organização da pauta da reunião, ou seja, a parte administrativa do conselho. Na função de assessora técnica, a assistente social tem que estar atualizada com a legislação local, com o planejamento da secretaria de saúde, com os projetos relacionados à saúde em nível municipal, estadual e nacional. A assessora técnica deve estar sempre bem informada para socializar as informações pertinentes aos conselheiros (SILVA, 2007, p. 6). 73 SERVIÇO SOCIAL E PROCESSO DE TRABALHO Assim, vemos que a secretária executiva tem suas funções mais voltadas à organização e à documentação de atividades rotineiras do conselho. Já a assessora técnica precisa se ocupar dos aspectos da atualização da legislação, do planejamento e dos projetos desenvolvidos na área da saúde. Ambas as profissionais, de forma agregada, buscam desenvolver uma prática que potencialize o papel do Conselho de Saúde. Trindade e Silva (2007) ressaltam que o trabalho das profissionais esteve orientado em torno dos seguintes aspectos: acompanhar e fiscalizar propostas de ação elaboradas previamente pelo conselho e que não foram executadas, buscando identificar como resolver tais pendências no conselho; revisão e reelaboração do regimento interno do Conselho de Saúde; ativação das comissões de trabalho compostas por conselheiros titulares que buscavam estudar temas específicos e depois apresentá-los para debate nas reuniões; formalização de grupos de estudo e pesquisa; análise das deliberações; estudo das resoluções já promulgadas e elaboração ortográfica de novas resoluções; organização de todo o aspecto burocrático necessário para a realização das conferências. Como podemos ver, as atividades e funções desempenhadas pelas técnicas eram muitas. Por que essas funções desempenhadas por essas profissionais podem ser interpretadas como influenciadoras da participação popular nos conselhos? Trindade e Silva (2007) acentuam que o assistente social consegue traduzir o desejo da população em burocracia que é exigida pelo Estado. É esse profissional que dinamiza o processo participativo. Sua prática torna a participação possível para a sociedade civil e não desejamos, com isso, indicar que a sociedade civil não tem condições para se colocar frente ao conselho, mas sim que há elementos, sobretudo burocráticos, que podem dificultar essa inserção. Os assistentes sociais são os profissionais que podem auxiliar para que o processo participativo se consolide. Assim como essa, teremos outras experiências de participação das quais a totalidade reforça esse local como um espaço importante de trabalho do assistente social e do qual precisamos nos apropriar ainda mais. Outro local de intervenção para esse profissional é junto ao chamado terceiro setor e às organizações da sociedade civil. Veremos esses conceitos a seguir. 6 A INTERVENÇÃO PROFISSIONAL NA GESTÃO DE ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL – TERCEIRO SETOR O terceiro setor é representado por meio de organizações da sociedade civil que são constituídas pela participação e gestão da sociedade civil em situações específicas. Esses organismos são instituições privadas que buscam atender às expressões da questão social. Assim, temos organizações da sociedade civil que atendem a dependentes químicos, idosos, crianças e adolescentes, e assim sucessivamente. Esses equipamentos surgem na realidade brasileira no contexto dos anos 1980 e se ampliam consideravelmente nos anos 1990. O que permite a organização da sociedade civil por meio dessas organizações é o processo de democratização pelo qual passou o nosso país e que permitiu, entre outros aspectos, o convite da sociedade civil para a intervenção nas questões 74 Unidade II sociais. Antes, no contexto da ditadura, não tínhamos a permissão da participação da população. A partir do contexto dos anos 1980, a sociedade civil é convidada a participar da gestão da área pública. Por isso, são consolidados espaços de participação como os conselhos, abordados anteriormente, e também por meio das organizações ligadas ao terceiro setor. Na conjuntura da luta pela democratização do país, consolidou-se no campo da atuação privada, até então dominada pelas entidades de cunho filantrópico, um novo elenco de atores sociais voltados à promoção da sociedade como protagonista de sua própria transformação. Movimentos sociais e organizações não governamentais (ONGs) passam a atuar na implementação de projetos sociais de diversos conteúdos, visando dotar comunidades e grupos sociais de protagonismo social em um Estado autoritário e numa realidade social marcada pela exclusão, discriminação e pobreza. Estas experiências estavam fortemente associadas às “práticas de deliberação participativas” que, como afirma Paoli, “no Brasil estiveram desde seu início ligadas à visibilidade política dos ‘novos movimentos sociais’ e à redefinição das práticas do movimento operário, nas décadas de 1970 e 1980”, e que buscavam ampliar a participação popular “nos processos políticos de distribuição de bens públicos e formulação das políticas sociais” (SILVA et al., 2009, p. 376). A abertura política do país permitiu que a sociedade civil passasse a gerir o que, até então, era gerido apenas pelo Estado. Concomitantemente a esse processo, vemos que o Estado brasileiro, sobretudo a partir dos anos 1990, assume uma postura de desresponsabilização por determinados serviços sociais. A ótica estatal que passa a vigorar assumiu, segundo a perspectiva neoliberal,uma postura perdulária, gastando um valor superior ao arrecadado. Esse descompasso entre receita e despesa tornava o Estado incapaz de gestão da coisa pública e se passa a defender a necessidade de uma reforma gerencial (GOHN, 2008). Os padrões de reforma gerencial pressupõem, basicamente, a restrição de gastos na área social para a recuperação da sanidade financeira do poder público. Isso resulta, grosso modo, na diminuição de recursos para a área social, para as políticas sociais que tanto foram defendidas por meio da Constituição de 1988. De forma conjunta, nesse processo, temos um convite do Estado para que a sociedade civil se organize para atender às demandas sociais não contempladas pelo poder público. Nesse ponto, aponta-se a transferência dos serviços sociais para a sociedade civil, sob o discurso ideológico da “autonomia”, “solidariedade”, “parceria” e “democracia”, enquanto elementos que aglutinam sujeitos diferenciados. No entanto, vem se operando a despolitização das demandas sociais, ao mesmo tempo em que desresponsabiliza o Estado e responsabiliza os sujeitos sociais pelas respostas às suas necessidades sociais (ALENCAR, 2009, p. 7). Várias organizações passam a surgir com esse intuito de atender às demandas sociais da população e algumas delas o fazem através de recursos recebidos do governo, associados a recursos próprios conseguidos por meio das mais variadas formas de arrecadação. Qual seria 75 SERVIÇO SOCIAL E PROCESSO DE TRABALHO a vantagem para o Estado brasileiro? O Estado, quando opera uma política social, deve garantir atenção universal para toda a população, conforme diz o texto constitucional. Contudo, ao firmar parceria com as organizações da sociedade civil é pactuado uma meta para atendimento, o que garante uma “economia” de recursos destinados para a área social. Saiba mais Os sites a seguir são de organizações do terceiro setor que atuam nos mais variados aspectos presentes na realidade. Acesse os sites e, para aprender mais, observe a natureza de cada intervenção e suas informações correlatas. DOUTORES DA ALEGRIA. Disponível em: https://bit.ly/3d63pc8. Acesso em: 25 mar. 2021. GREENPEACE. Disponível