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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE CEARENSE CURSO DE SERVIÇO SOCIAL MIRNNA VASCONCELOS DA SILVA A ATUAÇÃO PROFISSIONAL DO/A ASSISTENTE SOCIAL NO CENTRO DE REFERÊNCIA ESPECIALIZADO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL – CREAS REGIONAL – FORTALEZA FORTALEZA 2013 MIRNNA VASCONCELOS DA SILVA A ATUAÇÃO PROFISSIONAL DO/A ASSISTENTE SOCIAL NO CENTRO DE REFERÊNCIA ESPECIALIZADO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL – CREAS REGIONAL – FORTALEZA Monografia submetida à aprovação da Coordenação do Curso de Serviço Social do Centro de Ensino Superior do Ceará, como requisito parcial para obtenção do grau de Graduação. Orientadora: Profª Ma. Moíza Siberia Silva de Medeiros FORTALEZA 2013 Bibliotecário Marksuel Mariz de Lima CRB-3/1274 S586a Silva, Mirnna Vasconcelos Atuação profissional do(a) Assistente Social no centro de referência especializado de assistência social – CREAS regional - Fortaleza / Mirnna Vasconcelos Silva. Fortaleza – 2013. 135f. Orientador: Profª. Ms. Moíza Siberia Silva de Medeiros. Trabalho de Conclusão de curso (graduação) – Faculdade Cearense, Curso de Serviço Social, 2013. 1. Serviço Social. 2. Assistente Social – atuação profissional. 3. Trabalho – CREAS Regional. I. Medeiros, Moíza Siberia Silva de. II. Título CDU 364(813.1) Aos meus Pais, pelo amor manifestado de diversas formas, inclusive pela educação. AGRADECIMENTOS Mesmo que se diga que a produção científica é uma tarefa solitária – em alguns momentos é de fato – a construção desta monografia também é fruto de um coletivo de pessoas que estiveram ao meu lado nesta etapa acreditando em mim e no resultado deste estudo. A Vocês quero agradecer: À Deus, autor da vida, fonte de todas as bênçãos. A Ti Senhor, quero agradecer pela inspiração e sabedoria que tão gratuitamente me concedeu para a realização deste trabalho. Por ter cuidado de mim e daqueles que me são caros ao longo deste caminho. Por ter chegado até aqui. A Ti ó Deus, toda honra e toda glória eternamente! Ao meu pai, Antônio Tabosa, pelo amor e apoio incondicional que sempre dispensou as suas filhas. Pelo esforço ao longo de toda a vida para nos garantir o estudo e que nada nos faltasse. Homem trabalhador e de um coração enorme. Meu referencial de honestidade e dedicação à família. Um exemplo de PAI. À minha mãe, Maria Auxiliadora, por todo carinho e amor que só uma MÃE sabe dar. Por seu silêncio edificante, sua paciência e cuidado tão zelosos. Por sempre acreditar em mim. Uma Doce Mulher. Forte e Meiga. Minha pérola preciosa. Ao meu esposo, Rafael Carneiro, companheiro de toda a vida. Por todo amor e compreensão que dispensou durante a elaboração desta monografia. Pela parceria e discussões fecundas sobre como fazer pesquisa. Pela escuta sempre atenta. Por enxugar as minhas lágrimas nos momentos em que achava que não iria conseguir. Por me amar e acreditar em mim quando eu mesma não acreditava. A você, meu amor, minha inspiração. Às minhas irmãs, cunhado e sobrinha, Marienne Vasconcelos, Maíres Vasconcelos, Odílio Oliveira e Maíara Olivieira. Minha família. Por entender minhas ausências. Pela torcida, amizade e companheirismo. Ao meu primo Jean, que durante a realização deste ensaio monográfico partiu desta vida e foi para junto de Deus. Agradeço por ter sido testemunha de seu processo de transformação, por isso não direi adeus, mas até logo com a certeza de que nos veremos novamente. À minha amiga Joelma, minha querida irmã de fé, que sempre me apoiou e esteve ao meu lado incentivando meus projetos, sonhos e lutas. À minha orientadora, Profª. Ma. Moíza Siberia, pela parceria na realização desta pesquisa. Pela admirável pessoa e profissional que você é. Agradeço por ter aceitado me orientar neste estudo e por ter me dado à honra de produzir esta pesquisa mediante suas orientações. Às professoras convidadas, Profª. Drª. Mônica Duarte Cavaignac e Profª. Ma. Paula Raquel da Silva Jales por terem aceitado compor a banca examinadora desta monografia. À Coordenação de Serviço Social da Faculdades Cearenses na pessoa da Profª Ma. Eliane Nunes, onde também referencio a Profª. Ma. Flaubênia Girão pela dedicação e o empenho para que o Curso de Serviço Social da FAC fosse valorizado e respeitado entre as instituições de ensino. À todas as professoras e professores da Faculdades Cearenses que participaram de minha formação profissional e contribuíram para meu crescimento acadêmico. Por incentivar um olhar crítico, não passivo às circunstâncias da vida. À minha supervisora de estágio supervisionado em Serviço Social, Assistente Social Luciana Mendes, pela generosidade a mim conferida no período de estágio e, acima de tudo, pela competência e o exemplo de profissional que você é para mim. À toda a equipe que compõe o CREAS Regional, de modo especial, as assistentes sociais do CREAS Regional que participaram deste estudo e as aquelas que pude conviver durante minha prática de estágio no CREAS Regional. Às minhas amigas de faculdade Maria Glaucineide, Marlúcia Rosendo, Jailma Rodrigues, Cristina Maria, Érika Lorena, Cristina Maia, Natathalie Liberato e Fernanda Braga. Queridas amigas que conquistei nestes quatro anos. Amizades preciosas que quero ter para toda vida. Juntas, buscamos com muita luta a concretização deste sonho. Pela vitória alcançada, mais do que merecida. À todos/as os/as companheiros/as da turma de Serviço Social. Por termos permanecidos juntos até aqui com a certeza que nos veremos novamente como assistentes sociais e colegas de trabalho. À todos que direta ou indiretamente contribuíram para que a produção desta monografia fosse possível. À Vocês, meu Muito Obrigada! “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, Muda-se o ser, muda-se a confiança, Todo mundo é composto de mudança, Tomando sempre novas qualidades.” Luís Vaz de Camões RESUMO Este ensaio monográfico teve como objetivo discutir sobre a profissão de Serviço Social e como esta categoria profissional se insere nos espaços ocupacionais. Para tanto, esta investigação teve como foco central investigar a Atuação Profissional do/a Assistente Social no Centro de Referência Especializado de Assistência Social – CREAS Regional – Fortaleza com a intenção de analisar o fazer profissional do/a assistente social no cotidiano institucional do CREAS Regional – Fortaleza. Seus objetivos foram: Conhecer as competências e atribuições do/a assistente social no CREAS, Analisar o significado da categoria Instrumentalidade para as participantes da pesquisa, Compreender o papel do/a assistente social dentro da equipe interdisciplinar no CREAS e Investigar os limites e possibilidades entre as condições de trabalho e a atuação dos/as assistentes sociais na viabilização dos direitos. As categorias analíticas centrais que nortearam este estudo foram: Trabalho, Cotidiano, Instrumentalidade e Assistência Social. Para a consecução dos objetivos pretendidos empreendemos uma pesquisa eminentemente qualitativa do tipo bibliográfica, documental e empírica. Elegemos como método para a referida análise, o método dialético. Utilizamos nesta pesquisa, as técnicas da entrevista e do questionário. Participaram deste estudo, quatro assistentes sociais que exercem atividades laborativas distintasna instituição. A partir dos dados coletados e analisados, percebemos que as situações de violação de direitos sobre as quais os/as assistentes sociais incidem sua atuação profissional no CREAS requerem dos profissionais um trabalho social específico no campo da proteção social especial e exigem dos profissionais um olhar crítico e ampla leitura da realidade para a apreensão destas violações enquanto expressões da questão social que se apresentam no cotidiano. A apreensão da categoria instrumentalidade pelas profissionais entrevistadas não se deu em sua completude, pois o significado desta capacidade se reduziu a uma de suas dimensões, a saber, a dimensão técnico- operativa. Espaços do cotidiano institucional como o plantão social e o trabalho interdisciplinar realizado na instituição foram valorizados pelas participantes e reforçam o seu papel na instituição. No exercício de sua atuação profissional, o/a assistente social, em sua condição de trabalhador assalariado, condiciona-se a determinados limites institucionais que incidem na satisfação ou insatisfação na execução de suas atribuições quando estes limites interferem no posicionamento ético-político do profissional. Palavras-chave: Serviço Social. Assistente social. Atuação profissional. Trabalho. CREAS Regional. ABSTRACT This monographic essay aims to discuss the profession of social work and how this professional category fits in the occupational spaces. Therefore, this research focuses on investigating the social worker’s professional performance at the Center for Social Assistance Specialized Reference - Regional CREAS - Fortaleza with the intent of analyzing the social worker’s professional making in everyday at CREAS Regional – Fortaleza. Its objectives were: to know the powers and duties of the social worker at CREAS, to analyze the meaning of the category Instrumentality for research participants, to understand the role of the social worker within the interdisciplinary team at CREAS, and to investigate the limits and possibilities between working conditions and the social workers’ performance in the viability of rights. The core analytical categories that guided this study were: Labor, Everyday Life, Instrumentality and