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Indaial – 2020 Corporeidade e imagem pessoal Alberto Rosa Alessandra Bittencourt Flach Dee Unglaub Silverthorn Letícia Sangaletti María Fernanda González Mario Carretero Patrícia Cristine Hoff Roberta Spessato Simone de Oliveira 1a Edição 2020 Elaboração: Alberto Rosa Alessandra Bittencourt Flach Dee Unglaub Silverthorn Letícia Sangaletti María Fernanda González Mario Carretero Patrícia Cristine Hoff Roberta Spessato Simone de Oliveira Revisão, Diagramação e Produção: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Conteúdo produzido Copyright © Sagah Educação S.A. Impresso por: III apresentação Olá acadêmico, bem vindo a disciplina Corporeidade e Imagem Pessoal. O assunto que abordaremos neste livro, trata de discussões acerca da relação do corpo, mente, expressão e a influência na imagem pessoal . Um corpo não é apenas uma condição biológica, em que seus órgãos executam suas funções para manter esse corpo vivo, mas toda uma relação complexa de movimentos internos e externos que vai desde o biológico, DNA, laços familiares, ambientes de convívio relações com mundo físico e psíquico. Já ouviram a frase, o corpo fala? Pois há muita comunicação não verbal perce- bidas nos gestos, olhares, tom de voz e posicionamentos frente a vida. Para você compreender melhor a questão da corporeidade e a per- cepção de mundo e imagem pessoal é importante compreender o corpo, a mente e contexto social, que serão apresentados na unidade 1 trazendo debates em torno da a história do corpo, suas as formas de subjetivação, as imagens sociais e personalidade. Necessário Também conhecer as lin- guagens do corpo, a construção e apropriação da linguagem do corpo, o movimento e a expressividade rítmica, debatidas na unidade 2. E na última unidade você entenderá a importância do corpo e a relação com a imagem pessoal, na discussão do conceito e princípios da imagem pessoal, persona- lidade, beleza e estilo. Tenha uma excelente leitura! Bons estudos! IV Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades em nosso material. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em questão. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade. Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos! NOTA V VI Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma disciplina e com ela um novo conhecimento. Com o objetivo de enriquecer seu conhecimento, construímos, além do livro que está em suas mãos, uma rica trilha de aprendizagem, por meio dela você terá contato com o vídeo da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complementares, entre outros, todos pensados e construídos na intenção de auxiliar seu crescimento. Acesse o QR Code, que levará ao AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo. Conte conosco, estaremos juntos nesta caminhada! LEMBRETE VII UNIDADE 1 — CORPO; MENTE E CONTEXTO SOCIAL ..............................................................1 TÓPICO 1 — A HISTÓRIA DO CORPO ..............................................................................................3 1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................................................3 2 AS FORÇAS CULTURAIS FORMAM A BIOLOGIA HUMANA.................................................3 3 AS SUBDISCIPLINAS DA ANTROPOLOGIA ................................................................................5 3.1 ANTROPOLOGIA CULTURAL ......................................................................................................5 3.2 ANTROPOLOGIA ARQUEOLÓGICA ...........................................................................................6 3.3 ANTROPOLOGIA BIOLÓGICA OU FÍSICA ................................................................................9 3.4 ANTROPOLOGIA LINGUÍSTICA ................................................................................................10 4 ANTROPOLOGIA E OUTROS CAMPOS ACADÊMICOS.........................................................11 4.1 FENÓTIPO E FLUIDEZ: RAÇA NO BRASIL ..............................................................................12 RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................15 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................16 TÓPICO 2 — O CORPO E AS FORMAS DE SUBJETIVAÇÃO .....................................................17 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................17 2 O CORPO NA CONTEMPORANEIDADE .....................................................................................17 3 CORPO E SUBJETIVIDADE ..............................................................................................................20 4 CULTURA DO CONSUMO E CORPORALIDADES ....................................................................22 RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................26 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................27 TÓPICO 3 — AS IMAGENS SOCIAIS DO CORPO ........................................................................29 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................29 2 DA CULTURA CORPORAL DO MOVIMENTO HUMANO ÀS CIÊNCIAS DO MOVIMENTO HUMANO ..............................................................................29 3 A CULTURA CORPORAL DO MOVIMENTO HUMANO .........................................................30 4 AS CIÊNCIAS DO MOVIMENTO HUMANO ..............................................................................32 5 AS CIÊNCIAS DO MOVIMENTO HUMANO: UM CAMPO DE INVESTIGAÇÃO TRANSDISCIPLINAR ................................................................................33 RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................40 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................41 TÓPICO 4 — CORPO E PERSONALIDADE .....................................................................................43 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................43 2 A CRIANÇA É O SEU CORPO ..........................................................................................................442.1 O CORPO COMO MATERIALIZAÇÃO DA HUMANIZAÇÃO .............................................45 3 CONCEPÇÕES SOBRE A IMAGEM DO CORPO .........................................................................45 3.1 A ILUSÃO DO MEMBRO FANTASMA NO AMPUTADO .......................................................48 3.2 A SOMATOGNOSIA .......................................................................................................................50 3.3 CONCEPÇÃO NEUROFISIOLÓGICA DA IMAGEM DO CORPO ........................................53 RESUMO DO TÓPICO 4........................................................................................................................57 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................58 UNIDADE 2 — O CORPO E SUAS LINGUAGENS ........................................................................59 TÓPICO 1 — LINGUAGEM CORPORAL .........................................................................................61 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................61 sumário VIII 2 A LINGUAGEM CORPORAL COMO COMUNICAÇÃO NÃO-VERBAL ..............................61 3 CONCEPÇÃO SOCIOANTROPOLÓGICA DO CORPO E TEORIA SOCIAL DA MOTRICIDADE ........................................................................................................................................68 RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................71 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................72 TÓPICO 2 — CONSTRUÇÃO E APROPRIAÇÃO DA LINGUAGEM DO CORPO ................73 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................73 2 CORPO, NATUREZA E CULTURA ..................................................................................................73 3 O CONHECIMENTO E A LÓGICA RECURSIVA .........................................................................80 4 APONTAMENTOS PARA A EDUCAÇÃO .....................................................................................85 RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................88 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................89 TÓPICO 3 — CORPO E MOVIMENTO .............................................................................................91 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................91 2 CORPO, MOVIMENTO E EXPRESSÃO .........................................................................................91 3 CORPO, MOVIMENTO, EXPRESSÃO E CONSTRUÇÃO DE DOMÍNIOS CULTURAIS ..94 4 PRÁTICAS CORPORAIS E EDUCAÇÃO FÍSICA ............................................................................97 RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................101 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................102 TÓPICO 4 — EXPRESSIVIDADE RÍTMICA COMO LINGUAGEM CORPORAL ................103 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................103 2 EXPRESSIVIDADE RÍTMICA: FORMA DE EXPRESSÃO CORPORAL ...............................103 3 A EXPRESSIVIDADE CORPORAL NAS DIFERENTES FAIXAS ETÁRIAS .........................107 4 DESENVOLVENDO A EXPRESSIVIDADE CORPORAL DOS ALUNOS.............................111 RESUMO DO TÓPICO 4......................................................................................................................114 