em: https://bit.ly/31hijqu. Acesso em: 25 mar. 2021. MÉDICOS SEM FRONTEIRAS. Disponível em: https://bit.ly/39fC4TP. Acesso em: 25 mar. 2021. Gohn (2008) nos diz que há um rol amplo de organizações, mas as vincula a três tipos básicos: caritativas, ambientalistas e de cidadania. As caritativas são aquelas voltadas à atenção de necessidades emergentes dos segmentos mais vulnerabilizados da sociedade. São organizações que concedem alimentos, vestuário, acesso a medicamentos e benefícios dessa natureza. Um exemplo desse tipo de organização é a Médicos Sem Fronteiras, que oferece atendimento médico gratuito em territórios de maior vulnerabilidade e possui intervenções no Brasil. Já as organizações ambientalistas, conforme sugerido pela própria nomenclatura, são as que estão voltadas à defesa de parâmetros ligados à preservação ambiental. Nesse caso, também temos um exemplo muito conhecido, o Greenpeace. Essa é uma das organizações mais respeitadas do mundo e faz um trabalho forte e importante com a finalidade de conscientizar os povos acerca da importância da consciência ambiental. Essa organização ainda desenvolve ações diretas para a recuperação de determinados territórios. Por fim, as organizações de intervenção voltada à cidadania são aquelas que buscam efetivar direitos sociais de grupos mais vulnerabilizados da sociedade. São as organizações que trabalham na prestação de serviços à comunidade ou que atuam no aspecto da conscientização e da problematização de valores humanitários e em favor das minorias. O exemplo desse tipo de organização da sociedade civil, citado aqui, é o Doutores da Alegria, que desenvolve ações 76 Unidade II lúdicas em hospitais, utilizando palhaços para cumprir essa missão. A organização não oferece um benefício concreto para aqueles que atende. Sua ação vincula-se ao plano subjetivo e pode, dessa maneira, ser compreendida como uma organização voltada para cidadania, à medida que atende os aspectos da humanização postos para os pacientes contemplados pelo SUS e que se encontram em regime de internação. Esses são, no entanto, apenas exemplos de organizações, mas sua variedade é ampla. Haverá assim organizações que serão ambientalistas e caritativas, ou caritativas e cidadãs, a depender do objeto sobre o qual desenvolvem sua intervenção. Grande parte desses organismos possuem parcerias para a concessão de recursos com o poder público, mas muitas delas são mantidas com doação de empresas privadas ou mesmo de grupos particulares. Para tanto, são instituições que podem desenvolver intervenção nos mais variados problemas sociais apresentados pela sociedade. Ou seja, é ampla a atuação das organizações da sociedade civil, que podem prestar atendimento direto para pessoas e famílias em situação de vulnerabilidade. Outra característica desses serviços é que não visam lucro. As instituições podem ter recursos próprios, porém sua arrecadação é destinada para a atenção de suas necessidades emergentes, e não para a acumulação. Quando uma organização da sociedade civil busca lucro acaba perdendo sua natureza. Como instituição privada, tem certa autonomia em relação a suas decisões, porém é um tipo de organização que, ao ser mantida com recursos públicos, está também sujeita à ótica do controle presente em instituições públicas. Fato é que os assistentes sociais, a partir de meados dos anos 1990, passam a intervir nesses organismos. A atuação nesses espaços, segundo Porfirio (2016), requer o reconhecimento desse espaço como decorrente de um contexto econômico, político e social. Por conseguinte, atuar em organizações da sociedade civil evoca a compreensão das mutações processadas no papel do Estado em relação às políticas sociais. Requer de nossa categoria o entendimento de que as organizações da sociedade civil provêm da ausência estatal na oferta de políticas sociais públicas. Compreender a duplicidade desse espaço é igualmente importante. Se por um lado a organização da sociedade civil, ou do terceiro setor, retrata a ausência estatal na manutenção das políticas sociais, por outro viés também representa uma forma de atendimento da população mais vulnerável. Lembrete Os assistentes sociais também são classe trabalhadora e participam de um processo de trabalho, vendendo sua mão de obra. 77 SERVIÇO SOCIAL E PROCESSO DE TRABALHO O assistente social, inscrito nesses processos de trabalho como classe trabalhadora, precisa ter claro esse movimento contraditório que irá vivenciar, caso seja inserido em postos de trabalho vinculados a organizações não governamentais. E é preciso considerar ainda que a restrição do poder público em favor do capital resulta em diminuição das políticas sociais e, consequentemente, no arrefecimento de postos de trabalho estáveis para o assistente social. Com isso, os assistentes sociais também passam a perceber nas organizações da sociedade civil uma alternativa de inserção laboral. Nessa atuação profissional, vemos que o técnico goza de relativa autonomia, dado que sua intervenção, muitas vezes, é cerceada pelos responsáveis pelas instituições. Porfirio (2016), além de enfatizar a questão da influência dos responsáveis pelas instituições junto do trabalho do assistente social nas organizações governamentais, destaca que, nesse espaço profissional, temos a total ausência da estabilidade. Isso porque, como sabemos, nesses espaços o que regulamenta o exercício profissional dos assistentes sociais é o regime de Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). A estabilidade, comum nos postos de trabalho dos assistentes sociais que atuam diretamente com políticas sociais, é “perdida” quando atuamos em organizações da sociedade civil. Isso coloca os profissionais em grande fragilidade e insegurança, uma vez que não possuem qualquer garantiaquanto à manutenção dos postos de trabalho por parte do empregador. Observação Também estamos expostos ao pluriemprego e à precarização do trabalho quando atuamos em organizações não governamentais. Alencar (2009) faz uma análise mais crítica sobre esse espaço de trabalho do assistente social e evidencia como também são expostos, nesses espaços, ao pluriemprego e à precarização de sua atuação. O pluriemprego corresponde à necessidade do profissional em conseguir mais de um espaço de trabalho para conseguir manter suas necessidades básicas. O trabalho precarizado, por outro lado, está ligado à ampliação das atividades dos profissionais sem que exista, para isso, a correspondente elevação do salário. Os assistentes sociais passam também a desempenhar atividades ligadas à administração das organizações, ou seja, atividades que outro profissional deveria desempenhar, mas que são impostas ao assistente social. Alencar (2009) e Porfirio (2016) nos dizem que essas problematizações são extremamente necessárias para que possamos pensar a inserção dos assistentes sociais nas organizações da sociedade civil, sem perder de vista que também são espaços em que podemos efetivar os direitos sociais e buscar, por meio dos serviços oferecidos, consolidar uma rede de proteção para os segmentos com os quais atuamos. Alencar (2009, p. 12), ao realizar um mapeamento das intervenções realizadas por assistentes sociais nas organizações da sociedade civil, nos indica que: 78 Unidade II No que se referem às atribuições profissionais, os assistentes sociais estão sendo demandados nestes novos espaços profissionais para atuar na gestão de programas sociais, o que implica o desenvolvimento de competências no campo do planejamento, formulação e avaliação de políticas sociais. Sendo assim, há uma grande tendência de crescimento das funções socioinstitucionais