Assistance. To achieve the intended goals, we undertook a survey eminently qualitative, literature, documentary and empirical. We have chosen as a method for this analysis, the dialectical method. We used in this research, the techniques of interview and questionnaire. The study included four social workers engaged in different labor activities in the institution. From the data collected and analyzed, it was found that cases of violation of rights about which social workers focus on CREAS require a specific social work in the field of special social protection. This requires a critical view of professionals and wide reading of the reality to the apprehension of these violations as expressions of the social question that arise in everyday life. The seizure of the category instrumentality by professionals interviewed was not in its fullness, since the significance of this ability has been reduced to one of its dimensions, namely the technical operational dimension. Institutional spaces of everyday life, such as social duty and interdisciplinary work done in the institution were valued by participants and enhance their role in the institution. In the exercise of their professional, social worker in his capacity as employee determines himself to certain institutional limits that affect the satisfaction or dissatisfaction in the performance of their duties when these limits interfere in his ethical-political position. Keywords: Social Services. Social Worker. Professional Activities. Work. CREAS Regional. LISTA DE TABELAS 1. Tabela 1 – Parâmetros de referência para a definição do número de CREAS, considerando o porte do município........................................................................... 38 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ABEPSS Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social CEAS Centro de Estudos e Ação Social CF Constituição Federal CFESS Conselho Federal de Serviço Social CFP Conselho Federal de Psicologia CIAPREVI Centro Integrado de Atenção e Prevenção à Violência contra a Pessoa Idosa CNAS Conselho Nacional de Assistência Social CRAS Centro de Referência de Assistência Social CREAS Centro de Referência Especializado de Assistência Social CRESS Conselho Regional de Serviço Social DCA Delegacia da Criança e do Adolescente DCECA Delegacia de Combate a Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes ECA Estatuto da Criança e do Adolescente ENESSO Executiva Nacional de Estudantes de Serviço Social FAC Faculdades Cearenses FUNCI Fundação da Criança e da Família Cidadã IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada LA Serviço de Proteção Social a Adolescentes em Cumprimento de Medida Socioeducativa de Liberdade Assistida LBA Legião Brasileira de Assistência LOAS Lei Orgânica de Assistência Social NEVCA Núcleo de Enfrentamento da Violência contra Crianças e Adolescentes NOB/SUAS Norma Operacional Básica do SUAS NOB-RH/SUAS Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do SUAS PAEFI Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos PFMC Piso Fixo de Média Complexidade PNAS Política Nacional de Assistência Social PSB Proteção Social Básica PSC Prestação de Serviços à Comunidade PSE Proteção Social Especial SENAI Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SER Secretaria Executiva Regional SESI Serviço Nacional da Indústria STDS Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social SUAS Sistema Único de Assistência Social TCC Trabalho de Conclusão de Curso UECE Universidade Estadual do Ceará URLBM Unidade de Recepção Luiz Barros Montenegro SUMÁRIO INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 14 CAPÍTULO I: PERCURSO METODÓLOGICO E PARTICULARIDADES DA PESQUISA: OS PRIMEIROS PASSOS NA INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA ........... 17 1.1 Aproximação ao objeto de estudo ................................................................... 18 1.2 Contextualizando o Serviço Social Brasileiro nas políticas sociais ............. 22 1.3 Percurso Metodológico .................................................................................... 27 1.4 Conhecendo o Lócus da Pesquisa: Centro de Referência Especializado de Assistência Social – CREAS ................................................................................. 33 1.5 Perfil das profissionais entrevistadas ............................................................ 45 CAPÍTULO II: O SERVIÇO SOCIAL COMO OBJETO DE ESTUDO: TRABALHO E COTIDIANO DA ATUAÇÃO PROFISSIONAL ........................................................ 51 2.1 Concepções Clássicas e Contemporâneas acerca da categoria trabalho .. 52 2.2 A Atuação Profissional do Serviço Social como trabalho ............................ 63 2.3 O Cotidiano do trabalho do/a Assistente Social no CREAS ......................... 70 CAPÍTULO III: A ASSISTÊNCIA SOCIAL COMO POLÍTICA PÚBLICA NO BRASIL .................................................................................................................................. 82 3.1 A Assistência Social como política pública da Seguridade Social .............. 83 3.1.1 A Proteção Social Especial .............................................................................. 94 3.1.2 A Instrumentalidade no trabalho do/a Assistente Social .................................101 3.2 O Projeto Ético-Político do Serviço Social e as particularidades do trabalho do/a Assistente Social na Política de Assistência Social ................................. 108 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 117 REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 123 ANEXOS ................................................................................................................ 129 14 INTRODUÇÃO (Re) aprender a olhar. Não olhar de qualquer modo ou mesmo não olhar. Mas, olhar de uma forma diferente. Olhar para de fato enxergar e então construir. Este foi o desafio ao qual que me propus na elaboração deste ensaio monográfico. Muito mais que descrever buscamos neste trabalho, enxergar, compreender e compartilhar as experiências proporcionadas nesta investigação científica, possíveis a partir de uma olhar mais apurado, um olhar científico capaz de produzir resultados que se plasmem da realidade onde foi gestada ao mundo acadêmico. Portanto, apresentamos a você leitor/a o fruto desse novo olhar. Neste ensaio monográfico nos propomos a investigar a atuação Profissional do/a Assistente Social com a intenção de contribuir acerca do debate sobre o trabalho do/a assistente social na sociedade, especificamente nos serviços públicos. O/A Assistente Social tem sido um/a profissional requisitado/a a desenvolver sua atuação nos mais diversos postos de trabalho, mas sabemos que historicamente o Estado é o maior empregador deste profissional requerendo sua atuação nas políticas sociais. Desse modo, nossa proposta de investigação científica escolheu como lócus de estudo para esta análise o Centro de Referência Especializado de Assistência Social – CREAS Regional – Fortaleza, equipamento público que viabiliza os serviços sociais da Política de Assistência Social na Proteção Social Especial. Realizamos a pesquisa com quatro assistentes sociais, do sexo feminino, que laboram nos acompanhamentos sociais, setor de denúncia e equipe volante da referida Unidade. Tomamos por base neste estudo o método dialético, caracterizando-se como eminentemente qualitativo com a utilização das técnicas de pesquisa: a entrevista e o questionário. Almejamos com esta discussão destacar a relevância do Serviço Social em um equipamento da proteção social especial. Desse modo, apresentamos ao/a leitor/a como principal objetivo deste ensaio monográfico analisar o fazer profissional do/a assistente social no cotidiano institucional do CREAS Regional – Fortaleza. Mediante esta indagação, procuramos discutir e contribuir, a partir de situações 15 concretas do cotidiano de trabalho dos/as assistentes sociais como a profissão vem exercendo sua atuação profissional e as formas que esta atuação vem assumindo no campo das políticas sociais. Destacamos como título desta produção o termo “Atuação Profissional” para designar o trabalho do/a assistente social, por entendermos que esta nomenclatura contempla todas as outras formas de dizer sobre o que faz o Serviço Social. Consideramos que a referida nomenclatura em nada agride o saber fazer da profissão, haja vista que as entidades representativas da profissão utilizam comumente o termo “atuação” para intitular a elaboração de seus documentos normativos. Este termo diz respeito, no nosso entendimento, ao campo onde o Serviço Social pode empreender o seu trabalho, que neste caso, refere-se ao CREAS Regional. Para tanto, esta monografia está estruturada em três capítulos, conforme o/a leitor/a poderá apreciar posteriormente. No Capítulo I: Percurso metodológico e Particularidades da Pesquisa: os primeiros passos na investigação científica, apresentamos as motivações que impulsionaram a elaboração desta pesquisa, o percurso metodológico que tracei nesta investigação, a contextualização do Serviço Social na realidade brasileira, as particularidades do lócus da pesquisa e o perfil das profissionais que fizeram parte deste estudo. No Capítulo II: Serviço Social como objeto de estudo: trabalho e cotidiano da atuação profissional, o/a leitor/a terá acesso as considerações de autores clássicos e contemporâneos acerca da categoria trabalho para compreender o lugar que esta categoria ocupa na sociedade