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................115 UNIDADE 3 — CORPO PERCEPCAO E IMAGEM PESSOAL ...................................................117 TÓPICO 1 — CONCEITO E PRINCÍPIOS DA IMAGEM PESSOAL .........................................119 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................119 2 IMAGEM E CONSTITUIÇÃO DO EU NA PSICANÁLISE ......................................................119 3 IMAGEM E REPRESENTAÇÃO SOCIAL PELA ÓTICA DA PSICOLOGIA SOCIAL .......123 4 IMAGEM DO CORPO NA CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO....................................................125 5 UMA NOVA ÓTICA: A IMAGEM INCONSCIENTE DO CORPO .........................................128 RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................131 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................132 TÓPICO 2 — IMAGEM PESSOAL, PERSONALIDADE, BELEZA E ESTILO .........................133 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................133 2 ESTILO E BELEZA NA IMAGEM PESSOAL ...............................................................................133 3 O CONCEITO DE BELEZA ..............................................................................................................134 4 A BELEZA DE CADA ETNIA ...........................................................................................................135 5 A IMAGEM PESSOAL COMO FERRAMENTA ..........................................................................137 RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................138 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................139 REFERÊNCIAS .......................................................................................................................................141 1 UNIDADE 1 CORPO; MENTE E CONTEXTO SOCIAL OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de: • Expressar como aconteceu a construção dos conceitos de corpo ao longo do tempo. • Identificar as principais transformações socioculturais que o corpo sofreu em determinados períodos históricos. • Relacionar os diversos corpos dos quais somos constituídos e suas intera- ções com outros corpos, com as culturas e com o mundo cotidiano. • Definir formas de subjetivação sob a perspectiva do corpo na pós-moder- nidade. • Discutir a relação do corpo com a cultura do consumo. • Reconhecer historicamente quando o corpo passou a existir como ima- gem representativa do ser humano. • Construir uma noção de corpo como imagem social. • Diferenciar o corpo biológico, que é físico e real, do corpo cultural, que é um construto abstrato e ideal. Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – A HISTÓRIA DO CORPO TÓPICO 2 – O CORPO E AS FORMAS DE SUBJETIVAÇÃO TÓPICO 3 – AS IMAGENS SOCIAIS DO CORPO TÓPICO 4 – CORPO E PERSONALIDADE Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações. CHAMADA 2 3 TÓPICO 1 UNIDADE 1 A HISTÓRIA DO CORPO 1 INTRODUÇÃO Também há razões lógicas para a uni-dade da antropologia norte-ameri- cana. Cada subcampotrata da variação no tempo e no espaço (i.e., em diferentes áreas geo-gráficas). Os antropólogos culturais e os ar-queólogos estudam (entre muitos outros temas) as mudanças na vida social e nos costumes. Os arqueólogos lançam mão de estudos de sociedades vivas para imaginar como poderia ter sido a vida no passado. Os bioantropólogos examinam mudanças evo-lutivas na for- ma física, por exemplo, altera-ções anatômicas que poderiam ter sido as-sociadas à origem do uso de ferramentas ou da linguagem. Os antropólogos linguistas podem reconstruir os fundamentos dos idiomas antigos estudando os modernos. Os subcampos influenciam uns aos outros à medida que antropólogos falam entre si, leem livros e revistas e se reúnem em organizações profissionais. A antropo-logia geral explora os conceitos básicos da biologia, da sociedade e da cultura huma-nas e considera suas inter-relações. Os an-tropólogos comparti- lham determinados pressupostos essenciais, dos quais talvez o mais fundamental seja a ideia de que as conclusões sólidas sobre a “natureza huma-na” não podem ser derivadas do estudo de uma única população, nação, sociedade ou tradição cultural, sendo essencial uma abordagem comparativa e intercultural. 2 AS FORÇAS CULTURAIS FORMAM A BIOLOGIA HUMANA A perspectiva comparativa e biocultural da antropologia reconhece que as forças cultu-rais moldam constantemente a biologia hu-mana. (O termo “bio- cultural” se refere a inclusão e combinação das perspectivas biológica e cultural e a abordagens para co-mentar ou resolver um determinado pro-blema ou ques- tão.) A cultura é uma força ambiental fundamental na determinação de como os corpos humanos crescem e se desenvolvem. As tradições culturais promo-vem certas atividades e habilidades, desen-corajando outras, e estabelecem padrões de bem-estar e atratividade físicos. As ativida-des físicas, incluindo esportes, que são in-fluenciadas pela cultura, ajudam a moldar o corpo. Por exemplo, as meni- nas norte-ame-ricanas são estimuladas a praticar competi-ções que envolvem pa- tinação artística, gi-nástica, atletismo, natação, mergulho e muitos outros espor- tes e, portanto, ter um bom desempenho nessas atividades; as bra-sileiras, ainda que se destaquem nos espor-tes coletivos, como basquete e vôlei, não se saem tão bem em esportes individuais, como as norte-americanas e canadenses. Por que as UNIDADE 1 | CORPO; MENTE E CONTEXTO SOCIAL 4 pessoas são estimuladas a se no-tabilizar como atletas em alguns países, mas não em outros? Por que as pessoas em al-guns países investem tanto tempo e esforço em esportes competitivos a ponto de que seus corpos se alterem significativamen- te como resultado disso? Em seus primórdios, a antropologia nos Es-tados Unidos estava preocupada sobretudo com a história e as culturas dos povos nati-vos nor- te-americanos. Ely S. Parker, ou Ha--sa-no-an-da, foi um indígena Seneca que deu contribuições importantes ao início da antropologia. Parker tam- bém foi Comissário de Assuntos Indígenas dos Estados Unidos. Padrões culturais de atratividade e ade-quação influenciam a participação e o de-sempenho nos esportes. Os norte-america-nos correm ou nadam não ape- nas para com-petir, mas para se manter em forma e em boas condições físicas. Os padrões de beleza do Brasil tradicionalmente aceitaram mais gordura, em espe- cial nas nádegas e nos qua-dris das mulheres. Os homens brasileiros têm obtido algum sucesso internacional na natação e em corridas, mas o Brasil raramen-te envia nadadoras ou corredoras às Olim-píadas. Uma das razões para as brasilei- ras evitarem a natação competitiva podem ser os efeitos que o esporte tem sobre a modela-ção do corpo. Anos de natação esculpem um físico di-ferenciado: torso superior alarga- do, pescoço grosso e ombros e costas robustos. As nada-doras de sucesso tendem a ser grandes, fortes e volumosas. Os países que mais produzem atletas femininas da natação são Estados Uni-dos, Canadá, Austrália, Alemanha, os países escandi- navos, a Holanda e a ex-União Sovié-tica, onde esse tipo de corpo não é tão esti- g-matizado como em países latinos. As nada-doras desenvolvem corpos rígidos, FIGURA 1 – ELY S. PARKER FONTE: <https://bit.ly/2TSHJHV>. Acesso em: 25 abr. 2020. TÓPICO 1 | A HISTÓRIA DO CORPO 5 mas a cul-tura brasileira diz que as mulheres devem ser delicadas, com quadris e nádegas grandes, sem ombros largos. Muitas jovens nadadoras do Brasil optam por abandonar o esporte para manter o corpo “feminino” ideal. Quando você estava crescendo, qual era o esporte de que mais gostava: futebol, natação, futebol americano, beisebol, tênis, golfe ou algum outro (ou tal- vez nenhum)? Isso se dá em função de “quem você é” ou por causa das oportuni- dades que teve para praticar e participar nessa atividade especí-fica quando era criança? Quando você era pequeno, talvez os seus pais tenham lhe dito que tomar leite e comer legumes iriam aju-dá-lo a ficar “grande e forte”. Eles provavel-men- te não reconheceram de forma imedia-ta o papel que a cultura cumpre na defini- -ção de corpos, personalidades e saúde pessoal. Se a nutrição é importante para o crescimento, o mesmo se aplica às orienta-ções culturais. Qual é o comportamen- to adequado a meninos e meninas? Que tipo de trabalho os homens e as mulheres devem fazer? Onde as pessoas deveriam viver? Quais são os usos apropriados do seu tempo de lazer? Que papel deve cumprir a religião? Como as pessoas devem se relacionar com seus parentes, amigos e vizinhos? Embora nossos atributos ge- néticos proporcionem uma base para o nosso crescimento e desen-volvimento, a biologia humana é bastante plástica, isto é, maleável. A cultura é uma força ambiental que afeta o nosso desenvol-vimento, tanto quanto a nutrição, o calor, o frio e a altitude, e também orienta o nosso crescimento emocional e cognitivo, ajudan-do a determinar o tipo de personalidade que temos como adultos. O Brasil raramente envia nadadoras para as Olimpíadas. Uma exce- ção é Fabíola Molina, que competiu nas Olimpíadas de 2000 e 2008. Nessa foto, em maio de 2009, Fabíola dá um mergulho vencedor na final feminina dos 100 metros – nado costas, do Troféu Maria Lenk, no Rio de Janeiro. De que forma anos de na-tação competitiva podem afetar o fenótipo? 