do serviço social para o plano da gerência de programas sociais, o que requer do profissional o domínio de conhecimentos e saberes, tais como de: legislações sociais correntes, numa atualização permanente; análises das relações de poder e da conjuntura; pesquisa, diagnóstico social e de indicadores sociais, com o devido tratamento técnico dos dados e das informações obtidas, no sentido de estabelecer as demandas e definir as prioridades de ação; leitura dos orçamentos públicos e domínio de captação de recursos; domínio do processo de planejamento e a competência no gerenciamento e avaliação de programas e projetos sociais. Como vemos, a atividade de gestão é a mais representativa. Apesar de não ser essa uma atribuição privativa do assistente social, vemos que a gestão desses serviços se configura como uma competência de nossa categoria profissional. As atividades que destaca e as funções que apresenta são típicas de gestão dos serviços e podem ser desenvolvidas pelos assistentes sociais. No entanto, a compreensão da autora é que o desempenho de atividades de gestão não está incorreto, desde que o profissional não seja inserido em uma sobrecarga de trabalho, comum nesses espaços. Importante também relembrar que novas habilidades profissionais se mostram necessárias para o desempenho de tais atividades. Saiba mais Recomendamos o texto a seguir como um estímulo para pensar e refletir sobre as organizações da sociedade civil, exemplificadas, nesse caso, por organizações da área da saúde. MACHADO, G. S. O Serviço Social nas ONGs no campo da saúde: projetos societários em disputa. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, n. 102, p. 269-288, abr./jun. 2010. Disponível em: https://cutt.ly/6xFyLm0. Acesso em: 25 out. 2020. A definição de quais atividades serão desenvolvidas pelos assistentes sociais dependem, substancialmente, da área de atuação das organizações da sociedade civil. Como exemplo, relataremos uma intervenção desenvolvida pelo Serviço Social em uma instituição de longa permanência para idosos, uma organização da sociedade civil, localizada no Núcleo Bandeirante, em Brasília. A instituição de longa permanência para idosos oferece o atendimento integral institucional para idosos que estão em situação de acolhimento. Falamos aqui de uma organização 79 SERVIÇO SOCIAL E PROCESSO DE TRABALHO da sociedade civil que oferece a atenção de todas as necessidades dos idosos que estão sob sua responsabilidade (OLIVEIRA; HEDLER; SANTOS, 2016). De acordo com a Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do Suas, as instituições de longa permanência para idosos precisam ter assistentes sociais no seu quadro de trabalhadores. No caso da instituição descrita, há dois assistentes sociais a ela vinculados. A atuação dos profissionais nesse local de intervenção possui algumas características, dentre as quais podemos citar a interdisciplinaridade como algo fundamental. A crítica presente no que diz respeito à prática desenvolvida é que a interdisciplinaridade ainda não está plenamente consolidada. Os autores Oliveira, Hedler e Santos (2016) fazem ainda uma análise crítica destacando que a ausência de uma rede forte e consolidada é um fator importante para desqualificar a intervenção do assistente social. A ação nesse espaço é orientada, em grande medida, pelo desenvolvimento de atividades burocráticas e ligadas ao planejamento das ações, corroborando assim com as colocações de Alencar (2009) sobre a predominância das atividades de gestão nas práticas desenvolvidas pelo assistente social em organizações da sociedade civil. As autoras ainda acentuam que muitas das atividades acabam extrapolando as atribuições profissionais dos assistentes sociais. E citam como exemplo a elaboração de convênios e parcerias, atividades que deveriam estar orientadas por alguém da administração da entidade, e não pelo assistente social. Segundo Oliveira, Hedler e Santos (2016), o exercício profissional nesses espaços é também fortemente influenciado pelas relações de poder. A autonomia do assistente social acaba sendo ameaçada nesse contexto, mas os profissionais destacam que buscaram e sempre buscam fortalecê-la em seu exercício. Vimos que essa realidade já fora avistada por Porfirio (2016), uma vez que a autora já chamava a nossa atenção para o excesso de intervenção no trabalho do assistente social presente em algumas organizações da sociedade civil. Porém, nesse caso específico, vemos que os profissionais conseguiram se colocar e ter sua intervenção respeitada, o que nem sempre é possível. Em relação ao trabalho social, os assistentes sociais relataram o desenvolvimento de um rol amplo de ações ligadas ao acolhimento institucional dos idosos. O acolhimento incorpora a atenção de todas as necessidades apresentadas pelos idosos e seu atendimento considerando-os como pessoas em um estágio peculiar de desenvolvimento, portadoras de direitos que lhes são específicos. Além disso, os técnicos também atuam com atividades visando o estabelecimento dos laços e vínculos familiares, além de buscar alternativas para viabilizar a inserção comunitária e social dos idosos atendidos. A ação em questão, idealizada para idosos que estão em situação de acolhimento institucional, atende às prerrogativas postas ao serviço pela Política Nacional de Assistência Social. Assim, vemos que os assistentes sociais desempenham funções burocráticas ligadas ao planejamento das ações e também fazem ações voltadas ao público atendido. As ações desenvolvidas para os idosos estão voltadas ao atendimento das necessidades desses usuários e visam ainda a 80 Unidade II sua reinserção social, comunitária e familiar. Os instrumentais usados são vários e vão desde a elaboração de documentos necessários ao processo de planejamento até os que se mostrem basais para o atendimento das demandas dos idosos como relatórios, reuniões, entrevistas e outros mais. Mesmo que tal prática seja perpassada por várias questões específicas como a influência das relações de poder na prática profissional e outras mais, as autoras consideram que o relatodemonstra o esforço e o comprometimento dos profissionais para efetivar os direitos dos idosos que estão em situação de acolhimento. Ao fazê-lo, atendem os parâmetros postos para a nossa categoria em relação ao compromisso ético-político por nós difundido. 7 O ASSISTENTE SOCIAL E A ATUAÇÃO COM ASSESSORIA, CONSULTORIA E NA DOCÊNCIA Vamos conhecer mais algumas possibilidades de atuação profissional do assistente social. Essa atuação pode acontecer em equipes de assessoria e consultoria e, ainda, como docente. Iniciaremos a discussão a partir da intervenção do assistente social na área de assessoria e consultoria. Compreender a refletir sobre a ação profissional na assessoria e consultoria é muito importante e necessário para a nossa categoria. Para fazê-lo, Matos (2009) destaca a necessidade de compreendermos um pouco mais sobre o desenvolvimento histórico do conceito no interior do Serviço Social. Os conceitos de assessoria e consultoria emergem no Brasil em meados dos anos 1970. É no contexto específico do Movimento de Reconceituação que a categoria passou a rever sua fundamentação teórica e seu embasamento metodológico. O Movimento de Reconceituação estimulou os profissionais a pensar, inclusive, sobre outros espaços de trabalho para além dos postos vinculados ao Estado e à iniciativa privada. Nesse período surgiram algumas discussões sobre a prática do profissional na assessoria e na consultoria. O entendimento que se tinha nessa época é que o assistente social, assessor ou consultor, era aquele que prestava