e nesta discussão, a fim de elucidar, portanto, o Serviço Social como profissão circunscrita na divisão social e técnica do trabalho e sua atuação como trabalho na sociedade. Posteriormente, tomando como base de discussão a categoria cotidiano, apresentamos reflexões acerca do espaço cotidiano do CREAS Regional e as implicações que este equipamento incide positiva e/ou negativamente na atuação profissional. No Capítulo III: A Assistência Social como política pública no Brasil, destacamos o histórico e as particularidades da política de assistência social no país 16 como um dos eixos estruturantes da seguridade social, a partir dos marcos legais que a constituíram. Trazemos ainda alguns apontamentos sobre como esta política pública vem se estruturando atualmente na sociedade, bem como a estruturação da proteção social especial na política de assistência social. Continuando a discussão, apresentamos breves considerações sobre a categoria instrumentalidade destacando sua importância na atuação profissional dos/as assistentes sociais como também buscamos descobrir o entendimento das interlocutoras da pesquisa sobre esta categoria. Encerrando este capítulo, escrevemos sobre a relação entre o Projeto Ético-Político do Serviço Social e as particularidades do trabalho do/a Assistente Social neste campo específico da Política de Assistência Social, de modo a elucidarmos as exigências que este projeto imprime na atuação dos/as assistentes sociais. Ao longo da investigação apresentamos as falas das interlocutoras desta pesquisa, testemunhas oculares que permitiram através deste estudo uma compreensão sobre a atuação profissional do/a assistente social, que embora imersa em contradições, encontra-se comprometida com a direção social abraçada pela categoria. Os relatos das participantes da pesquisa foram elementos cruciais para o entendimento do lugar que a profissão vem ocupando no campo das políticas sociais. Por fim, nas considerações finais, retomamos os objetivos da pesquisa para responder a pergunta de partida deste estudo, onde realizamos algumas sínteses das questões expostas e as principais conclusões elucidadas que possibilitarão que este estudo contribua no debate da atuação profissional na política de assistência social e na proteção social especial. Não temos a intenção de esgotar a discussão do tema com este estudo, por isso, com esta produção traçamos alguns elementos que podem subsidiar outras produções sobre o tema proposto. Sinta-se convidado, caro/a leitor/a a conhecer este constructo produzido com afinco e dedicação, a fim de fazê-lo/a entender um pouco mais sobre a profissão de Serviço Social, a partir dos achados que podemos desvelar nesta investigação. Desejamos a você uma prazerosa leitura! 17 CAPÍTULO I PERCURSO METODÓLOGICO E PARTICULARIDADES DA PESQUISA: OS PRIMEIROS PASSOS NA INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA “[...] a postura científica não é algo de apenas alguns eleitos, podendo ser exercida em qualquer campo de estudo. Metodologia Científica é muito mais do que algumas regras de como fazer uma pesquisa. Ela auxilia a refletir e propicia um ‘novo’ olhar sobre o mundo: um olhar científico, curioso, indagador e criativo”. Mirian Goldenberg 18 1.1 Aproximação ao objeto de estudo A motivação para a escolha desta temática para este Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) deu-se a partir de duas experiênciasque para mim foram bastante significativas: a primeira, a participação na Conferência Municipal de Assistência Social do município de Fortaleza em agosto de 2011. A segunda, a experiência de estágio supervisionado em Serviço Social realizada no Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) Regional – Fortaleza. O ano de 2011 destacou-se como um ano de realização de conferências. Na perspectiva do direito e da participação social, as conferências constituem-se em um importante dispositivo para que as Políticas Sociais e, no caso, a Assistência Social seja efetivada, conforme prescrito na Constituição Federal (CF) de 1998 como um direito social e uma política pública de responsabilidade do Estado. Estava cursando o 5º período do curso de Serviço Social quando aconteceu, no mês de agosto, a IX Conferência Municipal de Assistência Social do município de Fortaleza com o tema: “Consolidar o SUAS e Valorizar seus Trabalhadores no Âmbito Municipal”. Nesta conferência participamos como convidada1 das discussões e debates acerca da Política de Assistência Social de Fortaleza e podemos perceber os diversos pontos de vista dos trabalhadores da assistência, sejam aqueles que trabalham diretamente com os usuários dos serviços, sejam aqueles designados à organização da política no município. Dentre as divisões dos eixos para elaboração das propostas de ação da conferência, participamos do eixo que propunha as discussões sobre a qualificação dos serviços socioassistenciais. Neste eixo tomamos parte in loco das propostas, discussões, sugestões, desafios e críticas que o envolviam e constatamos nas falas dos profissionais e usuários da política de assistência social, a persistência para que esta política realmente desempenhasse o seu papel na cidade. 1 De acordo com o Capítulo II, artigo 7º, parágrafo II do Regimento Interno da Conferência Municipal, a participação como convidada/o nas conferências concede apenas o direito à voz, sendo vetado o direito a voto. Cf. CONSELHO MUNICIPAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL. Regimento Interno da IX Conferência Municipal de Assistência Social. Fortaleza, 2011. 19 As discussões e debates ao longo de toda a conferência, fossem na plenária, fossem no espaço dos eixos, remetiam de uma forma ou de outra à valorização dos trabalhadores da assistência social, tema da atual conferência. Como pensar na efetividade de uma política sem pensar em seus articuladores? Como oferecer um serviço de qualidade sem qualificar os trabalhadores da assistência social? Esses foram apenas alguns de tantos outros questionamentos que surgiram na plenária da conferência. O espaço da conferência proporcionou não somente elaborar propostas para a melhoria dos serviços oferecidos pela Política de Assistência Social, mas sobremaneira, discutir os desafios e problemas que necessitavam ser vencidos, bem como construir estratégias de qualificação e valorização de seus trabalhadores – um dos braços articuladores da política. É inegável que os/as assistentes sociais compõem grande parte do número de trabalhadores da assistência social e, nesta conferência, observamos como estes/as profissionais buscam promover discussões acerca de sua atuação profissional, bem como de qualificação para todos os trabalhadores da Política de Assistência Social. Como estudante em processo de formação profissional, participar da conferência possibilitou ampliar a visão da atuação profissional do/a assistente social, como profissional comprometido/a com o seu “fazer” nas instituições de acesso aos serviços públicos. Mas, sobretudo, comprometido/a com a qualidade dos mecanismos que viabilizam sua atuação, de forma a contribuir para que a Política de Assistência Social de fato se constitua dia-a-dia na perspectiva do direito social. Não há dúvidas de que esta experiência suscitou a curiosidade em pesquisar o cotidiano de trabalho da profissão que abraçamos para exercer, fato que foi posteriormente aprofundado na prática de estágio. Concomitante ao mês em que ocorreu a conferência municipal, iniciamos a prática de estágio supervisionado em Serviço Social, mediante convênio firmado entre a instituição de ensino – Faculdade Cearense (FAC) – e a Secretaria de 20 Trabalho e Desenvolvimento Social (STDS), onde fora encaminhada por esta secretaria ao Centro de Referência Especializado de Assistência Social – CREAS Regional – Fortaleza. Permanecemos na referida instituição todo o período que compreende o estágio supervisionado, de acordo com a matriz curricular estabelecida no curso, a saber: 2011.2, 2012.1 e 2012.2. Estando na referida instituição, foi possível acompanhar as atividades desenvolvidas pelo Serviço Social no atendimento aos usuários dos serviços, bem como no fortalecimento da autonomia destes cidadãos como sujeitos de direitos. Ao participar das atividades empreendidas na instituição juntamente com a supervisora de campo, acompanhamos diversas situações que norteavam a sua atuação profissional e das demais assistentes sociais naquele espaço socioinstitucional. Situações essas que vão desde limitações institucionais – como a impossibilidade de realizar um encaminhamento por não haver vagas nos abrigos, por exemplo –, situações de risco – referentes a relativas “revoltas” de alguns usuários dos serviços – e até conquistas profissionais – como melhorias nas condições de trabalho e/ou o encerramento de um acompanhamento social que repercutiu em bons resultados para as famílias atendidas. Na condição de estagiária, foi possível conhecer e perceber as nuances da realidade – muitas vezes difíceis de serem transpostas – contidas naquele espaço, bem como o comprometimento das assistentes sociais com sua atuação profissional na viabilização dos direitos. Foi então, a partir do acompanhamento diário da atuação profissional às demandas institucionais que se apresentavam no CREAS – que acabou consolidando o interesse manifestado na participação da conferência – que nos instigou a pesquisar a atuação profissional do/a assistente social naquele espaço. No intuito de percebermos como se dá a relação do/a profissional de Serviço Social com os mais diversos determinantes que se apresentam no processo cotidiano de desvelamento das expressões da questão social2. Da mesma forma, compreendermos o reconhecimento do/a assistente social em sua identidade profissional como trabalhador circunscrito na divisão social e 2 No nosso entendimento a questão social constitui-se como o conjunto das desigualdades sociais produzidas pelo sistema capitalista de produção. Sobre a questão social, Cf. Martinelli (2001); Netto, (2011); Iamamoto & Carvalho (2011). 