3 AS SUBDISCIPLINAS DA ANTROPOLOGIA 3.1 ANTROPOLOGIA CULTURAL A antropologia cultural é o estudo da so-ciedade e da cultura humanas, o subcampo que descreve, analisa, interpreta e explica as semelhanças e diferenças sociais e culturais. Para estudar e interpretar a diversidade cul-tural, os antropó- logos culturais realizam dois tipos de atividade: etnografia (com base no trabalho de campo) e etnologia (com base na comparação intercultural). A etnografia for- nece uma descrição de deter-minada comunidade, sociedade ou cultura. Durante o trabalho de campo etnográfico, o etnógrafo reúne dados que organiza, des-cre- ve, analisa e interpreta para construir e apresentar essa descrição, que pode se dar na forma de livro, artigo ou filme. Tradicio-nalmente, os etnógrafos têm mora- UNIDADE 1 | CORPO; MENTE E CONTEXTO SOCIAL 6 do em pequenas comunidades e estudado com-portamentos, crenças, costumes, vida so-cial, atividades econômicas, política e reli-gião locais (ver Wolcott, 2008). A perspectiva antropológica derivada do trabalho de campo etnográfico cos- tuma ser bastante diferente da que deriva da eco-nomia ou da ciência política. Esses campos trabalham com organizações e políticas na-cionais e oficiais e, muitas vezes, com elites, mas os grupos que os antropólogos têm es-tudado costumam ser relati- vamente pobres e desprovidos de poder. Os etnógrafos ob-servam muitas práticas discriminatórias voltadas a essas pessoas, que enfrentam es-cassez de alimentos, de- ficiências alimenta-res e outros aspectos da pobreza. Os cientis-tas políticos tendem a estudar os programas que os planejadores nacionais desenvolvem, enquanto os antropólogos descobrem como esses programas funcionam em nível local. As culturasnão são isoladas. Como observado por Franz Boas (1940/1966) há muitos anos, o contato entre tribos vizinhas sempre existiu e se estendeu sobre áreas enormes. “As populações humanas cons-troem suas culturas em interação umas com as outras, e não isoladamente” (Wolf, 1982, p. ix). Moradores de al- deias partici-pam cada vez mais de eventos regionais, na-cionais e mundiais. A exposição a forças ex-ternas se dá pelos meios de comunicação de massa, pela migração e pelo transporte mo-derno. A cidade e a nação cada vez mais in-vadem as comunidades locais com a chega-da de turistas, agentes de desenvolvimento, autoridades governamentais e religiosas e candidatos a cargos políticos. Essas ligações são componentes importantes de sistemas regionais, nacionais e interna- cionais de po-lítica, economia e informações. Esses siste-mas maiores afetam mais e mais as pessoas e os lugares tradicionalmente estudados pela antropologia. O estudo desses vínculos e sistemas faz parte do tema da antropolo-gia moderna. A etnologia examina, interpreta, ana-lisa e compara os resultados da et- nografia – os dados coletados em diferentes sociedades – e os usa para comparar, contrastar e fazer generalizações sobre a sociedade e a cultura. Olhando além do particular e vislumbran-do o mais geral, os etnólogos tentam identi-ficar e ex- plicar as diferenças e similaridades culturais, testar hipóteses e construir teorias para melhorar nossa compreensão de como funcionam os sistemas sociais e cul- turais. A etnologia obtém seus dados para compara-ção não apenas da etnografia, mas também de outros subcampos, em especial da antro-pologia arqueológica, que reconstrói os sis-temas sociais do passado. (A Tabela 1.2 re-sume os princi- pais contrastes entre etno-grafia e etnologia.) 3.2 ANTROPOLOGIA ARQUEOLÓGICA A antropologia arqueológica (dito de forma mais simples, “arqueolo- gia”) recons-trói, descreve e interpreta o comportamen-to e os padrões culturais humanos por meio de restos materiais. Em locais onde as pes-soas vivem ou vive- ram, os arqueólogos en-contram artefatos – itens materiais que os seres humanos produziram, usaram ou modificaram, como ferramentas, armas, acampamentos, construções e lixo. TÓPICO 1 | A HISTÓRIA DO CORPO 7 Os restos de vegetais e animais e o lixo antigo contam histórias sobre consu- mo e atividades. Os grãos selvagens e os domesti-cados têm características diferen- tes que permitem que os arqueólogos distingam entre coleta e cultivo. O exame de ossos de animais revela a idade dos animais abatidos e fornece outras informações úteis para de-terminar se as espécies eram selvagens ou domesticadas. Analisando esses dados, os arqueólogos respondem a várias perguntas sobre as anti-gas economias. O grupo obtinha sua carne da caça ou domestica- va e criava animais, matando apenas os de certa idade e determi-nado sexo? Os alimentos vegetais vinham de plantas silvestres ou da semeadura, cuidado e co- lheita dos cultivos? Os moradores produ-ziam, comercializavam ou compravam de-terminados itens? As matérias-primas esta-vam disponíveis localmente? Se não, de onde vinham? A partir dessas informações, os ar-queólogos reconstroem os padrões de pro-dução, comércio e consumo. Os arqueólogos passaram muito tempo estudando fragmentos de cerâmi- ca, pois são mais duráveis do que muitos ou-tros artefatos, como os têxteis e a ma- deira. A quantidade de fragmentos de cerâmica permite estimar tamanho e den- sidade da população. A descoberta de que os ceramis-tas usavam materiais que não estavam dis-poníveis localmente sugere sistemas de co-mércio. Semelhanças na fabricação e deco-ração em locais diferentes podem ser prova de conexões cul- turais. Grupos que tenham vasilhames semelhantes podem ter relações históricas e, talvez, compartilhem antepas-sados culturais, tenham negociado entre si ou pertençam ao mesmo sistema político. Muitos arqueólogos examinam a pa-leoecologia. A ecologia é o estudo das inter--relações entre seres vivos em um ambiente. Juntos, organismos e ambiente constituem um ecossistema, uma configuração de flu-xos de energia e intercâm- bios que segue de-terminados padrões. A ecologia humana es-tuda os ecossiste- mas que incluem pessoas, enfocando as formas como o uso humano “da natureza influencia a organização social e os valores culturais e por eles é influencia-do” (Bennett, 1969, p. 10-11). A paleoecolo-gia observa os ecossistemas do passado. Além de reconstruir padrões ecológi-cos, os arqueólogos podem inferir transfor-mações culturais, por exemplo, ao observar mudanças no tamanho e no tipo dos sítios e na distância entre eles. Uma cidade grande se desenvolve em uma região onde, alguns séculos antes, só existiam cidadezinhas, al-deias e vilarejos. O número de níveis de as-sentamento (cidade grande ou pequena, povoado, aldeia) em uma sociedade é uma medida da complexidade social. As cons-truções dão pistas sobre as características políticas e religiosas. Templos e pirâmides sugerem que uma antiga sociedade tinha uma estrutura de autoridade capaz de mo-bilizar o trabalho necessário para construir esses monumentos. A presença ou a ausên- cia de determinadas estruturas, como as pi-râmides do Egito e do México antigos, reve-la diferenças de funções entre os assenta-mentos. Por exemplo, algumas cidades eram lugares a que as pessoas iam para as-sistir a cerimônias, outras eram locais de se-pultamento e outras, ainda, comunidades agrícolas. UNIDADE 1 | CORPO; MENTE E CONTEXTO SOCIAL 8 Uma equipe de arqueólogos trabalha em Harappa, onde esteve uma anti- ga civilização do Vale do Indo, que remonta a aproximadamente 4.800 anos. Os arqueólogos também reconstroem os padrões de comportamento e es- tilos de vida do passado fazendo escavações, ou seja, cavando uma sucessão de ní- veis em um sítio. Em uma determinada área, ao longo do tempo, os assentamentos podem mudar de forma e propósito, assim como as conexões entre eles. As escava- ções podem documentar alterações em atividades eco-nômicas, sociais e políticas. Embora sejam mais conhecidos pelo estudo da pré-história, isto é, o perí- odo anterior à invenção da escrita, os arqueó-logos também estudam as culturas dos povos históricos e até mesmo dos que ainda vivem (ver Sabloff, 2008). Estu- dando na-vios afundados na costa da Flórida, arqueó-logos subaquáticos foram capazes de verifi-car as condições de vida nos navios que trouxeram ancestrais afro-americanos para o Novo Mundo, na condição de pessoas es-cravizadas. Em um projeto de pesquisa que iniciou em 1973, em Tucson, Arizona, o ar-queólo- ETNOGRAFIA ETNOLOGIA Exige trabalho de campo para coletar dados Utiliza os dados coletados por uma série de pesquisadores Muitas vezes descritiva Normalmente sintética Específica de um grupo ou comunidade Comparativa/intercultural TABELA 1 - ETNOGRAFIA E ETNOLOGIA – DUAS DIMENSÕES DA ANTROPOLOGIA CULTURAL FONTE: O autor. FIGURA 2 – EQUIPE DE ARQUEÓLOGOS TRABALHANDO EM HARAPPA FONTE: <https://bit.ly/3de3ol6>. Acesso em: 25 abr. 2020. TÓPICO 1 | A HISTÓRIA DO CORPO 9 go William Rathje aprendeu sobre a vida contemporânea com o estudo do lixo moderno. O valor da “lixologia” (garbolo-gy), como Rathje a chama, é que ela for- nece “evidências do que as pessoas faziam, e não do que elas acham que faziam, do que acham que deveriam ter feito ou do que o entrevistador acha que elas deveriam ter feito” (Harrison, Rathje e Hughes, 1994, p. 108). O que as pessoas informam pode ser muito diferente do seu comportamento real, como revelado pela lixologia. Por exemplo, o lixólogos descobriram que os três bairros de Tucson que relataram o menor consumo de cerveja tinham, na ver-dade, o maior número de latas de cerveja descartadas por domicílio (Podolefsky e Brown, 1992, p. 100)! A lixologia de Rathje também mostrou ideias equivocadas sobre a quantidade de diferentes tipos de lixo que está em aterros sanitários: embora a maio-ria das pessoas considerasse as embalagens de fast-food e as fraldas descartáveis comoos grandes problemas em termos de lixo, na verdade, elas eram relativamente insignifi-cantes em comparação com o papel, in-cluindo o papel reciclável, que não seria prejudicial ao meio ambiente (Rathje e Murphy, 2001). 