serviço em instituições privadas. Matos (2009) destaca que há, nesse período, uma confusão com o entendimento do que era consultoria em Serviço Social e praticamente toda prestação de serviços sem vínculo empregatício era associada à consultoria. No entanto, nesse momento, eram poucos os profissionais que estavam vinculados a atividades de assessoria ou de consultoria. A ausência de bibliografia específica na área também pode ser um influenciador para essa confusão conceitual em torno do tema. Inicialmente, as primeiras produções sobre o tema provinham da área administrativa e eram orientadas para empresas capitalistas que visavam o lucro. É somente a partir de meados dos anos 2000 que teremos a consolidação de uma fundamentação teórica a respeito da atuação do assistente social como assessor e consultor, partindo das especificidades da nossa profissão. Nos anos 1980, a importância dada a tais práticas vai sendo ressignificada. A obra de Balbina Ottoni Vieira é apresentada pelo autor como representativa dessa ressignificação, por ter ressignificado a assessoria em Serviço Social como uma prestação de serviços na área, e não mais como qualquer ação sem vínculo empregatício, como era compreendido nos anos 1970. Desse 81 SERVIÇO SOCIAL E PROCESSO DE TRABALHO modo, Matos (2009) acentua que, nesse período em pauta, o estágio desenvolvido em movimentos sociais por alunos da graduação de Serviço Social levantou a questão da assessoria profissional para tais organizações. As discussões realizadas na época mostraram certo amadurecimento da categoria em relação ao conceito, demarcando, assim, a fase precursora da ação dos assistentes sociais na assessoria e na consultoria. Nos anos 1990 vivenciamos um processo de reestruturação produtiva, no qual tivemos significativas mudanças nos formatos de organização do trabalho, dentre outros aspectos. O trabalho perde o seu caráter estável, tornando os postos de trabalho instáveis também. Além disso, o trabalho deixa de ser realizado apenas no chão da fábrica, acontecendo também em outros espaços laborais. Isso resulta, em grande medida, na diminuição de postos de trabalho, algo que é evidenciado também na retração estatal em políticas sociais. À medida que o Estado diminui os locais de execução das políticas sociais, vemos que há também a restrição dos postos de trabalho ocupados pelos assistentes sociais. Isso é importante porque fez os profissionais buscarem inserção laboral por meio das assessorias e das consultorias. Matos (2009) ressalta ainda que, nos anos 2000, tivemos uma ampliação da discussão sobre práticas de assessoria e consultoria no Serviço Social, mas o trabalho em tal área acontece pontualmente. O autor destaca que, inicialmente, grande parte dos assessores e prestadores de consultoria são professores, docentes de cursos de graduação e pós-graduação em Serviço Social que são convidados para auxiliar gestores de políticas e serviços sociais. Hoje temos um contingente reduzido de profissionais que atuam com consultoria. Contudo, a discussão da categoria sobre essa esfera de atuação do Serviço Social ampliou-se, por conta do amadurecimento de toda nossa categoria em relação ao que é ser assessor ou ser um consultor. A assessoria “[...] é aquela ação que visa auxiliar, ajudar, apontar caminhos” (MATOS, 2009, p. 5) frente a uma necessidade percebida. O assessor, por sua vez, busca propor uma ação para viabilizar mudanças que são necessárias em uma dada organização. A assessoria almeja produzir alterações na realidade. O assessor precisa ser aquele profissional que detém o conhecimento sobre a área que deseja assessorar, além de ser um estudioso bastante comprometido com a atualização permanente. O pleno conhecimento na área de assessoria é uma condição fundamental para qualificar o trabalho. Matos (2009) ainda acentua que quando nos propomos a desenvolver essas ações de assessoria e de consultoria também precisamos colaborar com uma prática qualificada, assim como em outros espaços laborais. A assessoria sempre é solicitada ou indicada por alguém que deseja um produto final de qualidade. Observação Há uma diferença tênue entre assessoria e consultoria, sendo que a consultoria configura uma intervenção pontual, ao passo que a assessoria tem um caráter de acompanhamento contínuo, apesar de delimitado. 82 Unidade II A consultoria “[...] vem da palavra consultar, que significa pedir uma opinião” (MATOS, 2009, p. 5) e é algo mais pontual, que busca respostas para questões específicas de projetos que já estão em execução. A assessoria corresponde a um processo mais demorado e pode ser requerida mesmo antes do início de um projeto, até mesmo para avaliar a viabilidade de sua realização. Também é fundamental ao consultor o pleno domínio da área de intervenção, pois sabemos que uma intervenção pontual também requer domínio da ação desenvolvida. No âmbito do Serviço Social, o autor cita os artigos 4º e 5º da lei que regulamenta a profissão do assistente social e nos quais podemos ler: Art. 4º Constituem competências do Assistente Social: [...] VIII – prestar assessoria e consultoria a órgãos da administração pública direta e indireta, empresas privadas e outras entidades, com relação às matérias relacionadas no inciso II deste artigo 2; IX – prestar assessoria e apoio aos movimentos sociais em matéria relacionada às políticas sociais, no exercício e na defesa dos direitos civis, políticos e sociais da coletividade; Art. 5º Constituem atribuições privativas do assistente social: III – assessoria e consultoria a órgãos da administração pública direta e indireta, empresas privadas e outras entidades, em matéria de Serviço Social [...] (BRASIL, 1993). A normativa nos diz, como podemos ver, que a assessoria e a consultoria em administração pública direta ou indireta ou em empresas públicas privadas é uma competência profissional do assistente social. Diz também que o profissional possui como competência prestar assessoria e consultoria aos movimentos sociais em matéria de políticas sociais. O artigo 5º, por outro lado, apresenta que há atribuições privativas do profissional em relação à assessoria e à consultoria, as quais são compreendidas como aquelas que abrangem assuntos do Serviço Social. Como já dissemos, a competência se aplica a atividades que o profissional está habilitado a desempenhar. As atribuições privativas, em outra via, se relacionam àsatividades que somente o assistente social pode realizar. Quando essa intervenção exige um saber específico em Serviço Social, só pode ser desenvolvida por profissionais habilitados. Todavia, para que possamos atuar na área, precisamos esclarecer muito bem esse conceito, afinal, é necessário ter pleno domínio do que é assessoria e do que é consultoria. Tentando esclarecer melhor o conceito em questão, Matos (2009, p. 7-8) nos apresenta algumas referências para que possamos compreender o que caracteriza essa prestação de serviços, indicando algumas referências para que pudéssemos pensar, dentre os quais podemos citar: 83 SERVIÇO SOCIAL E PROCESSO DE TRABALHO • Assessoria não é supervisão: uma vez que muitos profissionais reduzem a supervisão de alunos à assessoria em Serviço Social. • Assessoria não é extensão: alguns assistentes sociais compreendem que os processos de extensão universitária são assessorias. • Assessoria nem sempre é trabalho precarizado: apesar de possuir relação com a perda de postos de trabalho, a assessoria pode apresentar reais vantagens financeiras para quem a desenvolve. • Assessoria não é abandono do trabalho assistencial: pois, antes de sermos assessores, somos assistentes sociais e