21 técnica do trabalho e a efetivação do projeto ético-político em sua atuação profissional. No dia a dia com as profissionais, visualizávamos as leituras e apontamentos teóricos dos autores de referência se plasmarem na realidade através dos limites, entraves, possibilidades e conquistas do cotidiano de trabalho das assistentes sociais, fazendo-nos refletir os elementos enigmáticos3 que envolvem essa profissão. Empreendemos, portanto, uma busca teórica a partir das categorias que acabaram se tornando base desta pesquisa, a saber: trabalho, cotidiano, instrumentalidade e assistência social na tentativa de analisarmos o fazer profissional do/a assistente social no cotidiano institucional do CREAS Regional – Fortaleza. Sendo esta a principal indagação e pergunta de partida para este trabalho investigativo. Estas foram as bases de aproximação deste objeto de estudo e para tanto, estabelecemos como objetivos específicos que no nosso entendimento possibilitaram uma melhor compreensão sobre da pergunta de partida: conhecer as competências e atribuições do/aassistente social no CREAS; analisar o significado da categoria instrumentalidade para as participantes da pesquisa; compreender o papel do/a assistente social dentro da equipe interdisciplinar no CREAS; investigar os limites e possibilidades entre as condições de trabalho e a atuação dos/as assistentes sociais na viabilização dos direitos. Neste sentido, a pesquisa desenvolvida torna-se relevante para o Serviço Social, tendo em vista ser importante para o fortalecimento da profissão: perceber como a atuação profissional tem sido exercida nos mais diferentes espaços, neste caso especificamente, em um equipamento da política de proteção social especial, articulando esta atuação aos limites e possibilidades da realidade institucional. No entendimento de que discutir sobre a atuação profissional possibilita plasmar a visão de totalidade da realidade social, compreendida entre profissional-usuário-política, tão necessária para um exercício profissional comprometido com a direção social assumida pelo Serviço Social, a partir de seu projeto ético-político. 3 Sobre esses elementos, ou seja, o caráter contraditório em que a profissão é exercida na sociedade trataremos modestamente de clarificá-los no decorrer deste ensaio monográfico. 22 Da mesma forma, os resultados obtidos nesta pesquisa visam proporcionar à sociedade uma mudança de olhar sobre a atuação do Serviço Social nos serviços públicos, como profissão circunscrita na divisão social e técnica do trabalho. De modo algum temos a intenção de encerrar a discussão sobre a atuação das/os assistentes sociais com esta pesquisa. Tão pouco que as conclusões e posicionamentos desta investigação tornem-se algo acabado dentro do universo empírico. Assim, a intenção que vislumbra este ensaio monográfico é de que a pesquisa produzida seja apresentada em seminários, encontros científicos, conferências, encontros do Serviço Social, de forma a contribuir com as discussões acerca da temática estudada. Do mesmo modo, que seja disponibilizada no CREAS Regional, a fim de que o conhecimento produzido possa servir essencialmente àqueles que possibilitaram sua produção. Estimamos que a temática pesquisada torne-se linha de pesquisa para futuras pesquisas acadêmicas e a partir destas iniciativas, colaborar para uma melhor compreensão da realidade no que tange ao debate sobre a profissão de Serviço Social na sociedade. 1.2 Contextualizando o Serviço Social Brasileiro nas políticas sociais Discorridas as motivações que impulsionaram esta investigação, procuramos nos parágrafos seguintes situar o/a leitor/a acerca do objeto estudado, haja vista que para compreender as particularidades do Serviço Social, é interessante que possamos no desenvolvimento das políticas sociais neste país, especificamente no Sistema de Proteção Social Brasileiro com foco na Política Nacional de Assistência Social. Assim como na Europa e na América Latina, as protoformas do Serviço Social no Brasil estão intimamente ligadas à Igreja e a visão que esta possuía acerca dos “problemas sociais”4. Sob as diretrizes das encíclicas Rerum Novarum e 4 Ressaltamos que era dessa forma que a questão social era concebida na visão da Igreja, ou seja, os “problemas sociais” eram provenientes de um desajuste individual e moral do indivíduo. Cf. 23 Quadragesimo Anno5, começaram a surgir instituições assistenciais como, por exemplo, o Centro de Estudos e Ação Social (CEAS) que tinha a função de difundir a doutrina e a ação social da Igreja. Sob o viés da filantropia e da caridade, este centro atuava na minimização das refrações da questão social6, devido à intensificação do processo de industrialização capitalista e aumento da urbanização na década de 1930 com o governo de Getúlio Vargas. De acordo com Jaccound (2009), o sistema de proteção social público surgiu a partir da agudização dos “riscos sociais”7 devido à expansão das relações de trabalho oriundas do processo de industrialização e urbanização. Neste período, a proteção social emergia por parte da sociedade através das ações da filantropia e da caridade. Na medida em que se expandia a industrialização, aumentava o “risco social” das famílias caírem na miséria devido à dificuldade de se conseguir um emprego. Salienta-se que o sistema de proteção social, como mecanismo de acesso aos “direitos sociais”, organizou-se por meio do seguro social. Os benefícios e serviços eram obrigatoriamente concedidos pelo Estado àqueles que estivessem impedidos de garantir a sua subsistência pela via do trabalho. Na década de 1930, as transformações decorrentes da industrialização no Brasil – que se deu de modo tardio – ocasionaram o avanço das forças produtivas do capital e da divisão do trabalho, aumentando na mesma medida as diversas formas de exploração do trabalho. Para conter as manifestações do movimento operário – que reivindicava melhores condições de trabalho – e os demais problemas sociais advindos do processo industrial, o Estado propõe políticas de proteção social para o enfrentamento da questão social na tentativa de controlar os ânimos da classe operária e, ao mesmo tempo, isentar o ônus da burguesia com custos na produção. Assim, define-se Proteção Social como “um conjunto de CASTRO, Manuel Manrique. História do Serviço Social na América Latina. 9. ed. São Paulo: Cortez, 2008. 5 A Encíclica Rerum Novarum trazia em discussão o enfrentamento à questão operária cabendo à própria Igreja a tarefa de combatê-la. A Encíclica Quadragesimo Anno abordava a urgência de se criar uma ação voltada para combater o paganismo e a secularização. Cf. (Ibid., 2008). 6 Neste período a questão social era vista sob uma perspectiva individual e como questão de polícia. 7 Jaccound (2009) destaca que as situações de risco social seriam múltiplas, a saber, doença, velhice, desemprego, morte. Cf. JACCOUND, Luciana. Proteção Social no Brasil: Debates e Desafios. In: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Concepção e Gestão da proteção Social Não Contributiva no Brasil. Brasília: Unesco, 2009. p. 57-86. 24 iniciativas públicas ou estatalmente reguladas para a provisão de serviços e benefícios sociais visando enfrentar situações de risco social ou privações sociais” (JACCOUND, 2009, p.58). É neste contexto que o Serviço Social se insere nas instituições sociais e assistenciais8 do Estado, ampliando seu campo de trabalho e atuando nas formas de enfrentamento à questão social, a saber, as políticas sociais. Assume então “um lugar na execução das políticas sociais emanadas do Estado e, a partir desse momento, tem seu desenvolvimento relacionado com a complexidade dos aparelhos estatais na operacionalização das políticas sociais” (YAZBEK, 2009, p.132). Conforme afirma Iamamoto e Carvalho (2011, p. 83-84), [...] é nesse contexto, em que se afirma a hegemonia do capital industrial e financeiro, que emerge sob novas formas a chamada “questão social”, a qual se torna a base de justificação desse tipo de profissional especializado. A questão social não é senão as expressões do processo de formação e desenvolvimento da classe operária e de seu ingresso no cenário político da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por parte do empresariado e do Estado. Posterior à década de 1940, o sistema de proteção social manteve-se inalterado, ou seja, continuou organizado pelo seguro social deixando diversos grupos sociais à margem do acesso aos serviços e benefícios por não pertencerem ao seguro previdenciário, sendo atendidos pela filantropia9 ou pela lógica da benemerência10. Era incumbência destas o atendimentoaos pobres e necessitados constituindo-se como um mecanismo assistencialista e de favor do Estado. Concernente à década de 1960, Bulla (2003) destaca que as implicações do modelo econômico desenvolvimentista redefiniram a conjuntura do país, haja vista que os investimentos do capital estrangeiro dinamizaram significativamente a 8 Dentre estas instituições podemos destacar a Legião Brasileira de Assistência (LBA) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), ambos criados em 1942, e o Serviço Social Nacional da Indústria (SESI), em 1946. 