3.3 ANTROPOLOGIA BIOLÓGICA OU FÍSICA O tema da antropologia biológica, ou físi-ca, é a diversidade biológica humana no tempo e no espaço. O foco na variação bio-lógica une cinco interesses especiais na an-tropologia biológica: 1. Evolução humana segundo a revela o registro fóssil (paleoantropologia). 2. Genética humana. 3. Crescimento e desenvolvimento hu-manos. 4. Plasticidade biológica humana (capaci-dade do corpo para mudar ao enfrentar estresse, como calor, frio e altitude). 5. A biologia, a evolução, o comporta-mento e a vida social de macacos, sí-mios e outros primatas não humanos. Esses interesses ligam a antropologia física a outros campos: biologia, zoologia, geologia, anatomia, fisiologia, medicina e saúde pública. A osteologia – o estudo dos ossos – ajuda os paleoantropólogos, que examinam crânios, dentes e ossos, a identi-ficar os ancestrais humanos e acompanhar as mudanças na anatomia ao longo do tempo. O paleontólogo é um cientista que estuda os fósseis. Um paleoantropólogo é uma espécie de paleontólogo que estuda o registro fóssil da evolução humana. Os pa-leoantropólogos muitas vezes trabalham em conjunto com os arqueólogos, que estu-dam artefatos, na reconstrução de aspectos biológicos e culturais da evolução humana. É comum serem encontrados fósseis e fer-ramentas juntos. Diferentes tipos de ferra-mentas fornecem informações sobre os há-bitos, os costumes e o estilo de vida dos hu-manos ancestrais que as usavam. Mais de um século atrás, Charles Dar-win percebeu que a variedade que existe em toda a população permite que alguns indi-víduos (com características UNIDADE 1 | CORPO; MENTE E CONTEXTO SOCIAL 10 privilegiadas) se saiam melhor do que outros na sobrevi-vência e na reprodução. A genética, que se desenvolveu mais tarde, ajuda a esclarecer as causas e a transmissão dessa variedade. No entanto, não são apenas os genes que causam a variedade. Durante a vida de qualquer indivíduo, o ambiente funciona junto com a hereditariedade para determi-nar as características biológicas. Por exem-plo, pessoas com tendência genética a ser altas serão menores se forem mal alimenta- das na infância. Assim, a antropologia bio-lógica também investiga a influência do ambiente sobre o corpo à medida que o in-divíduo cresce e amadurece. Entre os fato-res ambientais que influenciam o corpo em sua evolução estão altitude, nutrição, tem-peratura e doenças, bem como os fatores culturais, como os padrões de atratividade. A antropologia biológica (junto com a zoologia) também inclui a primatologia. Os primatas incluem os nossos parentes mais próximos: símios e macacos. Os primatólo-gos estudam a biologia, a evolução, o com-portamento e a vida social daqueles prima-tas, muitas vezes em seus próprios ambien-tes naturais. A primatologia auxilia a paleoantropologia, porque o comporta-mento dos primatas pode ajudar a explicar o início do comportamento humano e da natureza humana. 3.4 ANTROPOLOGIA LINGUÍSTICA Não sabemos (e é provável que nunca che-garemos a saber) quando nossos ancestrais adquiriram a capacidade de falar, embora os bioantropólogos tenham examinado a anatomia do rosto e do crânio para especu-lar sobre a origem da linguagem, e os pri-matólogos descrito os sistemas de comuni-cação de macacos e símios. Sabemos que existem línguas complexas e gramatical-mente bem desenvolvidas há milhares de anos. A antropologia linguística oferece mais um exemplo do interesse da antropo-logia na comparação, na mudança e na Aplicando a antropologia à cultura popular INDIANA JONES Pensemos em qualquer um dos quatro filmes de Indiana Jones, dirigidos por Steven Spielberg. Os arqueó-logos costumam se queixar de que esses filmes distorcem a percepção pública de seu campo de trabalho, retratando-os como saqueadores gananciosos, aventureiros, amorais e não científicos. De que forma India-na Jones influenciou sua opinião sobre a arqueologia, se é que houve alguma influência? Falando em ter-mos mais gerais, as imagens dos arqueólogos na mídia fazem você ter uma opinião melhor ou pior do campo da arqueologia? INTERESSA NTE TÓPICO 1 | A HISTÓRIA DO CORPO 11 va-riação. A antropologia linguística estuda a língua em seu contexto social e cultural, no espaço e no tempo. Alguns antropólogos linguistas fazem inferências sobre as carac-terísticas universais da linguagem, ligadas, talvez, a uniformidades no cérebro huma-no; outros reconstroem línguas antigas comparando suas descendentes contempo-râneas e assim fazem descobertas sobre a história; outros, ainda, estudam as diferen-ças linguísticas para descobrir percepções variadas e padrões de pensamento em cul-turas diferentes. A linguística histórica considera a va-riação no tempo, como as mudanças em sons, gramática e vocabulário entre o inglês médio (falado desde aproximadamente 1050-1550 d.C.) e o inglês moderno. A so-ciolinguística investiga as relações entre va-riações sociais e linguísticas. Nenhuma lín-gua é um sistema homogêneo em que todos falam da mesma maneira. De que formas os diferentes falantes usam um determinado idioma? Como as características linguísticas se relacionam com os fatores sociais, in-cluindo as diferenças de classe e gênero (Tannen, 1990)? Uma das razões para a va-riação é a geografia, como acontece com os dialetos e sotaques regionais. A variação lin-guística também se expressa no bilinguismo dos grupos étnicos. Os antropólogos lin- guistas e culturais colaboram no estudo de ligações entre a língua e muitos outros as-pectos da cultura, por exemplo, a forma como as pessoas avaliam parentesco e como percebem e classificam as cores. 4 ANTROPOLOGIA E OUTROS CAMPOS ACADÊMICOS Como já mencionado, uma das principais diferenças entre a antropologia e os outros campos acadêmicos é o holismo, a mistura singular que a antropo- logia faz de perspec-tivas biológicas, sociais, culturais, linguís-ticas, históricas e contemporâneas. Para-doxalmente, embora diferencie a antropo-logia, essa am- plitude é o que também a fazem esse tipo de tarefa, incluindo o traba-lho com couro e outros produtos animais, e têm mais probabilidades do que a maioria japonesa de realizar trabalhos manuais (in-cluindo o trabalho agrícola) e de per- tencer classe mais baixa do país. Como outras minorias japonesas, eles também têm mais probabilidades de exercer criminalidade, prostituição, carreiras em en- tretenimento e esportes (De Vos et al., 1983). Assim como os negros nos Estados Unidos, os burakumins são estratifica- dos por classe. Como certos empregos são reser-vados a eles, as pessoas que são bem-sucedi-das nessas profissões (p. ex., proprietários de fábricas de calçados) podem ser ricas. Os burakumins também encontram emprego como burocratas do governo, e os que fo-rem financeiramente bem-sucedidos po-dem escapar por um tempo de seu status es-tigmatizado viajando, inclusive ao exterior. A discriminação contra os buraku-mins é muito semelhante à que os ne- gros experimentaram nos Estados Unidos: vi-vem com frequência em vilas e bair- ros com condições precárias de habitação e sanea-mento e têm acesso limitado a educação, empregos, confortos e serviços de saúde. Em resposta à mobilização UNIDADE 1 | CORPO; MENTE E CONTEXTO SOCIAL 12 política buraku-min, o Japão tem desmantelado a estrutura jurídica da discrimi- nação contra eles e tra-balhado para melhorar as condições dos burakus. (A pági- na http://blhrri.org/in-dex_e.htm é patrocinada pelo Instituto de Pesquisa em Li- bertação e Direitos Huma-nos dos Burakus e inclui as informações mais recentes sobre o movimento buraku de libertação.) Mas o Japão ainda precisa lançar pro- gramas de ação afirmativa ao es-tilo norte-americano para educação e em-prego, e a discriminação contra japoneses que não pertencem à maioriaainda é a regra nas empresas. Alguns empregadores dizem que a contratação de burakumins da- ria a sua empresa uma imagem impura e, portanto, criaria uma desvantagem na con-corrência (De Vos et al., 1983). 4.1 FENÓTIPO E FLUIDEZ: RAÇA NO BRASIL Há maneiras mais flexíveis e menos exclu-dentes de construir socialmente a raça do que as utilizadas nos Estados Unidos e no Japão. Junto com o resto da América Latina, o Brasil tem menos categorias excludentes, o que permite aos indivíduos mudar sua classificação racial. O país compartilha uma história de escravidão com os Estados Uni-dos, mas não há a regra da hipodescen-dência. Os brasileiros usam muito mais deno-minações raciais – mais de 500 já foram re-latadas (Harris, 1970) – do que norte-ame-ricanos ou japoneses. No Nor- deste do Bra-sil, encontrei 40 termos raciais diferentes em uso em Arembepe, na época, uma aldeia de apenas 750 pessoas (ver Kottak, 2006). Por meio de seu sis- tema tradicional de clas-sificação, os brasileiros reconhecem e ten-tam descrever a variação física que existe em sua população. O sistema utilizado nos Estados Unidos, ao reconhecer apenas três ou quatro raças, não deixa que os norte--a- mericanos enxerguem uma faixa equiva-lente de contrastes físicos evidentes. O siste-ma que os brasileiros usam para construir raça social tem outras caracterís- ticas espe-ciais. Nos Estados Unidos, a raça de uma pessoa é um status atribuído, que é definido automaticamente pela hipodescendência e, em geral, não muda. No Brasil, a identidade racial é mais flexível, sendo mais um status adquirido. A classificação racial brasileira presta atenção ao fenótipo, que se