devemos sempre manter o nosso compromisso com os valores ético-políticos de nossa categoria. • Assessoria não é mera militância política: a contribuição que os assistentes sociais conferem às instâncias políticas é enorme e necessária, mas isso não é compreendido pelo autor como assessoria. O autor ainda destaca que quando prestamos assessoria ou consultoria em gestão social, ou melhor, quando nossa intervenção é desenvolvida em políticas sociais ou até mesmo em organização de usuários e de movimentos sociais, estamos potencializando esses atores e colaborando em longa medida com a qualidade dos serviços oferecidos. E, nesse espaço, podemos ainda dar concreticidade aos valores postos para o nosso projeto ético-político. Observação O primeiro passo para assessoria ou consultoria é a realização de um diagnóstico da realidade, que contemple o amplo conhecimento da instituição em que a atuação irá acontecer. Matos (2009) nos apresenta ainda estratégias a serem observadas pelos profissionais em prol da qualidade dos serviços de assessoria e de consultoria. Dentre essas estratégias, o autor nos indica a necessidade do assessor ou do consultor identificar o porquê do serviço requisitado. Por que, afinal, esse profissional foi contratado? E, nesse sentido, é necessário compreender também quais são as mudanças almejadas. O autor indica que é basal que seja realizado o levantamento da realidade que contemple aspectos que permitam o amplo conhecimento da instituição que será objeto de ação. Esse seria o processo inicial da assessoria ou da consultoria. Com base na análise realizada, o consultor ou assessor deve apresentar propostas de ação, as quais podem ser acatadas ou não pela instituição. Essa construção de propostas deve ser ancorada no conhecimento que o técnico possui, mas deve também estruturar-se em torno da participação de todos os envolvidos com a ação. Partindo da deliberação coletiva, alicerçada no saber técnico, são traçados os objetivos a serem contemplados com a ação. As etapas em questão devem ser todas registradas pelo profissional, incluindo a execução e avaliação das atividades 84 Unidade II desenvolvidas. No fim desse processo, que não deixa de ser uma expressão do planejamento de atividades tão comum para os assistentes sociais, precisamos sistematizar aspectos ou indicadores que nos permitam avaliar os impasses e desafios da proposta empreendida. Matos (2009) reforça a ideia de que grande parte das ações de assistentes sociais em prol de assessorias e consultorias está situada no serviço prestado em políticas sociais. Porém, sabemos que muitos profissionais prestam assessoria e consultoria à iniciativa privada. No exemplo a seguir, observamos uma descrição da ação desenvolvida por assistentes sociais em um Programa de Assistência ao Empregado, de empresas privadas do Rio de Janeiro. Lembrete Pluriemprego é quando há necessidade de o trabalhador participar de várias atividades laborais para atender às suas necessidades básicas. A pesquisa foi orientada para esse programa que tem como meta conferir assistência ao trabalhador e buscou apresentar a perspectiva dos assistentes sociais sobre sua prática, e o programa oferece atendimento nas áreas psicológica, social, financeira e jurídica. A pesquisa em questão evidenciou que os assistentes sociais contratados para compor a equipe reportaram grande prejuízo financeiro dado o rol de atividades e valor pago por sua atuação como consultores do Programa de Assistência ao Empregado. Destacaram ainda que, por conta disso, precisaram encontrar alternativas de sobrevivência, complementando a renda com outras atividades, o chamado pluriemprego. O fato de trabalhar na linha da assessoria e da consultoria garante maior flexibilidade ao trabalhador, porém a incerteza da manutenção no trabalho resulta em prejuízos para a saúde psicológica dos agentes (GOMES, 2018). Saiba mais Propomos a leitura do texto a seguir, pois traz uma discussão muito interessante em relação à assessoria e consultoria em Serviço Social na área pública. PERES, G. A. L. A assessoria do Serviço Social na gestão das políticas públicas. 2011. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) – Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Faculdade de Ciências Humanas e Sociais de Franca, 2011. Disponível em: https://bit.ly/3lR1rAt. Acesso em: 2 out. 2020. Porém, as especificidades de cada intervenção irão depender substancialmente do espaço de trabalho onde as ações acontecerem. Também teremos outros exemplos de ação em empresas e em políticas sociais que são positivas. A forma como o trabalho irá transcorrer vai depender em 85 SERVIÇO SOCIAL E PROCESSO DE TRABALHO grande parte da realidade institucional e dos aspectos presentes nessa realidade. Esperamos que você tenha se interessado por essa discussão e te convidamos a pensar sobre outra expressão do fazer do assistente social, a docência. Antes de abordarmos nessa questão, leia o texto a seguir: Entrevista: Assistente Social e professora de Serviço Social da Ufes, Aline Fardin Pandolfi, fala sobre a pesquisa referente ao Auxílio Emergencial Recentemente, o Grupo de Estudos Desenvolvimento Social e Primeira Infância, coordenado pela professora Maria Lúcia Teixeira Garcia e vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Política Social/Ufes, divulgou uma nota informando os primeiros resultados sobre o estudo que a equipe de pesquisadores/as desenvolveu em cima de dados referentes ao Auxílio Emergencial adotado pelo Governo Federal durante a pandemia da Covid-19, no Brasil. As informações obtidas pelo grupo, por meio do Sistema Eletrônico do Serviço de Informações ao Cidadão (e-SIC), mostram que cerca de 25% da população brasileira obteve acesso direto ao benefício, além de levantar outros dados. O grupo, de caráter internacional, estuda aspectos diversos e sua relação com a primeira infância em três países: Brasil, Cuba e Inglaterra. Entre os/as pesquisadores/as que compõem este grande grupo de pesquisa no Brasil estão oito assistentes sociais e quatro economistas, incluindo docentes, estudantes de pós-doutorado e estudantes de doutorado vinculados. São pesquisadores/as do campo da política social vinculados ao Programa de Pós-Graduação em Política Social, dos Departamentos de Serviço Social e Economia da Ufes (Universidade Federal do Espírito Santo) e de Ciências Humanas da UFVJM (Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri). Entre eles/as está a pesquisadora Aline Fardin Pandolfi, Assistente Social, ex-presidenta do Cress-ES e professora do Departamento de Serviço Social da Ufes. Ela nos concedeu uma entrevista falando sobre a importância dessa pesquisa, a relação dos dados com o Espírito Santo, as relevânciasda pesquisa para o âmbito acadêmico e profissional, além de aspectos sociais, econômicos e políticos da atual conjuntura nacional. Fonte: Cress (2020). Nesse recorte vemos o trecho inicial da entrevista concedida pela pesquisadora Aline Fardin Pandolfi, docente da Ufes, em relação à pesquisa realizada pela universidade, sob sua orientação, sobre o auxílio emergencial concedido pelo Governo Federal no contexto da epidemia. Lendo a matéria, podemos compreender que a docência, em Serviço Social, é importante para a produção de conhecimento? Essa produção pode trazer resultados positivos para a sociedade contemporânea? Bem, a docência é de extrema importância para a formação dos assistentes sociais. Exercê-la requer a observação de uma série de aspectos e considerações, dentre eles o entendimento histórico dessa ação. Como sabemos, os assistentes sociais começaram a ser graduados no Brasil no ano