9 Segundo Mestriner (2008), a filantropia em seu sentido restrito ocupa-se com a preocupação do favorecido com o outro que nada tem e, em seu sentido amplo, pressupõe o sentimento mais humanitário, vinculado à garantida condição digna de vida. Cf. MESTRINER, Maria Luiza. O Estado entre a filantropia e a assistência social. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2008. 10 Esta lógica pauta-se no pressuposto de que para os pobres qualquer coisa basta. Cf. YAZBEK, Maria Carmelita. Estado, Políticas Sociais e Implementação do SUAS. In: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. SUAS: Configurando os Eixos de Mudanças. Vol. 1. Brasília: MDS, 2008. p. 79-135. 25 economia brasileira com repercussões na área administrativa, tecnológica e financeira. A implantação desse modelo permitiu a acumulação e expansão capitalista e suas formas de controle social e político. Por essa razão repercute na ditadura militar um período de repressão, censura e autoritarismo, fazendo com que os direitos políticos fossem visivelmente suprimidos e, em contrapartida, fossem ampliados os direitos sociais como mecanismo compensatório através das políticas sociais. Durante os anos da ditadura militar as políticas sociais possuíram em seu interior o objetivo de legitimação do sistema autoritário vigente, com caráter fragmentário, setorial e emergencial, se sustentava na necessidade de dar legitimidade aos governos que buscavam bases sociais para manter-se no poder. Neste período, passava-se a ideologia de que o desenvolvimento social seria decorrente do desenvolvimento econômico (DALLAGO, 2007, p.3). Sposati (1991 apud JACCOUND, 2009) aponta que até a década de 1970 o sistema de proteção social passou pelo chamado Estado de Bem Estar Ocupacional, onde os direitos universais eram substituídos pelo direito contratual. Vale ressaltar que na década de 1980, o sistema de proteção social – nele inserido a previdência social, a assistência social e a saúde – era fragmentado. Não se tinha o caráter de seguridade social e de universalidade proposto pela Constituição Federal de 1988. “Esta é precisamente a experiência do Brasil que, por quase cinco décadas no século passado, foi um dos países que mais rápido conseguiram expandir sua economia no mundo, sem obter, todavia, resultados consideráveis no âmbito social.” (POCHMANN, 2004, p. 7). A Constituição Federal de 1988 introduziu o conceito de seguridade social ao sistema de proteção social, sendo entendido como um conjunto de medidas públicas contra privações econômicas e sociais (JACCOUND, 2009). Estas medidas articulavam a garantia do direito à saúde, à previdência e à assistência social, pilares fundamentais à estabilidade da sociedade democrática. A constituição Federal de 1988 ao afiançar direitos humanos e sociais como responsabilidade pública e estatal, operou, ainda que conceitualmente, fundamentais mudanças, pois acrescentou na agenda dos entes públicos um conjunto de necessidades até então consideradas de âmbito pessoal ou individual (SPOSATI, 2009, p. 13). 26 A inclusão da assistência social na seguridade social proporcionou a ampliação dos direitos sociais, ressaltando o seu papel no cenário brasileiro enquanto política pública de direito do cidadão e responsabilidade do Estado e não mais como benemerência ou uma atividade focalizada. Além disso, tornou-se um novo campo na formulação de estratégias para promoção do acesso aos serviços e benefícios pelos cidadãos brasileiros. Nos marcos legais da Política de Assistência Social destacam-se: a Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS)11, que estabelece as diretrizes da Assistência Social, especificando a regulamentação de uma estratégia política descentralizada; a Política Nacional de Assistência Social (PNAS)12, que legitima o Sistema Único de Assistência Social (SUAS); a Norma Operacional Básica do SUAS (NOB/SUAS)13, aprovada em 2005 pelo Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) que disciplina a PNAS e normatiza o SUAS; e a Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais14, fruto da deliberação da VI Conferência Nacional de Assistência Social em 2007. O SUAS tem por funções essenciais: a proteção social, a vigilância e a defesa dos direitos socioassistenciais. No que tange à proteção social, aborda dois eixos: a proteção social básica e a proteção social especial. A primeira atua junto às famílias e seus membros, cujos direitos não foram violados, mas que estão em situação de vulnerabilidade social. A segunda atua na modalidade de média complexidade quando os direitos já foram violados, mas os vínculos familiares ainda não foram rompidos e na modalidade de alta complexidade, quando ocorre a violação de direitos e o enfraquecimento e/ou quebra de vínculos (SIMÕES, 2010). Inúmeros avanços foram conquistados na Assistência Social, mas ainda há muitos desafios a serem enfrentados, pois a eficácia da política depende de um esforço mútuo e contínuo de todos os agentes envolvidos, tendo em vista que ainda 11 Lei nº 8.742/1993 que fora complementada pela Lei nº 12.435/2011. 12 Resolução nº 145, de 15 de outubro de 2004 (DOU 28/10/2004). 13 Resolução nº 130, de 15 de Julho de 2005. Em 2013, esta resolução fora revogada pela Resolução CNAS nº33/2012 que aprova a nova NOB/SUAS. 14 Resolução nº 109, de 11 de novembro de 2009, aprovada pelo Conselho Nacional de Assistência Social que caracteriza os serviços a serem ofertados na proteção social básica e na proteção social especial. 27 existem resistências na consolidação da Assistência Social como política pública que viabiliza direitos. Outro entrave a ser enfrentado é a concepção conservadora e neoliberal que atribui a transversalidade desta política ao acesso material àqueles supérfluos para o capital, e não como política pública que prioriza a garantia do direito ao trabalho. É nesse campo de efetivação dos mecanismos de viabilização da assistência social e demais políticas sociais – nos dizeres de Iamamoto (2009), tensionado entre desigualdade, rebeldia e conformismo – que os/as assistentes incidem sua atuação, o que requer uma leitura crítica e um repensar constante de sua atuação na efetivação dessa política, como estratégia de enfrentamento das desigualdades sociais. Da mesma forma, é “impossível uma leitura da assistência de per si, sem atentar para as determinações sociais e históricas do significado da assistência como política governamental, de sua imbricação com as relações de classe e destas com o Estado”. (SPOSATI et al., 2010, p. 25). 1.3 Percurso Metodológico Delimitado, portanto, o objeto de estudo, suas motivações e os pressupostos que norteiam esta investigação, empreendemos esforços para traçarmos a metodologia de pesquisa que melhor se adequaria a elucidação das indagações do referido objeto. “O que determina como trabalhar é o problema que se quer trabalhar: só se escolhe o caminho quando se sabe aonde se quer chegar” (GOLDENBERG, 2004, p.14). Compreende-se a metodologia como um caminho a se percorrer no processo de fazer ciência. Trata-se do cuidado com os procedimentos e ferramentas para a abordagem da realidade. Assim, “a metodologia inclui as concepções teóricas deabordagem, o conjunto de técnicas que possibilitam a construção da realidade e o sopro divino do potencial criativo do investigador” (MINAYO, 1994, p.16). A inserção na realidade é que nos impulsiona à produção do conhecimento. Neste sentido, o Serviço Social tem alçado voos na pesquisa social, 28 consolidando seu caráter não apenas interventivo, mas também investigativo na análise dos processos que envolvem a realidade social. Partindo do entendimento que a realidade não se apresenta de forma estática, mas ao contrário, é dinâmica e repleta de contradições com nuances que a todo instante se modificam e trazem um novo significado à realidade elegemos como método de análise desta pesquisa o método dialético, uma vez que: Esse método de apreensão da realidade social não se atém a procedimentos de raciocínio apologéticos ou contemplativos, mas tem como premissa a construção de um saber que põe em primeiro momento as condições sociais reais do homem e suas formas de existência (LARA, 2007, p.79). Citando Lukács, Lara (2007) reafirma a importância do método dialético no que concerne a sua capacidade reflexiva, que possibilita apreender as dimensões do ser e da consciência dos sujeitos sociais como um processo histórico movido por contradições, haja vista que: A ciência autêntica extrai da própria realidade as condições estruturais e as suas transformações históricas e, se formula leis, estas abraçam a universalidade do processo, mas de um modo tal que deste conjunto de leis pode-se sempre retornar – ainda que frequentemente através de muitas mediações aos fatos singulares da vida. É precisamente esta a dialética concretamente realizada de universal, particular e singular (LUKÁCS, 1970, p. 81 apud LARA, 2007, p.79). Desse modo, o método dialético possibilitou refletir sobre o universo de atuação das assistentes sociais no CREAS Regional com os determinantes estruturais que se relacionam à processualidade histórica que envolve a profissão no cotidiano da realidade social. Neste sentido, partimos dos seguintes objetivos: conhecer as competências e atribuições do/a assistente social no CREAS; analisar