refere a traços evidentes de um organismo, sua “bio-logia manifesta” – fisiologia e anatomia, in-cluindo cor da pele, forma do cabelo, carac-terísticas faciais e cor dos olhos. O fenótipo e a denominação racial de um brasileiro po-dem mudar devido a fatores ambientais, como bronzeamento ou efeitos da umidade sobre o cabelo. Assim como as características físicas mudam (a luz solar altera a cor da pele, a umidade afeta a forma do cabelo), o mesmo acontece com os termos ra- ciais. Além disso, as diferenças raciais podem ser tão insignificantes na estrutu- ração de vida da comuni dade que as pessoas podem esquecer os ter-mos que aplicaram a outras. Às vezes, até se esquecem dos que usaram para si próprias. Em Arembepe, costumava pedir à mesma pessoa, em dias diferentes, que me dis- sesse as raças das outras na aldeia (e a minha). Nos Estados Unidos, eu sempre sou “bran-co” ou “euro-americano”, mas, em Arembe-pe, recebi muitos termos, além de branco. Eu poderia ser claro, louro, sarará, mulato claro ou mulato. TÓPICO 1 | A HISTÓRIA DO CORPO 13 FIGURA 3 - FOTOS, TIRADAS NO BRASIL PELO AUTOR DO LIVRO EM 2003 E 2004, DÃO APENAS UMA IDEIA DO ESPECTRO DA DIVERSIDADE FENOTÍPICA ENCONTRADA ENTRE OS BRASILEIROS CONTEMPORÂNEOS. FONTE: O autor. O termo racial usado para descrever a mim ou a qualquer outro variava de pessoa a pessoa, semana a semana, mesmo de um dia para outro. Meu melhor interlocutor de pesquisa, um homem de pele muito escura, mudava o termo que usava para si mesmo o tempo todo, de escuro a preto e a moreno escuro. UNIDADE 1 | CORPO; MENTE E CONTEXTO SOCIAL 14 Durante séculos, os Estados Unidos e o Brasil tiveram populações mis- tas, com ancestrais nativo-americanos, europeus, africanos e asiáticos. Embora as raças te-nham se misturado em ambos os países, as culturas brasileira e nor- te-americana cons-truíram os resultados de forma diferente. As razões históricas para esse contraste se en-contram sobretudo nas diferentes caracte-rísticas dos colonos dos dois países. Os pri-meiros colonos dos Estados Unidos, na maioria ingleses, vieram na condição de mulheres, homens e famílias; os coloniza-do- res portugueses no Brasil eram em sua maioria comerciantes e aventureiros do sexo masculino. Muitos deles se casavam com mulheres indígenas e reconheciam seus filhos de raça mista como seus herdei-ros. Tal como os seus equivalentes norte--americanos, os donos de lavouras escravis-tas brasileiras tinham relações sexuais com suas escravas, mas os latifundiários brasilei-ros libertavam com mais frequência os fi-lhos que resultavam da relação, por razões demográficas e econô- micas. (Às vezes eram seus filhos únicos.) Filhos livres de senhores portugueses e escravas africanas se torna-vam chefes e capatazes das lavouras e ocupavam muitas posições intermediárias na emergente economia brasileira. Eles não eram classificados como escravos, e sim au-torizados a participar de uma nova catego- -ria intermediária. Não se desenvolveu qual-quer regra de hipodescendência no Brasil para garantir que brancos e negros perma-necessem separados (ver Degler, 1970; Har-ris, 1964). No sistema-mundo de hoje, o sistema brasileiro de classificação racial está mu-dando no contexto das políticas de identi-dade e dos movimentos internacio- nais de direitos. Assim como cada vez mais brasilei-ros reivindicam identidades indígenas (na-tivos brasileiros), um número crescente afirma sua negritude e sua participação au-toconsciente na diáspora africana. Particu-larmente em Estados do Nordeste, como a Bahia, onde a influência demográfica e cul-tural africana é forte, as universidades pú-blicas têm instituído programas de ação afirmativa destinados a povos indígenas e, sobretudo, aos negros. As identidades ra-ciais se firmam no contexto da mobilização internacional (p. ex., pan-africana e pan-in- -dígena) e no acesso a recursos estratégicos com base na raça. 15 Neste tópico, você aprendeu que: • Como aconteceu a construção dos conceitos de corpo ao longo do tempo • As principais transformações socioculturais que o corpo sofreu em determinados períodos históricos • Os diversos corpos dos quais somos constituídos e suas interações com outros corpos, com as culturas e com o mundo cotidiano. RESUMO DO TÓPICO 1 16 1. “O termo Anthropos deriva do grego e significa “estudo do homem” ou “ciência do homem”. Fica confuso ao se perceber mais um significado de es- tudo do homem, esta tradução se encontra em outros termos como: genética, sociologia, zoologia, psicologia e muitos outros, mas o que realmente dife- rencia o estudo em foco é exatamente o objeto material, que envolve diversos casos”. (BATISTA, 2010, p.103). Diante do exposto e das leituras realizadas no Tópico I deste caderno de estudos, escreva o que você compreendeu sobre antropologia cultural. Fonte: BATISTA, Jefferson Alves. Reflexões sobre o conceito antropológico de cultura. Revista Saber Eletrônico, v.1, jun.2010. 2. A antropologia “tem sua característica primordial o objeto formal, nela o que interessa é o ser humano em sua continuidade e pluralidade da for- ma, a existência humana, a culturalidade e biogenética, tanto passada como também presente, extraindo não o específico, mas o todo”. (BATISTA, 2010, p.103). Diante do exposto e das antropologias apresentadas neste tópico, es- creva como no Brasil se constrói a ideia racial. Fonte: BATISTA, Jefferson Alves. Reflexões sobre o conceito antropológico de cultura. Revista Saber Eletrônico, v.1, jun.2010. AUTOATIVIDADE 17 TÓPICO 2 O CORPO E AS FORMAS DE SUBJETIVAÇÃO UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO O corpo corresponde a um elemento significativo no debate contem-porâ- neo no contexto da sociedade de consumo. As transformações na moralidade sobre a apresentação pública do corpo têm sido acompanha-das pelo avanço tecnológico e do discurso sobre a saúde e o bem-estar. Consequentemente, a articulação desses processos com a formação de um mercado da beleza colocou o cuidado estético como uma modalidade de consumo que impulsiona a produção de uma corporali- dade canônica. Seria, então, uma sociedade em que a aparência constitui quem se é, uma subjetividade exteriorizada em meio a uma cultura somática. Neste capítulo, você vai conhecer as formas de subjetivação no con-tem- porâneo a partir da discussão sobre as transformaçõesdo lugar do corpo desde o século XVIII e, desse modo, vai ver a centralidade desse elemento na constituição do sujeito e do “eu” nas sociedades, enten-dendo como relacioná-lo e contextua- lizá-lo na sociedade do consumo. 2 O CORPO NA CONTEMPORANEIDADE Para compreender a questão do corpo, convém compreender o percurso de seu estatuto no Ocidente e sua elevação ao status de elemento fundador da subjetividade e da identidade social na esfera pública. O lugar do corpo tem- se modificado, deixando de ser entendido como subordinado à natureza para tornar-se um componente importante do progresso. Conforme Fontes (2007), o corpo vem sendo desvelado desde o Renasci- mento, iniciando pela pele até chegar ao seu interior, como os músculos, tendões e o crânio. Esse processo possibilitou o desenvolvimento de pesquisas sobre a reprodução mecânica da respiração, da digestão e dos movimentos corporais até chegarmos, no século XXI, à ciência genética. Observa-se, assim, que o processo de modificação dos valores sobre o corpo tem-se realizado como consequência das transformações vividas a partir do século XVIII, como o uso de cueiros justos para recém-nascidos e espartilhos para as mulheres. A centralidade do corpo aparece em um momento da história moderna quando ainda se dominava o pensamento cosmológico religioso. O processo de colocar o ser humano, ao invés de Deus, no centro, enquanto aquele que possibilitaria o acesso à verdade, a partir do processo racional, introduz uma UNIDADE 1 | CORPO; MENTE E CONTEXTO SOCIAL 18 nova racionalidade no Ocidente que possibilitará o desenvolvimento das ciências humanas e da saúde. Desse modo, tem-se uma transformação do lugar do corpo que possibilita a constituição de um saber sobre o seu interior e funcionamento. Para que essa transformação acontecesse, como informa Le Breton (2009), foi necessário desfazer-se dos valores medievais para que, então, emergisse a possi- bilidade do estudo da anatomia com a separação entre a alma/mente e o corpo. A filosofia mecanicista e o cartesianismo foram importantes para estabelecer uma ideia de corpo como máquina. Com isso, tem-se uma nova sensibilidade que torna possível a cisão entre a subjetividade e o corpo, próprio do projeto moderno. O advento do capitalismo e o processo de secularização que constituíram a modernidade colocaram o ser humano no centro, desvinculando-o do mundo natural-divino. Dessa forma, as mudanças no espaço urbano, acompanhadas de planejamento e gestão da cidade, levaram ao engendramento de uma pe-dagogia dos indivíduos em relação ao cuidado de si e enquanto consumidores a partir da normatização dos espaços relativos ao prazer sexual, à higiene, à saúde, à vida pública, etc. Conforme Sibilia (2002), as transformações do lugar do corpo, desde o Renascimento até a contemporaneidade, têm apontado para a sua reconfigura- ção em um momento em que as tecnologias se tornam cada vez mais centrais, modificando a “natureza” do corpo para uma condição “pós-humana”. Esse processo, segundo a autora, manifesta-se a partir do upgrade do corpo por meio de processos tecnológicos de melhoramento, modificação e acoplamento. A compreensão da corporeidade canônica na cultura contemporânea, diz