de 86 Unidade II 1936. Nesse contexto, nem todos os professores eram assistentes sociais, e, mesmo os já graduados fora do país carregavam uma bagagem católica e positivista que procuravam introjetar nos alunos, mais especificamente nas alunas, uma vez que esse público era predominantemente feminino. Lopes (2018) destaca que no contexto de criação do Centro de Estudos e Ação Social (Ceas) foram encaminhadas duas mulheres para a Europa a fim de se graduarem nas escolas franco-belgas. Essas mulheres voltaram ao Brasil e ofereceram grande influência na formação dos primeiros assistentes sociais. As primeiras escolas foram então marcadas pela existência de docentes que possuíam formação europeia, também influenciada pela doutrina social da Igreja e que a reproduziram aqui no Brasil. Lembrete As primeiras escolas de Serviço Social do Brasil surgiram em 1936 em São Paulo e em 1937 no Rio de Janeiro. Após o esforço da classe burguesa e do Estado para constituir os primeiros espaços de formação dos assistentes sociais, temos no Brasil as escolas de Serviço Social sendo instituídas. A primeira delas, como já estudamos, foi a Escola de São Paulo, criada em 1936. No ano de 1937 foi criada a escola do Rio de Janeiro. Com o tempo, várias escolas foram sendo criadas no Brasil. Apesar do forte viés catolicista e positivista presente na formação, quando temos a ampliação das primeiras escolas no Brasil temos a consolidação de um currículo. O que significa um currículo para o Serviço Social? Significa que as escolas, todas elas, no Brasil, deveriam oferecer uma formação mínima em torno dos conteúdos desencadeados por meio do currículo, que era assim proposto em torno dos conteúdos: Economia, Sociologia, Psicologia, Higiene, Anatomia, Estatística, Direito, Serviço Social, Técnica, Enfermagem, Português, Lógica, Moral, [estudadas no 1º ano]; Economia, Psicologia dos Anormais, Higiene do Trabalho, Puericultura, Estatística, Direito do Menor, Serviço Social, Lógica, Psicotécnica, Higiene, [estudadas no 2º ano]; Psicologia, Serviço Social, Lógica, Psicologia dos Anormais, [estudadas no 3º ano] (LOPES, 2018, p. 22). Podemos observar, por exemplo, que conteúdos como higiene, anatomia, enfermagem, psicologia dos anormais, puericultura, direito do menor, psicotécnica integravam a formação dos assistentes sociais daquele período. Os profissionais da época eram graduados e preparados para uma intervenção totalmente psicologizante, voltada às ações que buscavam estimular o assistente social a moldar o caráter dos atendidos. No período em questão, tínhamos como metodologia de ação predominante os métodos de caso e grupo, os quais visavam, como sabemos, orientar a ação do assistente social. Ação que visava ajustar os indivíduos a um modelo idealizado pela sociedade burguesa. Os docentes dos cursos de graduação então fortaleciam essas perspectivas profissionais idealizadas para o assistente social no período. 87 SERVIÇO SOCIAL E PROCESSO DE TRABALHO Lembrete A Lei n. 1889/53 regulamentou o exercício profissional do assistente social no Brasil. Ela foi a primeira legislação de regulamentação de nossa profissão no nosso país. Em 1953, a Lei n. 1889 regulamentou o exercício profissional dos assistentes sociais no Brasil. Nesse momento emerge a metodologia de desenvolvimento de comunidade, sendo essa uma abordagem que sofreu grande influência dos acordos firmados entre Brasil e a Organização das Nações Unidas (ONU) visando a superação do subdesenvolvimento econômico do país. Isso posto, tivemos a incorporação dessa metodologia de ensino ao currículo mínimo do Serviço Social no país, que passou a seguir a seguinte formatação: I – Sociologia e economia social, Direito e legislação social, Higiene e medicina social, Psicologia e higiene mental, Ética geral e profissional; II – Introdução e fundamentos do Serviço Social, Métodos do Serviço Social, Serviço Social de casos e de grupo, Organização Social de comunidade, Serviço Social em suas especializações: Família, Menores, Trabalho, Médico. III – Pesquisa social (LOPES, 2018, p. 24). O ajustamento do ser humano ainda continua presente nas práticas dos assistentes sociais, porém, em meados dos anos 1950, a profissão voltou o seu olhar para o desenvolvimento da comunidade. Os docentes das instituições de ensino também passaram a se apropriar desse entendimento para que pudessem oferecer essa formação aos alunos. Assim, conforme o perfil profissional foi mudando, os docentes também mudaram. A inserção de professores no curso de graduação demandou um tipo de perfil profissional que pudesse preparar os alunos para o que era requisitado no mercado de trabalho. Lopes (2018) afirma que esse perfil de profissional e de docente começou a ser alterado somente a partir do Movimento de Reconceituação. Nesse momento de grande revisão crítica da categoria, o Serviço Social passou a rever as suas bases de sustentação e sua intervenção. Nesse movimento, as revisões da categoria partiram inicialmente dos profissionais que estavam vinculados à docência. A partir de então, o Serviço Social passa a se vincular à perspectiva crítica, rompendo com abordagens e metodologias que visavam moldar o caráter dos atendidos. Isso impôs aos docentes uma vinculação diferenciada a um novo perfil de professor, agora vinculado ao ideal marxista. As reflexões da categoria resultaram na construção das Diretrizes Curriculares Nacionais de 1996, que alinharam o aspecto da formação ao viés crítico, como idealizado no Serviço Social. A Diretriz Curricular Nacional é o documento em que são apresentados os currículos mínimos necessários ao assistente social graduado no Brasil. A Diretriz Curricular é resultado de um 88 Unidade II processo de discussão da categoria que foi apresentado e aceito pelo Ministério da Educação e da Cultura (MEC). A categoria apresenta ao MEC o entendimento construído sobre os conteúdos mínimos necessários para a formação do assistente social. O MEC sanciona, ou seja, acata as indicações da categoria. Para os cursos de graduação em Serviço Social isso implica adequar os currículos mínimos de cada curso às Diretrizes Curriculares Nacionais pactuadas. Atualmente, as Diretrizes Curriculares Nacionais indicam os núcleos sob os quais devem ser estruturados os currículos mínimos para os cursos de graduação em Serviço Social, sendo esses assim descritos: – Núcleo de fundamentos teórico-metodológicos da vida social, que compreende um conjunto de fundamentos teórico-metodológicos e ético-políticos para conhecer o ser social enquanto totalidade histórica, fornecendo os componentes fundamentais para a compreensão da sociedade burguesa, em seu movimento contraditório; – Núcleo de fundamentos da formação sócio-histórica da sociedade brasileira, que remete à compreensão dessa sociedade, resguardando as características históricas particulares que presidem a sua formação e desenvolvimento urbano e rural, em suas diversidades regionais e locais. Compreende a análise do significado do Serviço Social em seu carátercontraditório, no bojo das relações entre as classes e destas com o Estado, abrangendo as dinâmicas institucionais nas esferas estatais e privada; – Núcleo de fundamentos do trabalho profissional, que compreende todos os elementos constitutivos do Serviço Social como uma especialização do trabalho: sua trajetória histórica, teórica, metodológica e técnica, os componentes éticos que envolvem o exercício profissional, a pesquisa, o planejamento e a administração em Serviço Social e o estágio supervisionado (LOPES, 2018, p. 32-33). Os núcleos expressam diretrizes gerais, sob as quais o currículo deve ser