o significado da categoria instrumentalidade para as participantes da pesquisa; compreender o papel do/a assistente social dentro da equipe interdisciplinar no CREAS e investigar os limites e possibilidades entre as condições de trabalho e a atuação dos/as assistentes sociais na viabilização dos direitos. Optamos, portanto, por uma análise de pesquisa do tipo qualitativa, a fim de compreendermos como se apresenta no 29 cotidiano a atuação profissional dos/as assistentes sociais e os fenômenos sociais que circundam esta realidade. “Os dados da pesquisa qualitativa objetivam uma compreensão profunda de certos fenômenos sociais apoiados no pressuposto da maior relevância do aspecto subjetivo da ação social” (GOLDENBERG, 2004, p.49). Tendo em vista a busca pela profundidade na compreensão dos fenômenos sociais que circundam os atores escolhidos para esta análise, Martinelli (1999)15 destaca três considerações sobre a pesquisa qualitativa, a saber: o caráter inovador da pesquisa qualitativa para traduzir os significados atribuídos pelos atores; a dimensão política e de construção coletiva que este tipo de análise de pesquisa traz consigo, haja vista que parte da realidade dos atores e a eles retorna criticamente; e o fato de que este caráter político e coletivo não se apresenta como algo restrito, mas complementar. Explicitada a natureza qualitativa deste ensaio monográfico utilizamos como técnicas de pesquisa a entrevista e o questionário. No que concerne à entrevista, esta é uma técnica de pesquisa “em que o investigador se apresenta frente ao investigado e lhe formula perguntas, com o objetivo de obtenção dos dados que interessam à investigação” (GIL, 2011, p. 109). Já o questionário, é uma técnica que prioriza demonstrar os objetivos da pesquisa em questões específicas, emergindo de suas respostas a descrição das características do grupo pesquisado (GIL, 2011). Os instrumentos de coleta de dados utilizados na pesquisa foram a aplicação do questionário e do roteiro semiestruturado de entrevista. Nesta investigação, o questionário foi utilizado com o intuito de apresentar o perfil do processo de formação das profissionais e as particularidades de sua atuação profissional. Utilizamos o roteiro semiestruturado por entendermos que nos ajudaria a obter informações sobre o que os sujeitos da pesquisa sabem, sentem e suas explicações sobre a realidade na qual estão inseridos. Da mesma forma, a utilização 15 Cf. MARTINELLI, Maria Lúcia. O uso de abordagens qualitativas na pesquisa em serviço social. In: MARTINELLI, Maria Lúcia (Org). Pesquisa qualitativa: um instigante desafio. São Paulo: Veras Editora, 1999. p. 19-27. 30 do roteiro possibilitou que possíveis lacunas percebidas nas respostas das entrevistadas fossem mais bem exploradas durante as entrevistas. Considerando que na pesquisa qualitativa a preocupação do pesquisador deve estar voltada para “o aprofundamento da compreensão do grupo social” (GOLDENBERG, 2004, p.14), tivemos máxima atenção aos relatos das interlocutoras desta pesquisa, como também perceber os elementos velados nestes relatos, seus comportamentos, gestos, silêncio e as nuances do universo empírico. Assim, fizemos uso do diário de campo como uma das ferramentas elucidativas das nuances por observadas. Concernente o ingresso na pesquisa de campo, apresentamos-nos a supervisora do CREAS em 05/04/2013 levando o ofício da Instituição de Ensino e o Termo de Autorização da pesquisa expedido pelo Laboratório de Inclusão da Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social, órgão público ao qual o CREAS é subordinado. Expusemos à referida supervisora as intenções que suscitaram esta pesquisa, os objetivos do estudo, bem como a intenção em entrevistar as profissionais de cada âmbito de atuação na unidade. Conversamos sobre a intencionalidade da pesquisa e fomos autorizadas a aplicá-la na instituição. A pesquisa de campo compreendeu os meses de abril e maio do corrente ano. Não tivemos dificuldades para adentrar ao campo de pesquisa, haja vista que o espaço institucional escolhido era conhecido por haver sido nosso campo de estágio. É fato que as situações que observamos durante este período motivaram a iniciar esta pesquisa; contudo, retornar à instituição como pesquisadora incutiu a responsabilidade de um olhar científico às mesmas questões que outrora observara. Quanto ao contato propriamente dito com as interlocutoras da pesquisa, estas se fizeram em três visitas a unidade – e não encontrei resistências por parte das profissionais em participar da investigação. Antes da concessão das entrevistas, foi firmado entre mim e as profissionais entrevistadas um Termo de Consentimento de participação da pesquisa científica, que garantia o anonimato de suas identidades, bem como a aceitação das 31 interlocutoras para a gravação das entrevistas – o que nos auxiliaria a observar outros elementos na coleta de dados. Inicialmente encontramos dificuldade para agendar as entrevistas devido à peculiaridade pela qual a instituição estava passando, o que ocasionou mudança na escala de trabalho dos profissionais da unidade16. Constatamos que houve dificuldade de algumas interlocutoras em responder certas perguntas do roteiro17, mesmo sendo melhor explicitadas, mas esse fato em nada foi estranho, ao contrário, constituiu-se como mais um importante elemento para análise, pois acreditamos que as circunstâncias do processo formativo e do próprio cotidiano de trabalho acabam ocasionando estranhamentos e/ou entendimentos restritos a determinados conceitos. A utilização de instrumentos, como por exemplo, o gravador devoz, também foi uma relativa dificuldade apresentada na coleta de dados pelo constrangimento inicial que a sua presença causava. Contudo, depois de esclarecida a utilidade científica do equipamento para o desenvolvimento da entrevista, tornava-se algo secundário às entrevistadas. Ressaltamos que apenas uma das profissionais comunicou que concederia a entrevista, mas não desejava que esta fosse gravada. O que fazer então? Como a pesquisa científica também exige criatividade do pesquisador e, mediante o inesperado, acabamos por redigir suas respostas, fato que nos limitou no que concerne a perceber com maior profundidade particularidades do momento da entrevista, levando-nos a refletir e a constatar que no universo empírico devemos estar sempre preparados ao que a realidade nos apresenta. Salientamos que a transcrição da entrevista não prejudicou a elucidação do objetivo central do estudo. Considerando que esta pesquisa constitui-se como eminentemente qualitativa, ou seja, procura uma maior aproximação com o objeto estudado para 16 Chegando ao CREAS Regional percebemos que a unidade estava muito vazia, tanto de profissionais quanto de usuários dos serviços. A supervisora da Unidade nos informou que a instituição estava passando por uma particularidade que era a falta de pagamento dos salários dos trabalhadores do CREAS há dois meses, fato que fez com que a supervisão reorganizasse a escala de trabalho dos profissionais para dirimir o ônus da falta de pagamento. Coincidentemente a demanda de usuários também havia diminuído. (Diário de Campo 05/04/213). 17 Neste caso, as perguntas sobre a categoria Instrumentalidade. 32 torná-lo mais explícito (Gil, 2002), os tipos de pesquisa que nortearam este estudo foram pesquisa bibliográfica, pesquisa documental e pesquisa de campo. Conforme Gil (2002) a pesquisa bibliográfica permite ao pesquisador cobertura acerca dos fenômenos, pois se baseia nas contribuições de diversos autores sobre determinado assunto. Dito isto, estabelecemos como categorias analíticas: trabalho, cotidiano, instrumentalidade e assistência social, sendo estas categorias que subsidiaram as apreciações desta pesquisa, a partir do diálogo com os autores. A pesquisa documental “vale-se de materiais que não recebem ainda um tratamento analítico” (GIL, 2002, p.45), mas que possibilitam dados que evitam a perda de tempo. Nesta técnica de pesquisa realizamos leituras acerca das leis e instrumentos normativos que envolvem os espaços de trabalho e a própria atividade laborativa dos/as assistentes sociais. A pesquisa de campo consiste no recorte do pesquisador em termos de espaço com a realidade empírica a ser pesquisada, pois “Ela realiza um momento relacional e prático de fundamental importância exploratória, de confirmação ou refutação de hipóteses e construção de teorias” (MINAYO, 1994, p.26). O Campo em que se aplicou a referida pesquisa foi o Centro de Referência Especializado de Assistência Social – CREAS Regional, localizado no bairro Presidente Kennedy, no município de Fortaleza. Os sujeitos da pesquisa foram os/as profissionais que trabalham no CREAS. No que tange as participantes da pesquisa, estabelecemos os critérios de escolha com base nas atividades laborativas desenvolvidas pelas assistentes sociais na instituição. Assim, a pesquisa contou com a contribuição de quatro participantes: uma assistente social plantonista, que trabalha em um dos municípios que o CREAS dá suporte; duas assistentes sociais diaristas responsáveis pelos atendimentos sociais às demandas que chegam à instituição; e uma assistente social diarista que atua no setor de denúncia da unidade e exerce uma atividade de cunho mais administrativo. 