Fontes (2007), somente se torna possível a partir da compreensão do percurso do corpo no Ocidente. Da clandestinidade, passa a ser um elemento fundamental para a subjetividade. Do pecado, demonizado, é transformado em elemento central a ser cuidado e melhorado. Por isso, ao longo do século XX, afirma a autora, o corpo passa por três estatutos: do corpo representado para o corpo representante e, por fim, o corpo apresentador de si mesmo. Em cada um desses estados, o corpo é colocado de formas diversas. Do corpo passivo e reprimido, descrito a partir do olhar do outro, tem-se o corpo ativo, que possui autonomia quanto às suas práticas, e o contestador, que se trata do corpo revolucionário no campo sexual e político. Então, emerge o corpo produzido na contemporaneidade e marcado pela forma, um corpo que pode ser feito e desfeito a todo instante. Como destaca Fontes (2007), esse corpo apresentador de si mesmo surge nos anos 1980 a partir das atividades físicas em academias, do cuidado com a alimentação e da ingestão de suplementos, do encanto pelo volume dos músculos, bem como do triunfo das cirurgias estéticas. Essas práticas implicam a adoção de um projeto de construção de si e do corpo a partir da adesão a uma série de técnicas, comportamentos e hábitos que têm como o objetivo a modificação, o aperfeiçoamento e a correção do corpo a partir de padrões vigentes na atualidade. TÓPICO 2 | O CORPO E AS FORMAS DE SUBJETIVAÇÃO 19 Sibilia (2002) entende que as transformações do lugar do corpo na con- temporaneidade atendem uma continuidade do projeto biopolítico de higiene e controle das populações que foi iniciado no século XVII, como desenvolveu Michel Foucault em suas obras, realizada a partir de medição, estatísticas e uma pedagogia para eliminação da degeneração e potencialização da vida útil na sociedade industrial. Avalia a autora que, na contemporaneidade, esse processo acontece a partir do descolamento do contexto da produção industrial e das relações capital-trabalho para o consumo com a emergência da figura do consumidor preocupado com o manejo dos riscos e com como o corpo está sujeito a esses riscos, como doenças, gordura, aparência, etc. Tais práticas, analisa Ortega (2008), fazem emergir a bioascese, uma so- ciabilidade em que se adequa à moralidade da saúde, do fitness e que constitui uma bioidentidade a partir do valor do corpo saudável e adequado a um padrão estético. De acordo com o autor, as mudanças nos laços sociais levam à emer- gência da lógica da cultura somática biossociabilidade porque, diante da erosão dos modelos tradicionais, há um deslocamento para o corpo e, portanto, para a individualidade. Nesse contexto, as marcas no corpo constituiriam formas de reestabelecer as relações entre indivíduo e cultura. Esse corpo, dirá Fontes (2007), é a negação dos efeitos do tempo e da depre- ciação causada pelos agentes cronológicos na anatomia do corpo. Para escapar desse processo, seja da obesidade ou da velhice, recorre-se a métodos cada vez mais sofisticados e eficientes de modelação do corpo. De acordo com Sibilia (2002), o desenvolvimento de uma gama enorme de tecnologias, na atualidade, permite a produção de novos discursos, novos modos de subjetivação e novas formas de pensar, sentir e viver o corpo. Segundo a autora, o progresso alcançado pela biotecnologia proporciona essa possibilidade de mudanças no processo vital por meio do controle sobre todas as limitações biológicas: [...] a tecnociência contemporânea almeja ultrapassar todas as limitações bio-lógicas ligadas à materialidade do corpo humano, rudes obstáculos orgânicos que restringem as potencialidades e as ambições dos homens. Vários deles correspondem ao eixo temporal da existência. A fim de romper essa barrei-ra imposta pela temporalidade humana, portanto, o armamento científico--tecnológico é colocado a serviço da reconfiguração do que é vivo e em luta contra o envelhecimento e a morte (SIBILIA, 2002, p. 49). Na contemporaneidade, a busca pelo corpo jovem e uma tentativa de corrigir a marca da passagem do tempo inscrita promove a ascensão de tecnologias para a modificação dessas marcas, valorizando o corpo belo e vigoroso. Coberto por signos distintivos, o corpo, apesar de aparentemente mais livre por seu maior desnudamento e exposição pública, é, na verdade, muito mais constrangido por regras sociais interiorizadas. Pode-se dizer que ter o corpo em forma promove nos indivíduos uma confor-midade com estilos de vida e a gratificação de pertencimento a um deter- minado grupo. Disso decorre uma necessidade de manter um cuidado acentuado UNIDADE 1 | CORPO; MENTE E CONTEXTO SOCIAL 20 com o corpo, na medida em que esse constitui elemento central da identidade naesfera pública. O percurso do corpo na contemporaneidade perpassa o desen- volvimento de biotecnologias aliadas ao advento da sociedade de consumo, que promove o corpo como um importante capital nas relações sociais. Norbet Elias, em a Solidão dos Moribundos e Envelhecer e Morrer, apresenta uma análise socio-lógica sobre o corpo, a morte e velhice enquanto questões da socie- dade moderna. A partir da leitura desses dois breves textos, é possível compreender que o conhecimento das causas das doenças, do envelhecimento e da morte pela ciência, em certa medida, permitiu que toda a exterioridade da afetação do corpo pela doença fosse, em maior grau, controlado, mas também demonstra o incômodo causado pela velhice, que representa, como última etapa do curso vida, a proximidade com a morte. Por isso, o autor, já velho quando escreve esses textos, aponta o terror da sociedade moderna em sa- ber sobre a fragilidade e a finitude, o que tornou a proximidade com a morte um problema para os seres humanos (ELIAS, 2001). NOTA 3 CORPO E SUBJETIVIDADE O corpo pode ser entendido como o primeiro instrumento da cultura. Cada sociedade, em diferentes épocas, desenvolveu práticas e técnicas para o uso dos corpos. Enquanto produto e processo das práticas e valores da sociedade na qual está inserido, carrega o estilo de vida e valores socialmente compar-tilhados dos indivíduos que o portam (MAUSS, 1974). Em cada momento histórico, um modelo corporal será valorizado, o que significa que a “natureza” do corpo é produzida conforme o contexto social, cul- tural e econômico em que esteja inserido. Os corpos, antes de um dado anterior à cultura, participam ativamente de sua produção, já que, desde o nascimento até a morte, sofre interferências, constituindo os sujeitos que os portam conforme a cultura a que pertencem. Como destaca Le Breton (2009), não é possível pensar o corpo sem consi- -derar o sujeito porque não são entidades separadas, embora a cultura ocidental moderna tenha reforçado essa separação. Sua presença acompanha os proces-sos sociais e culturais e o modo como os sujeitos habitam o mundo, informa sobre tais processos, constitui uma realidade mutável de uma determinada sociedade e ex- pressa as moralidades e as normas sociais de cada época. Nesse sentido, corpo é uma superfície por meio da qual as diferentes formas culturais podem se expres- sar, materializando uma sociedade a partir da constituição das subjetividades. TÓPICO 2 | O CORPO E AS FORMAS DE SUBJETIVAÇÃO 21 Mauss (1974) afirma que o corpo é o primeiro objeto técnico dos seres hu- manos. O antropólogo reflete sobre a maneira como as sociedades constituem os usos dos corpos, a expressão dos sentimentos e as reações fisiológicas como parte de um sistema simbólico que permita que se compartilhe e compreenda porque faz parte do sistema social da qual os indivíduos participam. O social é entendido como um sistema, uma totalidade que não é apenas a recomposição de diferentes aspectos, mas também é parte da experiência indivi- dual, ligando social e individual, fisiológico e psicológico. O plano psíquico é en- tendido como uma tradução da estrutura social, tendo em vista que a sociedade se expressa simbolicamente a partir de seus costumes, ins-tituições, e as condutas individuais seriam os meios pelos quais o sistema simbólico se constitui. Lévi-Strauss (2003) destaca que, para Mauss (1974), o inconsciente seria o mediador entre o eu e o outro porque os fenômenos fundamentais do espírito hu- mano se situam no nível do inconsciente. A partir da noção de fato social, consi- dera a história individual, as formas de expressão (fisiológicas e represen-tações) e as modalidades sociais em um sistema de interpretação que explique ao mesmo tempo a dimensão sociológica, histórica e os aspectos fisiológicos e psicológicos. O fato social total é apreendido em uma sociedade localizada no tempo e espaço e nos indivíduos pertencentes a essas sociedades porque é nesses que as culturas e todos os seus aspectos se integram. Considerando essa perspectiva é que o autor entenderá que, ao longo da socialização em uma dada cultura, os seres humanos aprendem uma arte de uti- lizar o corpo. Esse processo se realiza por meio de inculcação dos padrões cultu- rais, um processo subjetivante que constituirá um habitus. A ideia de hábitos sig- nifica que as formas de pensar, sentir e agir são aprendidas por meio das técnicas corporais. Para Mauss (1974, p. 401), as técnicas corporais são as “[...] maneiras pelas quais os homens, de sociedade em sociedade, de uma forma tradicional, sabem servir-se de seu corpo”. Mesmo quando se vive a experiência corporal como individual, dirá Le Breton (2009), a expressão corporal é socialmente modulável porque é por meio da relação social que o corpo ganha contornos que o tornam