estruturado. As diretrizes ainda nos dizem que é fundamental, para qualquer graduando em Serviço Social, compreender o ser social como resultado de uma totalidade, e não mais de forma individualizada. Esse entendimento requer ainda a apreensão da relevância do desenvolvimento histórico, a compreensão da influência do desenvolvimento capitalista, o conhecimento da realidade brasileira e a dimensão ampla sobre as reflexões necessárias em torno da discussão do trabalho. Vemos que os docentes também precisam ter a compreensão desses quesitos, para que possam colaborar com a construção de conhecimento dos alunos que estarão em processo de formação. Importante frisar que a lei que regulamenta a profissão do assistente social no Brasil destaca, no artigo 5º, a docência como atribuição privativa dos profissionais habilitados: 89 SERVIÇO SOCIAL E PROCESSO DE TRABALHO I – coordenar, elaborar, executar, supervisionar e avaliar estudos, pesquisas, planos, programas e projetos na área de Serviço Social; [...] V – assumir, no magistério de Serviço Social tanto em nível de graduação como pós-graduação, disciplinas e funções que exijam conhecimentos próprios e adquiridos em curso de formação regular; VI – treinamento, avaliação e supervisão direta de estagiários de Serviço Social; VII – dirigir e coordenar unidades de ensino e cursos de serviço social, de graduação e pós-graduação; VIII – dirigir e coordenar associações, núcleos, centros de estudo e de pesquisa em Serviço Social; IX – elaborar provas, presidir e compor bancas de exames e comissões julgadoras de concursos ou outras formas de seleção para assistentes sociais, ou onde sejam aferidos conhecimentos inerentes ao serviço Social; X – coordenar seminários, encontros, congressos e eventos assemelhados sobre assuntos de Serviço Social; (BRASIL, 1993). Vemos que a legislação nos indica que somente os profissionais habilitados, assistentes sociais, podem avaliar estudos em matéria de Serviço Social, algo que também deve ser observado quando consideramos a realização de treinamento e avaliação de alunos em processo de supervisão. É também atribuição privativa do assistente social assumir em cursos de graduação e de pós-graduação disciplinas específicas sobre conhecimentos em Serviço Social. A coordenação de cursos de graduação e de pós-graduação e de centros de estudo que versem sobre matéria específica de Serviço Social também é privativa aos habilitados. A elaboração de provas, análise de bancas de exames de concursos é outra atribuição privativa dos profissionais e também é algo que está presente no exercício docente. Note que isso é inerente apenas para conteúdos vinculados a saberes específicos do Serviço Social. Todas as indicações em que temos a menção que é necessário conteúdo em matéria de Serviço Social significa que é algo que somente os habilitados poderão fazê-lo. Também é atribuição privativa do assistente social a realização de eventos em matéria de Serviço Social. Provas e análise de bancas estão presentes no exercício docente, e vemos que também teremos, na docência, a organização de eventos. Porém, isso não acontece apenas nesse espaço laboral. Lopes (2018) salienta que, como docentes, precisamos sempre nos ater às legislações que disciplinam nosso exercício profissional, incluindo nosso Código Profissional de Ética. Nossa ação docente precisa colaborar com a formação de um perfil profissional que atenda os parâmetros destacados nas diretrizes curriculares do curso. Um importante espaço para as discussões ligadas à docência em Serviço Social 90 Unidade II é a Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa do Serviço Social (ABEPSS). Essa organização oferece parâmetros interessantes para a graduação e pós-graduação em Serviço Social, além de incentivar a pesquisa na área. É interessante e necessária uma aproximação dos docentes, que atuem na graduação e na pós-graduação em Serviço Social, à ABEPSS. A docência, entretanto, conforme nos diz a autora, não incorpora apenas a realização de aulas, mas integra ainda as atividades de pesquisa e de extensão. As atividades de pesquisa são relacionadas à produção de projetos de pesquisa, de iniciação científica, mas também comporta as atividades de monitoria e elaboração do trabalho de conclusão de curso. As ações de extensão, por sua vez, vinculam-se à possibilidade de as universidades devolverem para a comunidade um saber construído no espaço acadêmico. Um exemplo de extensão é a organização de clínicas de atendimento nas mais variadas áreas, por exemplo, clínicas de atendimento psicológico e outras intervenções afins. A universidade devolve para a sociedade um saber, sendo esse atendimento concedido gratuitamente. A docência, nos termos de Lopes (2018), não pode estar restrita ao ensino. Cada universidade ou faculdade delimita os seus projetos de monitoria, de extensão e de pesquisa e também os indicativos com relação ao trabalho de conclusão de curso, além de outros aspectos que considere necessários para a plena formação dos profissionais. Saiba mais A vinculação ao campo da docência requer a observação sobre o que a categoria tem discutido em torno do ensino, da pesquisa e da extensão. O site da ABEPSS é fundamental para conhecer tais discussões. ABEPSS. Disponível em: https://bit.ly/3lV4ozZ. Acesso em: 25 mar. 2021. Também recomendamos a visita ao site institucional da UNIP, a fim de conhecer um pouco mais sobre os projetos de iniciação científica e sobre as atividades de extensão. Acesse esse conteúdo a partir dos links a seguir: UNIP. Clínicas. [s.d.]a. Disponível em: https://bit.ly/3fhXGD0. Acesso em: 25 mar. 2021. UNIP. Pesquisas. [s.d.]b. Disponível em: https://bit.ly/2QKvkHj. Acesso em: 25 mar. 2021. Dessa forma, concluímos nossas discussões sobre a atuação docente do assistente social. No item subsequente, entretanto, vamos discutir um dos aspectos que pode estar presente no exercício docente, que é a supervisão acadêmica de estágio curricular obrigatório em Serviço Social. 91 SERVIÇO SOCIAL E PROCESSO DE TRABALHO Saiba mais Recomendamos que você faça a leitura do texto a seguir, pois contém dados interessantes sobre o perfil de docentes que atuam nos cursos de Serviço Social no Paraná. PORTES, L. F.; PORTES, M. F. O perfil dos/as assistentes sociais que atuam na formação graduada presencial em Serviço Social no Paraná. In: CONGRESSO PARANAENSE DE ASSISTENTES SOCIAIS, 7., 2019, Ponta Grossa (PR). Anais [...]. Ponta Grossa, Cress-PR, 2019. Disponível em: https://cutt.ly/BxHhCmX. Acesso em: 5 out. 2020. 