33 Inicialmente minha intenção era entrevistar seis profissionais, sendo duas de cada campo de atuação, a fim de perceber congruências e divergências no relato das profissionais de cada campo de trabalho na instituição. Porém, devido à incompatibilidade no agendamento das entrevistas, contei com a participação de quatro profissionais (Diário de Campo 15/05/2013). Ressaltamos que os dados obtidos na pesquisa de campo encontram-se diluídos ao longo de todo o ensaio monográfico, onde foram analisados à luz das categorias analíticas propostas neste estudo, servindo, assim, de base para clarificar e/ou refutar os objetivos específicos delineados nesta pesquisa e, consequentemente, elucidar a pergunta de partida que norteia esta investigação. 1.4 Conhecendo o Lócus da Pesquisa: Centro de Referência Especializado de Assistência Social – CREAS O locus escolhido para análise da atuação do/a assistente social nesta pesquisa foi o CREAS Regional – Fortaleza, equipamento vinculado à Proteção Social Especial (PSE)18 que atua na média complexidade. O Censo SUAS 201119 informou que existem no Brasil 52 CREAS Regionais e 2.057 CREAS municipais, registrando um aumento de 519 unidades em relação ao censo realizado no ano anterior. A região Nordeste é a região que possui o maior número de CREAS, a saber, 792 unidades municipais e 42 unidades regionais20 (BRASIL, 2011a). Na cidade de Fortaleza existem atualmente 04 unidades municipais, sob a responsabilidade da prefeitura municipal e 01 unidade regional, sob a responsabilidade do Estado. O Centro de Referência Especializado de Assistência Social é uma unidade pública de abrangência municipal ou regional que presta atendimento a indivíduos e/ou famílias em situação de risco pessoal ou social por violação de direitos. Suas ações se desenvolvem pela oferta de serviços que necessitam de 18 Sobre a Proteção Social Especial, abordaremos mais adiante no capítulo III. 19 Os dados apresentados foram retirados do Censo SUAS CREAS do ano de 2011 no site do MDS. (Disponível em: <http://aplicacoes.mds.gov.br/sagirmps/ferramentas/nucleo/Desen/>. Acesso em: 28. Mar. 2013). 20 Convém ressaltar que no período da pesquisa do Censo SUAS CREAS de 2011 estavam cadastrados 2.109 unidades CREAS. http://aplicacoes.mds.gov.br/sagirmps/ferramentas/nucleo/Desen/ 34 intervenções especializadas e que requerem uma maior estruturação técnica na área da proteção social especial (BRASIL, 2011b). A regulamentação dos serviços ofertados pelo CREAS está prescrita na Lei do SUAS21 que, consolidada a LOAS, referencia o CREAS como a unidade responsável pelas ações da proteção social especial de média complexidade. Além da legislação mencionada, existem outras normatizações22 que clarificam o papel e as competências do CREAS na Política Nacional de Assistência Social e no Sistema Único de Assistência Social. Segundo o documento de Orientações Técnicas do CREAS (BRASIL, 2011b, p.23), o papel do CREAS no âmbito do SUAS destina-se a Ofertar e referenciar serviços especializados de caráter continuado para famílias e indivíduos em situação de risco pessoal e social, por violação de direitos, conforme dispõe a Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais; A gestão dos processos de trabalho na Unidade, incluindo a coordenação técnica e administrativa da equipe, o planejamento, monitoramento e avaliação das ações, a organização e execução direta do trabalho social no âmbito dos serviços ofertados, o relacionamento cotidiano com a rede e o registro de informações, sem prejuízo das competências do órgão gestor de assistência social em relação à Unidade. É o equipamento que, no âmbito do SUAS, destina-se à implementação de serviços de caráter continuado que trabalhem o fortalecimento dos vínculos de indivíduos e/ou grupos, amenizando os impactos das situações de risco social que culminam em atos de violação de direitos23. Neste sentido, os serviços especializados ofertados pelo CREAS são norteados sob a garantia das seguranças socioassistenciaisprevistas na PNAS e na Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais, a saber: segurança de acolhida, segurança de convívio ou vivência familiar e segurança de sobrevivência ou de rendimento e de autonomia. 21 Lei nº 12.435/2011 conhecida como “Lei do SUAS” que institucionaliza as ações do Sistema Único de Assistência Social - SUAS na LOAS. 22 Dentre as quais podemos citar: A Constituição Federal, NOB/SUAS, NOBRH/SUAS, Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais, Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Estatuto do Idoso, Lei Maria da Penha, dentre outras. 23 Por violação de direitos destacamos os seguintes eventos: violência física, psicológica, negligência, abandono, violência sexual (abuso e exploração), situação de rua, trabalho infantil, práticas de ato infracional, fragilização ou rompimento de vínculos, afastamento do convívio familiar, dentre outros (BRASIL, 2011b). 35 No que concerne ao CREAS, a segurança de acolhida deve ser garantida dando aos usuários dos serviços todas as condições de escuta e de qualificação técnica da equipe para recepcioná-lo e ouvi-lo em suas demandas e necessidades, de modo a conhecer as suas particularidades e, a partir delas, proceder as informações e o trabalho social necessário para acessar seus direitos (BRASIL, 2011b). O CREAS deve proporcionar ao usuário na segurança de convívio ou vivência familiar, a oferta de serviços de forma contínua sempre direcionando o trabalho social ao fortalecimento dos vínculos familiares, comunitários e sociais (BRASIL, 2011b). Na segurança de sobrevivência ou de rendimento e de autonomia, as ações do CREAS devem pautar-se pela primazia da autonomia dos indivíduos e/ou famílias, de forma que o atendimento especializado deste órgão contribua na elevação do grau de independência e qualidade dos laços sociais, bem como na ampliação das potencialidades dos usuários no enfrentamento das problemáticas, articulando-as à oferta dos serviços, benefícios e programas de transferência de renda (BRASIL, 2011b). A Política de Assistência Social tem como um de seus objetivos afiançar a proteção social na perspectiva destas seguranças e, em se tratando de um equipamento como o CREAS que diariamente lida com situações de fragilização e violação de direitos, estas seguranças não podem ser perdidas de vista pela equipe técnica e nem pelos gestores públicos. Sabemos, no entanto, que existem outros processos24 para além da dimensão legal e normativa que estão imbricados para o bom funcionamento do equipamento, mas estes não devem sobrepor os elementos que garantem o acesso integral aos serviços, programas e projetos disponíveis. O documento de Orientações Técnicas do CREAS (2011b, p.25) aponta, ainda, que os objetivos do CREAS prescritos sob a garantia das seguranças 24 Processos que envolvem dimensões econômicas – no que tange ao orçamento público –, dimensões políticas – no que diz respeito ao interesse dos representantes políticos de implementação das políticas públicas – e dimensões sociais – no enfrentamento prático das condições objetivas e subjetivas da política de assistência social. 36 supracitadas são imprescindíveis no desenvolvimento de seu papel no SUAS, possibilitando ainda clarificar o papel do CREAS e fortalecer sua identidade na rede; evitar sobreposição de ações entre serviços de naturezas e até mesmo áreas distintas da rede que, evidentemente, devem se complementar no intuito de proporcionar atenção integral às famílias e aos indivíduos; evitar a incorporação de demandas que competem a outros serviços ou unidades da rede socioassistencial, de outras políticas ou até mesmo de órgãos de defesa de direito; qualificar o trabalho social desenvolvido. Dessa forma, é importante não apenas conhecer as atribuições e papéis delegados ao CREAS do ponto de vista normativo, mas, sobretudo, perceber a aplicabilidade destas atribuições na realidade social para que seja fortalecida a identidade do equipamento nas políticas públicas. Aos profissionais que, devido ao cotidiano profissional, conhecem as fragilidades e potencialidades do trabalho social, recai a incumbência de através da execução de suas atividades contribuírem para que a visão normativa e a visão social25 do equipamento não sejam incongruentes, mas, ao contrário, estabeleçam real significado entre serviços, projetos e programas ofertados com a viabilização de direitos dos usuários dos serviços. Na tentativa de compreender o entendimento que as interlocutoras da pesquisa26 possuem sobre o CREAS, ao serem indagadas sobre o seu significado verbalizaram a seguinte definição: O CREAS é o Centro de Referência Especializado de Assistência Social. Ele é um órgão do Governo de Estado do Ceará e o seu objetivo é atender pessoas que estejam com os direitos violados e com os vínculos fragilizados. O objetivo também é que esse vínculo possa ser resgatado, reestruturado para que a violação de direitos não venha mais a ocorrer. (Ágata). (grifo nosso). É um órgão que trabalha com direitos violados. Dentro desse público, costumamos trabalhar no interior com adolescentes em LA e PSC. (Lápis Lazuli). (grifo nosso). 25 No que diz respeito ao caráter útil do equipamento. 26 Os nomes fictícios das participantes da pesquisa estão vinculados aos nomes de pedras preciosas que serão esclarecidos na seção seguinte intitulada como: Perfil das profissionais entrevistadas. 