reconhecível enquan- to pertencente a uma determinada comunidade. O corpo constitui um mediador que possibilita imprimir as crenças e emoções que formam a vida social, seja por meio de perfurações, regimes, pinturas, deformações, circunci-sões, atrofiamento de membros, tatuagens, práticas estéticas, etc., que marcam a forma como os indi- víduos devem ser intelectual e fisicamente e exprime a sua posição em diferentes grupos ou segmentos em uma determinada sociedade. Foucault (2006) entende que o corpo e sua materialidade se tornam im- -portante na sociedade capitalista e o meio pelo qual o poder se manifesta. Por isso, afirma que não existe nada mais material, mais corporal que o exercício do poder ao questionar se “[...] antes de colocar a questão da ideologia, não seria UNIDADE 1 | CORPO; MENTE E CONTEXTO SOCIAL 22 mais materialista estudar a questão do corpo, dos efeitos do poder sobre ele” (FOUCAULT, 2006, p. 148). Ao considerar a dimensão positiva do poder, isto é, em seu caráter pro- dutivo, o autor destaca que seu exercício opera como uma rede de dispositivos ou mecanismos a partir de uma capilaridade de que ninguém escapa — penetra na vida cotidiana, em formas díspares e heterogêneas, intervindo materialmente nos indivíduos por meio de um controle minucioso de seus corpos, com gestos, atitudes, comportamentos, hábitos, discursos. Como destaca Veiga-Neto (2007), o efeito desse micropoder é uma ação sobre ações, produzindo almas, ideias, saber, moral, ou seja, o foco na corpo-rei- dade como ponto importante para a atuação de correlações de forças sociais. Não há polos antagônicos — um sujeito que o pratica e um objeto que o sofre —, mas sujeitos que participam em um mesmo jogo, tendo em vista que o poder se exerce e só existe em ação, trata-se de uma relação. A disciplina do corpo, por meio de métodos de exame, produção de da- dos, espaços de vigilância, prática confessional, produção de saberes sobre o cor- po e de documentos que atestem uma determinada verdade, exames médicos e esquadrinhamento e, mais recentemente, as transformações estéticas, desen-vol- ve o controle e a produção de sujeitos na sociedade ocidental. Ao focar nas técnicas de disciplinamento do corpo, Veiga-Neto (2007) reve- la a constituição da sociedade capitalista moderna e as minuciosas estratégias de poder e saber que tomaram o corpo como um importante alvo para potencializar a acumulação de capital. Na compreensão de Foucault (2006), o corpo é o campo por meio do qual as forças sociais atravessam e o constituem enquanto realidade. As tecnologias de poder, ao investirem no corpo, produzem um conjunto de efeitos nos comportamentos, nos sujeitos, nos corpos e nas relações sociais. As mudanças na atualidade em relação ao corpo, com o avanço da medicina e das tecnologias, transformam as formas de produção dos corpos, que se tornam palco no qual se apresentam múltiplas possibilidades porque podem ser manipulados e modificados digital e cirurgicamente. Nesse sentido, a indústria da beleza emer- ge como uma nova forma de controle dos corpos e de subjetivação. Por isso, os corpos podem ser entendidos como uma espéciede bricolagem, em que o foco é o corpo que se pode aprimorar por meio do consumo de tecnologias e valores. 4 CULTURA DO CONSUMO E CORPORALIDADES As mudanças sociais e econômicas realizadas no século XIX, com a Revo- lução Industrial, consolidam uma cultura do consumo a partir da formação dos mercados e constituem uma nova forma de sociabilidade. A cultura do consumo, esclarece Trinca (2008), desenvolve-se na Europa a partir da bur-guesia e expande-se na medida em que o capitalismo avança. Para tanto, há um processo TÓPICO 2 | O CORPO E AS FORMAS DE SUBJETIVAÇÃO 23 de produção do desejo em que a aparência e a aquisição de bens vão constituindo sinais de prestígio, expressão da individualidade e bem-estar. Cultura do consumo, nesse sentido, diz respeito ao consumo não apenas de objetos, mas de imagens e valores que se associam a comportamentos, modos de pensar e sentir de diferentes grupos. A difusão da indústria da mídia, assim como os avanços biotecnológicos e a ascensão da indústria da beleza, produz novas formas de relação com os corpos e a relação entre saúde, bem-estar e melhoramento estético (TRINCA, 2008). Como aponta Trinca (2008, p. 110), o corpo transforma-se no mais precioso componente na sociedade do consumo “[...] traduzida pelo império das logomarcas, pela produção do supérfluo e do descartável, pela era da imagem e do simulacro, pela estetização do cotidiano e pela valorização da aparência avança enquanto terreno estratégico para a exploração do corpo como objeto rentável”. Nesse sentido, Costa (2004) ressalta que a sociedade contemporânea se tornou predominantemente somática, isto é, uma cultura em que a regulação do comportamento se dá a partir do consumo e do culto ao corpo. O corpo também se torna obsoleto à medida que novas formas de adequação vão surgindo com descobertas científicas, aprimoramento das técnicas cirúrgicas, avanços no setor de beleza e cosmética. Trinca (2008) afirma que essa sociedade se constitui em uma era de plas-ticidade em que o consumidor pode assumir múltiplas formas a partir das transformações do corpo. Enquanto sociedade que se sustenta pela adoção de imagens de corpos que se adequem ao padrão canônico, o investimento no corpo não significa apenas o consumo de serviços e produtos, mas de modos de vida. Para Fontes (2007), é a presença de um padrão físico-corporal que passa a ser considerado na corporeidade canônica na contemporaneidade, um tipo de corpo que é publicizado a partir da comunicação de massa como desejável, sinônimo de beleza, saúde e bem-estar. Esse corpo, conforme a autora, seria o efeito de um investimento em práticas e comportamentos que objetiva a reconfiguração, a partir de um conjunto de discursos, práticas e procedimentos, do corpo, de modo a torná-lo culturalmente adequado, capaz de atender às exigências de uma sociedade do espetáculo. Goldenberg e Ramos (2002) entendem que as transformações nos códigos de decência e obscenidade produzem uma nova moralidade sob a liberação física e sexual a partir da conformidade a determinado padrão estético, aquele da boa forma. Por trás dessa aparente liberação dos corpos, encontra-se um “processo civilizador”, ou seja, é possível expor seu corpo com a condição de que haja um maior autocontrole de sua aparência física. Isso passa a ser posto em evidência pelos meios de comunicação, que nos bombardeiam diariamente com imagens de rostos e corpos perfeitos. UNIDADE 1 | CORPO; MENTE E CONTEXTO SOCIAL 24 As regras subjacentes para tal exposição do corpo são fundamentalmente estéticas. Como diz Fontes (2007), esse corpo, antes de ser belo, não pode ser gordo, deve manter-se saudável, submetido a um regime de exercícios, suplementos e alimentação. O corpo que não se perfila a esse projeto tende a ser classificado como um corpo dissonante porque não adotaria as técnicas para reformulação e adequação estética, o que provocaria reações diversas de estranhamento, tornando-se consumível apenas se apresentado sob a forma de espetáculo ou denúncia. Ancora-se, então: [...] em elementos relacionados à juventude e ao vigor, referente a um corpo levado aos limites da potencialização de força e beleza mediante a adoção de um conjunto de técnicas e estratégias que vão desde os exercícios físicos às cirurgias plásticas estéticas, passando por dietas, consumo de produtos cosméticos e determinados estilos de vestuários (FONTES, 2007, p. 73). Por isso, para atingir os padrões ideais de exposição, devem investir na força de vontade e na autodisciplina, estimulando o autocontrole da aparência física. Desse modo, Goldenberg e Ramos (2002) destacam que, sob essa moral da boa forma, um corpo trabalhado, cuidado, sem marcas indesejáveis (rugas, estrias, celulites, manchas) e sem excessos (gorduras, flacidez) é o único que, mesmo sem roupas, está decentemente vestido. A gordura se torna uma inimiga da boa forma, considerada quase uma doença. Em uma cultura que julga a partir da forma física, não basta não ser gordo, é preciso ser firme e musculoso, livrando-se de qualquer sinal de relaxamento ou moleza. O aparecimento de tais sinais é tomado como indisciplina, desleixo, preguiça, falta de virtude e investimento em si mesmo. Como se percebe, a forma do corpo agora é produto de um trabalho individual sobre si mesmo, em que os indivíduos são responsáveis por sua aparência física. Nesse processo, a mídia e, especialmente, a publicidade têm um papel fundamental, que se faz ser legitimado pelos discursos científicos de especialistas. O corpo se tornou o objeto central tanto da publicidade quanto do consumo em uma sociedade que se calca na máxima “consumo, logo sou”. Para Trinca (2008, p. 121-122): [...] há toda uma ideologia do bem-estar e da autoestima, de ideias de felicidade, símbolos, significantes e significados que orientam práticas e discursos com relação ao corpo. É possível relacionar a busca pelo “corpo perfeito” ao discurso do homem-máquina ou do pós-orgânico, que almeja o “aperfeiçoamento” da condição humana por meio da criação das novas tecnologias. Segundo destaca Sibília (2005), a ênfase no padrão estético canônico como beleza acompanha as práticas virtuais contemporâneas de edição de imagens para retocar e corrigir algumas marcas que são consideradas defeitos. Desse modo, dirá a autora, “[...] as imagens expostas no mercado de produtos, serviços e aparências aderem a um ideal de pureza digital, longe