8 O EXERCÍCIO PROFISSIONAL DO ASSISTENTE SOCIAL COMO SUPERVISOR E NOS CONSELHOS PROFISSIONAIS COMO AGENTE FISCAL Estamos chegando ao fim do nosso percurso nesta disciplina. Para encerrar nossas colocações, convidamos você para o estudo sobre a atuação na supervisão e nos conselhos profissionais, dando início por meio da reflexão sobre a intervenção do assistente social como supervisor de estágio. Para isso, recorreremos à lei que regulamenta a profissão do assistente social, ao Código Profissional de Ética do Assistente Social e a documentos relacionados à questão do estágio e que foram produzidos pela ABEPSS, retratando assim o acúmulo teórico e legal da nossa profissão no que diz respeito ao estágio. Isso porque entender o estágio em Serviço Social nos permite identificar aspectosimportantes sobre o papel do supervisor de estágio nessa área. A supervisão de estágio em Serviço Social é uma das atribuições privativas do assistente social como indicado no artigo 5º da referida legislação, na qual lemos que “VI – treinamento, avaliação e supervisão direta de estagiários de Serviço Social” (BRASIL, 1993) é algo inerente somente aos profissionais habilitados. Outros profissionais, independentemente da área de formação, não podem exercer supervisão, treinamento ou avaliação de estagiários de Serviço Social. Aliás, sempre quando elaboramos documentação para inserção do aluno em estágio curricular obrigatório e não obrigatório, vemos que é fundamental a apresentação dos dados dos supervisores responsáveis pelo estágio. É interessante acentuar a indicação que temos na referida legislação, ainda no artigo 5º, e que nos apresenta como atribuição privativa do assistente social: “V – assumir, no magistério de Serviço Social tanto em nível de graduação como pós-graduação, disciplinas e funções que exijam conhecimentos próprios e adquiridos em curso de formação regular” (BRASIL, 1993). Nesse trecho vemos que a discussão é orientada para a questão da docência em cursos de graduação e pós-graduação. As disciplinas de estágio, responsáveis por orientar o processo de estágio obrigatório e não obrigatório, também são atribuições privativas dos assistentes sociais. O docente, supervisor pedagógico ou supervisor acadêmico que assumir a disciplina 92 Unidade II deve ser assistente social, uma vez que a formação nessa área específica só pode ser alcançada por meio do contributo de um profissional graduado na área. Observação A supervisão de alunos em estágio de Serviço Social é privativa aos assistentes sociais habilitados. Aqui cabe uma breve ressalva: como sabemos e discutiremos no decurso do texto em questão, para a realização do estágio em Serviço Social é necessária a participação do supervisor pedagógico e do supervisor de campo. Na lei supracitada, há uma analogia clara às disciplinas e funções com as quais o docente se relaciona no espaço acadêmico, portanto é possível uma correspondência à imagem do supervisor pedagógico ou acadêmico, figura vinculada aos centros de formação. Porém, e aqui fazemos a ressalva: é fundamental destacar que o supervisor de campo também precisa ser assistente social e estar habilitado, o que corresponde a não possuir nenhum impedimento ao pleno exercício de suas funções no processo de supervisão. A lei que regulamenta a profissão do assistente social ainda destaca que é de responsabilidade dos centros de formação a realização de um cadastro dos campos de estágio curricular. Observe o que o artigo 14 dessa lei dispõe: Cabe às unidades de ensino credenciar e comunicar aos conselhos regionais de sua jurisdição os campos de estágio de seus alunos e designar os assistentes sociais responsáveis por sua supervisão. Parágrafo único – somente os estudantes de Serviço Social, sob supervisão direta do assistente social em pleno gozo de seus direitos profissionais, poderão realizar estágio em Serviço Social (BRASIL, 1993). Os centros de formação ou unidades de formação precisam realizar um levantamento prévio dos espaços de estágio contendo todas as informações sobre o local e sobre os profissionais responsáveis pelo acompanhamento dos alunos. As unidades de ensino devem informar ao Cress de sua região os dados dos profissionais que foram designados para acompanhar o estágio, por conseguinte, as informações dos supervisores de campo também. O estágio só pode ser realizado pelo aluno se no espaço de estágio houver um profissional habilitado para acompanhá-lo. E também só pode realizar estágio em Serviço Social os estudantes de Serviço Social. Parece redundante, mas pela vida acadêmica já nos deparamos com estudantes de outros cursos desejando cursar estágio com assistentes sociais. 93 SERVIÇO SOCIAL E PROCESSO DE TRABALHO Saiba mais O vídeo a seguir foi produzido pela ABEPSS e problematiza várias questões que estão envoltas na supervisão de estágio em Serviço Social. É um vídeo curto e muito interessante. SOU ASSISTENTE social e supervisiono estágio: a supervisão qualifica a formação e o trabalho. 2018. 1 vídeo (1:30). Publicado por TV ABEPSS. Disponível em: https://bit.ly/3vtpOIa. Acesso em: 8 out 2020. A lei que regulamenta a profissão do assistente social fortalece, então, a relevância das atribuições privativas do assistente social e sua relação com a realização de estágio em Serviço Social. Outro documento extremamente válido para a reflexão sobre a supervisão de estágio na área é o Código Profissional de Ética do Assistente Social. O Código em questão, no artigo 4º, nos apresenta o que segue: d) compactuar com o exercício ilegal da profissão, inclusive nos casos de estagiários que exerçam atribuições específicas, em substituição aos profissionais; e) permitir ou exercer a supervisão de aluno de Serviço Social em instituições públicas e/ou privadas que não tenham em seu quadro assistente social que realize acompanhamento direto ao aluno estagiário (CFESS, 1993). Nesse trecho do código vemos a apresentação de erros éticos do assistente social, quando há ciência de existir alunos, no estágio, que desempenham funções de profissionais. Dito de outra maneira, quando tivermos ciência que o estagiário atua como se já fosse o profissional responsável pelo serviço e concordarmos com tal situação, estamos concordando também com o exercício ilegal profissão. Nós não podemos usar nossos alunos como mão de obra barata, afinal, o estágio é, essencialmente, um processo de aprendizagem, educativo, e não uma imposição de tarefas ao aluno. O artigo citado a seguir fortalece uma vez mais a necessidade de possuir supervisor de campo para que o estágio seja consolidado. No artigo 21 do mesmo documento, lemos que é um dever de nossa profissão: “c) informar, esclarecer e orientar os estudantes, na docência ou supervisão, quanto aos princípios e normas contidas neste Código” (CFESS, 1993), pois o processo formativo dos alunos não pode ser restrito à aprendizagem do aspecto instrumental que denota a nossa prática. Por conseguinte, cabe ao supervisor pedagógico ou de campo construir pontes que viabilizem aos alunos o processo de supervisão e a apropriação do conteúdo vinculado ao Código Profissional de Ética do assistente social. 94 Unidade II Observação O estágio em Serviço Social precisa estimular a mediação entre teoria e prática, vital ao processo de formação dos alunos. As Diretrizes Curriculares da ABEPSS também visam fortalecer a relevância da apropriação, pelo aluno, dos saberes que estão em discussão na categoria, incluindo aí a questão da ética, como reforçado nos itens que integram o Código Profissional de Ética do assistente social. As diretrizes apresentam o estágio como o momento privilegiado em que o aluno conseguirá firmar uma mediação entre a teoria construída no espaço acadêmico e a realidade, realizando uma junção entre teoria e prática. “[...] capacitar o/a aluno/a para o exercício profissional, por meio da realização das mediações entre o conhecimento apreendido na formação acadêmica e a realidade social” (ABEPSS, 1996, p. 7). O estágio não é mera atividade rotineira, mas um elemento importante para a formação dos alunos. É também um item obrigatório, que, assim como o trabalho de conclusão de curso, é uma exigência para a graduação em Serviço Social. Para que esse processo formativo aconteça de maneira a colaborar com a formação de qualidade, é fundamental a existência de dois atores fundamentais, que são o supervisor acadêmico e a supervisão de campo. A inserção no espaço de estágio não pode acontecer sem esses dois profissionais. Estágio Supervisionado: é uma atividade curricular obrigatória que se configura a partir da inserção do aluno no espaço socioinstitucional objetivando capacitá-lo para o exercício do trabalho profissional, o que pressupõe
Compartilhar