37 O CREAS é Centro de Referência Especializado de Assistência Social que tem como objetivo tratar as questões sociais de uma maneira mais especializada quando não é mais possível resolvê-las na atenção básica. (Pedra do Sol). (grifo nosso). O CREAS é o Centro de Referência Especializado de Assistência Social, onde a gente atende aquele público com os direitos violados. Quando a proteção é rompida esse público chega ao CREAS para aquele atendimento mais especializado, ou seja, as vítimas de abuso, ou idoso quando é negligenciado, ou uma mulher violentada, entre outros. (Ônix). (grifo nosso). Três interlocutoras ressaltam que o CREAS trabalha sobre os direitos violados e uma interlocutora, Pedra do Sol, fez uma leitura macroestrutural dessas violações destacando-as como questão social, o que remete a pensar que as situações de violação de direitos sobre as quais o CREAS atua constituem-se, de modo particular, como expressões da questão social e esta constatação não pode ser perdida de vista pelas/os profissionais do CREAS. É esta visão que possibilita uma leitura crítica das violações que chegam à instituição ao passo que são fruto de um processo de desigualdade social e econômica vivenciado na sociedade, as quais repercutem nas dimensões microestruturais dos sujeitos, ou seja, em seu ambiente de convívio familiar e/ou comunitário, desencadeando, no nosso entendimento, situações degradantes de violação de direitos geradoras de violência. No que concerne à caracterização do trabalho do CREAS feito pelas interlocutoras, Ágata, Lápis Lazuli e Ônix ficou evidenciado em suas falas, a reprodução do discurso institucional que retrata o CREAS como um equipamento destinado a atuar sobre os direitos violados sem, contudo, abrir espaço para se discutir o que vem a ser esse direito violado e suas repercussões em nossa sociedade. Haja vista que paralelo às situações geradoras de violência – que retratam o direito violado em sua forma mais gritante – emergem outras situações de violação de direitos que precisam ser tratadas com a mesma relevância, a fim de construir estratégias para o seu enfrentamento nos espaços institucionais. Faz-se necessário, portanto, compreendermos que o que está oculto às violações de direitos são processos antagônicosde luta de classes que incidem na vida dos sujeitos das mais variadas formas, requerendo do/a assistente social 38 capacidade crítica, investigativa e interventiva em sua atuação. E mediante esse processo o/a assistente social é convocado a incidir seu trabalho sobre as expressões da questão social como matéria-prima do Serviço Social. O fortalecimento da identidade do CREAS requer ainda um trabalho intersetorial com os demais órgãos da rede de proteção social, clarificando as competências de cada um deles, estabelecendo protocolos, fluxos e linhas de ação para as situações mais adversas que se apresentem. Ou seja, a compreensão do território de atuação e das particularidades sociais de cada área é fundamental para que os devidos encaminhamentos sejam dados garantindo não apenas a efetividade das ações do CREAS e sua legitimidade, como também a efetividade de toda a rede socioassistencial (BRASIL, 2011b). Conforme o documento de Orientações Técnicas do CREAS (2011b), considerando a diversidade do território brasileiro, a PNAS aliada à portaria nº 843 de 28 de dezembro de 201027, prevê a distribuição das unidades do CREAS a partir do porte populacional das localidades, como aponta a tabela abaixo: Tabela 1 – Parâmetros de referência para a definição número de CREAS, considerando o porte do município. Porte do Município Número de Habitantes Parâmetros de Referência Pequeno Porte I. 20.000 Cobertura de atendimento em CREAS Regional; Ou implantação de CREAS Municipal quando a demanda justificar. Pequeno Porte II. 20.001 a 50.000 Implantação de Pelo Menos 01 CREAS. Médio Porte. 50.001 a 100.000 Implantação de Pelo Menos 01 CREAS. Grande Porte, Metrópoles e DF. A partir de 100.001 Implantação de 01 CREAS a cada 200.000 habitantes. Fonte: Orientações Técnicas: Centro de Referência Especializado de Assistência Social – CREAS, 2011. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. As situações que propiciam a criação de um CREAS com abrangência regional ocorrem quando a demanda dos municípios não justifica serviços especializados de forma contínua, ou quando o município não apresenta condições 27 Dispõe sobre o cofinanciamento federal, por meio do Piso Fixo de Média Complexidade (PFMC), dos serviços socioassistenciais ofertados pelos Centros de Referência Especializados de Assistência Social, a partir dos níveis de gestão e porte dos municípios. 39 de ofertar um serviço especializado individualmente, devido ao porte ou nível de gestão28 (BRASIL, [2010]). A implantação do CREAS Regional se dá por iniciativa do Estado ou por um conjunto de municípios, ficando sob a responsabilidade do Estado a regulação do equipamento no âmbito regional com a participação dos municípios envolvidos. Sua implantação pode também ocorrer através de uma cooperação intermunicipal para fixar os serviços, desde que a ocorrência de situações de violação de direitos justifique a articulação com outros municípios. Neste caso, os municípios se comprometem a executar conjuntamente os serviços, bem como as condições operacionais para fazê-lo. Atenta-se ao fato de que, para ambos os casos, deve ser observado o critério geográfico, tanto para viabilizar o deslocamento da equipe técnica quanto para auxiliar o acesso dos usuários aos serviços disponíveis (BRASIL, [2010]). Nesta pesquisa trata-se do Centro de Referência Especializado de Assistência Social – CREAS Regional – Fortaleza29, localiza-se na Rua Tabelião Fabião, nº 114, bairro Presidente Kennedy. O referido bairro faz parte da Secretaria Executiva Regional (SER) III30, regional composta por dezesseis bairros, a saber: Amadeu Furtado, Antônio Bezerra, Autran Nunes, Bonsucesso, Bela Vista, Dom Lustosa, Henrique Jorge, João XXIII, Jóquei Clube, Padre Andrade, Parque Araxá, Pici, Parquelândia, Quintino Cunha, Rodolfo Teófilo e Presidente Kennedy. Concentra uma população de 398.382 habitantes que corresponde a 16,5% da população do município31. 28 Os municípios possuem três níveis de gestão que propiciam o repasse de recursos da União, a saber: gestão inicial, gestão básica e gestão plena. Cf. BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Norma Operacional Básica – NOB/SUAS. Brasília: [s.n], 2005. p. 69-175. Disponível em: <http://www.mds.gov.br/assistenciasocial/secretaria-nacional-de-assistencia-social- snas/cadernos/politica-nacional-de-assistencia-social-2013-pnas-2004-e-norma-operacional-basica- de-servico-social-2013-nobsuas>. Acesso em: 20. jan. 2013. 29 Ressaltamos que as informações sobre as atividades específicas do CREAS Regional Fortaleza e a organização de trabalho da unidade foram coletadas a partir da experiência de estágio supervisionado em Serviço Social na instituição, no período de 2011.1 a 2012.2. 30 Divisão territorial estabelecida na cidade de Fortaleza para sua organização geográfica e administrativa. Atualmente em Fortaleza existem 07 SER’S (I, II, III, IV, V, VI e Centro). 31 Dados obtidos no Mapa da Criminalidade e da Violência em Fortaleza – Perfil da SER III, elaborado em 2011 pelo Laboratório de Direitos Humanos, Cidadania e Ética da Universidade Estadual do Ceará-LabVida-UECE; Laboratório de Estudos da Conflitualidade da Universidade Estadual do Ceará-COVIO-UECE e Laboratório de Estudos da Violência da Universidade Federal do Ceará-LEV- 40 O CREAS Regional - Fortaleza foi instituído inicialmente em 1992 com a nomenclatura de SOS Criança. Vinculado à Secretaria do Trabalho e Ação Social, atual Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social, o SOS Criança tinha como objetivo viabilizar alternativas de atuação no enfrentamento as violações de direitos contra crianças e adolescentes e seus familiares. Era composto pelo setor de denúncias, setor de recepção e setor de desaparecidos32 (BRASIL & SOUSA, 2010). Acerca do trabalho desenvolvido pelo SOS Criança que fora herdado pelo CREAS Regional, uma das participantes da pesquisa ressaltou: Pelo CREAS já ter um histórico de atuação neste complexo quando funcionava o SOS Criança, as pessoas já chegam aqui sabendo que vão ter alguma resposta ou alguma orientação e com isso muitas demandas acabam chegando e nós procuramos dar os devidos encaminhamentos (Lápis Lazuli). Em 2001 foi criado em âmbito nacional o Programa Sentinela, que tinha por objetivo cumprir metas do Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, ou seja, sua tarefa consistia na prestação de um atendimento integral às crianças e adolescentes vítimas de violência sexual, a partir da articulação de uma rede de serviços que viabilizassem este atendimento (BRASIL & SOUSA, 2010). Em Fortaleza existiam dois Programas Sentinela33, um vinculado à antiga Secretaria do Trabalho e Ação Social e outro vinculado a Prefeitura Municipal de Fortaleza. Este sob a responsabilidade da prefeitura municipal era desenvolvido pela Fundação da Criança e da Família Cidadã (FUNCI). Aquele sob a responsabilidade da secretaria estadual era desenvolvido pelo SOS Criança. Atualmente este serviço é desenvolvido apenas no âmbito municipal. No ano de 2005, o SOS Criança transformou-se em Núcleo de Enfrentamento da Violência contra Crianças e Adolescentes (NEVCA), que, UFC. (Disponível em: <http://www.uece.br/covio/dmdocuments/regional_III.pdf>. Acesso em: 30. Mar. 2013). 32 Atualmente esses setores ainda permanecem no CREAS Regional. 33 Desde 2008, na primeira gestão da Ex-Prefeita de Fortaleza, Luizianne Lins, o Programa Sentinela passou a denominar-se Rede Aquarela. http://www.uece.br/covio/dmdocuments/regional_III.pdf 41 subordinado à
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