de toda imperfeição TÓPICO 2 | O CORPO E AS FORMAS DE SUBJETIVAÇÃO 25 toscamente analógica e de toda viscosidade orgânica demais” (SIBILIA, 2005, p. 7). Essas imagens trabalhadas digitalmente impregnam a subjetividade, convertendo-se em objetos de desejo a serem alcançados e aplicados na matéria. Os corpos digitais exigidos por meios da publicidade ou nas mídias digitais são desenhados para serem exibidos, observados e consumidos. A ampliação da indústria da beleza se articula com esse processo de nor- matização dos corpos digitais que é acompanhado pelo avanço da produção de conhecimentos para o melhoramento do corpo. Assim, afirma Trinca (2008), o mercado das aparências é formado por diversos profissionais especializados em diferentes tratamentos, bem como por produtos que prometem, a partir da inovação tecnológica, que se alcance o corpo ideal com esforço mínimo. Os meios de comunicação, tal qual o sonho da ciência, oferecem modelos e estratégias para a fabricação de uma corporeidade ideal. O corpo se torna uma mercadoria que precisa ser apresentada pela publicidade a partir da utilização das produções de diferentes campos do conhecimento sobre o corpo. Nesse sentido, articulam-se os saberes das ciências biomédicas e a produção de bens, em que as mercadorias oferecem os valores associados a uma corporeidade canônica que, consequentemente, torna-se o arquétipo da felicidade (TRINCA, 2008). Como salienta Trinca (2008, p. 132): O fato de que as mercadorias ofereçam o conteúdo que pareça ser uma solu-çãopara os “problemas corporais” e existenciais (isto é, falta de autoestima se resolve com cirúrgica estética!) torna o mercado extremamente efetivo inclusive como instrumento de despolitização e submissão, revelando que o consumismo e a preocupação com o corpo fazem parte de novos valores e ideais do capitalismo avançado. Santos et al. (2019) destacam que, na sociedade do consumo, o mercado corporal tem propiciado o desenvolvimento do narcisismo porque, por meio da espetacularização do corpo é que se passa a fazer comparações e se encarna status e estilos de vida. Por isso, por meio do marketing, tem-se construído o vínculo entre estilos de vida com produtos específicos, tal qual o corpo enquanto elemen- to que manifestaria a individualidade de cada um. Assim, “não basta somente consumir o produto, ele tem de ser incorporado, tornar-se índice subjetivante. Não só o produto representa status, como também promete tornar o corpo mais ‘competitivo’ no mercado simbólico” (SANTOS et al., 2019, documento on-line). O corpo agrega valores a partir dos produtos e serviços voltados ao seu melho-ramento e modificação. Constitui-se, na contemporaneidade, em mais uma mer-cadoria sob a qual torna possível a acumulação do capital, consideran- do o caráter subjetivante, isto é, enquanto produtor e produto dos processos de subjetivação. O consumo tem um papel central no processo de subjetivação na so- ciedade atual, de modo que o sujeito se insere, com seu corpo, em uma sociedade do consumo e do espetáculo enquanto consumidor, produzindo-se a partir dos desejos e das mediações que as práticas de consumo cumprem nesse contexto. 26 RESUMO DO TÓPICO 2 Neste tópico, você aprendeu que: • As formas de subjetivação sob a perspectiva do corpo na pós-modernidade. • O Relacionar do corpo com a constituição do "eu". • A relação do corpo com a cultura do consumo. 27 1. “O corpo se apresenta como um campo de exploração e indagação para to- das as chamadas ciências humanas, bem como para diversas áreas das ciências naturais. É também objeto de um grande número de atividades culturais não vinculadas à ciência”. (ÁVILA, 2012, p.52). Diante disso, escreva como o corpo é subjetivo na esfera humana. Fonte: ÁVILA, Lazslo Antonio. O corpo, a subjetividade e a psicossomática. Tempo psicanalí- tico, Rio de Janeiro, v.44, n.1, 2012. Questão 2 – “O corpo tem uma dimensão social traduzida em sua materialida- de econômica e nas instâncias sociais em que o corpo é regulado e instituído”. (ÁVILA, 2012, p.52). Diante disso, escreva como o consumo interfere na con- cepção de corpo dos seres humanos. Fonte: ÁVILA, Lazslo Antonio. O corpo, a subjetividade e a psicossomática. Tempo psicanalí- tico, Rio de Janeiro, v.44, n.1, 2012. AUTOATIVIDADE 28 29 TÓPICO 3 AS IMAGENS SOCIAIS DO CORPO UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO Ninguém sabe qual é o poder do corpo nem o que é possível deduzir apenas da consideração da sua natureza. Nem o corpo pode determinar o espírito a pensar, nem o espírito pode determinar o corpo em movimento, em repouso ou nalgum outro estado que seja. (Espinosa, 1973, p. 185) Um dos paradoxos do conhecimento respeita, com efeito, o conhecimento do corpo pelo corpo. Não conhecemos as coisas senão pelo corpo, mas não sabemos como nosso corpo conhece nem quem conhece através do nosso corpo. (Atlan, 2000, p. 93) 2 DA CULTURA CORPORAL DO MOVIMENTO HUMANO ÀS CIÊNCIAS DO MOVIMENTO HUMANO Os discursos sobre os corpos que se exercitam são muitos. Em nossa sociedade, as interpretações sobre as representações dos corpos constituem objeto relevante de investigação nas diversas formas de expressão do conhecimento. Do senso comum à filosofia, passando pelo olhar científico, religioso, artístico e político, “o corpo atravessa os discursos e metamorfoseia-se, mas não se dissolve” (Silva, 1999, p. 22). O presente capítulo é mais um discurso sobre os corpos que se exercitam. O objetivo é propor espaços onde se possam reunir elementos para a configuração de uma cartografia sobre os corpos que jogam, dançam, praticam esportes, fazem ginástica, teatro, etc. Refirome a espaços próprios de investigação, de expressão, de interpretação e de aprendizagem sobre a corporalidade. Enfim, trata-se de um campo de estudo sobre as manifestações corporais que, inequivocamente, assume papel preponderante em nossa existência. São saberes e conhecimentos diversos sobre uma variedade imensa de técnicas e tecnologias corporais com múltiplas formas e significados existenciais. Este capítulo propõe a demarcação de dois territórios passíveis de reunir os múltiplos discursos sobre a corporalidade: (1) a cultura corporal do movimento hu-mano; e (2) as ciências do movimento humano: 30 UNIDADE 1 | CORPO; MENTE E CONTEXTO SOCIAL 1. A cultura corporal do movimento humano como um espaço amplo de cognição que abrange saberes complexos. Articulação de saberes e conhecimentos diversos, sejam estes provenientes do senso comum, da ciência, da filosofia, da religião, das artes, etc. Saberes e conhecimen-tos plurais sobre a corporalidade. Um conhecimento lato. 2. As ciências do movimento humano como um olhar restrito, um recorte no espaço amplo da cultura corporal do movimento humano. Um campo de investigação limitado às regras do conhecimento científico. Saberes e conhecimentos normatizados por uma abordagem hipotético-dedutiva. Um conhecimento estrito. 3 A CULTURA CORPORAL DO MOVIMENTO HUMANO Ao longo da história, homens e mu-lheres têm produzido conhecimentos e técnicas visando a atender seus interesses e necessidades. Como produto de sua criação, na expressão evidente de sua humanidade, fabricaram-se ferramentas para o trabalho e armas para a defesa e para a caça; cultivou-se a agricultura e desenvolveu-se a pecuária. Homens e mulheres dominaram o fogo, formaram crenças e mitos para explicar os fenômenos da natureza, fundaram religiões que religaram e deram sentido à existência no mundo desconhecido. Por meio das artes, fizeram de sentimentos expressões visíveis nas rochas, nos utensílios, nas telas e na própria pele tatuada e prolongada por adornos que lhe atribuem significado e identidade (Gaya; Torres, 2004). A linguagem instaurou-se como forma de expressão e comunicação. Dos corpos, do movimento, da expressão, da comunicação e da linguagem, forma-ram-se distintos domínios culturais. Como afirmam Bento, Garcia e Gra-ça (1999, p. 109): Esses domínios culturais configuram construções de sentidos humanos da vida, com modificações da sua forma de expressão em concordância com a respectiva situação histórico-social e na dependência da força criativa de pessoas e grupos. Mais ainda, os domínios culturais distinguem-se uns dos outros precisamente pelo teor dos sentidos constituintes da sua estrutura interna, assim como por instituições sociais específicas e pelo surgimento de estruturas de normas e valores. Contudo, foi por meio do movimento, da expressão e da consciência corporal, da inteligência cinestésica, enfim, do reconhecimento de uma alma reencarnada, que homens e mulheres desenvolveram um conjunto de práticas com diversas formas e sentidos: a dança, o jogo, a luta, a ginásica, o esporte, o teatro, o circo, as terapias corporais, etc. Essas práticas corporais são polissêmicas e polimorfas (Bento, 2004; Bento; Garcia; Graça, 1999). Trata-se de uma série de linguagens e expressões corporais ricas de humanidade. Homens e mulheres, para além de expressões de sentimentos, motivações, desejos e crenças, desenvolveram e desenvolvem uma imensa tecnologia gestual, uma panóplia de ações: andar, TÓPICO 3 | AS IMAGENS SOCIAIS DO CORPO 31 correr, saltar, nadar, lançar, aparar, rolar, girar, pedalar, deslizar, chutar, rebater, dançar, representar. A todos e a cada um desses gestos, atribuem-se múltiplos sentidos e formas, o que vai muito além das exigências meramente funcionais. FIGURA 4 - ELEMENTOS DA CULTURA FONTE: O autor. 42 Adroaldo Gaya e Cols. nhecimentos diversos,
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